Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do projeto de lei que "institui o Dia Nacional do Livro Infantil."

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Defesa da aprovação do projeto de lei que "institui o Dia Nacional do Livro Infantil."
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2001 - Página 31436
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, CRIAÇÃO, DIA NACIONAL, LIVRO, IMPORTANCIA, INCENTIVO, LEITURA, CRIANÇA.
  • HOMENAGEM, MONTEIRO LOBATO (SP), ESCRITOR, INCENTIVO, LEITURA, CRIANÇA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), CRIAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL DE INCENTIVO A CULTURA (PROLER), INCENTIVO, LEITURA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REVISÃO, FORMA, ACESSO, LITERATURA, REDUÇÃO, PREÇO, LIVRO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, na ocasião em que votamos o Projeto de Lei da Câmara n.º 111, de 2001, que “institui o Dia Nacional do Livro Infantil”, não poderia deixar de me pronunciar. Primeiro pela iniciativa, que acho da mais relevantes. Segundo, pelo propósito final da instituição desse dia. Em verdade, não queremos - apenas - que exista um dia do livro infantil. Mas que essa prática de leitura entre as crianças e jovens seja diária, de modo a elevar o padrão cultural de nossa gente.

Não poderia deixar de louvar a homenagem explícita a Monteiro Lobato, o patrono - com ou sem data - da literatura infantil no Brasil. Creio que ele, com sua inteligência e espírito empreendedor fez, sozinho, o que muitos governos e planos de governo não têm conseguido: criar uma obra de referência que é, ao mesmo tempo, de entretenimento, científica - e até filosófica - que é o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Uma obra que fala por si e garante sua continuidade, mesmo que seja em outros meios, como é o caso da adaptação para a televisão. Monteiro Lobato, com sua genialidade, tem ensinado gerações e gerações de brasileiros a lerem; mais que lerem, amarem a literatura.

E é nesse ponto que quero me fixar: o ato de leitura (principalmente a leitura literária, como é a infantil) é um ato de paixão e um ato de amor. Paixão porque tem a ver com o despertar de um sentimento de prazer e de desejo. As histórias, contadas por outras pessoas ou lidas pela própria criança quando já letrada, trazem o gosto de ler, a sensação de descoberta de um mundo novo, a suspensão da realidade para mundos fantásticos. De tal modo que ler corresponde a um prazer como o de comer um chocolate ou o de ver o time de futebol ganhar. Essa paixão não tem “razão”, não é ditada pela racionalidade. Posteriormente, quer-se que esse ato de paixão se transforme em ato de amor. De um sentimento mais duradouro, que vai conduzir a criança do gosto de ler um bom livro infantil para o gosto de ler outros livros literários e até livros técnicos, didáticos, científicos.

Em verdade, a criação de uma comunidade de leitores extrapola o mero objetivo do entretenimento. Vai além do objetivo educacional e perpassa o interesse científico. Gostaria de resgatar, aqui, o depoimento do escritor Alberto Manguel, argentino de nascimento e cidadão do mundo por opção, hoje residente no Canadá. Este ano, ele esteve no Brasil, na XIX Jornada Literária de Passo Fundo e trouxe um pouco de sua experiência de leitor, de escritor e de entusiasta da leitura. Por sinal, ele seria o modelo de leitor ideal: ainda garoto, trabalhando em uma livraria em Buenos Aires, ele teve o privilégio de servir como leitor para Jorge Luís Borges, quando este já se achava cego. Essa “iniciação”, de algum modo, projetou-o como grande divulgador da leitura.

Por ocasião de sua presença na Jornada, em depoimento à Revista Vox, o autor de Uma História da Leitura, afirma que, se uma sociedade compreende o compartilhamento de códigos, quanto mais códigos uma pessoa puder decifrar, mais poder ela terá. Essa possibilidade de os indivíduos deterem maior parcela de poder quase sempre entra em choque com os governos dessas sociedades. A estes últimos interessa governar indivíduos sem poder, pois é muito difícil governar pessoas livres, inteligentes e poderosas. “É por isso que as ditaduras são um esforço por tratar de governar absolutamente. A leitura, como permite um poder maior dentro da sociedade, é vista como algo perigoso, dentro das sociedades”, declara Manguel.

No Brasil, a universalização do ensino básico enfrenta um desafio crucial: além de propiciar o letramento - ou alfabetização -, é preciso manter as pessoas fazendo uso da leitura e da escrita. Não é à toa que mesmo as sociedades desenvolvidas, como a do Canadá, se vêem às voltas com o chamado “analfabetismo funcional”, ou seja, mesmo tendo aprendido a ler, a pessoa não faz uso dessa habilidade. As conseqüências são nefastas, numa sociedade da informação que exige cada vez mais indivíduos preparados.

E o incentivo à aquisição do hábito de leitura desde a mais tenra infância seria a melhor maneira de garantir que o letramento fosse duradouro, ou seja, que a pessoa, independentemente do grau escolar que alcançará no futuro, se mantenha como leitor: leitor de livros para entretenimento; de jornais para se informar e cultivar sua capacidade crítica; de textos técnicos, para se manter atualizado profissionalmente.

A pouca familiaridade com a leitura pode ser vista pelo número de livrarias no País: uma para cada 84,4 mil habitantes, segundo o Anuário Editorial Brasileiro. Já o Retrato da Leitura no Brasil demonstra que entre a população alfabetizada, com mais de 14 anos de idade e pelo menos três anos de instrução escolar, apenas 26 milhões de brasileiros costumam ler. Se compararmos esse número em termos absolutos, ele é 11% maior do que a população leitora da França e oito vezes do maior que o número de leitores em Portugal. Mas por que temos apenas 2.008 livrarias em todo o território brasileiro? Com certeza, muito menos do que em várias cidades do mundo, como Paris, Nova York e Buenos Aires.

As causas para essa situação são muitas, entre elas, infelizmente, está a inadequada “literaturização” das crianças na escola, ou seja, nem sempre a abordagem é a que mais facilita nas crianças o gosto pela leitura.

Preocupado com esse aspecto, o Ministério da Cultura, por intermédio da Secretaria do Livro e da Leitura, mantém diversos programas, entre eles, o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), que tem como objetivo articular iniciativas para despertar o interesse nacional pela leitura.

O Ministério da Educação, por sua vez, por meio do Programa Nacional do Livro Didático, distribui anualmente centenas de livros didáticos e paradidáticos, com o objetivo de propiciar o acesso das pessoas mais carentes a esse bem cultural.

Creio, no entanto, que, além dessas iniciativas, faz-se necessário rever as estratégias de acesso à literatura, principalmente as promovidas pela escola. Igualmente necessário é o barateamento do “objeto” livro, para que ele se torne mais acessível. Por incrível que pareça, quando o objeto é o livro infantil, ele se torna cada vez mais caro. Ilustrações, papéis e formatos especiais, enfim uma série de artifícios voltados para dar mais “atratividade” ao livro infantil encarecem-no para o consumidor. Como conseqüência, o acesso a ele é seletivo.

Por isso, os programas de incentivo à leitura infantil terão de levar em conta estratégias tanto de barateamento do livro como de acesso coletivo ao mesmo livro, por meio de bibliotecas comunitárias, por exemplo.

Mas creio que a criatividade de educadores e de promotores culturais é suficiente para prover esses meios. Por enquanto, no âmbito do Parlamento, aprovar iniciativas como esta do Dia Nacional do Livro Infantil já representam um grande passo para fazer do Brasil uma nação de grandes leitores.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2001 - Página 31436