Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Sensibilização com a morte do velejador neozelandês Peter Blake, no Estado do Amapá. Alerta sobre o aumento da violência no meio da navegação fluvial da Amazônia.

Autor
Fernando Ribeiro (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Fernando de Castro Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TURISMO.:
  • Sensibilização com a morte do velejador neozelandês Peter Blake, no Estado do Amapá. Alerta sobre o aumento da violência no meio da navegação fluvial da Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2001 - Página 31416
Assunto
Outros > TURISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, HOMICIDIO, PETER BLAKE, NAVEGADOR, PAIS ESTRANGEIRO, NOVA ZELANDIA, ESTADO DO AMAPA (AP), DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, PREJUIZO, TURISMO, REGIÃO AMAZONICA.
  • ANALISE, AUMENTO, VIOLENCIA, NAVEGAÇÃO FLUVIAL, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, POLICIA MARITIMA, BENEFICIO, TURISMO.

O SR. FERNANDO RIBEIRO (PMDB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fato que me traz, hoje, à tribuna pela primeira vez diz respeito não somente ao meu Estado do Pará, que tenho a honra de representar nesta Casa, mas a todos nós amazônidas.

Ainda estamos chocados com a barbaridade do assassinato cometido na foz do rio Amazonas, no Estado do Amapá, contra Peter Blake. Grande velejador, neozelandês de nascimento, cidadão do mundo, Blake encontrou a morte no roteiro da expedição científica que realizava pelo mundo, exatamente no Estado do Amapá, nas águas tranqüilas do rio Amazonas. Ele tinha, entre outros títulos, o de Embaixador da ONU para questões de meio ambiente.

Seu assassinato teve, por parte da mídia mundial, um tratamento raramente visto em casos semelhantes. “Bárbaro assassinato no Brasil” - era a manchete lida em jornais de todas as partes do planeta.

Sua morte foi chorada e pranteada por todos aqueles que acompanhavam e admiravam sua trajetória, não somente na Nova Zelândia, mas em todo o mundo.

E, infelizmente, essa tragédia aconteceu em um porto brasileiro, revelando a ponta de um verdadeiro iceberg que ameaça a todos nós, amazônidas, qual seja o problema da insegurança na navegação fluvial, que existe atualmente nos rios e baías de toda a Região Amazônica e no Brasil como um todo. Somos assolado por uma onda de violência, de banditismo, decorrente em grande parte da crise econômica que faz com que a violência seja levada a extremos. Antes, o cidadão da Amazônia, no seu caminho pelo rio, tinha como ameaça apenas os perigos inerentes àquele meio de transporte, já que utilizava embarcações rústicas, muitas vezes não tecnicamente construídas, que o colocavam como um verdadeiro aventureiro, na medida em que os rios da Amazônia são vastos, largos, verdadeiros mares. Hoje, os mesmos perigos de sempre, como a precariedade da navegação e das embarcações, continuam e são agravados pela circunstância da insegurança gerada pela violência dos ditos “ratos d’água”.

Entenda-se, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: essa questão não é apenas uma extensão da violência urbana, como tem sido colocado aqui e ali na imprensa nacional, como se fosse um fato corriqueiro dos portos nas grandes cidades. Essa questão dos “ratos d’água” não ocorre apenas nos portos das cidades e das marinas ou nos barcos de turismo que porventura estejam em locais acessíveis a esses bandidos. Ela é uma realidade de todos os rios, de todas as baías, de todos os lugares onde haja a possibilidade de o navegador, de o embarcado ser alcançado por esses bandidos, que atuam de forma perversa e sanguinária.

Olhando-se os mapas da América do Sul e do Brasil, o aspecto que mais chama a atenção é a extensão da bacia fluvial amazônica. Por lá caminharam os nossos colonizadores e os nossos desbravadores. O amazônida é, naturalmente, um ribeirinho. Quando fundava-se uma cidade, ao longo do tempo, dava-se preferência à localização à beira do rio. O rio é, para nós, a nossa estrada natural. A rede fluvial amazônica, para a navegação de grande e médio porte, tem a extensão de 19 mil quilômetros quadrados. É uma extensão enorme e verdadeiramente incomparável a qualquer rede fluvial navegável no mundo.

A rede fluvial secundária, ou seja, os rios menores e igarapés, é realmente incontável, até porque, de acordo com as características geográficas da região, está em constante mutação. A erosão e a influência das águas fazem com que, de um ano para outro, apareçam rios e igarapés, que são as nossas estradas vicinais, digamos assim.

Dezoito milhões de toneladas de carga, por ano, são transportadas pelos rios da Amazônia e também estão sujeitas à ação desses bandidos. O mesmo que ocorre nas estradas, hoje, com o problema de roubo de cargas, ocorre em larga escala nos transportes fluviais, quer seja com o grande transportador e comerciante da área de carga, quer seja com o pequeno, que trabalha na compra e venda de mercadorias.

Noventa por cento do transporte de passageiros na Região Amazônica são feitos por meio dos rios. Se compararmos a movimentação de passageiros pelos rios, igarapés e lagos da Amazônia com a possibilidade de acesso por intermédio dos transportes aéreo e terrestre, esses dois últimos serão verdadeiramente insignificantes. O transporte fluvial é, para nós, além de o mais natural, também o mais democrático, porque, dependendo da circunstância e do poder aquisitivo do cidadão, ele poderá dispor de um navio ou, se não tiver dinheiro, de um barco rústico, dormindo em rede, ou mesmo de uma canoa montaria, que é a pequena embarcação a remo.

Sr. Presidente, de todas essas coisas, o aspecto mais devastador, além da perda de vidas que se fez de forma contundente, conhecida no mundo todo com a morte do navegador Peter Blake, e que também é um fato que acontece para o pequeno navegador, para o pequeno marítimo, para o passageiro, que muitas vezes sofrem violências - eu mesmo conheço casos de pessoas que tiveram os ossos da canela raspados a faca pela violência desses ratos d’água -, o maior dano que ocorreu com essa tragédia foi para a imagem da nossa região. Isso é uma injustiça com o povo pacífico e hospitaleiro da Amazônia, sempre receptivo a visitantes e a irmãos brasileiros emigrados de outras regiões, que para lá acorrem por lazer, por negócios, ou mesmo buscando melhores oportunidades de vida.

Os meios de comunicação internacionais e nacionais divulgaram largamente os perigos para quem se dirige à Amazônia por esse meio de transporte, o banditismo e a insegurança como ameaça para os que lá se aventuram. Isso, para nós, é um dano irreparável, é um prejuízo à imagem da Amazônia no momento em que o turismo ambiental e o turismo ecológico poderão ser a redenção da economia da nossa região.

Ao longo do tempo, o Brasil perdeu grandemente a possibilidade de usufruir do afluxo de turistas ao Rio de Janeiro. em áreas metropolitanas, pelo medo que os estrangeiros passaram a ter da nossa falta de segurança. E nós, lá no Pará, na Amazônia como um todo, estávamos relativamente imunes a esses problemas. Era comum grupos de turistas fazerem a sua programação exclusivamente pelos Estados do Norte e do Nordeste, porque manifestavam o receio que tinham de centros urbanos brasileiros, onde a violência é comparada à dos lugares mais perigosos do mundo. Para nós, isso era um fator diferencial. Mas fatos como esse vieram a comprometer de forma muito grave essa imagem de placidez, de tranqüilidade e de segurança que se tinha das aventuras amazônicas.

            Quando pensamos em turismo na Região Amazônica, dois aspectos são fundamentais e nos chamam a atenção de forma muito contundente: a floresta e o rio.

            Como pensar em explorar o turismo sem agredir o meio ambiente, ficando privado de se trilhar os caminhos naturais dos rios onde a floresta se encontra de forma abundante, e que é o verdadeiro fator de curiosidade?

            Ao longo da calha do Amazonas há pontos de atração para o mundo inteiro como o encontro das águas do rio Negro; no rio Tapajós Alter do Chão; na foz do Amazonas à Ilha do Marajó. E a possibilidade natural é a de que se tenha acesso a tudo por intermédio da navegação fluvial.

            Expedições para cá já foram feitas por grandes homens em busca de aventura e do conhecimento da realidade que a nós pertence e que por nós é desfrutada no cotidiano. Expedições como a de Jacques Costeau e a do financista americano Michael Forbes, que montou uma caravana de barcos e, há cerca de 10 anos, subiu o Amazonas explorando sua beleza. Mais recentemente, o milionário americano Bill Gates aqui esteve em lazer com inúmeros convidados. Nas comunidades que eles representam, motivam sempre o interesse pelo conhecimento turístico da Região e a exaltação do seu meio ambiente.

            Inicialmente, imaginei que o que faltava para coibirmos a escalada de violência que vitima desde o mais simples marinheiro, navegador ou passageiro da Amazônia até uma figura como a do navegador Peter Blake, eram políticas do Governo no sentido de dotar a Região de uma estrutura que nos possibilitasse reagir a essa escalada de violência.

            Pesquisando sobre o assunto, encontrei, no Plano Nacional de Combate ao Narcótico e Crime Organizado, entre as ações propostas, no Item XVI, a criação de Núcleos Especiais de Polícia Marítima - Nepom. De acordo com o Plano, entre as ações, está a criação de sete Núcleos Especiais de Polícia Marítima - Nepom - nas unidades do Rio Grande do Sul, Itajaí, Vitória, no Espírito Santo; Paranaguá, no Paraná; Foz do Iguaçu; Recife, em Pernambuco; e Belém do Pará, como instrumento de combate à pirataria e ao contrabando com a colaboração da Marinha. Isso foi festivamente anunciado pelo Ministério da Justiça e pelo Governo como medidas que iriam ser implementadas na questão da segurança pública no País. E, lamentavelmente, em relação ao que diz respeito à pirataria nos rios, nos mares, nos portos, nas baías, não só em nossa Região, apenas foram implementadas medidas no Porto de Santos e no Porto do Rio de Janeiro. A Polícia, por maior interesse que tenha, não dispõe, em nossa Região, particularmente a Polícia Federal, de uma embarcação para executar a sua tarefa de controle em colaboração com a Marinha sobre qualquer tipo de navegação nos rios da Amazônia.

É fácil nós imaginarmos que, implementadas essas medidas, poderiam, em larga escala, representar uma oposição à escalada dessa violência, uma vez que não é o mesmo que, por exemplo, um bandido puxar um carro para fazer um assalto. Lá, o bandido, que se utiliza desse artifício, tem que puxar uma lancha, uma voadeira, um barco para fazer o assalto. E seria muito mais fácil controlar esse tipo de roubo, até porque a oferta dessas embarcações é bastante limitada.

Sr. Presidente, quero, para finalizar, solidarizar-me com a população do Estado do Amapá que teve a infelicidade de ver o seu nome envolvido, como nunca ocorrera antes, na mídia nacional e na mundial nesse lamentável episódio, que poderia ter ocorrido em qualquer rio, em qualquer localidade da nossa remota Região Amazônica. Ressalto que é uma injustiça monstruosa contra a hospitalidade, contra a maneira aberta, a maneira fraterna com que nós, amazônidas, recebemos qualquer visitante, qualquer turista, qualquer pessoa que se aventure pela nossa querida e promissora Região.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2001 - Página 31416