Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Conseqüências econômicas para o Nordeste da maior seca ocorrida nos últimos 70 anos.

Autor
Carlos Wilson (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PE)
Nome completo: Carlos Wilson Rocha de Queiroz Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Conseqüências econômicas para o Nordeste da maior seca ocorrida nos últimos 70 anos.
Aparteantes
Valmir Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 27/12/2001 - Página 32213
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE, PREJUIZO, AGRICULTURA, PASTAGEM.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXTINÇÃO, PROGRAMA, DISTRIBUIÇÃO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, POPULAÇÃO CARENTE, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA, PREJUIZO, PRODUTIVIDADE, AGRICULTURA, AUSENCIA, INVESTIMENTO, REGIÃO NORDESTE, IRREGULARIDADE, DESTINAÇÃO, VERBA, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA, INSUFICIENCIA, FISCALIZAÇÃO.
  • DENUNCIA, PARALISAÇÃO, OBRA PUBLICA, IRRIGAÇÃO, ABASTECIMENTO, AGUA, REGIÃO NORDESTE, MOTIVO, ALEGAÇÕES, SUPERFATURAMENTO.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, JULGAMENTO, PROCESSO, SUPERFATURAMENTO, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, GARANTIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS WILSON (PTB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Freitas Neto, Srªs e Srs. Senadores, este ano de 2001 tem sido particularmente difícil para o Nordeste e para nós nordestinos.

            As ações e, de modo especial, as omissões permanentes do Governo de Fernando Henrique Cardoso em relação àquele pedaço do Brasil ultrapassaram as piores expectativas.

            Assim, estamos sofrendo na região nordestina o efeito da maior seca ocorrida na nossa história nos últimos 70 anos.

            Em um rápido balanço, verifica-se uma situação de calamidade na agricultura, e, tomando-se por exemplo o Município de Salgueiro, no sertão de Pernambuco, são esses os números do desastre: cerca de 85% das lavouras de milho foram perdidas; cerca de 90% das lavouras de feijão também foram perdidas, bem como a totalidade das lavouras de arroz de sequeiro e mais de 70% das pastagens artificiais e nativas.

            Para os produtores de agricultura irrigada do sertão nordestino só há uma certeza: a de que este ano terminará com grandes prejuízos.

            O Governo Fernando Henrique Cardoso continua com sua política de destruir a casa toda para reformar o telhado. Informações veiculadas na imprensa desta semana dão conta de que, com a extinção do programa de distribuição de cestas básicas, nada menos de 447 mil famílias ficaram sem alimentos e sem os R$15 que deveriam receber por meio do Programa Bolsa Renda Alimentação.

            No início do mês, o Governo havia excluído nada menos do que 960 mil famílias carentes que obtinham cesta básica sob a alegação de que elas obteriam um outro benefício.

            Para o atual Ministro da Integração Nacional, agora capitaneado pelo Senador Ney Suassuna, a culpa é das prefeituras, que não teriam feito o recadastramento das famílias. Desculpe-me Senador Ney Suassuna. Sei que V. Exª é tão nordestino quanto eu. Sei que nos distingue apenas a face da Borborema. Mas, o que o Governo quer é qualificar a fome e a miséria. Tal família pode receber tal benefício; e tal família não pode. Fome é fome e não tem qualificação. O Governo quer dizer que uma criança não pode ter sua fome saciada porque sua família não se alinha à burocracia do Governo Federal e no favorecimento. Isso é um verdadeiro absurdo, Senador Freitas Neto, nosso Presidente nesta sessão!

            Sabemos que para o Governo do Presidente Fernando Henrique a fome e a miséria da nossa gente é apenas um dado estatístico e desconfortável. Mas vou além, Sr. Presidente. O racionamento de energia elétrica tem sido dramático para a produtividade das lavouras do Nordeste, seja dos agricultores familiares, ameaçados em sua subsistência, seja nos pólos agroindustriais, temerosos pela perda de qualidade de seus produtos e prevendo queda nas exportações e ausência de retorno de seus investimentos.

            Em Neópolis, no Estado de Sergipe, às margens do São Francisco, empresários, confiantes no bom desempenho histórico da fruticultura irrigada da região, aumentaram este ano a área plantada de 2,8 mil hectares para 4,8 mil hectares, mas o racionamento frustrou o investimento e a produção de frutas para exportação deve, no máximo, repetir os 2,8 mil hectares do ano passado.

            Isso sem falar nos famigerados “apagões programados”, que têm infernizado a vida dos moradores de todo o Nordeste, vitimados pela incúria do Governo Federal em cuidar do abastecimento de energia e principalmente pela sua incompetência em gerenciar o desabastecimento mais criterioso para um problema por ele mesmo criado.

            Desta mesma tribuna, pude, este ano, denunciar a paralisação inconcebível e absurda de dezesseis grandes obras de irrigação e abastecimento de água no Nordeste, que representariam fornecimento hídrico para 1,5 milhão de pessoas e beneficiariam 60 mil hectares de terra.

            O pior é que as obras, que já consumiram, Sr. Presidente, mais de R$700 milhões, não podem ser retomadas, estão abandonadas e proibidas de receber novos recursos em função de graves indícios de irregularidades apontados pelo Tribunal de Contas da União.

            São problemas de todo tipo: superfaturamento, gastos acima dos previstos, serviços pagos e não concluídos, alterações contratuais e ilícitos na licitação.

            Só no Governo Fernando Henrique Cardoso foram aplicados R$600 milhões nas obras irregulares, representando mais de dois terços dos recursos já alocados.

            Estima-se que o Governo consumiu entre o final de 1998 e o início do ano 2000, com medidas emergenciais, cerca de R$3 bilhões, muito mais do que o necessário para a finalização das obras consideradas irregulares, montante que não ultrapassa R$690 milhões.

            E o mais grave, por incrível que pareça, não é a descoberta desses desvios.

            O pior de tudo é que não se pode aplicar nenhum centavo do Orçamento da União nessas obras enquanto todas as suspeitas do TCU não se esclareçam, com o alívio de quem se livra de qualquer envolvimento maior num caso de incômodo, transferindo toda a responsabilidade para outrem.

            Tal atitude tem, inclusive, afligido um dos raros auxiliares diligentes e realizadores da atual Administração Federal, o atual Ministro Raul Jungmann, que tem cobrado insistentemente do Tribunal de Contas da União maior agilidade no julgamento dos processos pendentes, reconhecendo que, em suas palavras, “o Nordeste não pode pagar por quem roubou dinheiro público”.

            O Ministro tem razão.

            Neste ponto e, talvez sem se advertir de todas as conseqüências de suas declarações, Jungmann toca num dos piores aspectos do Governo Fernando Henrique Cardoso: o de não assumir suas responsabilidades na apuração de irregularidades na esfera federal, preferindo punir sumariamente contribuintes e destinatários de programas estatais, com a suspensão abrupta das atividades sob suspeita, a investigar e apontar os agentes públicos e privados dos ilícitos.

            Assim, o Presidente Fernando Henrique inaugura uma peculiar noção de responsabilidade administrativa penal em que o culpado é sempre um ente abstrato, ou seja, uma pessoa jurídica ou órgão público despersonalizado, ou mesmo atividades ou programas governamentais, que são punidos com a extinção ou paralisação, mas nunca o agente dotado de personalidade física, detentor de vontade consciente e imputabilidade, que, curiosamente, sempre permanece impune.

            O Sr. Valmir Amaral (PMDB - DF) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. CARLOS WILSON (PTB - PE) - Com muito prazer, concedo um aparte ao nosso amigo, Senador Valmir Amaral.

            O Sr. Valmir Amaral (PMDB - DF) - Sr. Presidente, Senador Carlos Wilson, V. Exª está de parabéns por representar tão bem o seu Estado. Mais uma vez, V. Exª está demonstrando da tribuna o trabalho que tem realizado nesta Casa, de fiscalizar e acompanhar os maus gestores de obra pública. O discurso de V. Exª me comove. Ouço V. Exª e creio também que a nossa Casa deve se empenhar, trabalhar e acompanhar melhor os trabalhos e punir os maus gestores do dinheiro público. V. Exª está de parabéns. Muito obrigado.

            O SR. CARLOS WILSON (PTB - PE) - Senador Valmir Amaral, agradeço o seu aparte e sei que V. Exª também é um homem preocupado com a aplicação dos recursos públicos.

            Há pouco mais de quatro ou cinco meses, vi V. Exª instalar nesta Casa uma Subcomissão, na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal, para acompanhar as aplicações que estavam sendo feitas para a obra do metrô de Brasília.

            V. Exª pagou um preço muito alto por isso; o preço da perseguição, da calúnia, da infâmia, porque todos aqueles que, na verdade, se colocam contra os poderosos do dia pagam um preço muito alto. Mas V. Exª não se curvou diante da pressão que sofreu nesta Casa. Permaneceu insistentemente em sua posição exigindo explicações, porque sabemos que o metrô de Brasília é considerado o mais caro do mundo. Sabemos da sua utilidade para a população, mas também queremos saber por que se gasta tanto nas obras públicas do País.

            Portanto, V. Exª também é um vanguardeiro, é um homem determinado no sentido de acompanhar a aplicação dos recursos públicos.

            Agradeço, com muito prazer, o aparte de V. Exª.

            Sr. Presidente, a mesma incapacidade confessa de manter um padrão mínimo de gestão administrativa que concilie ética e eficiência e que, em última análise, implica uma capitulação, uma abdicação da tarefa de administrar, revelou-a Fernando Henrique no episódio, triste para nós, nordestinos, da extinção da Sudene pela via quase clandestina da medida provisória.

            Mais que extinguir o órgão, parece indissociável da perspectiva neoliberal do Governo Fernando Henrique a tentativa de se minimizar a questão nordestina, a importância do Nordeste no contexto federativo, suprimindo da cena nacional uma instância de deliberação supra-estadual, em que eram chamados a deliberar e reivindicar todos os Estados nordestinos por meio de um Conselho composto pelos Governadores Estaduais - muitas e muitas vezes, o nosso Presidente Freitas Neto participou de reuniões do Conselho da Sudene, defendendo os interesses do Nordeste e, principalmente, os do Piauí.

            O que a Sudene trouxe de experiência político-institucional, realmente nova para a gestão da coisa pública do País, não se resume apenas a seus inúmeros êxitos administrativos em prol da industrialização do Nordeste, como tive oportunidade de detalhar em outros pronunciamentos desta tribuna, mas foi a de ter sido portadora de uma idéia de federalismo cooperativo.

            Tal idéia assentava-se num sistema de tomada de decisões conjuntas entre as instâncias federal e estaduais de poder, visto que certos problemas, embora na aparência originados dos Estados-Membros, transcendem em muito o mero interesse regional e assumem contornos e relevância a um tempo inter-regional e nacional.

            Nem é preciso dizer o quanto isso contraria o frio neoliberalismo oficial, muito mais interessado em transformar não só o Nordeste, mas toda a questão social e das desigualdades regionais em problema setorial, capaz, quando muito, de ser alvo de políticas assistencialistas e fragmentadas.

            Tal abordagem reducionista, compartimentada, setorial e assistencial do problema nordestino e das disparidades inter-regionais tira a dignidade e a magnitude nacional da questão, que reclama, por sua natureza, uma visão integral e integradora.

            Aliás, nada mais ilustrativo do desprezo tucano às desigualdades regionais e sociais que a recente declaração de Fernando Henrique, durante palestra na 3ª Conferência Anual para o Desenvolvimento Global, promovida pelo Banco Mundial, no Rio de Janeiro, quando afirmou que “a questão chave nos países em desenvolvimento não é a distribuição de renda, mas sim a diminuição da pobreza”.

            Quem diz isso evidentemente não está interessado nos efeitos nocivos das desigualdades que podem comprometer até mesmo os resultados positivos da expansão econômica.

            Há todo um cortejo de fenômenos derivados das desigualdades, que, como se sabe, contamina a prosperidade da economia, tais como a violência, a instabilidade política, as migrações inter-regionais descontroladas e a falta de prioridade para a educação das massas.

            Quem diz isso, enfim, nada tem a oferecer para encurtar o fosso dos desníveis socioeconômicos e inter-regionais, que afastam dois terços de nosso povo dos direitos mínimos de cidadania. Quem diz isso pensa que cidadania é assunto privado, uma mercadoria a mais a ser submetida a flutuações e caprichos do mercado e não um elenco de direitos e deveres mutuamente compartidos por todos os brasileiros, que define não só uma pauta mínima de posições isonômicas entre eles, mas, sobretudo, um sentimento coletivo pertencente a um Estado nacional e a uma determinada ordem política.

            É a esse sentimento de pertença à nacionalidade brasileira que os nordestinos se negam a renunciar, mesmo em face de um Governo que voltou deliberada e permanentemente as costas para a região.

            Termino com a sentença profética do grande Celso Furtado, em sua exposição de motivos à mensagem presidencial de criação da Sudene, no distante ano de 1959:

      A disparidade de níveis de renda entre o Nordeste e Centro-Sul do País constitui, sem lugar à dúvida, o mais grave problema a enfrentar na etapa presente do desenvolvimento econômico nacional.

            Muito obrigado, Sr. Presidente Freitas Neto.

 

            


            Modelo112/21/241:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/12/2001 - Página 32213