Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO JUDICIARIO E SUA VINCULAÇÃO AO PROCESSO DEMOCRATICO EM ANDAMENTO NO PAIS. (COMO LIDER)

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO JUDICIARIO E SUA VINCULAÇÃO AO PROCESSO DEMOCRATICO EM ANDAMENTO NO PAIS. (COMO LIDER)
Aparteantes
Artur da Tavola, Casildo Maldaner, Edison Lobão, Gilberto Mestrinho, Lindberg Cury, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 20/12/2001 - Página 32114
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, JUDICIARIO, CRITICA, DITADURA, REDUÇÃO, PODER.
  • DEFESA, AUTONOMIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, BENEFICIO, DEMOCRACIA, GARANTIA, POPULAÇÃO, ACESSO, UTILIZAÇÃO, JUDICIARIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, talvez seja coincidência deixar a tribuna um médico - ouvimos o Senador Benício Sampaio - e, logo após, dela fazer uso um profissional do Direito. Talvez, quem sabe, porque o advogado é, sem dúvida alguma, o cirurgião plástico do fato. Observe como há uma coincidência no que pretendo expor numa fala despretensiosa sobre o discurso que resolvi intitular “A democratização do Poder Judiciário”. Quero fazê-lo no instante em que, lamentavelmente, não se conseguiu concluir a análise e votação da reforma do Poder Judiciário na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas isso define a posição de quem reconhece a importância do Poder Judiciário numa democracia.

            Quero fazê-lo, Sr. Presidente, não em termos de quem vai analisar questões polêmicas, como a “súmula vinculante”, como o Conselho Nacional de Justiça. Por isso peço a atenção dos eminentes colegas porque desejo, em verdade, motivar uma reflexão que deve preceder o debate dos tópicos pontuais, que é aquela sobre o papel do Judiciário no Brasil e sua vinculação com os avanços e retrocessos no processo democrático em momentos históricos relevantes.

            Embora disposto a empreender o desafio, tenho consciência das limitações que um pronunciamento desta natureza impõe à tarefa e conto, para tanto, com a benevolência dos colegas que me concedem a honra de ouvir-me.

            No Brasil, após o período de dominação metropolitana, quando o poder monárquico reinava absoluto, com a malograda convocação de uma Assembléia Constituinte, em 1823, foi outorgada pelo Imperador a primeira Constituição Brasileira, em 25 de março de 1824, dando início à nossa institucionalização política.

            Na Constituição Brasileira do Império, a atividade jurisdicional não era monopólio do Poder Judicial, mas o exercício era dividido com o Conselho de Estado, a quem competia o contencioso administrativo, e com o Poder Moderador, por meio dos atributos constitucionais.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Senador Bernardo Cabral, como se trata de assunto muito importante, permito-me interromper o seu brilhante pronunciamento sobre matéria pela qual V. Exª está lutando muito, para pedir ao Senador Edison Lobão que assuma a Presidência dos trabalhos, enquanto vou reunir-me com as Lideranças da Câmara dos Deputados. Peço escusas a V. Exª.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Agradeço a V. Exª e espero que continue firme nas chamadas coações afetivas que possam surgir.

            O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Concedo o aparte ao Senador Artur da Távola.

            O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senador Bernardo Cabral, pelo início do seu discurso - interrompido, acredito, que em boa hora porque uma missão da Câmara dos Deputados veio trazer a esta Casa e ao Presidente questões relacionadas com a aprovação do Orçamento, matéria significativa -, tenho a pretensão - desculpe-me - de haver atingido o cerne daquilo que V. Exª pretende dizer. Quando se refere à democratização do Poder Judiciário, a meu juízo, V. Exª está a falar na democracia. Por quê? Porque, na medida em que um País tem o Poder Judiciário organizado, é só por intermédio dele que se estabelece o equilíbrio dos poderes harmônicos e independentes. Repare V. Exª em um fato curioso da vida brasileira. Hoje em dia, qualquer forma de reivindicação em relação a autoridades, a Governo, ao que seja, é feita com passeatas para o Poder Executivo resolver, ou não, ou pelos meios de comunicação. Por quê? Porque não se faz por intermédio do Poder Judiciário. O Poder Judiciário, em países em que a democratização aventada por V. Exª funciona bem, é quem dirime e resolve problemas praticamente em todos os níveis da atividade humana. Assim, o fator de equilíbrio da democracia talvez não seja, como se pensa, apenas o Congresso Nacional aberto e livre a debater. Ele implica, necessariamente, uma presença atuante do Poder Judiciário para dirimir todas as formas de conflito. E o que é uma sociedade senão um caldeirão de conflitos? Desde os conflitos na área privada, entre pessoas; desde os conflitos entre pessoas e o Poder Público; desde os conflitos nacionais, internacionais, entre instituições; até os complicadíssimos conflitos do Direito Internacional Privado, que, em última análise, acabam sendo resolvidos pela lei de um dos países litigantes. Por essa razão, gostaria de saudar o discurso de V. Exª. Aproveitei-me do momento de interrupção para que V. Exª depois não perca o fio da meada. V. Exª está a tocar no cerne da questão democrática. Isso é muito pouco lembrado, Senador Bernardo Cabral. V. Exª está conseguindo essa lembrança. A idéia que se tem de democracia é a de todos dizendo o que querem no Parlamento. Claro que é. Tanto quanto é um Poder Judiciário que se democratiza internamente, também ele, em suas deliberações, em seus processos, e estando ele organizado, presente, vivo, no dia-a-dia da sociedade, e não exclusivamente nos momentos de grandes litígios, como normalmente se costuma chamar. Por isso, eu queria saudar esse discurso. Sou testemunha, companheiro seu de mandatos desde 1987, quando começamos a Constituinte - portanto já há 14 anos -, da diligência de V. Exª, da luta indormida de V. Exª nessas questões ligadas ao Poder Judiciário, e não apenas como ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, que V. Exª foi, como Relator-Geral da Constituição e, ao mesmo tempo, nesses últimos sete anos, como Senador aqui nesta Casa. É o testemunho que eu queria lhe dar. Considero da mais alta relevância o que V. Exª está a enumerar. E desculpe interrompê-lo, apenas me aproveitei da interrupção eventual para deixar que V. Exª possa prosseguir nessa linha de raciocínio.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Artur da Távola, eu diria uma interrupção sob as bênçãos da Providência Divina.

            Talvez, Senador, neste momento, nesta Casa, possamos dar um testemunho juntos, V. Exª e eu, do que é um Poder Judiciário enfraquecido, sem as suas garantias constitucionais. V. Exª e eu, porque ambos fomos cassados. Quando V. Exª foi cassado, era o meu amigo Paulo Alberto Monteiro de Barros.

            Hoje - nós dois éramos Deputados -, aquela diáspora que motivou a nossa cassação, suspensão dos direitos políticos, cedeu lugar ao encontro neste Senado.

            Neste Senado, V. Exª, que foi da Assembléia Nacional Constituinte uma das figuras mais importantes, que tanto ajudou o Relator-Geral, lembra-me que ambos somos da época do cinema preto e branco. Depois é que veio o cinema colorido. A juventude de hoje talvez não saiba o que era o preto e branco, mas posso lhe dizer que, se o meu discurso agora é de preto e branco, o aparte de V. Exª é um aparte colorido, que dá a ele nuanças que talvez não tivesse, porque até se antecipa no que vou dizer, como homem que tem o dom da previsão e, sem dúvida nenhuma, consegue, num aparte brilhante, como sempre acontece, pegar o conteúdo filosófico do que quero aqui trazer.

            Tanto assim o é que tive o cuidado de fazê-lo por escrito. Quero que isso fique registrado nos Anais do Senado. Dá-se pouca importância ao Poder Judiciário, e como bem disse V. Exª, é um tripé, sem o qual não existe democracia. Por isso, fiz o registro histórico.

            Retomo, sabendo que V. Exª, eventualmente, já fez a moldura de um quadro, de uma pintura que talvez não merecesse o brilho da moldura. Mas fico feliz em ter recebido o aparte de um companheiro, como Artur da Távola, eu o registro e o incorporo ao meu pronunciamento.

            Sr. Presidente, o modelo constitucional imperial, acentuadamente centralista e autoritário, dificultava qualquer reação por parte do Poder Judicial, que não conseguia superar a sua própria fragilidade. Os excessivos instrumentos legais, produzidos antes e depois da Constituição imperial - revogando, modificando ou inovando em relação ao Poder Judicial - atestam sua luta pela conquista do monopólio jurisdicional e o desgaste que a centralização política representava na condução de assuntos jurisdicionais e administrativos, evidenciando a necessidade de se concretizar, nítida e definitivamente, a opção pela separação dos poderes, de forma a retirar do Poder Judicial o caráter de poder proscrito.

            A intensa submissão imposta ao Poder Judicial na vigência da Constituição imperial não somente dificultou os movimentos parlamentares contra a sua estrutura arcaica, como também inviabilizou a aplicação dos dispositivos que dispunham sobre as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros.

            Isso nos permite antecipar que as conquistas do Poder Judiciário foram, na verdade, obtidas na República, pois o legado imperial foi tão-somente de submissão.

            A Constituição de 1891, que marca o fim do Império, permite-nos destacar a consolidação da federação e da república e o fortalecimento do Poder Judiciário. A reorganização do Poder Judiciário, todavia, não produziu efeitos significativos, mas a sua independência foi, com certeza, a maior contribuição da Constituição de 1891 para a História do Brasil República.

            À reforma constitucional de 1926, antecipada pelos movimentos revolucionários de 1922 e 1924, sucedeu o movimento revolucionário de 1930, que fortaleceu o Poder Executivo, instalando um regime centralizado e autoritário, suspendeu as garantias constitucionais, excluiu da apreciação judicial os decretos e atos do governo provisório e de seus agentes, e retirou do âmbito de alcance do habeas corpus os crimes sujeitos à competência de tribunais especiais subordinados ao Poder Executivo.

            A Constituição de 1934, que suspendeu a ordem revolucionária, originou-se de Assembléia Constituinte e inaugurou nova fase na organização política do Brasil. Não obstante a sua aparência centralizadora, visível, principalmente, por meio do sistema de coordenação dos poderes e da restrição imposta ao Judiciário para julgar questões exclusivamente políticas, em especial os fundamentos políticos dos atos do Poder Público, foi, certamente, um marco referencial na história judiciária brasileira, em particular pelos seguintes fatores: a reorganização do Poder Judiciário; o aperfeiçoamento do sistema de controle de constitucionalidade das leis; a criação da Justiça Eleitoral; a absorção das tendências jurisprudenciais anteriores.

            Apesar das significativas conquistas da Constituição de 1934, comparáveis, no tempo, apenas aos avanços da Constituição de 1988, as resistências ao seu modelo foram profundas, principalmente em decorrência do fortalecimento das oligarquias republicanas, derrotadas em 1930 e recompostas politicamente a partir de 1934, da intensificação dos movimentos de reivindicação operária e socialista, e do avanço dos movimentos nacionalistas radicais de modelo fascista. Esses movimentos terminaram por levar a Constituição de 1934 ao fracasso e foram responsáveis, conseqüentemente, pela Constituição outorgada de 1937.

            O texto da Constituinte de 1937 explicitou a sua ideologia e permitiu que um poder único, ou seja, a força pessoal do Chefe de Estado, permeasse toda a Nação, interferindo no processo de consolidação democrática, enfraquecendo o Poder Judiciário e derruindo todos os direitos de cidadania conquistados com o advento da República.

            Entretanto, o fracasso dos movimentos fascistas e corporativistas que conduziram à Segunda Guerra Mundial inviabilizou a sobrevivência, no Brasil, do modelo autoritário e centralizador de 1937. Os propósitos constitucionais de 1937, na verdade, não estavam, objetivamente, influenciados pelo conjunto de valores ideológicos que alcançaram sua expressão máxima na Itália e Alemanha, mas a estrutura formal do Estado era autoritária e voltada para a repressão dos direitos individuais, objeto essencial da proteção judiciária.

            Srªs e Srs. Senadores, o importante a observar é que, nos momentos de refluxo da história constitucional brasileira, em que se restringiram os direitos individuais, o Poder Judiciário se fragilizou. Um Poder Judiciário fragilizado é sempre uma ameaça às garantias fundamentais institucionalizadas. A proteção dos direitos fundamentais exige um Poder Judiciário autônomo e independente.

            Evidencia-se, portanto, que a autonomia e independência do Poder Judiciário refletem os fluxos e refluxos da política brasileira. Nos modelos unitários e centralistas que dominaram os períodos iniciados em 1824 e 1937, verificou-se a perda de autonomia do Judiciário, assim como os propósitos constitucionais de 1891 e 1934 indicam o fortalecimento e a expansão das suas competências.

            Dessa forma, o regime liberal de 1946 instalou-se sobre os escombros de 1937, dando início ao processo de redemocratização do País, tendo como égide o Poder Judiciário.

            No período constitucional de 1946, o Poder Judiciário revelou-se importante órgão, não somente por seu papel jurisdicional, dando eficácia aos direitos de cidadania, mas também por sua participação no processo de restauração democrática. Os fluxos e refluxos da vida política brasileira permitem-nos identificar que a Constituição de 1946, apesar de ter sobrevivido 18 anos, sucumbiu atropelada pelo regime de 1964, principalmente pelo Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, que suspendeu não só as garantias individuais, como também as da magistratura.

            Nesse contexto, o Ato Institucional nº 2 instalou um verdadeiro estado de exceção, marcando o início do período de intervenções autoritárias sobre o Poder Judiciário, que, do auge de sua participação no regime democrático de 1946, submergiu ante a Justiça Militar - fortalecida na sua estrutura para que pudesse reprimir ações políticas e ideológicas -, sendo privado de suas tradicionais atribuições na proteção dos direitos individuais.

            O regime político que teve início em 1964 sufocou o Poder Judiciário, que viu suprimidas as suas garantias e restringida a sua autonomia para o exercício das funções jurisdicionais, principalmente no que se refere aos assuntos relacionados com os direitos fundamentais. As restrições impostas ao Poder Judiciário acentuaram-se com mais evidência com as atribuições concedidas à Justiça Militar para julgar os crimes de natureza política ou que contrariassem a Lei de Segurança Nacional.

            No que se refere ao Poder Judiciário, esse modelo de Estado revelou uma opção mais acabada na Emenda nº 7, de 1977, que pretendeu dar uma nova ordem judiciária para o Brasil.

            Os exageros políticos do Executivo pautaram as propostas de reformulação do Poder Judiciário, contribuindo decisivamente para a crise institucional do Estado de Segurança Nacional. Entretanto, o esgotamento do regime autoritário só se definiu a partir da Emenda Constitucional nº 25, de 1985, seguida pela de nº 26 do mesmo ano, que, finalmente, consolidou o pacto da Assembléia Nacional Constituinte e previu a sua instalação pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

            Nessa fase, inicia-se novo ciclo de ascensão do Poder Judiciário, que viu sua autoridade efetivamente restaurada com a promulgação da Constituição de 1988.

            Por essa breve panorâmica da história constitucional brasileira pode-se concluir que os fatores de ordem política sempre diluíram a identidade do Poder Judiciário, ora por meio de emendas ou atos institucionais que restringem os seus poderes e competências, ora por intermédio da elaboração de nova Constituição, que lhe transmuda organização ou procura resgatar os momentos de refluxo da Constituição imediatamente anterior.

            Entretanto, é forçoso admitir que, mesmo num contexto de fluxo e refluxo, os poderes e a autonomia do Poder Judiciário têm-se ampliado. Os efeitos deletérios das ações políticas autoritárias sobre o Poder Judiciário são, na verdade, residuais, demonstrando que a sua vocação para absorver os parâmetros democráticos do Estado e as garantias fundamentais da cidadania são determinantes na sua organização e formação.

            A Constituição de 1988 contemplou não apenas os interesses liberais inovadores dos segmentos tradicionais de tendência desestatizante, como também aqueles das categorias profissionais e políticas que combateram o Estado autoritário e, ainda, os interesses coletivos de grupos, ou os difusos, originários de importantes segmentos da sociedade brasileira atual.

            A viabilização judicial dos instrumentos processuais, essenciais à sustentação jurídica da vida social moderna, é o novo desafio à clássica organização do Poder Judiciário. A questão que agora se coloca refere-se não apenas aos instrumentos processuais, mas também à organização judiciária, que precisa superar os limites de proteção dos interesses individuais e identificar formas próprias para viabilizar a proteção dos interesses coletivos e difusos nos parâmetros de agilidade das expectativas sociais.

            O Poder Judiciário precisa redefinir as suas condições de funcionamento para absorver e decidir as demandas de natureza complexa, intimamente vinculadas ao processo de transformação social e econômica, decorrentes, inclusive, do novo Estado e da nova cidadania implantados a partir da Constituição de 1988. Este é o atual desafio. O Poder Judiciário terá de se adaptar aos processos de mudança, orientando-se por novos parâmetros de funcionalidade burocrática.

            A análise das modificações propostas para a estrutura do Poder Judiciário, tal como estão sistematizadas na Proposta de Emenda Constitucional nº 29, de 2000, a chamada Reforma do Poder Judiciário, não demonstra exatamente uma preocupação em ampliar a infra-estrutura burocrática do Poder Judiciário, de maneira que ele possa favorecer as novas situações sociais: absorver não apenas conflitos simples, mas também os mais complexos.

            As alterações sugeridas estão voltadas para as questões administrativas e mais se destinam ao controle dos atos judiciais do que propriamente do acesso à Justiça e da viabilização do fluxo de demandas, o que, de certa maneira, demonstra que os movimentos para ampliação ou adaptação dos instrumentos processuais voltados para a nossa cidadania são incipientes e que as novas conquistas coletivas e difusas ainda não se transformaram em propósitos de organização judiciária.

            Eu quero, eminentes colegas, demonstrar que, de fato, os verdadeiros problemas do Judiciário não são apenas a falta de verbas, de prédios, de funcionários etc, e, sim, estar o Judiciário formado em uma cultura incapaz de entender a sociedade e seus conflitos, além de estar bloqueado para internamente discutir e permitir que setores e grupos sociais livremente discutam a efetiva democratização desse ramo do Estado.

            A nova organização mundial das relações humanas exige do Poder Judiciário o redimensionamento do seu próprio papel, comprometendo-se definitivamente como responsável por prestação jurisdicional mais ampla e eficiente, mais afinada com uma realidade afeita a vertiginosas mudanças.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Se V. Exª me permite, Senador Edison Lobão, vou conceder o aparte ao Senador Lindberg Cury, que já o havia pedido, e, logo depois, terei a honra de ouvi-lo com a atenção de sempre.

            O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Bernardo Cabral, considerando que V. Exª ultrapassou o tempo regulamentar e há, ainda, dois Líderes inscritos, a Mesa gostaria de fazer um apelo aos aparteantes para que sejam breve.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Prometo a V. Exª que serei muito breve, porque desci da Presidência para ter o privilégio deste aparte.

            O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Sr. Presidente, da mesma forma serei breve. Senador Bernardo Cabral, tive a oportunidade de conhecê-lo quando V. Exª era Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, aliás, em uma belíssima campanha. Posteriormente, acompanhei o seu desempenho político por ocasião da grande Assembléia Nacional Constituinte, quando V. Exª era Relator da Comissão de Justiça. O que estamos presenciando hoje é uma verdadeira aula de Direito. Rememoro meus tempos de estudante ao ouvir sua abordagem dos fatos históricos da Constituinte de 1947, numa síntese brilhante, esplendorosa, além de tudo o que ocorreu na redemocratização do nosso País e na democratização do Poder Judiciário. No Estado de Exceção de 1964, quando a nossa geração teve uma vivência muito maior, houve, na verdade, um sufoco no que diz respeito ao regime democrático, e V. Exª discorre, com seriedade, meditação e reflexão, sobre essa fase importante. Não quero me prolongar mais em razão de outros apartes, mas cumprimento-o pelo brilhantismo da sua exposição. Registro aqui o meu contentamento em ouvir essa aula de V. Exª.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Muito obrigado, Senador Lindberg Cury. Fique certo V. Exª de que me reservei para conceder-lhe o aparte nesse instante, porque tenho o maior prazer em ouvi-lo.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Bernardo Cabral?

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Reverencio o eminente Senador Edison Lobão, que desce da Presidência para apartear este seu Colega.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Bernardo Cabral, estamos encerrando esta Sessão Legislativa com o aperfeiçoamento de algumas das Instituições que compõem o regime democrático e com o discurso de V. Exª, pelo qual este Plenário homenageia o Poder Judiciário brasileiro. Habituei-me a ouvir os seus discursos improvisados, mas percebo que o simples fato de tê-lo escrito, desta vez, já significa uma homenagem a mais que desejou prestar ao nosso Poder Judiciário. Senador Bernardo Cabral, nós todos sabemos que quando se enfraquece o Poder Judiciário, como ocorreu de fato em 1937, em verdade, o que se está fazendo é dissolver exatamente aquele Poder que garante a democracia e as liberdades fundamentais. Não fosse o Poder Judiciário fortalecido, então não teríamos liberdade de natureza nenhuma. Em 1969, quando Pedro Aleixo convenceu o Presidente da República Costa e Silva a editar a Emenda nº 1 da Constituição, para que, por meio dela, pudesse o Congresso Nacional ser reaberto - estava em recesso compulsório - e também para que a democracia pudesse ser retomada, o que se viu foi quase um atentado ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo. As atas daquele período em que funcionou uma comissão, no Palácio do Planalto, e a que temos acesso agora demonstram que um Ministro da Justiça, o jurista Gama e Silva, chegou a propor que o Poder Executivo fosse elevado às alturas e os Poderes Judiciário e Legislativo inferiorizados. Ele teve a audácia de propor isso àquela época. Não fosse a firmeza do grande jurista, político e democrata Pedro Aleixo, talvez estivéssemos assistindo àquele atentado sendo embutido na Constituição Brasileira. O Poder Judiciário é o bastião das liberdades. Ah, como eu gostaria de, neste final de tarde, debater com V. Exª e dizer das qualidades excelsas do Poder Judiciário, do que tivemos e do que temos hoje, dos quais, o de ontem e o de hoje, devemos nos orgulhar tanto! E falar sobre as liberdades, o que elas significam, quando nasceram, para que servem, quantas elas são e, afinal, de que modo elas têm sido utilizadas. Cumprimento V. Exª. Não devo me alongar, o Presidente chama a minha atenção, e de fato há alguns Líderes que ainda precisam falar, neste final de tarde. Cumprimento V. Exª pela iniciativa nobre, elegante, elevada de homenagear o Poder Judiciário brasileiro.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Edison Lobão, fique certo de que, quando o Presidente lhe chama a atenção - e ele é pai de uma juíza, portanto, que milita no ramo -, não o faz por advertência do tempo. Ele o faz por inveja de não estar nesta tribuna e ser aparteado por V. Exª, tem de ficar em silêncio. Veja como me sito regozijado porque V. Exª contribuiu com mais esse dado histórico, lembrando Pedro Aleixo. E realmente é verdade. É uma pena que eu tivesse, nesse instante, tomado um pouco do tempo dos Líderes que vão me suceder nesta tribuna. A Líder Heloísa Helena, o Líder Ademir Andrade e penso que o Líder Moreira Mendes discursarão. Mas que eles não fiquem preocupados, Sr. Presidente, o tempo que tomo é como o daqueles batedores que, de motocicleta, avisam que a autoridade vem depois. Eu estou fazendo isso.

            O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Bernardo Cabral, me concede um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Perdoem-me se me permito ouvir ainda agora o Senador Romeu Tuma.

            O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Bernardo Cabral, gostaria de ser a sirene da sua moto - já fui sirene anteriormente, quando V. Exª era Ministro da Justiça. Não me atreveria a usar este microfone para debater qualquer assunto que diga respeito ao Poder Judiciário, à ordem, ao ordenamento jurídico deste País com V. Exª, que tem uma história bonita, brilhante e respeitada. Ainda me vêm à memória os dias em que eu pedia licença para entrar em sua sala, meu Ministro, cujo trabalho acompanhei de perto; tive esta glória - provavelmente, muitos Colegas não a tiveram -: servi sob seu comando. Nenhum outro Senador poderia relatar a PEC da Reforma do Judiciário, pois V. Exª conhece a Ordem dos Advogados, militou na Advocacia e tem um relacionamento profundo com todo o Poder Judiciário. Acompanhei o histórico de V. Exª sobre o período difícil desta República - o Senador Lindberg Cury também fez referência ao assunto -, desde a iniciação da primeira Constituição. Pedirei cópias do seu discurso para ser mote de palestra, quando tiver de ministrar aulas em alguma Faculdade de Direito. No período difícil da Abertura, V. Exª era Ministro da Justiça. Cristo tem as chagas por ter sido pregado na cruz. Outros têm chagas nos pés por ter seguido o caminho difícil das pedras. V. Exª deve ter chagas nos pés pela dificuldade em sua caminhada até alcançar hoje a tribuna e nos dar uma aula a respeito do Poder Judiciário. Angustiou-me a CPI do Judiciário. Ai daqueles que não têm uma Justiça limpa, soberana e respeitada nem podem exercer com toda a liberdade o poder que lhes dá o ordenamento jurídico. Infelizes dos povos que não têm uma Justiça corretamente estabelecida e com o poder que V. Exª propõe a todo esse emaranhado da história aqui apresentada. Cristo foi médico, escritor, filósofo e juiz. Deve ter sido doloroso para Ele julgar os falsos pregadores do templo e expulsá-los a chicotadas. Este é o papel do juiz: ter coragem de enfrentar e de exercer com altivez o poder que tão bem V. Exª elenca em seu discurso. Parabéns, Senador Bernardo Cabral. Apesar de estar sendo repetitivo, ressalto toda a eloqüência de V. Exª ao trazer à tribuna esses assuntos, com a tranqüilidade e com a harmonia das palavras que nos fazem, sem dúvida nenhuma, ficar atentos permanentemente ao seus pronunciamentos.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Romeu Tuma, a única maneira de lhe agradecer o aparte é fazer o registro para que conste dos Anais da Casa.

            Quando eu era Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, ainda jovem, num instante em que estávamos mergulhados numa profunda discricionariedade. Não foi fácil sair desse lado institucional para um reordenamento constitucional sem que víssemos passar pela Ordem dos Advogados do Brasil a sua força.

            V. Exª era delegado e, ao longo desses anos - quatro seguidos, dois como Secretário-Geral e dois como Presidente -, jamais cometeu uma arbitrariedade e nunca o vi portar um revólver nas mãos ou na cintura. Este País, quando se fizer a história daquele momento negro, vai prestar-lhe a homenagem devida, Senador Romeu Tuma.

            É muito fácil atualmente lembrar, na harmonia e no esplendor da democracia - alguns até com ares de corajosos -, o que ocorreu no passado, o que muitos de nós vivemos, o que perdemos e, apesar de tudo, a contribuição que prestamos para que estejamos aqui.

            V. Exª fez referência aos pés feridos na caminhada. Eu só consegui vencer, porque, ainda jovem, recebi um conselho valioso de meu pai, que, apesar de ser um homem forte e de estar no esplendor da sua capacidade intelectual, faleceu aos 50 anos. Ele me disse: “Meu filho, se em algum dia encontrares em teu caminho pedras que te ferirão os pés, não desistas da caminhada, porque outros por ele passaram e não se acovardaram”.

            Quero render homenagens a V. Exª e a todos que, como eu, passaram pelo caminho, feriram os pés, mas não desistiram.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Concede-me V. Ex.ª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Pois não, ouço V. Exª.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Bernardo Cabral, apartear V. Exª já é uma honra.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - A honra é minha de ouvi-lo.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Eu diria que, instado até por alguns telefonemas do meu Estado, desloquei-me até aqui para transmitir esse sentimento, eu diria, não só dos catarinenses, mas também dos brasileiros. Ainda me recordava, em um telefonema, um catarinense: “Olha, há o Cabral que descobriu o Brasil. Esse é o Cabral que continua descobrindo caminhos, novos caminhos" - já se falou em caminhos aqui - "do conhecimento, para difundi-lo, e está difundindo-os". V. Exª, na verdade, continua a descobrir novas maneiras, novos métodos, principalmente dentro dessa área do Judiciário, acompanhando toda a evolução desse Poder. Por fim, quando presta homenagem a ele, culmina com as exigências da Nação de que ele também evolua. V. Exª, com autoridade, sugere novo redimensionamento do Judiciário. É por isso que eu tinha de vir a este plenário, neste momento, para dizer que o Brasil está assistindo a uma grande aula no dia de hoje. Muito obrigado.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Casildo Maldaner, conheci V. Exª quando era Governador de Santa Catarina e eu, Relator da Assembléia Nacional Constituinte. De lá até cá, o que tenho comprovado é que V. Exª é um defensor do seu povo, do seu Estado. Sei que faz esse registro com o coração. Sei também que vem timbrada de enorme generosidade a sua palavra. Por isso mesmo quero agradecer a V. Exª o aparte.

            Sr. Presidente, vou pedir a V. Exª que determine a publicação do meu discurso na íntegra, uma vez que não terei condições de ler todo ele e nem o faria, porque seria um desrespeito aos colegas que ainda pretendem usar da tribuna; muito embora esta seja uma contribuição que vale para todos.

            Já saltei diversas folhas, mas peço permissão a V. Exª e aos eminentes colegas para ler a última folha, como conclusão.

            O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Nobre Senador Bernardo Cabral, V. Exª permite-me breve aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Com muita honra, Senador Gilberto Mestrinho, V. Exª foi um dos que foram punidos na hora em que o Poder Judiciário estava na escuridão.

            O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Senador Bernardo Cabral, V. Exª dá uma aula sobre a história do Poder Judiciário Brasileiro, ou sobre a aplicação da justiça no Brasil, desde o Império até hoje. Para quem conhece V. Exª, isso não é de se admirar. Toda a vida de V. Exª foi voltada para a Justiça. V. Exª foi advogado militante, Presidente da OAB, Deputado Federal, Deputado Estadual, Senador e Secretário de Estado; sempre atuou na área de prestar justiça e, mais do que isso, deu a contribuição de sua grande inteligência na formulação de idéias, de pensamentos, na busca do aperfeiçoamento do aparato judicial, de forma a aperfeiçoá-lo e fazer com que seja mais respeitado. Como Senador do Amazonas, quero dizer a V. Exª que me sinto orgulhoso - acredito que o Amazonas tenha o mesmo sentimento - da presença de V. Exª no Senado. V. Exª tem mais um ano do mandato atual e, com certeza, terá mais oito anos, posteriormente, de novo mandato.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Gilberto Mestrinho, pedirei permissão ao Presidente para agradecer a V. Exª o aparte e, talvez mais do que agradecer, fazer também um registro histórico.

            O Senador Gilberto Mestrinho, por três vezes, foi eleito Governador do Estado. Na primeira vez, S. Exª tinha trinta anos, eleito no limite da possibilidade que então se exigia, e convidou alguns jovens para irem ao seu gabinete. Três pelo menos quase da mesma idade: José Carlos Cordeiro da Costa, Luiz Costa - o primeiro já convivendo com Deus, o segundo, até hoje, fiel ao Governador Gilberto Mestrinho - e eu. De modo que posso dar o depoimento de que nos três mandatos de S. Exª, o Poder Judiciário sempre teve do Chefe do Poder Executivo a maior convivência e um estreito relacionamento para que tivesse o respeito que a ele lhe é dedicado e nenhum juiz do nosso Estado, nenhum desembargador, até hoje, faz qualquer restrição ao exercício do Governador Gilberto Mestrinho.

            Ao final, Sr. Presidente, espero que S. Exª, como bom político - e como um profeta político espero que sua profecia se cumpra, a fim de que possamos estar juntos um pouco mais aqui no Senado Federal.

            Sr. Presidente, vou encerrar lendo a última página do meu discurso:

            “A pequena jornada que percorremos na história do Poder Judiciário no Brasil - cujo percurso é extremamente tormentoso e autoritário, em decorrência da instabilidade e da fragilidade das nossas instituições políticas, assim como do baixo grau de associativismo da sociedade civil - revelou-se fundamental para a compreensão da necessidade de democratização do Poder Judiciário no País, bem como para revelar-nos a inevitabilidade dessa conquista, a coragem e a precaução necessárias para consolidá-la, sem prejuízo da ordem democrática.

            A essência do regime democrático - e V. Exª registrou isso com propriedade - repousa na existência de uma Justiça forte, independente e livre. Não há registro em nossa história que diga o contrário. O enfraquecimento do Poder Judiciário, sem dúvida, somente estimula o arbítrio e a injustiça.

            Por tudo isso, é possível afirmar-se que, a partir da Constituição de 1988, o povo brasileiro voltou a acreditar na Democracia. É hora de acreditarmos na Justiça, pois, como todas as divindades, ela só se manifesta àqueles que nela crêem”.

            Sr. Presidente, ao encerrar meu discurso, quero agradecer a V. Exª por ter saído da Presidência e agora a ela retornado, numa demonstração clara do seu amor e respeito ao Poder Judiciário, o que ficou evidenciado nas palavras que proferiu e que tanto me encheram de orgulho, porque completaram as lacunas que, eventualmente, tivesse a minha manifestação.

            Encaminho a V. Exª, Sr. Presidente, para a determinação da publicação na íntegra desta peça, que é toda ela partida do coração, mas também da razão de quem soube ser sempre só advogado.

 

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            SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SENADOR BERNARDO CABRAL.

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            Modelo15/4/242:05



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/12/2001 - Página 32114