Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários aos dados do último Censo e às dificuldades de apreciação do Orçamento da União.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ORÇAMENTO.:
  • Comentários aos dados do último Censo e às dificuldades de apreciação do Orçamento da União.
Aparteantes
José Fogaça.
Publicação
Publicação no DSF de 27/12/2001 - Página 32218
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ORÇAMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DIVULGAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DEMONSTRAÇÃO, PROGRESSO, REDUÇÃO, ANALFABETISMO, MORTALIDADE INFANTIL, AUMENTO, ESCOLARIDADE, RENDA, SIMULTANEIDADE, PERMANENCIA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, SOLUÇÃO, DESEQUILIBRIO, BRASIL.
  • ELOGIO, PAULO RENATO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), EXIGENCIA, REDAÇÃO, EXAME VESTIBULAR, FATOR, DEMONSTRAÇÃO, CAPACIDADE, COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO, ENTENDIMENTO, TEXTO.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSISTA, AGILIZAÇÃO, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, NECESSIDADE, MELHORIA, RELACIONAMENTO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de fazer um rápido comentário sobre os resultados do censo que estão sendo divulgados pela grande imprensa.

            Há sinais animadores e outros preocupantes. Observamos que o País conseguiu avançar em muitos setores. Há pouco, ouvimos o discurso do Senador Ricardo Santos a respeito da apuração realizada sobre a capacidade de compreensão do aluno brasileiro: o quanto ele é capaz de ler e entender o que leu. Na verdade, os resultados são extremamente desfavoráveis ao Brasil, principalmente se comparado com alguns países. De fato, há uma preocupação generalizada quanto à qualidade do ensino, o que afeta não apenas o Brasil mas também outros países. Tanto é assim que alguns países desenvolvidos, como a Inglaterra, a Itália e, de certa maneira, os Estados Unidos, têm índices muito baixos de avaliação da capacidade de compreensão do aluno e certamente têm sistemas educacionais muito melhores que o nosso. Alguns países do mundo desenvolvido ainda não tiveram a coragem de se submeter ou de submeter seus alunos a esse tipo de avaliação, como a França, por exemplo. Outros países, como a Inglaterra, resolveram adotar posições e medidas capazes de reverter o quadro.

            Fomos surpreendidos há pouco com o caso de um analfabeto que foi aprovado num vestibular para o curso de Direito. E não há como compreender isso, pois é impossível esperar que alguém que se candidata a ser justamente um advogado, um bacharel em Direito não seja capaz de se expressar e de escrever. Como ele poderá vir a ser amanhã um bacharel em Direito, uma das áreas do conhecimento que talvez mais exijam a capacidade de escrita, de compreensão, de expressão oral ou escrito? Isso realmente é um paradoxo.

            O Ministro Paulo Renato, em boa hora, passou a adotar algo que nunca deveria ter deixado de existir: a redação. Isso porque conheço médicos sem capacidade para escrever um bilhete - e começo citando o exemplo da minha profissão; e isso ocorre em todas as outras áreas - denotando o descuido que temos com essa área do conhecimento, a capacidade de compreensão e de expressão. Não é possível manter os testes de múltipla escolha, que podem aleatoriamente aprovar um analfabeto, segundo reconheceu a própria universidade em que esse aluno se submeteu ao vestibular.

            O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - V. Exª me concede uma parte?

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Concedo um aparte a V. Exª.

            O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - Senador Lúcio Alcântara, eu não queria interromper o discurso de V. Exª, mas o raciocínio de V. Exª suscitou-me o desejo de fazer algumas observações a esse respeito. O Brasil, é verdade, teve um mau desempenho como um todo nessa comparação com outros países, mas detive-me com certo detalhe na análise dos elementos dessa pesquisa e dessa estatística e observei um elemento talvez ainda mais trágico, mais dramático, pois, ao mesmo tempo que ressalva, entristece pela injustiça e pela ambigüidade da nossa realidade social e humana. No detalhe, observei que 43% dos estudantes brasileiros que prestaram essa prova têm desempenho igual, semelhante, muito próximo, senão até melhor, do que de alunos de países do chamado Primeiro Mundo. No Brasil, 43% dos estudantes têm um desempenho razoável.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Isso mostra mais uma vez o aspecto da desigualdade brasileira.

            O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - Exatamente. É dramático e entristecedor que o universo restante tenha um desempenho tão ruim, tão débil e tão fraco que reduz inteiramente a média nacional. Os 43%, em vez de causar-nos orgulho, provocam uma profunda dor e uma necessária consciência da importância desse fato. Quem são as pessoas mais importantes deste País? Os outros 53%.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - É verdade.

            O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - São eles o alvo, o objeto, a linha de ação para todas as práticas, todas as formas de ação de política educacional. De fato, não há nada que possa melhor expressar o nível de formação de um estudante do que o seu domínio de linguagem. Por ter sido estudante de Letras, tenho uma teoria.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - V. Exª foi estudante e professor.

            O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - Exatamente. Por isso, a vida levou-me a desenvolver, de certa forma, alguns conhecimentos teóricos. Um pensador francês chamado Ferdinand de Saussure diz que a linguagem - não a língua, que é um código mais ordenado - é a capacidade de o homem comunicar-se por gestos, por palavras. A linguagem antecede ao pensamento, ou seja, na evolução da humanidade - supõe Saussure -, antes de o homem tornar-se um animal inteligente, tornou-se um animal que sabia comunicar-se. Portanto, não há nada que esteja mais radicado na base da inteligência do que o processo de estruturação da linguagem. E não investir nisso significa deixar grande parcela da população brasileira naquele estágio - digamos assim - quase medieval ou anterior ao período da Renascença. Quer dizer, somos um País quase que ágrafo em relação a certas práticas culturais ou certos estágios humanos e culturais. Essas pessoas, esses 53% da população, são as pessoas mais importantes, vitais, deste País. Sem elas incorporadas aos padrões de conhecimento e desenvolvimento de linguagem que tem os outros 43%, o Brasil não será um País decente. Era isso que eu gostaria de registrar nesse aparte.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Muito obrigado, Senador José Fogaça, por essa judiciosa intervenção que me leva a antecipar o que iria dizer no meu breve pronunciamento, que é justamente a questão da desigualdade.

            O censo mostra que avançamos muito: houve redução do analfabetismo, aumento da escolaridade, do número de alunos nas escolas, de ligações elétricas nos domicílios, de água, saneamento básico, todos foram avanços importantes. A mortalidade infantil caiu muito, a vida média aumentou e hoje a composição etária da população brasileira é diversa de alguns anos atrás. Hoje, já temos, na faixa de pessoas com mais de 65 anos, quase 6% da população. Enfim, há muitos indicadores favoráveis. A própria renda subiu, mas permanece um aspecto grave, não obstante uma certa redução no índice de Gini: a grande concentração de renda. O Brasil continua com uma grande concentração de renda. Tal concentração é também do conhecimento de todos. V. Exª demonstrou muito bem ao decompor os números e os percentuais dessa avaliação mundial que foi feita sobre o problema da educação. Quando cheguei neste plenário, o Senador Carlos Wilson estava acabando de falar sobre o nosso sofrido Nordeste brasileiro, o pouco apreço e a pouca consideração do Governo em relação a isso.

            Já disse algo a respeito e creio que vou terminar meu mandato insistindo na mesma tecla da falta de uma política de desenvolvimento regional. O que verificamos é que há uma desigualdade dentro do Brasil e uma grande concentração de renda, conforme demonstra o censo. Isso praticamente não mudou. Quando olhamos a concentração de renda, percebemos que a região onde a renda é mais concentrada é no Nordeste. Está acima da média do Brasil. Ali está o maior número de analfabetos, o menor número de residência com água, esgoto e assim por diante.

            O censo em si dá alguns indicadores, alguns números que revelam que o Brasil tem progredido, que o Brasil tem caminhado. É preciso que se entenda que, não obstante essas mudanças e o progresso que temos alcançado, só vamos continuar avançando se tivermos políticas públicas bem nítidas, bem focadas, para resolver alguns desses graves problemas que o censo continua mostrando.

            O próprio Presidente Fernando Henrique diz, com a sua experiência de sociólogo, que o Brasil não é um País pobre, mas um País injusto - uma outra forma de falar da nossa grande desigualdade. Completa Sua Excelência dizendo: “É mais difícil combater a desigualdade do que combater a pobreza”.

            Nós tivemos avanços. Calcula-se que o número de pobres no Brasil, nos últimos anos, diminuiu em cerca de seis milhões de pessoas; mas a desigualdade é renitente; ela persiste. Certamente, uma das causas é a que o Senador José Fogaça acabou de comentar: o conhecimento, a formação; o domínio da linguagem, que é essencial para nós.

            Estamos entrando numa faixa em que a sociedade brasileira vai avaliar a nossa performance, os nossos índices, tomando em conta aquilo que os americanos chamam de “privação relativa”. Ou seja, melhoramos, progredimos, avançamos, mas poderíamos estar no patamar onde estão outros países. Isso requer maior empenho da classe política, das elites nacionais; torna-se indispensável a formulação de políticas públicas capazes de criar condições para o avanço que nos coloque numa outra posição.

            Esse, hoje, é o grande desafio para o Brasil.

            Os números do censo são incontestáveis.

            De outro lado, a queda da taxa de natalidade é um dado importante. Em um país com grandes problemas de infra-estrutura e falta de recursos para provê-la, a redução do crescimento populacional automaticamente permite lidar melhor com as cidades, já que o fenômeno da urbanização é uma realidade irreversível no Brasil, conforme demonstram os números do censo.

            Faço esses comentários apenas para demonstrar que a minha leitura dos números do censo não é pessimista. Muitos dados ali nos animam e nos encorajam. Mas a minha leitura mostra a renitência de certos fatos, de certas situações, extremamente preocupantes, como o grande desequilíbrio regional do Brasil e o grande desequilíbrio de renda entre as pessoas e a alta concentração de rendas.

            Para concluir, quero dizer que vim aqui, atendendo à autoconvocação feita pela Presidência do Senado e da Câmara e que lamento muito que, a cada ano, tenhamos que viver esta tragédia da aprovação do Orçamento. Isso não pode continuar. A cada ano, travamos esta luta contra o calendário, para aprovar na undécima hora o Orçamento, muitas vezes apenas cumprindo um ritual. Fora os membros da Comissão de Orçamento, os Parlamentares apenas assistem à chegada do Orçamento, ainda com a tinta fresca da Gráfica, para ser aprovado se houver acordo. De fato, a esmagadora maioria não conhece a peça orçamentária saída da Comissão de Orçamento. Quando V. Exª, Senador Ramez Tebet, chegava e assumia a Presidência, eu comentava que vim, atendendo à determinação de V. Exª como Presidente do Senado, dizer da minha tristeza em ver a tragédia em que se transforma a aprovação do Orçamento. Se não houver acordo, não se aprova o Orçamento. E não se aprova por quê? Os não-membros da Comissão não conhecem sequer a peça que sai de lá. Cumpre-se um ritual. Chega aqui aquele carrinho trazendo volumes. E, em algum tempo, pronto: está aprovado o Orçamento. Proponho que tentemos uma outra sistemática. O maior ônus sobre o Parlamento, o foco de maior desgaste do Parlamento Nacional é o Orçamento. Sou membro da Comissão; não vou citar nomes porque cada um isoladamente se interessa e se esforça; mas o trabalho não anda.

            Como pode isso acontecer? Um simples crédito suplementar para uma obra de grande importância, uma obra regular - nada há contra ela - demora meses para ser aprovado! Não consigo entender isso! Em parte, atribuo isso às reuniões mistas. Sou adversário delas. Não funcionam.

            A propósito, com a ajuda da relatoria do Senador José Fogaça, pelo menos conseguimos acabar com elas no caso de medida provisória. S. Exª teve a coragem de reformar a decisão da Câmara e fazer prevalecer a reforma.

            Não se trata de uma Casa contra a outra. As Casas trabalham melhor isoladamente do que reunidas. É uma constatação.

            Sr. Presidente, V. Exª sabe qual foi a última sessão do Congresso para avaliar veto presidencial? Em agosto de 2000. E estamos funcionando, apesar de a Constituição dizer que o veto tranca a pauta do Congresso. Por isso mesmo, toda sessão do Congresso é extraordinária e, portanto, escapa da vedação constitucional. Isso demonstra que as sessões conjuntas são desnecessárias, a não ser para desgastar o Parlamento.

            E não é apenas isso. O Orçamento mobiliza muitos interesses. O Executivo não joga claro com o Legislativo. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que é uma grande lei - estou convencido disso, sou apologista dela - podia, por exemplo, ter incluído um dispositivo para evitar aquilo a que assistimos todo ano: liberações maciças no último mês, na última semana ou, às vezes, no último dia, deixando o próprio administrador em situação extremamente desconfortável. As relações do Executivo com o Legislativo, em matéria de elaboração, aprovação e execução do Orçamento, deixam muito a desejar.

            Não faremos isso para o ano, que é um ano eleitoral, mas V. Exª - que, tenho certeza, retornará para esta Casa, como grande Senador que é, se não for Governador do Mato Grosso do Sul -, comandará esse processo no Senado Federal. Não é possível continuarmos como estamos. O Orçamento é um foco de desgaste do Congresso Nacional e que afeta a todos. Sou membro da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização e estou fazendo uma análise em tese. Não quero me referir a ninguém nem a Partidos, mas não podemos continuar com isso. Todo ano se repete essa situação. É necessário examinar o assunto de forma a que todos possam dele participar, para votar, emendar, modificar, até rejeitar o Orçamento, se for o caso, mas o importante é que haja apreciação. Como está hoje sinceramente, entendo que é um ponto de desgaste desnecessário. E podemos perfeitamente resolver isso, até mostrando ao Executivo aquilo que é preciso modificar.

            Quanto à discussão do salário mínimo, está havendo uma competição pela paternidade dos R$200 do salário mínimo, a verdade é essa - se colocarem R$201, talvez fiquem satisfeitos, porque não é mais R$200.

            Então, peço aos Líderes importantes que estão vindo aqui para que reflitam sobre isso. Este ano não há mais jeito. O melhor que podemos fazer é votar o Orçamento até amanhã, ou melhor, apreciá-lo, votá-lo e aprová-lo, com as modificações que a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização e o Plenário entenderem de fazer.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado a V. Exª.


            Modelo15/23/2412:40



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/12/2001 - Página 32218