Discurso durante a 177ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE MATERIA PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, DE JULHO PASSADO, INTITULADA "ESTADO DEBIL PERMEIA GUERRA ETERNA NA COLOMBIA". PREOCUPAÇÃO COM A PROGRESSIVA DEBILITAÇÃO DO APARELHO ESTATAL BRASILEIRO EM VIRTUDE DAS PRIVATIZAÇÕES E TERCEIRIZAÇÕES.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. PRIVATIZAÇÃO.:
  • COMENTARIOS SOBRE MATERIA PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, DE JULHO PASSADO, INTITULADA "ESTADO DEBIL PERMEIA GUERRA ETERNA NA COLOMBIA". PREOCUPAÇÃO COM A PROGRESSIVA DEBILITAÇÃO DO APARELHO ESTATAL BRASILEIRO EM VIRTUDE DAS PRIVATIZAÇÕES E TERCEIRIZAÇÕES.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2001 - Página 31646
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, ATIVIDADE, GUERRILHA, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, REPRESSÃO, PERTURBAÇÃO, ORDEM PUBLICA.
  • COMENTARIO, INCAPACIDADE, DEFICIENCIA, ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, IMPEDIMENTO, FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO PARAMILITAR, AUMENTO, VIOLENCIA, TUMULTO, ORDEM PUBLICA.
  • CRITICA, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO, DESCARACTERIZAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, BRASIL, EMPOBRECIMENTO, ESTADO.
  • DEFESA, PRESENÇA, ESTADO, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, ASSISTENCIA, EDUCAÇÃO, SAUDE, SEGURANÇA.

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            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o jornal O Estado de S.Paulo publicou, no mês de julho passado, interessante matéria assinada por Lourival Sant’Anna, intitulada “Estado débil permeia guerra eterna na Colômbia”.

            O texto inicia pelo relato de confronto entre torcidas de clubes de futebol rivais daquele país que, em viagem para assistir a partida entre seus times de predileção, encontram-se em diferentes pontos do trajeto e, sucessivamente, reiniciam a pancadaria, provocando danos materiais a estabelecimentos comerciais, residências e veículos das vizinhanças. Segundo o relato do periódico, enquanto os torcedores prosseguem seu deslocamento, a perturbação da ordem pública e a infringência da lei que por eles estava sendo promovida é objeto de repressão, primeiramente, por um grupo paramilitar, em seguida, por um grupo guerrilheiro esquerdista e, somente na terceira oportunidade, pela polícia.

            No dizer do jornalista, essa intervenção do Estado apenas na terceira chance - ou seja, após duas intervenções de entidades paraestatais - representa até um resultado positivo para os padrões colombianos, pois em extensas áreas, espalhadas por todo o território daquele país, a população, entregue à própria sorte, em zonas sob controle ou influência da guerrilha e dos paramilitares, não recebe a proteção de policiais ou militares há muito tempo.

            O episódio relatado serve apenas para ilustrar a debilidade e a ausência do Estado colombiano em significativa parcela do seu território. Na seqüência, o jornalista dedica-se à tentativa de explicar as razões e origens dessa situação.

            São resgatadas as palavras do dirigente liberal Luis Carlos Galán, assassinado em 1989 quando era candidato à presidência, de que na Colômbia há “mais território do que Estado”, bem como entrevista concedida em 1998 pelo então comandante de operações da Polícia Nacional, General Alfredo Salgado, segundo a qual o território colombiano, de 1 milhão 139 mil quilômetros quadrados, seria vasto demais e suas fronteiras difíceis de guardar, com o Pacífico a oeste, o Caribe ao norte e a Amazônia a leste. Essa situação cristalizou-se numa perceptível resignação, por parte das autoridades colombianas, quanto às dificuldades de ocupar esse território.

            Como diz o chavão, a política não comporta vácuos. Assim, o Estado ausente é substituído por grupos privados. Em julho de 1999, o comandante Raúl Reyes, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC, justificava em entrevista a O Estado de S.Paulo as extorsões de empresários, fazendeiros e narcotraficantes como “cobranças de imposto”; e os seqüestros, como forma de cobrar o devido pelos “sonegadores” - com multa.

            De fato, na origem mesma dos grupos paramilitares colombianos está a constatação da incapacidade do Estado de cumprir suas funções. Esses grupos tiveram origem em empresas e cooperativas de segurança privada criadas para proteger fazendeiros, empresários, comerciantes e mineiros das extorsões e seqüestros da guerrilha. Tanto assim que muitos colombianos, sobretudo de classe média, consideram os paramilitares um exemplo de boa intenção que se degenerou em algo negativo; a busca de uma solução que passou a ser parte do problema.

            Estabelecida essa premissa de que são a ausência e a debilidade do Estado que explicam o nível desmesurado de violência no país vizinho, parte a matéria jornalística para o questionamento das razões de ser o Estado mais débil e ausente em comparação com outros países da região, com níveis de riqueza e desenvolvimento similares ou até inferiores aos da Colômbia.

            É reportada, então, uma pesquisa do economista Santiago Montenegro, realizada para a Universidade Los Andes, de Bogotá, apontando que a causa dessa debilidade está no alto grau de descentralização do Estado colombiano, descentralização, por sua vez, vinculada à distribuição extraordinariamente homogênea da população no território. Aplicando o método do índice Gini de concentração de renda para medir o nível de concentração populacional, o economista verificou que, numa escala de 0 a 1, a Colômbia tem o menor índice de concentração populacional da América Latina, situado em 0,42, seguida pelo Brasil, com 0,49. Esse baixo grau de concentração ajuda a explicar a fragmentação do poder entre as regiões e a debilidade do governo central.

            Sr. Presidente, Srªs Srs. Senadores, trago à tribuna essa análise da realidade vivida pelo país vizinho porque tenho a convicção de que podemos dela extrair lições valiosas e atuais, a serem aplicadas aos rumos que devemos traçar para o Brasil.

            O que podemos extrair de mais relevante da experiência colombiana, me parece, é o aprendizado das trágicas conseqüências que advêm da debilitação do Estado. Como demonstra de forma incontestável a realidade vivida por nosso vizinho, a ausência do Estado implica necessariamente sua substituição por entes privados, que passam a exercer suas atribuições mais privativas, mais indelegáveis, como a segurança pública e o recolhimento de impostos.

            Aí, então, vive-se a anarquia, na acepção primeira do termo, da qual derivam, semântica e faticamente, as demais. Com a ausência de governo, tem-se a desordem generalizada, a confusão completa, o império da lei do mais forte.

            Ao longo dos últimos anos, sob o influxo da onda neoliberal, os paladinos do Estado mínimo muito avançaram em sua tarefa de desmonte do aparelho estatal brasileiro. Nossa pujante, moderna e lucrativa empresa pública de telecomunicações, a Telebrás, foi privatizada. Mesma sorte teve a Companhia Vale do Rio Doce, que, mais do que uma empresa, podia ser qualificada como uma verdadeira agência de fomento ao desenvolvimento nacional. Rompeu-se o monopólio exercido pela Petrobrás, desconsiderando-se sua lucratividade e seu sucesso mundialmente reconhecido no desenvolvimento da mais moderna tecnologia para exploração submarina de petróleo.

            E mais não cessam de urdir os arautos da chamada “modernidade”, os apóstolos da absoluta supremacia do mercado. Solapam as estruturas da saúde pública, em benefício dos planos privados de assistência à saúde. Minam a qualidade da educação pública, principalmente a de nível universitário, para favorecer a mercantilização do ensino. Desvalorizam e difamam o serviço e o servidor público. Tentam dar personalidade jurídica de direito privado aos conselhos de fiscalização das profissões liberais, desprezando o fato de que estes exercem poder de polícia - ao realizar a fiscalização do exercício profissional - e de que desempenham atribuição típica do fisco - ao recolher contribuições obrigatórias dos profissionais afiliados.

            A mim, Srªs e Srs. Senadores, muito preocupa essa progressiva debilitação do aparelho estatal brasileiro pela febre das privatizações e das terceirizações. Inquieta-me, de modo particular, a descaracterização do serviço público, pela restrição das prerrogativas que lhe são próprias àquelas carreiras definidas como “típicas de Estado”. Penso haver sérios riscos na progressiva terceirização de funções antes exercidas, com exclusividade, por servidores públicos de carreira. Afinal, o desmonte do serviço público é o desmonte do Estado, e as conseqüências de um Estado débil e ausente, já vimos quais são.

            Principalmente na condição de representante de uma Unidade da Federação que integra a Região Norte, sou sensível à necessidade de uma forte presença do Estado na ocupação do território nacional. Penso que devemos tomar como um alerta o fato de que alguns daqueles fatores identificados como responsáveis pela debilidade do Estado colombiano estão presentes também no Brasil.

            Como vimos há pouco, um dos motivos apontados para a ausência do Estado colombiano em extensas áreas de seu território é a vastidão deste. No entanto, o território colombiano possui 1 milhão 139 mil quilômetros quadrados, menos de um sétimo do brasileiro. Nossa região Norte, considerada por si só, é quase 3 vezes e meia maior do que a Colômbia. Também quando nos referimos à distribuição extraordinariamente homogênea da população colombiana no território do país, mencionamos que, na América Latina, o Brasil vem logo a seguir, classificado como o País com o segundo menor índice de concentração populacional.

            Urge, portanto, que o Estado se faça fortemente presente em todos os quadrantes do território nacional, principalmente naquelas regiões onde sua presença, hoje, é menos sentida, nas regiões menos povoadas e menos desenvolvidas, das quais a Amazônia é o exemplo mais flagrante. Nesse sentido, sobreleva a importância de projetos como o Calha Norte e o Sivam, vitais para a garantia de nossa soberania sobre o território pátrio.

            Vale também lembrar, aqui, a nova conjuntura que se começa a desenhar no país vizinho, a partir das últimas eleições presidenciais e da implementação do chamado “Plano Colômbia”. Tudo indica que o cerco começará a se fechar sobre a guerrilha, os grupos paramilitares e os narcotraficantes. Nesse contexto, é evidente o risco de que meliantes de todos os matizes, acossados nos territórios onde até então se abrigavam, passem a buscar novos refúgios, inclusive cruzando fronteiras. Teremos, portanto, de fazer frente a uma nova ameaça, para o que será imprescindível reforçar a presença estatal na Amazônia.

            E quando falo de presença estatal, não me refiro apenas à presença de efetivos militares e destacamentos policiais. Igualmente importante para a afirmação da soberania nacional é a presença do Estado na assistência à saúde, na melhoria nos níveis educacionais, na garantia da segurança alimentar, na implementação de padrões mais elevados de administração nos governos locais, em todos os aspectos, enfim, da vida social das comunidades mais afastadas dos grandes centros.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a febre da terceirização e da privatização vem debilitando progressivamente o Estado brasileiro. Essa é uma situação que pode acarretar sérios riscos à soberania nacional, à segurança, à tranqüilidade e ao bem-estar da população brasileira, particularmente aquela residente nas regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos.

            Os exemplos que nos vêm de outros países devem servir como um sonoro alerta em relação a esses riscos. É imprescindível fortalecer o Estado brasileiro e assegurar sua presença em todas as partes do território nacional.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo15/3/2410:02



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2001 - Página 31646