Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à sugestão de votação do Orçamento da União separadamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Registro da declaração conjunta dos membros do Mercosul em apoio à Argentina.

Autor
José Fogaça (PPS - CIDADANIA/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO. CONGRESSO NACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Comentários à sugestão de votação do Orçamento da União separadamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Registro da declaração conjunta dos membros do Mercosul em apoio à Argentina.
Publicação
Publicação no DSF de 27/12/2001 - Página 32221
Assunto
Outros > ORÇAMENTO. CONGRESSO NACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • APOIO, SUGESTÃO, AUTORIA, LUCIO ALCANTARA, SENADOR, SEPARAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, EFICACIA, VOTAÇÃO, ORÇAMENTO.
  • DIFICULDADE, VOTAÇÃO, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, SESSÃO CONJUNTA, AUSENCIA, QUORUM, ACORDO, DEPENDENCIA, MAIORIA, SESSÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • REGISTRO, ENCONTRO, CHEFE DE ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, PARAGUAI, BOLIVIA, CHILE, ASSOCIADO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OBJETIVO, SOLIDARIEDADE, ARGENTINA, SITUAÇÃO, CRISE, ECONOMIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Srªs e Srs. Senadores, de fato, na matéria relativa ao Orçamento, há uma longa e histórica discussão sobre a funcionalidade das votações no âmbito do Congresso, ou seja, nas sessões conjuntas, Câmara e Senado, a que denominamos de Congresso Nacional.

            Concordo com o Senador Lúcio Alcântara em que, muito mais operacional e eficaz, do ponto de vista parlamentar, seria votarmos nas duas Casas separadamente, tal como agora estamos fazendo com as medidas provisórias. A média das medidas provisórias agora não tem ultrapassado 45 dias e, praticamente, não há medida provisória que não tenha sido apreciada e votada. Antigamente, medidas provisórias se reeditavam e se reproduziam interminavelmente. Muitas vezes, por seis, sete ou oito anos se reproduzia e se reeditava uma medida provisória no Brasil. Agora, com a medida que tomamos, separando as duas Casas e votando em cada uma delas separadamente, o prazo de aprovação, de apreciação de emendas, enfim, de exame nas duas Casas não tem sido maior do que 45 dias. Portanto, é uma mudança fantástica, é uma mudança vigorosa, Sr. Presidente.

            Com isso, quero chegar à conclusão de que as palavras do Senador Lúcio Alcântara são merecedoras de reflexão. Sem dúvida, se deslocássemos a votação do Orçamento da chamada sessão conjunta ou do Congresso Nacional para as sessões individuais das Casas, Câmara e Senado, do ponto de vista operacional, do ponto de vista da eficiência parlamentar, não há nenhuma dúvida de que se daria, assim, um grande passo à frente.

            Contudo, a minha reflexão não se restringiria a isso. O problema do Orçamento não é tanto a votação em plenário do Congresso, embora haja um pré-condicionamento: o fato de se saber - e os Senadores mais antigos e experientes da Casa partilham desse conhecimento - que no plenário do Congresso, ou seja, na sessão conjunta não haverá quorum, leva a uma necessidade anterior de, ainda na Comissão de Orçamento, estabelecer-se um acordo, porque, se esse acordo não acontece - e dependerá de maiorias na sessão do Congresso -, evidentemente, estaremos no pior dos mundos. Nada será aprovado!

            Portanto, essa debilidade institucional, do ponto de vista do quorum, da funcionalidade do Congresso, da chamada sessão conjunta, leva à necessidade imprescindível de se fazer um acordo no âmbito e nos limites da Comissão de Orçamento. Se esse acordo não é feito, adeus, Orçamento! E a necessidade do acordo no âmbito da Comissão de Orçamento tem produzido ao longo dos anos uma cultura infernal, perversa, malévola: a cultura dos interesses individuais, que lá predominam. É claro que há conflitos regionais, há disputa de recursos entre Estados e Municípios. No entanto, esses não são os grandes choques, os pontos mais contundentes entre as diferenças que existem. Os momentos mais agudos de dissenso, mais difíceis e mais complicados na obtenção de um acordo localizam-se nas emendas individuais. Nelas está o no górdio, o nó indesatável da Comissão de Orçamento.

            É claro que há emendas individuais absolutamente legítimas. O fato de eu ser, por princípio, contrário à existência de emendas individuais não me leva a cometer o erro de supor que todas contêm má-fé ou atendem a objetivos eleitoreiros, clientelísticos tão-somente. Boa parte, quem sabe até a maioria das emendas, está voltada ao bem público, ao interesse público, ao bem social, ao serviço das comunidades, ao atendimento de necessidades, ao suprimento de carências da população.

            Todavia, infelizmente, existem algumas lutas individualizadas na Comissão de Orçamento que me assustam muito, há muito tempo. Emendas que não conseguem obter legitimidade, que não conseguem obter acatamento nas relatorias, que não passam tanto nas relatorias setoriais quanto na relatoria-geral da Comissão de Orçamento são a causa última desta extensão, deste verdadeiro espichamento que estamos fazendo da sessão legislativa do ano de 2001. Os autores dessas emendas, ou aqueles que representam aqui no Congresso Nacional os autores dessas emendas, sentam-se na Comissão de Orçamento e, valendo-se da falta de quorum, esperam chegar meia-noite, uma, duas, três da madrugada e, enquanto suas emendas não são aceitas, ficam insistindo na verificação de quorum. Das duas, uma: ou as maiorias asseguram quorum na Comissão de Orçamento, ou as maiorias asseguram quorum nas sessões conjuntas, nas sessões do Congresso Nacional. Esta é a questão primacial, no meu modo de ver. O que faz, o que produz esse retardo, esse atraso, esse espichamento da sessão legislativa são as emendas individuais. O deputado fica ali até ver aprovada sua emenda. Então, às cinco horas da manhã, quando os outros estão exaustos, resolve-se aceitar sua emenda, e ele não pede mais verificação de quorum, aprovando-se o Orçamento.

            São 24 anos de vida parlamentar, Sr. Presidente! Talvez seja pouca experiência, mas já dá para se ter, digamos assim, uma iniciação na matéria. Eu me considero um iniciado na vida parlamentar. Vinte e quatro anos permitem isso.

            Sr. Presidente, quero também fazer um registro da nossa grande preocupação com o estado de coisas, com a situação vigente, neste momento, no país irmão, no nosso país vizinho, esse grande país do Cone Sul da América, a Argentina. Quero fazer o registro da nossa solidariedade, a solidariedade do Brasil em relação às dificuldades vividas pela Argentina.

            Sr. Presidente, estive, na semana passada, até a madrugada de sábado, quando retornamos, no Uruguai, onde se realizou o encontro de Chefes de Estado, que se realiza todos os fins de ano, para fazer o levantamento e o fechamento das atividades de cada ano do Mercosul. Estavam presentes todos os Chefes de Estado e alguns parlamentares; a Delegação Parlamentar do Brasil foi presidida pelo Presidente da Comissão Parlamentar Mista do Mercosul no Congresso Nacional, o Senador Roberto Requião. Nessa ocasião, tivemos a oportunidade de verificar que é um momento crucial, crítico, difícil, uma verdadeira encruzilhada que está vivendo o Mercosul. Verificou-se a impossibilidade de levar adiante qualquer processo de negociação sem a presença da Argentina e, portanto, estávamos quase chegando à conclusão de que a reunião de Chefes de Estado não deveria se realizar.

            Como todas as decisões do Mercosul são tomadas por consenso, não podem ser colhidos votos - o Mercosul não decide pela via do voto de seus integrantes, e sim pela via do consenso -, estávamos chegando a uma conclusão, equivocada, diante da ausência do Presidente renunciante Fernando de la Rúa, de que os Chefes de Estado não deveriam estar no Uruguai, pois a ausência da Argentina obstruiria todo o processo de debate e as decisões formais, os acordos que eventualmente viessem a ser assinados, enfim, acabados, definidos, neste final de ano.

            No Brasil, há empresários exigindo salvaguardas e diferenciação de tratamento tarifário para produtos brasileiros dentro do mercado do Cone Sul e há pontos nevrálgicos importantes a serem decididos no Mercosul. A harmonização de políticas macroeconômicas - há um processo de discussão em pleno andamento -, nada disso pôde ter maior conseqüência, nada disso pôde ter maior fluência nas conversas, por uma razão simples: estava ausente a Argentina. Mas lá, na reunião, Sr. Presidente, cheguei à conclusão, e creio que foi esta a visão unânime de toda a delegação brasileira, de que os Chefes de Estado deveriam estar lá reunidos, sim, mesmo com a ausência da Argentina. E todos os outros estavam presentes. Lá estavam o anfitrião, Jorge Battle, Presidente do Uruguai, o Presidente do Paraguai, o nosso Presidente, Fernando Henrique Cardoso, e também os Presidentes dos dois países associados - Bolívia e Chile -, que não integram o Mercosul, mas são associados, no sistema quatro mais um.

            Ora, talvez alguns se perguntem qual a razão de estarem lá, naquele momento, e aguardarem o desfecho, o desenlace dos problemas políticos daquela crise imensa que se desenrolava na Argentina. A razão, para mim, ficou clara e meridiana, ficou inteiramente visível aos meus olhos na sexta-feira pela manhã, na reunião dos Chefes de Estado, a que nós, Parlamentares, fomos convidados, tivemos acesso e a que comparecemos, em que o discurso unânime dos presentes, dos líderes de cada Nação, foi no sentido de, primeiro, solidarizar-se com a Argentina e, em segundo lugar, afirmar e reafirmar a importância e a continuidade do Mercosul. Mas aí vem talvez o elemento essencial, imprescindível, que justificou de forma absolutamente indiscutível a presença dos Presidentes da Bolívia, do Paraguai, do Chile e do Brasil - a terceira, e mais importante na minha opinião, das conclusões da reunião: a de que os países membros do Mercosul estavam solidários, irmanados e dispostos a ajudar, mas absolutamente vigilantes, absolutamente de olhos abertos e ativos em relação ao andamento do processo democrático na Argentina.

            Turbulência nas ruas, pressões para a renúncia de um presidente da República, nos últimos cem anos de história da América Latina, esse cenário tem sido a véspera do golpe de Estado e da derrocada da democracia.

            Sr. Presidente, há no Mercosul um valor político talvez maior do que o econômico. Há, nesta integração de blocos regionais, um elemento político solidificador, unificador, que é um verdadeiro amálgama democrático, que é uma verdadeira solda democrática: ditaduras não se integram. As ditaduras não fazem parte de blocos de integração econômica e política. E, por outro lado, o que também é verdadeiro, países integrados não se transformam em ditaduras. Países integrados não caem em ditaduras. Estamos diante da segunda experiência na América Latina - pelo menos a segunda experiência importante no Cone Sul -; estamos diante do registro de que diante dos compromissos que assumiram no cenário de nações em que atuam, diante das exigências internacionais, diante do quadro institucional em que se inserem os países integrados não podem, não têm como, não há forma de virem a derrocar a democracia e estabelecer regimes autoritários ou ditatoriais.

            Os Chefes de Estado estavam reunidos em Montevidéu no mesmo dia em que o Presidente da República da Argentina renunciava. E renunciar é apenas um ato institucionalmente previsto na Constituição; renunciar não é um momento de ruptura da democracia; é apenas, possivelmente, um momento de infelicidade nacional. Mas, nem todas as democracias são a glória das glórias, a felicidade da felicidades. As democracias têm também os seus momentos de depressão, de dor, de amargura, como viveu e está vivendo a democracia argentina. Mas a Argentina não deu um passo, Sr. Presidente, de retrocesso democrático! Todas as instituições foram preservadas. Não tenho nenhuma dúvida em dizer que não estivessem os Chefes de Estado reunidos em Montevidéu naquele momento, vigilantes, atentos, de olhos abertos e voltados para a Argentina, poderia ter sido outra a solução institucional da Argentina.

            Por isso quero aqui fazer o registro de que a Comissão Parlamentar do Mercosul, presidida pelo Senador Roberto Requião - que por certo trará a esta Casa o texto da declaração conjunta de todos os países presentes à reunião dos parlamentares em relação ao problema da Argentina -, chegou ao reconhecimento e à constatação de que, de fato, os Chefes de Estado não deveriam ter ficado em casa. Deveriam estar lá, sim! Foi uma viagem, Sr. Presidente, que valeu por uma democracia.

            Uma democracia é pouco? Eu não acredito, Sr. Presidente. Só países que viveram décadas, séculos de regimes autoritários, que viveram vidas inteiras, gerações inteiras de autoritarismo, de repressão e de democracia vilipendiada é que sabem o que vale uma democracia.

            Sr. Presidente, se a reunião do Mercosul não teve nenhum outro mérito ou razão de ser, justificou-se por esse valor maior, que é o valor mais fundamental e mais importante para a história dos povos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo111/30/243:20



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/12/2001 - Página 32221