Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo pela aprovação, no Senado Federal, da restrição à imunidade parlamentar.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Apelo pela aprovação, no Senado Federal, da restrição à imunidade parlamentar.
Aparteantes
Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2001 - Página 31787
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • IMPORTANCIA, VOTAÇÃO, PRIMEIRO TURNO, SENADO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, RONALDO CUNHA LIMA, SENADOR, RESTRIÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR, EXERCICIO, MANDATO PARLAMENTAR, REFORÇO, ORGANIZAÇÃO POLITICA, PRESERVAÇÃO, ETICA, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ETICA, POLITICA, CRITICA, IMUNIDADE PARLAMENTAR, TRANSFORMAÇÃO, PROTEÇÃO, IMPUNIDADE, AMEAÇA, DEMOCRACIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje esta Casa deve votar, em primeiro turno, o projeto que restringe a imunidade parlamentar. Há muito tempo a sociedade brasileira vinha clamando por essa modificação. Partiu justamente do Senado Federal a iniciativa deste projeto de efetivamente colocar, nos termos adequados, a imunidade parlamentar.

            Sr. Presidente, não só a imunidade parlamentar é o tema que domina a questão política. Mais amplo do que a imunidade parlamentar está a questão da ética na política. Nesse particular, os últimos acontecimentos envolvendo o Congresso, o Judiciário, figuras proeminentes do Poder Executivo e a classe política como um todo trouxeram de volta à ordem do dia a questão da ética.

            Não apenas aqui no Senado ou na Câmara, mas nos meios de comunicação, nas academias e nas ruas, volta-se a falar desse tema, que é tão antigo quanto a própria humanidade.

            Resta saber se nós, classe política, teremos a coragem e o discernimento para enfrentar as questões que realmente interessam. E se digo isso com uma ponta de angústia, não é por pessimismo, mas por um realismo crítico. E essa atitude crítica vem da observação de episódios passados, em que a classe política não teve o correto discernimento, não sentiu de maneira adequada o pulso da opinião pública e acabou optando por soluções corporativas.

            É preciso reduzir essa questão da ética ao seguinte ponto: a ética é o “agir para fora”, ou seja, todas as vezes em que atuamos na sociedade, há um componente ético. E esse componente poderá ser no sentido de respeitar os direitos dos outros ou pisoteá-los, no sentido de seguir a lei ou de burlá-la. Muitas já foram as formulações sobre a ética, mas em comum temos o fato de que a ética é sempre de seu tempo, ou seja, ela não está dissociada das escolhas feitas pelas sociedades no momento em que vivem as crises.

            Creio, pois, que devemos nos debruçar sobre o que seria a ética de nosso tempo para, a partir da negociação, de uma ampla discussão, traçarmos os perfis de atuação. Porque a ética não é mais que isso: um contrato resultante de uma negociação feita entre os membros de uma determinada sociedade.

            E, nesse particular, Senadores e Deputados têm muito a contribuir, pois os olhos da cidadania estão mais voltados, mais do que nunca, para este Congresso, já que o Executivo e o Judiciário são Poderes menos acessíveis à opinião pública e à própria imprensa.

            Particularmente, a grande crítica que se faz aos parlamentares é ao modo como o estatuto da “imunidade parlamentar” tem, gradativamente, se transformado em “impunidade” para parlamentares que não agem de maneira ética.

            Portanto, faz-se oportuno repetir que o Senado, hoje, vai, em primeiro turno ainda de votação, resgatar uma iniciativa que foi sua de efetivamente reduzir a questão da imunidade parlamentar aos termos adequados à própria atividade.

            E nesse ponto reside a grande fragilidade das nossas organizações políticas: se chegarmos a um nível de descrédito muito alto, romper-se-ão os laços entre as instituições democráticas e a cidadania. E o primeiro passo para isso é a falta de legitimidade que ameaça tomar conta de todas as nossas instituições públicas.

            Como afirma o jurista Miguel Reale Júnior, o Estado de Direito pressupõe a responsabilidade objetiva. Sem ela, esboroam-se as bases dessa conformação estatal de que tanto nos orgulhamos.

            Mas se os políticos, assentados em altos cargos governamentais, dão-se ao luxo de fugir às responsabilidades que lhes são cometidas, teremos ameaçada a própria democracia e a tão decantada estabilidade econômica.

            O estatuto da imunidade parlamentar, que está sendo reavaliado pela segunda vez, foi criado para defender deputados e senadores da tirania de um Executivo que os quisesse subservientes e utilizasse de mecanismos ditatoriais para calar a voz dos políticos que se levantassem contra tal tirania.

            Desse ponto de vista, deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Mas “opiniões”, “palavras” e “votos” proferidos no exercício do mandato parlamentar.

            Com o intuito de prevenir contra eventuais abusos, previu a Constituição que “os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente sem prévia autorização de sua Casa”. Entretanto, essa garantia, que deveria ser de natureza política, contra tiranias políticas, tem-se transformado em escudo para pessoas que cometem crimes comuns e, uma vez protegidas pelo manto da imunidade parlamentar, logram livrar-se da Justiça.

            Portanto, o projeto que hoje reexaminamos tem esse condão.

            O Sr. Ronaldo Cunha Lima (Bloco/PSDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Antes de conceder o aparte ao ilustre Senador Ronaldo Cunha Lima, quero citar dois casos do meu Estado. O primeiro é de uma pessoa famosa, envolvida no caso do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, o Sr. Fábio Monteiro de Barros, que, pouco antes de aquele escândalo acontecer, foi candidato a suplente de Senador no meu Estado, levado por políticos de lá. Portanto, se tivesse sido eleito, com certeza, hoje, estaria protegido pelo manto do que chamamos de imunidade parlamentar. Igualmente no meu Estado - e já citei esse caso na discussão do projeto da imunidade parlamentar -, um cidadão, que nunca tinha estado em Roraima, de descendência de cidadãos de Taiwan e que deve ter sido financiado por empresários daquele país, gastou uma fortuna e partiu de zero nas pesquisas para chegar em segundo lugar na corrida nas recentes eleições para o Senado Federal. Se tivesse sido eleito, ele não teria sido preso pela Polícia Federal, como foi há poucas semanas, por crimes cometidos no Maranhão e no Ceará.

            Esses são exemplos práticos de como essa revisão, essa restrição, essa atualização ética da imunidade parlamentar é realmente importante para que este Congresso cada vez mais se dignifique e possa corresponder às expectativas do povo.

            Concedo o aparte ao Senador Ronaldo Cunha Lima.

            O Sr. Ronaldo Cunha Lima (Bloco/PSDB - PB) - Senador Mozarildo Cavalcanti, em primeiro lugar, quero cumprimentá-lo pela oportunidade e pela seriedade do seu pronunciamento; em segundo, gostaria que V. Exª me permitisse relembrar que a minha primeira iniciativa ao entrar nesta Casa foi apresentar uma proposta de emenda constitucional sobre a imunidade, nos termos em que a Câmara aprovou. Inclusive propus que se concedesse prazo à Casa Legislativa para apreciar os pedidos vindos do Judiciário. E decorrido esse prazo, caso nada fosse definido, a licença automaticamente estaria concedida. E fui mais, propus que o Judiciário, independentemente de autorização ou não, abrisse o processo e começasse a instrução, e só após a instrução concluída é que a Casa poderia ser ouvida, já com base na prova colhida pelo Judiciário. Essa foi a primeira proposta que apresentei, em 1995, seguida por uma outra do Senador Pedro Simon, que foram juntas para o substitutivo do Senador José Fogaça. Por isso, estou à vontade e a cavalheiro para votar a matéria e louvar V. Exª pela propriedade e pela seriedade com que trata o assunto, acrescentando essa informação que considero oportuna e valiosa, já que fui o autor da primeira PEC sobre a imunidade parlamentar. E ainda cheguei mais, propus, também, que se transferisse para a competência do Tribunal do Júri determinados delitos depois que o Judiciário o entendesse, e denunciasse o parlamentar, se incurso em alguma pena por crime doloso, estabelecendo prazos para que as Casas Legislativas deferissem ou não o pedido de solicitação do Judiciário para o processo, que poderia ser aberto independentemente da apreciação legislativa. Com esses esclarecimentos, renovo a V. Exª os meus cumprimentos e meus aplausos, acrescentando apenas esse detalhe informativo para restabelecer a verdade histórica a respeito da tramitação da matéria. Obrigado, Excelência.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Senador Ronaldo Cunha Lima, eu é que agradeço o aparte de V. Exª. E digo mais, os aplausos maiores devem ser para V. Exª, que foi quem tomou a iniciativa de apresentar um projeto com esse intuito. Sabemos, portanto, que o projeto que estamos hoje apreciando, depois de ter retornado da Câmara dos Deputados, teve origem no Senado. E esse projeto vai, efetivamente, como já disse em outra parte do meu pronunciamento, colocar a imunidade parlamentar nos termos que sempre deveria ter existido: restrita à atividade parlamentar daquele que vem eleito pelo povo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temo que tal dispositivo, de origem tão nobre, tenha se transformado em mecanismo de burla da Justiça, da liberdade de opinião e da própria cidadania. E temo ainda mais: que a persistir tal instrumento e tal prática, mais e mais delinqüentes procurem salvaguarda de um mandato parlamentar para se livrarem das garras da lei e, o que é pior, para continuarem a agir impunemente.

            Felizmente, parece que estão contados os dias daqueles que buscavam, no mandato parlamentar, um manto de impunidade, porque com a votação de hoje e com a votação que faremos no segundo turno - ainda nesta convocação extraordinária - acabaremos com a figura retrógrada da imunidade travestida de impunidade.

            Nos últimos dois meses a Câmara dos Deputados debateu e fez aprovar um Código de Ética e Decoro Parlamentar, a exemplo do que já existe no Senado Federal. Aliás, é bom frisar que o Senado Federal - maior Casa Legislativa do Brasil - já tem um Código de Ética, datado de 17 de março de 1993, que inclusive já foi aplicado em diversas ocasiões.

            E a Câmara dos Deputados, seguindo o exemplo, aprovou o Código de Ética, considerado pelo seu Presidente como um avanço, pois permite dar maior celeridade a processos, cria mecanismos para obrigar a votação dos processos de cassação, dá maior autonomia à Comissão de Ética para aplicar pequenas penalidades e estabelece regras para dar maior transparência aos ganhos financeiros dos deputados. É o Código ideal? Talvez não, mas é o Código possível, foi o Código possível e é isso o que prego: que negociemos as regras possíveis, que as aprovemos e as implantemos. E quem irá ganhar com isso, em primeiro lugar, será a própria instituição da imunidade parlamentar; em segundo, ganhará a democracia, pois à medida que se fortalece o Parlamento, fortalece-se a democracia.

            Como membro da Comissão de Ética, que acompanhou os últimos acontecimentos no Senado, percebo que há necessidade de explicitar muito mais claramente o que entendemos por quebra de decoro parlamentar e por violação da ética. Há muitas questões que beiram à subjetividade e a subjetividade é sempre perigosa quando se trata de julgar qualquer pessoa.

            Entretanto, saibamos de uma coisa: se não forem os Parlamentares que tomarem a iniciativa para preservar a ética no Congresso, será a sociedade que o fará. Nos últimos episódios, com uma cobertura extensa da imprensa, que deu maior visibilidade aos fatos, vimos o quanto os cidadãos se posicionaram claramente, condenando os abusos apontados. Mas quero fazer um reparo à própria imprensa, Sr. Presidente, que, no afã de informar e de levar à opinião pública aquilo que talvez pudesse estar escondido nos bastidores, muitas vezes age de forma inquisitorial, lançando sobre a vida ou sobre a reputação dos cidadãos pechas que, às vezes, nunca mais se pode apagar.

            Quero lembrar o caso do ex-Deputado e ex-Ministro Alceni Guerra, que sofreu uma intensa campanha da imprensa, foi demitido e depois de muitos anos foi absolvido pela Justiça. Mas aquele sofrimento, aquela mácula lançada sobre sua honra causou-lhe enormes prejuízos pessoais, familiares e de difícil reparação. Por isso, também a imprensa deveria se pautar por um código de ética muito severo, para que não houvesse o apoio a determinado tipo de inquisição, que facilita o surgimento de gestos autoritários.

            Após os últimos episódios, espero que nos debrucemos, com maior serenidade, sobre as cláusulas que consideramos imprescindíveis para manter a imunidade. E isso está nesse projeto que hoje votaremos em primeiro turno. Quanto às outras, que servem de manto a detratores da lei, que as afastemos, pois são normas que acobertam condutas antiéticas. E quem quiser ser antiético que seja, mas que esteja ao alcance da lei para ser punido como qualquer um. Parlamento e imunidade parlamentar não podem se prestar a vilezas.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, apelando, de antemão, para que aprovemos por unanimidade o projeto que hoje vai a votação nesta Casa sobre as restrições à imunidade parlamentar.


            Modelo15/3/249:49



Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2001 - Página 31787