Pronunciamento de Artur da Tavola em 26/12/2001
Discurso durante a 5ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Análise da questão orçamentária nacional.
- Autor
- Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
- Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ORÇAMENTO.:
- Análise da questão orçamentária nacional.
- Aparteantes
- Geraldo Melo, Romeu Tuma.
- Publicação
- Publicação no DSF de 27/12/2001 - Página 32230
- Assunto
- Outros > ORÇAMENTO.
- Indexação
-
- ANALISE, COMPLEXIDADE, FUNCIONAMENTO, VOTAÇÃO, ORÇAMENTO.
- COMENTARIO, DIFICULDADE, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, ESPECIFICAÇÃO, OBSTRUÇÃO PARLAMENTAR, DESCONHECIMENTO, MATERIA, DIVERSIDADE, POSIÇÃO, GOVERNO, BANCADA, OPOSIÇÃO, EXISTENCIA, EMENDA INDIVIDUAL, EMENDA COLETIVA.
- DEFESA, NECESSIDADE, SOLUÇÃO, CONFLITO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, OBTENÇÃO, ENTENDIMENTO, MELHORIA, ORGANIZAÇÃO, AGILIZAÇÃO, APRECIAÇÃO, ORÇAMENTO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a tarde de hoje no Senado e na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional está sendo ocupada por discursos e análises sobre a questão orçamentária brasileira. Quem acompanhou esta nossa reunião, seja pessoalmente, seja pela TV Senado, a meu juízo, está a ter uma interessante aula sobre esse complexo problema que representa o Orçamento da República a cada ano. Já ouvimos aqui análises, críticas e, de alguma maneira, essa peça orçamentária ficou no centro do debate porque estamos a viver aqui um problema sério e que se repete todos os anos, como foi dito muito bem pelos Srs. Senadores. Neste ano, porém, estamos com a pequena diferença de que o Orçamento só não foi aprovado por causa de uma obstrução muito pesada com duas vertentes: um lado legítimo, onde estão idéias a serem debatidas, e um lado político típico, de entrada de um ano pré-eleitoral. O que está a obstaculizar a continuidade do Orçamento são algumas causas e algumas medidas, primeiro, que já tiveram, por parte do Congresso, aceitação, como o caso do salário mínimo. O aumento do salário mínimo para R$200 é fruto de um entendimento entre as forças políticas. Aqui surge o porquê de eu dizer que um lado da dificuldade está na proximidade das eleições. Há um grupo minoritário, porque não representa nem a maioria da Oposição, composta particularmente pelo PT, que está com uma atitude extremamente aberta para a aprovação do Orçamento; não é, portanto, a Oposição como um bloco. Essa atitude provém de setores que querem estar além do combinado. Se foram acertados R$200,00, eles querem R$210,00; se não derem R$210,00, obstruirão o Orçamento. Isso é muito comum na vida política. Não é dos mais altos momentos da vida política. Os mais altos momentos da vida política não vêm sob essa forma. Mas é comum a idéia de que, diante da Nação, quer-se aparecer como portador da reivindicação principal, da reivindicação maior; um pouco como as crianças quando afirmam que seu pai é mais forte que o do outro, seu brinquedo é mais bonito que do outro. No caso político, eu luto mais pelo povo do que você. A tradução, no fundo é essa, se quiserem, essa é a tradução psicológica do fato.
São fatos comuns na vida política. Existe, por parte da classe política, um afã de tomar posição sempre adiante do acordo possível. É legítimo e produz seus dividendos eleitorais; mas não procede quando serve para a obstrução do Orçamento da República, a peça mais complexa, mais difícil, mais importante, a razão de ser fundamental da existência do Parlamento.
Os Parlamentos começaram no mundo ainda ao tempo das monarquias, quando deixaram de ser absolutas, com a finalidade de fiscalizar o rei no uso dos gastos públicos. Ali o Parlamento começou a existir. A própria monarquia reconhece a necessidade de homens capazes de, representando a população, defenderem o Erário, não entregando ao rei a tuição absoluta sobre o orçamento. Evidentemente, as monarquias tinham e usaram poderes para simplesmente fechar os insipientes Parlamentos iniciais sempre que se lhes opunham. Aliás, essa não é uma característica exclusiva da monarquia. As repúblicas, os governos e os Poderes Executivos, ao longo do tempo, por muitas vezes, já fecharam o Parlamento por questões até menores.
O Orçamento é a razão de ser do Parlamento. Aqui não apenas cabem as críticas feitas ao modo como o Parlamento faz a gestão orçamentária, mas também creio ser importante que o público saiba como o Parlamento elabora o Orçamento, porque, fora do Congresso Nacional, as pessoas questionam: “Votaram ou não o Orçamento?”. Em geral, não conhecem a magnitude, o tamanho, a complexidade desse processo. Diria, com a experiência parlamentar de alguns anos, que é o mais complexo de todos os mecanismos da vida parlamentar; não existe outro igual.
Em primeiro lugar, o Orçamento é uma peça que, sob a forma de proposta, vem do Poder Executivo para a Casa. A meu ver, não fosse o presidencialismo esse regime autoritário que é e estivéssemos no regime parlamentarista, já na fase da proposta orçamentária, a Comissão de Orçamento estaria de algum modo presente. Mas isso não acontece. Ela vem com todos os apertos e restrições que o Poder Executivo faz, naturalmente porque sabe que, de alguma maneira, no item despesa, o Congresso, pressionado por outras demandas, seguramente aumentará a despesa.
Segundo: existem fontes de receita que também, de alguma maneira, podem ser trabalhadas pelo Poder Legislativo. Aí começa uma tensão entre Poder Executivo e Poder Legislativo que é inevitável: é aquele ponto onde Poder Executivo e Legislativo não se coadunam à perfeição, particularmente, em países que precisam fazer ajustes fiscais rigorosos, controle de gastos e, ultimamente, graças a uma lei de altíssimo valor votada por esta Casa - a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, se entrar em vigor, transformará este País em cinco anos - pela obrigação de não se ter nenhuma fonte de despesa que não registre a fonte de receita na qual se baseará. Ou seja, fica proibido o Poder Executivo nos âmbitos federal, estadual e municipal de enviar qualquer forma de despesa sem a correlata autorização de fonte de receita que a caracterize, sob pena de prisão. É tão drástica a Lei de Responsabilidade Fiscal que a pena é prisão.
Acontece que a referida Lei ainda não se aprofundou no conhecimento, na vivência nem dos administradores do Poder Executivo - no âmbito federal, estadual e municipal - nem do Congresso. Essa é, portanto, uma das causas da inevitável tensão entre o projeto que vem do Poder Executivo e o projeto que será votado na Câmara.
Entram, uma vez que este processo está em votação, algumas dificuldades da seguinte ordem que precisam ser compreendidas:
1) nenhum parlamentar, ou talvez dois ou três, ou dez, se quiserem - somos mais de seiscentos - tem, nem pode ter, conhecimento da peça orçamentária como um todo.
Ora, o que é a peça orçamentária como um todo? Ela é, em síntese, a hierarquização dos gastos públicos na direção da administração e da vida do País. Somente aí, já há uma dificuldade. O que para mim é uma prioridade, possivelmente não o seja para o Senador José Alencar, para o Senador Romeu Tuma, para o Senador Geraldo Melo ou para o Senador Freitas Neto. O próprio conceito de hierarquia, do que é mais importante, já é, em si, discutível, porque é subjetivo.
Então, aí, começam os conflitos. Primeiro, nenhum parlamentar tem uma visão completa do Orçamento, a não ser talvez o Relator e dois ou três Relatores Setoriais. O Relator-Geral subdivide a peça em várias seções, porque é uma peça de mais de duzentas páginas, com rubricas as mais complexas orientando a vida de todos os Ministérios. Ninguém tem, em plenitude, o Orçamento como algo claro. Portanto, já se vai trabalhar sobre um material que não é do pleno conhecimento de todos aqueles que incidem sobre ele.
É feita uma comissão proporcional no Congresso entre Deputados e Senadores. A comissão, portanto, não é nem da Câmara nem do Senado. É a Comissão do Orçamento. Digo isso, porque tenho ouvido na imprensa - e aqui vai uma sugestão para os pauteiros - que “a Comissão de Orçamento da Câmara está votando o Orçamento e que há um impasse etc”. Não é Comissão de Orçamento da Câmara coisa alguma! A Comissão de Orçamento é do Congresso.
Câmara e Senado estão ali representados. Misturados? Não. Vota-se na Câmara e vota-se no Senado. São votações separadas, numa Comissão que é conjunta.
Para que se tenha uma idéia, não sei o número exato, mas essa Comissão tem quase 90 membros, são oitenta e tantos membros. Portanto, somente a Comissão de Orçamento do Congresso é maior do que o Senado, em termos de quantidade de Parlamentares; é maior do que muitas assembléias legislativas dos Estados; é quase um Congresso em si. Oitenta e tantas pessoas para fazer um Orçamento é como se fosse outra assembléia, agregada às duas grandes assembléias que são o Senado e a Câmara. Há mais membros na Comissão de Orçamento, que é paritária, do que Senadores. Portanto, é uma Comissão complexa. Ninguém comanda um processo orçamentário com facilidade.
E aí aparecem outras dificuldades. Já vimos algumas. A peça é impossível de ser compreendida em todos os seus pormenores, em toda a sua amplidão, por todos aqueles que nela vão votar. A matéria é toda subdividida em relatorias setoriais e subsetoriais, para que possa ter andamento. Os partidos políticos representam-se pela quantidade de membros que têm nessas relatorias e sub-relatorias.
E ali começa um terceiro problema, de natureza política. Em primeiro lugar, em termos macro, Governo e Oposição têm posições diferentes. O Governo caminha na direção do controle rígido dos gastos, a Oposição busca, naturalmente, impor ao Governo uma quantidade de gastos maiores nos setores que ela considera prioritários. Aí intervém outro vetor, outro viés na elaboração orçamentária. Não se trata mais de Oposição versus Governo; entram as chamadas emendas parlamentares, matéria sobre a qual o País não é devidamente informado, porque as emendas parlamentares são passadas à Nação como se fossem pecados mortais cometidos pelos Srs. Parlamentares.
O Senador Romeu Tuma socorre-me informando que são 63 Deputados e 21 Senadores na Comissão, o que dá exatamente um total de 84 Parlamentares. Portanto, são três Parlamentares a mais do que o Senado, que tem 81 membros. Portanto, é uma Casa Legislativa.
Mas eu dizia que, nesse conflito, nessa tensão, além das disputas entre Governo e Oposição, que são disputas macro nas linhas gerais do Orçamento, entra a questão das emendas dos Parlamentares. Essas emendas são divididas entre emendas de Bancada e emendas individuais. Num determinado momento, devido a crises sucessivas, inclusive a que levou à famosa CPI dos anões do Orçamento, criou-se a figura da emenda de Bancada. Há também quem defenda que as emendas de Bancada, como as de Parlamentares, isoladamente, desapareçam do Orçamento. Há também as emendas de Comissão, como me lembra o Senador Romeu Tuma. No conjunto dessas emendas, está um dos problemas mais sérios, graves e difíceis de serem resolvidos do Orçamento. Independentemente do conflito Governo versus Oposição, por dentro do Orçamento estabelecem-se conflitos no sentido de se obterem melhores condições para suas emendas, suas Bancadas e seus Estados. Há uma quantia destinada a essas emendas e ali dentro - digamos assim -, como num ônibus repleto de passageiros, dá-se um acotovelar-se para se buscarem melhores resultados, o que gera um processo de extrema complexidade, responsável pelas 2.400 emendas que estão sendo votadas na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização neste momento.
Com todos os males, defeitos e dificuldades de serem votadas, o Orçamento é uma peça difícil. Sobretudo em países latinos como os nossos, que são tão verbais e tão pouco objetivos na votação tantas vezes, não é fácil votar uma peça daquele tamanho, daquela magnitude. A complexidade desse problema dá oportunidade para que, em reuniões longas, que entram pela madrugada, que levam as pessoas à fadiga, aqueles mais hábeis, aptos, espertos consigam colocar ali as suas emendas, ou por simpatia do Relator, ou por capacidade de pressão, ou por adequação, ou por presença indormida. Isso faz com que o Orçamento seja esse caldeirão de complexidades, que já permitiu erros graves no passado.
Não concordo com os Senadores que disseram aqui que neste ano o Orçamento caminha nessa direção. Não o vejo caminhar nesse sentido, não há nada, como no passado, que esteja oculto ou sendo levado de maneira escondida, de maneira pecaminosa. O sistema está inteiramente aberto. O drama deste ano é uma minoria estar a impedir que a Nação tenha um orçamento num prazo hábil, obrigando o Congresso Nacional a este trabalho extraordinário desnecessário - porque, se fosse necessário, estaríamos aqui para votá-lo -, mas que enche certas declarações de alguns políticos: “Nós iremos trabalhar depois do Natal e no Ano Novo se for preciso”, como se os outros não o fizessem. Aliás, muitos desses que dizem isso não estão aqui hoje. Mas nós estamos, nós que não blasonamos o cumprimento do dever como se ele fosse uma virtude excepcional.
Sei que o Orçamento precisaria de um sistema de organização melhor. Ele está um pouco como certos processos na Justiça, que permitem tantos agravos de instrumento, tantos recursos, que a decisão dos juízes acaba por não se fazer, não se executar, tal a quantidade de recursos possíveis. Os recursos regimentais, tudo o que existe nessa laboração merecia o crivo de uma análise, de uma auditoria perfeitamente razoável para tornar o processo mais claro, mais simples, que permitisse menos a obstrução. Mas não chegamos até lá.
O Parlamento brasileiro, desde a redemocratização, ainda não encontrou uma maneira límpida, clara - a honesta, creio que já encontrou, quando cortou na própria carne, quando puniu os anões do Orçamento e criou medidas que melhoraram o processo. Mas essas medidas ainda não chegaram à plenitude da sua eficácia. Estamos longe da eficácia, temos que reconhecer. É um problema que nos desafia. Atualmente o mundo é rápido, informatizado, os processos são necessariamente mais ágeis. E nós, Parlamentares, ainda estamos presos, não apenas no Orçamento, mas em muitos outros aspectos, que muitas vezes transformam a votação em algo demorado, a formas antigas, a antigas retóricas. O Parlamento jamais parou para se estudar. Não há nada mais difícil do que modificar o nosso Regimento. No Senado mesmo, no começo da nossa legislatura, foi feito, pelo Senador Renan Calheiros, um trabalho que nunca mais foi considerado. Parece que a classe política se acomoda em um tipo de convivência que tem as vantagens da liberdade democrática, da garantia de palavra, é verdade, mas que não tem as vantagens da eficácia. E o nosso Orçamento não é eficaz nem mesmo nas instalações da Comissão de Orçamento. Quem vir a Comissão de Orçamento - e depois desta sessão aqui, seguramente, a TV Câmara e a TV Senado estarão lá a transmitir a reunião -, vai verificar que as pessoas estão em um lugar onde é difícil trabalhar, sem os recursos necessários. São centenas de milhares de folhas, impossíveis de serem lidas. E, das pessoas ali confinadas, uma parte está a travar uma luta política entre Governo e Oposição e a outra está interessada em suas emendas.
O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Artur da Távola, V. Exª me permite um aparte?
O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Sr. Presidente, meu tempo se conclui, mas, se V. Exª me permitir, vou conceder um aparte ao Senador Romeu Tuma.
O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Não levarei mais que um minuto. Quero cumprimentar V. Exª pela oportunidade de explicar isso não aos seus pares, que estão atentos e até informados de alguns detalhes, mas à população, pois pouca gente conhece o andamento da Comissão de Orçamento, e, de um modo geral, a desconhece quase que na sua totalidade. E V. Exª dá uma aula com tranqüilidade, com a sabedoria e inteligência que sempre demonstrou em todos os seus pronunciamentos. Há pouco, foi suspensa, por 10 ou 15 minutos, a reunião da Comissão, para se discutir a forma de enquadrar os requerimentos que a Mesa recebeu para destaque dos destaques. Queriam votar em bloco, mas seria necessária a presença do autor para se destacar. Um destacou mil, o outro, mil e tantas. Há mais de duas mil emendas destacadas no Orçamento, a maioria já rejeitada pelo Relator. O ambiente estava carregado, pesado, várias pessoas falavam ao mesmo tempo. Nós dizíamos que a reunião deveria ser feita em um plenário mais amplo, mais aberto. V. Exª tem uma visão espetacular, uma sensibilidade em relação ao que está acontecendo. V. Exª estava lá há pouco, pôde sentir de perto tudo isso e trouxe ao conhecimento da sociedade brasileira tudo o que se passa, porque é uma discussão dramática e traumática ao mesmo tempo. Aqueles que não acompanham de perto, mas que estão presentes, como suplentes, para dar o seu voto, para discutir, ficam alheios, às vezes, a alguns temas tratados durante a reunião da Comissão, pois ela é detalhista em alguns segmentos. Até fiz uma aposta lá, sem saber que V. Exª traria o assunto, dizendo que poderíamos colocar em jogo o mandato se algum Senador ou Deputado conhecesse toda a peça orçamentária. Na semana passada, um sub-relator, inquirido sobre um detalhe, precisou se auxiliar de outro Deputado presente, que tinha conhecimento do assunto, que era do próprio sub-relator. Como a pressão é muito grande, a memória não tem capacidade de guardar todos aqueles números, aqueles detalhes, os valores, os cortes lineares, o corte próprio de cada uma das verbas. Cumprimento V. Exª e peço desculpas pela interrupção, mas é importante conhecer o assunto que, com tanto brilhantismo, V. Exª traz a esta tribuna.
O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. V. Exª lembra os destaques, e é interessante o público saber disso.
Feito o relatório do Orçamento - uma peça enorme -, o Relator emite parecer sobre as emendas apresentadas, pois o congressista, não satisfeito - e é um direito seu -, pode apresentar emendas ao Orçamento. Num quadro em que são apresentadas 2.400 emendas, o Relator tem que dar parecer sobre todas elas. Grosso modo, conforme o procedimento habitual, ele emite parecer favorável a algumas emendas, contrário a outras e, ainda, às vezes, emite um parecer intermediário, parcial, contrário a algum aspecto da emenda. Para tornar mais prática a votação, todas as emendas com parecer favorável devem ser votadas em bloco, o que não pode acontecer com as que não recebem parecer favorável. Porém, mesmo as favoráveis, votadas em bloco, são passíveis de destaque. Isto é, o Deputado ou o Senador pede destaque para votar em separado aquelas emendas com parecer favorável com as quais ele não concorda, porque a dele, muitas vezes, não está ali; idem, e com muito mais destaque, para as emendas com parecer contrário. Então, todos os Parlamentares que apresentaram emendas que receberam parecer contrário, mesmo que parcial, também estão no direito de destacá-las. Isso leva o processo de votação a um verdadeiro martírio. Começa-se a votar as emendas, mas nem todos têm condição, com esse calhamaço, de acompanhar a votação das emendas, que, muitas vezes, podem ter a ver com a própria emenda, porque, às vezes, uma emenda revoga a outra.
Estou traçando esse paralelo - e vou concluí-lo - para mostrar que, ao lado dos defeitos que foram tão bem apontados, ao lado da necessidade de uma auditoria para tornar este processo mais eficaz, mais rápido -, acredito que se trata de um processo límpido, sem escaninhos maldosos, sem sub-reptícias manobras -, a peça é, em si, difícil. É difícil para uma Casa com quase seiscentas pessoas votar uma matéria dessa magnitude. Por isso, quando vai a Plenário, ela deve estar de tal maneira mastigada que se entra em acordo ou não há Orçamento. Quando ela vai a Plenário, em geral no prazo fatal, uma emenda tirará o Orçamento da pauta. Portanto, todo esse processo ciclópico vivido na Comissão poderá ser revivido no Plenário se não houver acordo, e o Orçamento pode ficar meses e meses para ser votado.
É necessário, portanto, algum bom senso entre os Parlamentares. E é esse pedido de bom senso que quero deixar aqui, para que não se crie, neste ano, para o País, em um momento de tal gravidade, em um momento de crise de um país aqui do nosso lado, em um momento de crise no mundo, em um momento de tanta dificuldade, que não se leve do Brasil para o mundo a idéia de que não estamos a viver um momento razoável - e o Brasil está! -, porque o Orçamento da República não foi votado. Os impasses na votação do nosso Orçamento estão sendo noticiados pela imprensa internacional, e isso tem imediata conotação no mundo globalizado com os comportamentos de mercado, máxime se ficarmos aqui, em um círculo vicioso por causa desta votação.
Tudo isso, Sr. Presidente, toda essa luta para quê? O Orçamento é uma lei autorizativa, o presidencialismo é uma ditadura legal e, simplesmente, o Orçamento será ou não liberado nessas emendas, sobretudo, que causaram tanto trabalho, tanta dificuldade, ou então será usado como instrumento de pressão política. E fica o Parlamento nessa disjuntiva.
O Parlamentar fica entre apresentar emendas na defesa do interesse do seu rincão e ser acoimado de interesseiro, ou não apresentá-las e também ser acoimado de desinteressado pelo seu Estado.
Portanto, estamos diante de um quadro dantesco já naturalmente de um processo extremamente difícil. E para nada! No fundo de tudo isso, é o velho presidencialismo que está ali. É mais um dos males do presidencialismo, porque o Poder Legislativo tem um papel extremamente relativo e se supõe dono de um processo orçamentário sobre o qual deveria ter, isto sim, muito mais presença, porque é a função precípua do Parlamento.
O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Senador, apenas peço ao Presidente essa permissão, porque já ultrapassei o tempo a mim destinado. Temos uma sessão tranqüila, mas não quero abusar. Mas concedo o aparte, com muito prazer, se o Presidente permitir.
O SR. PRESIDENTE (José Alencar) - (Assentimento do Presidente.)
O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Agradeço a generosidade de V. Exª, Sr. Presidente. Quero consignar a contribuição extraordinariamente importante que o Senador Artur da Távola está trazendo ao País, sobretudo porque neste momento as atenções estão voltadas para a questão orçamentária, assunto que eu mesmo já tentei discutir no Senado. Mas, como não era um momento de tensão e estresse como este, a sociedade não estava voltada para o problema do Orçamento, muito menos o Senado, como um todo, ou a Câmara dos Deputados, essas questões não chegaram a chamar a atenção que o momento atual permite. Tenho a convicção, Senador Artur da Távola, de que, ao lado das reformas modernizadoras que a socialdemocracia brasileira, no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, tem conseguido implantar, há uma que precisava ser introduzida: uma reforma cabal na questão orçamentária. V. Exª acaba de demonstrar isso. Essa reforma deveria abranger desde a etapa de formulação da proposta dentro do Executivo até o processo legislativo no Congresso, passando por dar à Comissão de Orçamento, primeiro, um tamanho menor, porque ela é maior do que a composição atual do Senado e dar a ela responsabilidades mais definidas e permanentes desde a fase de elaboração da proposta, a fase de discussão e votação no Congresso e a fase de execução orçamentária. Tenho a impressão de que uma contribuição - sem termos a pretensão de realizar de nossa parte, por nossa iniciativa, toda essa modificação - que poderíamos dar - eu me proporia, porque já fui tentado várias vezes a tomar essa iniciativa e creio que o cenário a que assistimos hoje, de certa forma, a estimula, é restabelecer uma disposição da antiga Constituição brasileira, fixando uma data constitucional para que o Orçamento Federal esteja aprovado. Vencida esta data, se não tiver sido votado e aprovado, prorroga-se automaticamente o Orçamento do ano anterior. Isso que já foi algo extremamente difícil de se fazer numa conjuntura econômica inflacionária, em que os números já entravam no mês de janeiro com uma relação ridícula com a realidade, isso é inteiramente praticável em um País com estabilidade monetária. Além disso, há um equívoco que precisa ser desfeito: é esta noção do orçamento autorizativo. Foi a burocracia brasileira que inventou a tese de que o orçamento é autorizativo, quando não é. O Orçamento brasileiro é uma lei como qualquer outra, na qual não há nenhum dispositivo que diga que aquilo é uma simples autorização. O Orçamento já é impositivo. O que existe é um acordo não escrito de que todo mundo ficará bem comportado se o Executivo simplesmente não executar o Orçamento e, com uma caneta Bic, introduzir modificações no Orçamento que mostram que aquela caneta Bic, desde que esteja na mão do Ministro do Planejamento tem mais poder do que o Congresso Nacional. O Orçamento não autoriza a realização de despesas. A Ementa da Lei Orçamentária diz com clareza que ele estima a receita e fixa a despesa. Fixar é muito diferente de autorizar. Então, eu queria, além de registrar a contribuição que V. Exª traz para que o Congresso Nacional, para que a sociedade brasileira tenha a sua atenção voltada para a importância crucial de que esse instrumento seja tratado com seriedade, eu queria trazer esta pequena contribuição e um simples registro de que me dói ver o que está ocorrendo hoje. Porque essas mudanças, que precisamos introduzir no tratamento da questão orçamentária, elas não foram introduzidas. Então, dentro da mecânica que está em vigor, por pior que ela seja, há algo sério que podemos fazer, independente de qualquer reforma, que é tratar este Orçamento com responsabilidade e não fazer dele uma simples plataforma para iluminar tiradas demagógicas que não têm nenhuma conseqüência, além de causar o dano que isso tudo está causando à imagem do Brasil e à imagem de responsabilidade do Congresso Nacional. Queira desculpar se me alonguei muito, mas o discurso de V. Exª estimula esse tipo de reflexão.
O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Muito obrigado, Senador.
O meu modesto discurso não poderia ter fecho melhor do que o aparte de V. Exª.
Muito obrigado pela atenção, Sr. Presidente.
Modelo112/2/2410:10