Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a última colocação obtida pelo Brasil em pesquisa de avaliação internacional de desempenho escolar, realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Considerações sobre a última colocação obtida pelo Brasil em pesquisa de avaliação internacional de desempenho escolar, realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE.
Publicação
Publicação no DSF de 27/12/2001 - Página 32215
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, RESULTADO, PESQUISA, AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO, REDE ESCOLAR, PAIS.
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ENSINO, PAIS, INSUFICIENCIA, ENTENDIMENTO, MATEMATICA, CIENCIAS, FALTA, CAPACIDADE, INTERPRETAÇÃO, TEXTO.
  • AVALIAÇÃO, CRITERIOS, REALIZAÇÃO, PESQUISA, ANALISE, CAPACIDADE, ALUNO, ATUAÇÃO, TRABALHO, CIDADANIA.
  • CITAÇÃO, PROBLEMA, EDUCAÇÃO, PAIS, NECESSIDADE, QUALIFICAÇÃO, PROFESSOR, UTILIZAÇÃO, INFRAESTRUTURA, AUTONOMIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, FAVORECIMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ALUNO, DISPONIBILIDADE, RECURSOS, COLABORAÇÃO, UNIÃO, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO MUNICIPAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a mídia tem destacado amplamente os resultados de uma avaliação internacional de desempenho escolar, levada a efeito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. A pesquisa incluiu 28 países desenvolvidos e 04 emergentes, isto é, Brasil, Letônia, México e Rússia. Já é conhecido que o nosso País ficou em último lugar tanto em leitura quanto em compreensão matemática e científica.

            Os resultados se assemelham a outro estudo, realizado em 1981 pela Associação Internacional de Avaliação, em que o Brasil superou apenas Moçambique, então em guerra civil, em Matemática.

            Tanto há dez anos quanto hoje, as comparações internacionais despertam o nosso brio e chamam a atenção para um fato histórico: o País conseguiu fazer avançar a sua economia, mas não totalmente a sua educação nas últimas décadas, carregando uma herança de desacertos e desinteresse. Muitos indicadores educacionais brasileiros tiveram inegáveis avanços entre uma e outra avaliação internacional. Porém, continua de pé o grande problema da qualidade, que constitui ponto prioritário do Plano Nacional de Educação.

            Como não adianta chorar sobre o leite derramado, é indispensável refletir sobre os resultados e as necessidades de ação. Para isso, é importante focalizar aspectos da pesquisa que geralmente não chegam à mídia. Entre esses, destacam-se as soluções, pois as pesquisas não são pagas apenas para informar que alguém é vencedor ou vencido, como se fosse um campeonato esportivo. As pesquisas, que são caras, pagam-se sobretudo pelos motivos encontrados para as diferenças interpaíses, isto é, o que tende a dar certo e que tende a dar errado.

            Em primeiro lugar, quais o critérios pelos quais os alunos foram avaliados? Não houve uma “olimpíada” intelectual para verificar quem sabe mais. Ao contrário, foram focalizados os conhecimentos e habilidades, divididos em vários níveis, necessários à participação efetiva na sociedade e a continuar aprendendo ao longo da vida. Os estudantes estão preparados para enfrentar os desafios do futuro? Eles são capazes de analisar, raciocinar e comunicar efetivamente as suas idéias? Os critérios estão intimamente relacionados às necessidades básicas de aprendizagem, que, com ênfase na qualidade, foram alvo dos compromissos firmados em Jomtien e em Dacar pelos países participantes daquelas conferências co-patrocinadas pela Unesco, incluindo o Brasil.

            Assim, o grupo de alunos examinado precisava ter 15 anos de idade, independentemente da série ou ciclo cursado. Dessa forma, verificou-se em que condições se encontravam os adolescentes que, em breve, serão chamados a assumir plenamente o papel de cidadãos e trabalhadores, se já não o fazem por imposição das circunstâncias. A questão pode ser estabelecida nos seguintes termos: em que situação está o adolescente brasileiro nesse grupo de idade? É notório que não está bem, pois a grande maioria tem dificuldades de entender os textos que lhes foram apresentados. Que cidadãos poderão ser se a Carta Magna lhes faculta o voto a partir dos 16 anos? Que condições terão eles de ocupar um lugar ao sol na estrutura de empregos no País?

            Nos três casos, leitura, matemática e ciências, fica claro que não estamos cumprindo o que o Pais já contraiu como obrigação em Jomtien, no ano de 1990, sendo a média de aproveitamento mais baixa em ciências e, sobretudo, em matemática.

            A grande vilã do modesto desempenho, se assim se pode chamar, é a pedagogia da repetência. Ou seja, o aluno passa vários anos na escola; todavia, não raro multirrepetente, chega aos 15 anos ainda na 7ª ou 8º série ou menos. A família e o aluno pagam os custos e o tempo necessário, a coletividade financia a educação e o aluno é reprovado ou, às vezes, aprovado inconseqüentemente, apesar de não contar com os conhecimentos e habilidades necessários à vida. Voltamos, portanto, à questão da qualidade, que a reprovação, como a aprovação indiscriminada, não ajuda. Não podemos ser tradicionalistas, nem populistas quanto à promoção do alunado. Essa é uma primeira lição a ser extraída dos resultados. Entretanto, a pesquisa oferece ricas contribuições em termos de saídas e de orientação para os países participantes. É claro que cabe ao Brasil debruçar-se sobre os seus dados e a sua realidade para encontrar os seus caminhos. De modo geral, várias lições valiosas oferecem luzes para os que tomam decisões na área educacional. Eis algumas delas:

            1- Não foi encontrado um único fator que explique por que algumas escolas e países têm sucesso. Ainda assim, a capacidade de a escola tomar decisões revelou impacto significativo;

            2- Uma maior despesa por aluno tende a estar associada a melhor rendimento, porém não o garante. Isso quer dizer que não basta haver mais dinheiro para a educação. Se o dinheiro for aplicado do mesmo modo, nas mesmas prioridades, continuará tudo como dantes. Interessa, pois, não só o dinheiro, mas como ele é aplicado;

            3- O uso dos recursos da escola pelos alunos está mais relacionado ao seu aproveitamento que à infra-estrutura física da escola. Em outros termos, se os alunos utilizam ao máximo os recursos da escola, tendem a obter melhores resultados. Desse modo, é pior manter aquele laboratório de informática trancado a chave, com os equipamentos novos e sem uso, do que não o ter;

            4- Destacamos que os professores qualificados constituem uma das maiores riquezas da escola. Em uma pesquisa de grande porte, essa qualificação foi medida pela titulação; porém, é claro que a titulação deve estar ligada às competências correspondentes;

            5- O clima da escola é relevante para a aprendizagem, incluindo o empenho do professor, a autonomia da escola, a ordem em sala de aula e, afinal, as expectativas do mestre em relação ao aluno. Nesse último caso, em palavras comuns, a pesquisa parece dizer que o docente que espera mais recebe mais e, inversamente, o que espera menos dos seus alunos também recebe menos.

            6- Os alunos melhor sucedidos tendem a ser os que fazem deveres de casa. Embora sejam considerados fora de moda em algumas escolas e redes escolares, conforme outras pesquisas já haviam revelado, os deveres, sem excessos naturalmente, prolongam o tempo letivo e levam o aluno ao aperfeiçoamento.

            Esses seis aspectos são apenas algumas das constatações sobre como as escolas podem fazer diferença. Também fica caracterizado que os fatores socioeconômicos ligados aos alunos têm um grande impacto sobre o seu rendimento, explicando, no todo, uma proporção maior do sucesso do que os fatores ligados à escola propriamente dita. Essa verificação vem corroborar os compromissos de Dacar, que enfatizam a necessidade de a educação estar integrada à luta contra a pobreza, a outras políticas sociais e à promoção do desenvolvimento em geral.

            Ao analisar essas conclusões tornadas públicas pela OCDE, não podemos deixar de destacar que o Brasil, nos últimos anos, tem empreendido justamente esforços em vários sentidos apontados, como eu disse, por intermédio da coordenação do Ministério da Educação. Um deles tem sido a titulação dos professores, com o recuo contínuo e acelerado da proporção de professores leigos, aliás, conforme propõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O País também tem promovido a autonomia da escola, a elaboração do seu próprio projeto pedagógico, além da participação dos profissionais da educação e da comunidade nesse projeto, para que seja um projeto de todos, de um comunidade educativa. Isso foi fixado pela Lei de Diretrizes e Bases, como também o padrão de qualidade e o custo mínimo por aluno. No ensino fundamental regular esse padrão foi traduzido, pelo Fundef, num valor mínimo por aluno, visando a assegurar a qualidade e a democratização e elevando, como está comprovado, salários do magistério e aumentando a disponibilidade de recursos para as escolas.

            Esses esforços do Brasil têm sido empreendidos pela União, pelos Estados e pelos Municípios, sobretudo a partir do anos 90, e têm sido intensificados a partir de 1994. Não há, dessa maneira, um autor ou mentor único de mudanças, até porque a Lei de Diretrizes e Bases representou um denominador comum de diferentes posições, incorporando tendências inovadoras que vinham sendo colocadas em prática e apontando para outras, que hoje vêm sendo implementadas.

            Dessas observações, surgem uma conclusão e uma pergunta. A conclusão é a de que, quanto a muitas práticas apontadas pela pesquisa como as que fazem diferença entre os estabelecimentos de ensino, o Brasil não está nadando contra a correnteza. Pelo contrário, está fazendo coisas certas, que países bem-sucedidos também fazem. Daí vem a pergunta: se o Brasil não se encontra na contramão, por que os seus resultados na pesquisa foram tão modestos?

            Isso significa que não basta fazer o que tem sido feito, mas é preciso muito mais empenho, muito mais inovação para acertarmos o passo com o mundo. Mais ainda, é provável que muitas das medidas de políticas educacionais sejam tomadas isoladamente, sem sinergia, sem integração, sem continuidade, saltando daqui para ali. Ou, então, conforme uma tendência antiga da educação brasileira, buscando reduzir os problemas a uma só face, como habilitação dos professores, ou a sua capacitação continuada, ou os aumentos salariais, ou o equipamento das escolas, ou a gestão democrática e descentralizada, ou o livro didático, ou o currículo. Ou ainda, essa ou aquela orientação teórica que, muitas vezes, a moda intelectual vem trazer e que brilha com fulgor durante o tempo em que aparece uma estrela cadente e logo é substituída por outra, considerada como a salvação da pátria, chave única para a resolução dos problemas educacionais. Essa visão tópica, isolada, aliada à sinuosidade das políticas públicas e das orientações das redes escolares, deve ser atribuída, em parte, a descontinuidades administrativas, em que um governo que entra muitas vezes não considera o que fez o governo que sai. Todavia, em parte ligadas a essas transições, há também as mudanças de orientação antes que se avalie o que se fez antes, deixando alunos e professores às tontas.

            A educação não requer conservadorismo, mas exige persistência de esforços. Ela não muda com facilidade, a não ser na superfície, nos rótulos. Como processo com resultados a longo prazo, ela deve ser cuidada com delicadeza. Não por acaso, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases mandaram que se fizesse um plano de longo prazo, um plano de Estado e não de Governo, que é o Plano Nacional de Educação. E isso ocorreu, conforme está explícito na LDB, em virtude dos compromissos contraídos durante a Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien. É urgente, portanto, que esse Plano se concretize na realidade e que, conforme a Declaração de Dacar, o Brasil seja responsável por assegurar sua sustentabilidade e continuidade, apesar de possíveis mudanças institucionais ao longo do tempo. Deve haver liderança nacional, recursos adequados, sistema de acompanhamento e avaliação e empenho para cumprir esse Plano Nacional de Educação.

            Nesse contexto, realçamos que nenhum plano de educação pode ser levado a cabo sem a consulta democrática, como ocorreu com o PNE. E também não pode ser executado sem o entrelaçamento dos três níveis de Governo, federal, estadual e municipal, numa Federação complexa como a nossa. Por isso mesmo, a própria Lei Maior fixou o regime de colaboração intergovernamental, que pressupõe um pacto duradouro, com institucionalização de processos de relacionamento, clara definição de papéis e de critérios de alocação de recursos entre os três níveis de Governo.

            Até o presente, em grande parte do País, o regime de colaboração ainda não chegou à prática, pelo menos no seu sentido pleno, embora sejam inúmeros os casos de parcerias bem-sucedidas e soluções temporárias, mais de governos que do Poder Público. É possível afirmar que muito se progrediu nesses elos entre as esferas de Governo, todavia, ainda não se enfrentaram as questões básicas e duradouras da colaboração. Na maioria dos casos, não se conseguiu passar do transitório para o relativamente estável, com base num conjunto de princípios e mecanismos consagrados em lei. O amadurecimento político precisa nos levar a esses rumos, entre eles o da crítica não pela crítica, mas da apresentação de soluções viáveis. Esse caminho leva necessariamente dos discursos focalizados nos adjetivos para os substantivos e para os verbos, que representam a ação.

            A pesquisa internacional da OCDE nos redesperta para o que não se pode esconder, nem negar: não vivemos sozinhos no mundo, ainda que alguns desejassem que assim o fosse.

            Afinal, o que impede o Brasil de alcançar níveis similares? Que país queremos? Que cidadão brasileiro desejamos formar? Desejamos continuar encontrando atualidade nos pareceres de Rui Barbosa, quando parlamentar, ainda no Império? Desejamos dar voltas à história ou fazer um país e um povo dignos desses nomes? A biografia e a história se constróem pelas opções, quase a cada passo. Este é um momento estratégico para construirmos o melhor caminho para a educação brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/2/246:54



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/12/2001 - Página 32215