Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da destinação de verbas orçamentárias aos programas e projetos que visam a redução da exclusão social. (Como líder)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO.:
  • Defesa da destinação de verbas orçamentárias aos programas e projetos que visam a redução da exclusão social. (Como líder)
Aparteantes
Pedro Simon, Valmir Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2001 - Página 31432
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, OBJETIVO, GARANTIA, GESTÃO, FINANÇAS PUBLICAS.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA SOCIAL, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, PROJETO, REDUÇÃO, POBREZA, BRASIL, IMPLEMENTAÇÃO, SETOR, SAUDE, EDUCAÇÃO, REFORMA AGRARIA, CULTURA, LAZER.
  • CRITICA, FORMA, UTILIZAÇÃO, DINHEIRO, ORÇAMENTO.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, AUTORIDADE, PROJETO, GARANTIA, CIDADANIA, POPULAÇÃO, BRASIL.

            A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, agradeço à minha Liderança por esta oportunidade. Muito brevemente, farei algumas considerações referentes ao projeto de minha autoria que está sendo relatado pelo Senador Pedro Simon e que institui a responsabilidade social.

            Eu gostaria de fazer uma breve comparação. A Lei de Responsabilidade Fiscal tem como objetivo impedir a gestão irresponsável do recurso público. Parâmetros de responsabilidade são definidos, e o desvio em relação a eles é apenado. O ente da Federação sofre restrições no que respeita, entre outros, à transferência de recursos e à concessão de aval para operação de crédito. As obrigações do titular do Poder responsável pelo desvio também são definidas, e a lei prevê seu impedimento e sujeição a processo penal. Essa é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo informações divulgadas pelos meios de comunicação, tal lei tem tido um resultado importante na medida em que o gestor público tem levado a cabo ações que alcançam os objetivos propostos pela lei, sob pena de sofrer as penalidades previstas na lei.

No Brasil, há mais de 50 milhões de pessoas pobres, 4 milhões de trabalhadores rurais sem terra e 15 milhões de jovens analfabetos. Recentemente, a Unicef publicou um relatório em que o País é citado como possuidor de uma realidade dramática, em que mais de 100 mil pessoas, entre mulheres, crianças e adolescentes, são vítimas da exploração sexual e da prostituição, em função das precárias condições de vida a que são submetidas, como um “meio” de sobrevivência. A prática do abuso sexual em relação às mulheres, principalmente adolescentes e crianças, é aviltante.

Sr. Presidente, com esse projeto de lei, estamos fazendo a junção de uma série de preocupações e iniciativas legislativas que surgiram no âmbito da Comissão de Combate à Pobreza. Uma delas resultou nesse projeto de minha autoria, que, ao criar a figura do orçamento social, tem por finalidade alocar recursos para todas as ações sociais, nas áreas de saúde, educação, reforma agrária, cultura, lazer, e nas várias modalidades que estariam dentro desse recorte de dar respostas sociais aos problemas do nosso País. O orçamento social demarcaria os recursos necessários para todos os investimentos de uma política séria, eficaz e competente de combate à exclusão social. Esses recursos não poderiam ser contingenciados ou remanejados, a menos que houvesse a prévia autorização do Congresso Nacional ou a justificativa de alguma catástrofe.

Como disse, essa foi uma iniciativa de minha autoria, inspirada no trabalho que realizamos sob a Presidência do Senador Maguito Vilela e que contou com a participação ativa de vários Senadores, entre eles Pedro Simon e Eduardo Suplicy. De sorte que não se trata, de acordo com a idéia da responsabilidade social, de uma proposta isolada. Não. Já estamos trabalhando um conjunto de ações que, com certeza, se aprovadas, terão uma repercussão significativa na vida do País no que diz respeito à problemática social.

O meu projeto tem também inspiração naquilo que já vem acontecendo no mundo empresarial: a cada dia, mais empresas estão imbuídas do propósito de apresentar resultados sociais. Além disso, hoje, algumas empresas têm preocupação com a problemática ambiental e social, com os direitos humanos e com a qualidade de vida das pessoas, encarando como instrumento necessário a ajuda no sentido de diminuir os problemas que são sentidos pelo nosso povo.

O projeto vai tratar da responsabilidade social dentro das instituições públicas, ou seja, a Federação, os Estados e os Municípios teriam também a responsabilidade de apresentar um desempenho social adequado em vários aspectos, pois, a cada dois anos, seriam publicadas as avaliações do desempenho, da qualidade de vida, do desenvolvimento humano das pessoas em cada um desses segmentos, seja em âmbito nacional, estadual ou municipal, as quais seriam analisadas pela sociedade brasileira. E, talvez, a população possa decidir punir pelo não-voto aquele gestor público que tenha os piores índices sociais, seja em razão do desvio de recurso público, da negligência, da incapacidade de sensibilizar-se com a alocação de recursos e meios para o combate à exclusão social.

E, aqui, quero fazer menção a uma formulação do ex-Governador Cristovam Buarque. Em um artigo que escreveu, não sei se no jornal O Globo ou em outro meio de comunicação, Cristovam disse que, a cada ano, no momento da aprovação do Orçamento da União, o nosso foco deve estar voltado para o Orçamento.

Mesmo sendo um Orçamento aprovado com toda a observância da legalidade, algumas injustiças e ilegalidades são cometidas, porque ferem o interesse público. E de que forma acontece isso? Em vez de se alocarem recursos para a escola, que vai ajudar na formação de jovens, que, no futuro, poderão ter alguma condição de vida nesta sociedade que, a cada dia, marginaliza as pessoas, destinam-se determinados investimentos para obras desnecessárias, visando apenas ao interesse de determinados segmentos que gostariam que aquelas obras cumprissem um determinado roteiro até chegar ao fim a que se propõem, que é exatamente o de facilitar a vida daqueles que vivem da construção civil ou algo semelhante.

Se colocarmos as nossas lentes no Orçamento, com certeza veremos vários investimentos, várias alocações de recursos que ali estão postas legalmente, sem que haja qualquer tipo de ilegalidade. Mas, do ponto de vista ético, há, sim, uma ilegalidade embutida, porque se trata de uma obra que, no que concerne às prioridades estratégicas para o Estado, para o País ou para o Município, não deveria ser contemplada. Na verdade, deveriam ser contempladas outras ações, como por exemplo, as da educação, da saúde, da reforma agrária, da geração de emprego e renda, de uma forma mais estruturada.

Ao falarmos na responsabilidade social, devemos pensar em quais são os mecanismos que nos levam a déficits sociais muito grandes, como é o caso do que ocorre no Brasil. Se o gestor público estiver imbuído do propósito ético de debelar a exclusão social, com certeza ele continuará alocando recursos para obras estratégicas de infra-estrutura, de desenvolvimento de longo prazo, mas também estará transferindo recursos de obras muitas vezes criadas para atender outros interesses para ações que sejam voltadas para a problemática social, com um maior retorno, do ponto de vista econômico, social, cultural e, sobretudo, moral e ético.

Esse projeto de lei, embora não tenha as penalidades que são previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, tem um alcance social importante e vai expor as decisões e prioridades do gestor público. No momento em que ele não se preocupar em obter melhores índices sociais, a cada dois anos será exposto à opinião pública como responsável por um péssimo desempenho no que tange à problemática social.

Ao elaborarmos uma lei como essa, que está sendo relatada pelo Senador Pedro Simon, estamos criando um mecanismo - pelo menos, é o que espero - de inibição à incompetência, à falta de prioridade para problemas fundamentais. Espero que, com isso, possamos criar uma competição positiva, não uma competição entre os que têm os piores desempenhos na área social, mas entre aqueles que tenham os melhores desempenhos nessa área.

Que bom seria se pudéssemos fazer um campeonato de norte a sul do País para sabermos qual prefeito ou qual Governo de Estado que está com os melhores investimentos sociais, tendo, no topo, o Governo Federal, alavancando todas as políticas públicas necessárias para que pudéssemos debelar essa mazela existente, em que mais de 50 milhões de pessoas pobres vivem abaixo da linha de pobreza!

No Estado do Acre, estamos buscando um caminho para se chegar a esse objetivo, com a criação do Orçamento Social, ao qual denominamos Adjunto da Solidariedade. E fico muito feliz em observar que, com parcos e escassos recursos do Estado mais pobre da Federação, estamos alcançando um resultado altamente positivo com essa iniciativa. Foram alocados recursos do próprio Governo do Estado para várias frentes de ação, que fazem parte de um programa que combina ações emergenciais com ações estruturais, como, por exemplo, a instituição da Bolsa-Escola para o atendimento a crianças carentes; a instituição da Bolsa Primeiro Emprego para os jovens do segundo grau; a instituição da Bolsa Florestania Universitária para os estudantes universitários carentes que vão trabalhar dentro do próprio programa; a instituição e realização, já em Rio Branco, do Pré-Vestibular Solidário, em que mais de seiscentos jovens estão sendo preparados para ter uma oportunidade na disputa que irão enfrentar no vestibular, curso esse que considero da mais alta relevância. Entendo que não basta darmos o 1º e o 2º Graus e depois não possibilitarmos a esses jovens carentes a oportunidade da realização do sonho de conseguir uma vaga na universidade.

Além do mais, quero aqui registrar que essas políticas estão sendo encaminhadas para o encontro de ações entre aquelas que vêm sendo levadas a cabo pelo Governo Federal, pelo Governo Estadual e pelas prefeituras. Por exemplo, uma linha de crédito como o Prodex - uma linha de crédito especial do Basa para os extrativistas - tem a sua linha de ação, o seu encontro, dentro dessas políticas públicas sociais às quais me referi. O FNO passa a ser uma linha com coerência interna dentro do recorte de projeto de desenvolvimento econômico e social que o Governo está levando a cabo.

Espero - se Deus quiser! - que possamos melhorar os índices sociais do Estado do Acre. Mas o meu sonho é que, com uma lei como essa, possamos exercitar nas instituições aquilo que devemos exercitar na nossa vida pessoal. Entendo que a responsabilidade social nada mais é do que o compromisso ético de cada indivíduo na função que ocupa. Se tenho o entendimento de que pobreza nos envergonha a todos, de que a miséria é uma forma de aviltar a condição da pessoa humana, com certeza vou traduzir o meu propósito e o meu compromisso ético de acabar com a exclusão social. Como Senadora, como Governadora, como Prefeita ou Presidente da República, onde quer que eu esteja, estarei dando a minha parcela de contribuição para que o mundo possa ser um pouco melhor.

É claro que se trata apenas de uma iniciativa de lei, mas a lei precisa se traduzir do ponto de vista prático. As pessoas que lidam com a criminalidade afirmam que o que incentiva o crime é a certeza da impunidade. Se as pessoas têm a certeza de que podem cometer o crime e não sofrer qualquer penalidade, elas são estimuladas a praticar mais e mais o crime. Quando o gestor público sabe que não sofrerá nenhuma penalidade pela negligência, pelo descaso, pelo desvio do recurso público não aplicado no sentido de debelar a problemática social, cada vez mais ele cuidará de seus interesses particulares ou de interesses que não são estratégicos para os fins a que estou me referindo e, então, não se sentirá inibido e dissuadido a continuar em seu caminho de prejuízos sociais para o conjunto do povo que dirige.

Essa proposta, ainda que singela, tem esse objetivo.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senadora Marina Silva, V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, ilustre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senadora Marina Silva, considero da maior importância a proposta de V. Exª. Fico emocionado ao ouvir o pronunciamento e a declaração de fé que V. Exª faz, no sentido do verdadeiro desempenho da ética. Diz bem V. Exª que depende da presença de cada um, depende de cada um fazer a sua parte. Mas faço este aparte por outra razão. V. Exª, na impetuosidade que hoje está manifestando em seu pronunciamento, nos anteviu - e vejo com alegria - que o seu objetivo é a Presidência da República. Temos, então, hoje, o nome da nobre Senadora Marina Silva lançado, por assim dizer, à candidatura à Presidência da República e eu reconheço que V. Exª tem todas as condições e toda a capacidade de chegar lá. Por mais que V. Exª esteja dizendo o que faria como Senadora, como Governadora ou como Presidente, acredito que o faz com profunda convicção, seriedade e capacidade. Na minha opinião, seria bom para o Brasil se tivéssemos uma Presidente como a nobre Senadora Marina Silva.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte do nobre Senador Pedro Simon. Como V. Exª é sempre muito generoso comigo, vou tirar o exemplo de Presidente da República. Utilizei apenas uma figura de linguagem, fiz uma comparação e posso dizer, onde quer que estejamos, como dona de casa, como professora, que é aquilo que gosto de ser e que durante a minha vida toda, antes de chegar aqui, estava fazendo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que quero dizer é que a nossa ética pessoal deve refletir a nossa ação pública, seja como mãe de família, dentro do pequeno coletivo que é o meu lar, a minha casa, seja dentro da minha sala de aula ou mesmo numa função importante, como aquelas a que me referi anteriormente, seja como governadora ou Presidente da República, ou numa pequena prefeitura, com o é o caso da menor do País, a de Santa Rosa.

Se temos esse compromisso e esse empenho ético em traduzir nossos valores reais de respeito à liberdade, à vida e à busca da felicidade, que fazem parte dos princípios dos direitos universais da pessoa humana, com certeza, isso se refletirá em nossas ações quando estivermos à frente de um cargo público e não apenas visando ao interesse particular de determinados grupos, como observamos.

O Sr. Valmir Amaral (PMDB - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte a V. Exª, com a aquiescência da Mesa.

O Sr. Valmir Amaral (PMDB - DF) - Senadora Marina Silva, sou admirador de V. Exª pelo trabalho maravilhoso que realiza nesta Casa. V. Exª está de parabéns pelo seu pronunciamento. Faço das palavras do Senador Pedro Simon as minhas. Fico ao seu lado, encantado com a sua luta pelo seu povo, pela bravura com que representa o seu Estado. Parabéns, Senadora, pelo lindo trabalho que faz nesta Casa.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Valmir Amaral, e as palavras de incentivo a esta luta em defesa do povo brasileiro, que, acredito, está no coração de todos nós.

Já vou concluir, Sr. Presidente. O Governador Cristovam Buarque disse que temos uma unanimidade no que consiste em acabar com a miséria e a pobreza. Não tínhamos essa unanimidade na época em que os abolicionistas quiseram acabar com o regime de escravidão em nosso País. Mas, mesmo não tendo essa unanimidade, eles conseguiram acabar com o regime escravocrata que nos envergonhava em plena era moderna.

Hoje, no Brasil, se fizermos um esforço do ponto de vista das ações concretas, já que temos tantas pessoas imbuídas desse propósito, conseguiremos acabar com a exclusão social. É isso que estamos advogando. É esse esforço que milhares e milhares de pessoas estão fazendo neste País para ajudar os 78 milhões, ou os 50 milhões, ou os 20 milhões. Apenas um pobre existente no País já seria motivo do nosso empenho, da nossa luta para que todos possam ter acesso aos meios necessários para o desenvolvimento da suas potencialidades.

E quando falo em acabar com a pobreza, não estou falando apenas da “política do estômago”. Estou falando que nem só de pão vive o homem, mas que ele precisa também estar satisfeito do ponto de vista econômico, social, cultural, da sua satisfação pessoal. Se limitarmos as nossas ações de combate à pobreza apenas ao estômago, não estaremos efetivando a dignidade da pessoa humana, que é muito mais do que um prato de comida.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2001 - Página 31432