Pronunciamento de Marina Silva em 27/12/2001
Discurso durante a 6ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA APLICAÇÃO DO ORÇAMENTO SOCIAL, COM MAIS RECURSOS PARA SAUDE, EDUCAÇÃO, ESPORTE, LAZER, SEGURANÇA E REFORMA AGRARIA.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ORÇAMENTO.
POLITICA SOCIAL.:
- CONSIDERAÇÕES ACERCA DA APLICAÇÃO DO ORÇAMENTO SOCIAL, COM MAIS RECURSOS PARA SAUDE, EDUCAÇÃO, ESPORTE, LAZER, SEGURANÇA E REFORMA AGRARIA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 28/12/2001 - Página 32490
- Assunto
- Outros > ORÇAMENTO. POLITICA SOCIAL.
- Indexação
-
- COMENTARIO, CRITICA, VOTAÇÃO, ORÇAMENTO, ELOGIO, INICIATIVA, ALUNO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, DISTRITO FEDERAL (DF), APROVEITAMENTO, INCENTIVO, CRISTOVAM BUARQUE, PROFESSOR, EX GOVERNADOR, CRIAÇÃO, PROJETO, NATUREZA SOCIAL, UTILIZAÇÃO, PROPOSTA, AUTORIA, ORADOR, APRESENTAÇÃO, COMISSÃO, COMBATE, POBREZA.
- DEFESA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, ORÇAMENTO, NATUREZA SOCIAL, GARANTIA, AMPLIAÇÃO, RECURSOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, ESPORTE, LAZER, SEGURANÇA, REFORMA AGRARIA.
- COMENTARIO, DADOS, FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), CRESCIMENTO, SITUAÇÃO, POBREZA, POPULAÇÃO, NECESSIDADE, EFICACIA, ATUAÇÃO, POLITICO, GOVERNO, SOCIEDADE, REDUÇÃO, MISERIA, DESEQUILIBRIO, PAIS.
- SUGESTÃO, CRIAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, REALIZAÇÃO, AUDITORIA, APURAÇÃO, PERDA, ORÇAMENTO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, estou ouvindo, desde ontem, uma série de Colegas, Srs. Senadores, falando a respeito do Orçamento que agora estamos debatendo e que, espero, possamos votar o quanto antes, para que as duas Casas concluam seus trabalhos legislativos.
Ao fazermos a crítica de que o Orçamento foi se constituindo, ao longo dos anos, em uma “caixa-preta” e, associando essa crítica ao discurso feito ontem pelo Líder do Governo, Senador Artur da Távola, de que o regime presidencialista acaba colaborando para que a peça orçamentária adquira os contornos que hoje temos, e de uma série de avaliações que foram feitas, eu queria aqui falar de um modesto esforço, do meu ponto de vista, altamente significativo e exemplar, realizado pelos alunos do Colégio Marista e do Centro de Ensino de Sobradinho. Incentivados pelo ex-Governador e Presidente da Missão Criança, Professor Cristovam Buarque, inspirado na proposta que apresentei nos trabalhos da Comissão de Combate à Pobreza como uma das alternativas de debelar os problemas sociais do nosso País, que é a figura do Orçamento Social, em tramitação nesta Casa, e que espero um dia seja aprovado, para que, ao discutirmos, não estejamos apenas falando de uma forma genérica - sem nome, endereço ou telefone -, sem uma substância ou uma materialidade que possa ser sinalizada para a sociedade como sendo o Orçamento deste País, determinando a forma como será gasto, determinado os objetivos e, se não forem gastos de maneira apropriada, mostrando os prejuízos.
A proposta de orçamento social é exatamente a destinação de recursos para a área social do País, da saúde, da educação, da geração de emprego e renda, esporte, lazer, segurança e reforma agrária, um conjunto de ações que receberia recursos obrigatoriamente destinados a essas áreas e com a obrigação de serem executados nessas áreas, das quais não poderiam ser remanejados, a não ser com a autorização do Congresso ou em caso de alguma catástrofe. Essa seria a proposta do Orçamento social, falando de forma bem simples. Espero que seja aprovada, a fim de que o País possa ver a quantidade de recursos destinados à área social, para que tipo de atividade e quais os resultados esperados, e que possa haver um total acompanhamento por parte da sociedade, que a partir de um sistema de avaliação de desempenho, seja possível apreciar as políticas sociais deste País.
Sr. Presidente, inspirados nesse conjunto de ações, os alunos do Colégio Marista e do Centro de Ensino de Sobradinho fizeram um esforço, tentando apresentar a sua proposta de Orçamento social. Eles chegaram a alguns resultados muito interessantes, cujo esforço foi consubstanciado num documento que entregaram ao Presidente da Comissão Mista de Orçamento, que é o Senador Carlos Bezerra, numa audiência que foi marcada pelo meu gabinete. E fiquei muito feliz de ver cerca de 20 jovens que, durante alguns meses, debruçaram-se sobre a proposta orçamentária afirmarem: “Para nós, os jovens deste País, as prioridades seriam estas aqui”.
Pode até ser que das prioridades apresentadas nós, como pessoas da Casa Revisora, com alguns janeiros a mais, possamos discordar. Mas aquele foi um esforço exemplar dos jovens deste País que, talvez, nos acenem com o seguinte recado: chega de ficarem discutindo o Orçamento como se fosse uma caixa-preta a que a sociedade brasileira não tem acesso.
Neste momento, estamos enfrentando graves problemas, principalmente o crescimento da pobreza. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, há 50 milhões de pessoas pobres no País, das quais 22 milhões são crianças na faixa de zero a 15 anos de idade. São seres humanos que estão vivendo um momento em que mais precisam de proteção, apoio, de condições para que possam desenvolver as suas potencialidades e sua capacidade física.
Eu me recordo agora de um pronunciamento do Frei Beto que me tocou profundamente, numa reunião que tivemos recentemente, no Rio de Janeiro, com o Banco Interamericano e várias pessoas da sociedade. Ele disse que sempre que viaja para fora do País e alguém lhe pergunta como vai a luta pelos direitos sociais no Brasil, ele responde que, infelizmente - são palavras suas -, no Brasil, como em boa parte do mundo, “ainda estamos lutando pelos direitos animais”. E digo, lutamos pelos direitos instintuais. Trata-se exatamente de suprir as necessidades mais elementares para que a vida aconteça: a alimentação, a água para ser bebida sem risco de vida, um abrigo para a proteção contra o frio e o calor. Esses são os nossos direitos instintuais. E ainda vivemos, no Brasil e nos países em desenvolvimento, lutando pelos direitos instintuais. Após termos suprido os nossos direitos instintuais, perseguimos os direitos sociais: saúde, educação, informação, lazer e outros. Mas há algo básico e elementar - nossos direitos instituais - que precisa ser suprido para sobrevivermos e continuarmos a reproduzir como espécie. Boa parte de nós está comprometendo até sua capacidade de continuar reproduzindo.
Os jovens apresentaram na sua proposta suas prioridades. Fiquei muito feliz de ter sido agraciada com uma peça da proposta de orçamento social que eles fizeram e me comprometi com eles de, juntamente com a minha assessoria, enviar-lhes uma nota técnica, fazendo as observações - talvez uma mania de professora - da proposta que eles apresentaram. Não no sentido de corrigi-los; do meu ponto de vista, não há correções a serem feitas. Há apenas elogios, pois o mais importante do esforço que eles realizaram é a mensagem, é o propósito. Vamos nos alinhar à mensagem desses jovens, qual seja, a de que é fundamental extrapolar os direitos instintuais e passar para o atendimento aos direitos sociais, para que possamos dizer neste final de ano e no Natal, como Jesus Cristo disse, que nem só de pão vive o homem. Chega de fazer a “política do estômago”, acreditando que estamos fazendo muito. Ao realizarmos essa política, suprimos apenas os direitos instintuais dos seres humanos. Na natureza, os demais seres conseguem suprir essa necessidade, mas, na raça humana, existem aqueles que se apropriam do todo e aqueles que se sentem privados dos mais elementares meios para continuarem existindo.
Sr. Presidente, faço essa reflexão, porque, ouvindo os Srs. Senadores falarem com muita propriedade do momento que estamos vivendo, ao votarmos a peça orçamentária, sinto-me desafiada e, mais uma vez, inspirada na proposta do meu amigo ex-Governador Cristovam Buarque. Seria interessante se reuníssemos um grupo de pessoas da Fundação Getúlio Vargas, do Ipea, da USP, da UFRJ e consultores do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e solicitássemos: “Constituam uma comissão, um grupo de trabalho e façam uma auditoria da peça orçamentária deste País. Peguem uma lupa e aproximem-na do Orçamento da União. Verifiquem quanto desperdício há dentro dessa peça orçamentária; quantos recursos são destinados para obras que não necessitariam recebê-los; quantos recursos atendem a necessidades que não são prioritárias ou estratégicas nem do País, nem do Estado nem do Município.
E , ao final desse trabalho, o grupo apresentaria aos Srs. Senadores, ao Presidente da República, o resultado dizendo que uma parte realmente é produtiva, é benéfica, e deve ser mantida, mas que uma boa parte dos recursos públicos, fruto do esforço da sociedade pelo pagamento dos impostos, estão descendo pelo ralo, pela vala comum do desperdício. Isso aqui não pode permanecer nem na Lei de Diretrizes e Bases nem na LDO nem na proposta orçamentária.
Sinto-me desafiada a tentar esse esforço. E creio que não seja impossível, porque o Orçamento da União é uma peça pública à qual todos temos acesso. É aprovado todo ano e batizado pelos que entendem de orçamento de “caixa-preta”, “peça de ficção”. É, então, tudo o que não deve ser. Deveria ser composto de recursos destinados aos programas estratégicos do País, dos Estados, dos Municípios, das comunidades. E discordo que possamos ir à tribuna só para falar das grandes teses, das grandes propostas. Se as nossas grandes propostas e as nossas grandes teses não forem traduzidas em políticas públicas do cotidiano, nada significam.
Aliás, um dos maiores problemas do nosso País é que os projetos e as propostas são grandes demais; tão grandes que o povo nem alcança. E os que conseguem alcançar são, como diz D. Mauro Morelli, os que são, os que podem, os que sabem, os que têm. Os que não são, não sabem, não podem e não têm não conseguem alcançar os grandes projetos.
Talvez o esforço dos nossos jovens do Colégio Marista e do Centro de Ensino de Sobradinho seja uma tentativa de dizer: queremos que as grandes propostas deste País - do Senado, da Câmara dos Deputados, do Presidente da República - sejam transformadas em políticas do cotidiano, para que na escola não falte a merenda, o livro de boa qualidade; na comunidade, não falte o posto de saúde com atendimento médico adequado; na pequena horta comunitária, não falte a assistência técnica a fim de que o agricultor possa produzir com a eficiência que lhe dará frutos para sustentar sua família.
Recebo este esforço com gratidão aos jovens e ao Governador Cristovam que estimulou a iniciativa. E coloco-me à inteira disposição como alguém que, durante um ano, juntamente com os Senadores Maguito Vilela, Eduardo Suplicy, Pedro Simon e outros e vários Srs. Deputados que compuseram a Comissão de Combate à Pobreza, visitou as situações mais drásticas deste País em termos de pobreza. E fico pensando: como poderemos traduzir as necessidades daquela família que encontramos em São José da Tapera, tomando chá de capim santo no almoço e chá de capim santo no jantar, porque não tinham o que comer? Traduzindo isso no meu ‘acreanês” ou no meu “seringalês” do Norte: como “enfiamos” isso no Orçamento deste País? Que propostas devemos apresentar para retirar nossos jovens da situação de embrutecimento na qual, em uma penitenciária em São Paulo, encontramos trezentos jovens? Esse jovens haviam sido removidos da Febem porque fizeram uma rebelião, rebelião essa que se justificava pelo fato de estarem sendo tratados lá dentro como se fossem animais.
Eu, o Senador Eduardo Suplicy, a Deputada Luíza Erundina, o Senador Maguito Vilela e outros membros da Comissão de Combate à pobreza encontramos, em uma penitenciária para criminosos adultos, jovens na faixa de 12 aos 16 anos; em celas que tinham capacidade para dez pessoas encontramos vinte jovens como que enjaulados.
Uma das cenas mais dramáticas da minha vida ocorreu naquele dia. Verifiquei que os 15 milhões de jovens analfabetos são presa fácil para esse tipo de marginalização que encontramos. Eu tive uma experiência - talvez hoje não seja o melhor dia de relatá-la, porque, geralmente, ela me emociona muito - com aqueles jovens.
Naquela oportunidade, eu fiquei pensando: será que a Comissão vai mesmo poder ajudar a melhorar o sofrimento dessas pessoas? Com certeza, os R$ 4 bilhões que foram alocados do Fundo de Combate à Pobreza já são um pequeno esforço. Não desvalorizo esse esforço do Congresso, mas não posso deixar de dizer que ele é insuficiente, porque o nosso déficit social é da ordem de 35 a 40 bilhões por ano. Seria esse valor suficiente para acabarmos com a pobreza, fazendo aquilo que é necessário e que precisa ser feito, com os instrumentos adequados, entre eles os dois mais importantes: a reforma agrária e a educação.
Então, Sr. Presidente, com essas palavras, quero deixar um desafio: criar um grupo de trabalho para verificar se, no que estamos aprovando, ao final de 2001 para 2002, no Orçamento da União, não há desperdício. Desperdício esse, parte do esforço dos que são, dos que sabem, podem e têm e que está sendo alocado para os seus associados, ou consorciados, e não para os que não são, não sabem, não podem e não têm força suficiente para pressionar a fim de que suas demandas sejam contempladas no Orçamento da União.
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