Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação de aspectos da vida política e econômica nacional e internacional no ano de 2001.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. CONGRESSO NACIONAL.:
  • Avaliação de aspectos da vida política e econômica nacional e internacional no ano de 2001.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/2002 - Página 398
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. CONGRESSO NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, ATIVIDADE POLITICA, ATIVIDADE ECONOMICA, BRASIL, COMENTARIO, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, CRITICA, EXCESSO, LUCRO, BANCOS.
  • COMENTARIO, CRISE, LEGISLATIVO, RENUNCIA, SENADOR, ANALISE, TRABALHO, CONGRESSO NACIONAL, MELHORIA, LEGISLAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CASILDO MALDANER (PMDB - SC) - Senhor Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se uma avaliação do ano de 2001 pudesse ser sintetizada no título de um filme, que título seria esse? Com certeza estaria mais para O ano em que vivemos em perigo do que para Nunca fomos tão felizes.

            Na política, na economia e na vida cotidiana vivemos, com certeza, muitas incertezas; e muitas delas continuarão no próximo ano ou, até, nos próximos anos.

            O fato mais marcante não deixou de ser, no âmbito internacional, o ataque terrorista às torres gêmeas, em Nova Iorque, com todos os seus soturnos desdobramentos, inclusive na nossa tão combalida economia.

            Foram mais de 70 dias de incertezas quanto à política cambial, o crescimento da economia. Felizmente, passado o susto, o Banco Central retomou em parte o controle, fazendo retroceder o dólar para menos de R$ 2,50, contra os quase R$ 3,00 que chegou no auge da crise. Obviamente não foi apenas o Brasil a ser atingido pelo resultado dos ataques terroristas. O que lamentamos é nossa fragilidade. Enquanto outros países apenas se resguardavam de riscos futuros, nosso perigo era real e imediato.

            No âmbito internacional, felizmente, parece que o Brasil está se “descolando” da Argentina, em termos de risco. Esse foi outro fator que fez com que passássemos o ano em perigo. Nosso vizinho, apanhado pelas agruras da especulação internacional, vilipendiado em sua soberania, amarrado (para seu prejuízo) ao dólar americano, esteve sob o risco - e ainda está - de desmoronar e, o que é pior, levar-nos junto. Todos os laços de amizade entre os povos, de solidariedade regional e de acordos econômicos (o nosso sonhado Mercosul) nos levam a desejar o melhor desfecho para a crise argentina, pois que esse desfecho sempre nos atinge.

            Nossas contas, infelizmente, também não apresentam o melhor panorama, pois a dívida pública (motivada pela crise energética e crise argentina, entre outras) continua a aumentar. Em novembro, por exemplo a dívida pública mobiliária total voltou a subir e encerrou o mês em R$ 637 bilhões, contra R$ 629 bilhões em setembro.

            A crise energética, embora tenha estourado apenas este ano, provém de um longo período em que faltaram investimentos (públicos e privados) no setor. Mesmo que neste final de ano as metas de economia estejam mais baixas, nosso problema continua. Ou seja: é preciso investir na geração e transmissão de energia a curto e a médio prazos, sob o risco de o “apagão” continuar a ser uma ameaça ao crescimento econômico. Semelhante ao caso da energia é o da infra-estrutura rodoviária, que reclama investimentos pesados nos próximos anos. Nesse ponto é que se torna frágil a posição do País: como investir, se nosso dinheiro é sugado constantemente para pagar o serviço da dívida?

            Todos esses fatores fizeram com que o ano fosse oscilante para a economia. O crescimento de nosso PIB deve ficar na faixa dos 2% ao ano (1,7%, nas previsões pessimistas, e 2,4%, nas mais otimistas), o que indica um terrível freio no crescimento. Esta, uma desaceleração que, obviamente, se revela em menor oferta de emprego, em menos investimentos, enfim, em mais pobreza.

            Em outubro, por exemplo, a taxa de emprego esteve em torno de 6,6% da População Economicamente Ativa, segundo o IBGE. É, infelizmente, um número maior que o dos meses de agosto e setembro, o que indica que não estamos melhorando.

            Para completar o quadro de penúria para os trabalhadores brasileiros, como presente de Natal, o Governo propôs um pacote de flexibilização das leis trabalhistas, transferindo o poder das deliberações para acordos coletivos. Essa idéia, que em princípio aponta para a autonomia de trabalhadores em relação ao Estado, infelizmente revela pouca sensibilidade quanto ao verdadeiro quadro das relações entre capital e trabalho. Sabemos todos que, à exceção de poucos sindicatos, em regiões mais industrializadas, é pequeno o poder de barganha de trabalhadores ante os patrões. O recente acordo do Sindicato de Metalúrgicos do ABC, que reverteu boa parte das demissões na Volkswagen - infelizmente, não é modelo para todo o País.

            Para não dizer que todos os resultados foram ruins, ironicamente, um setor vai muito bem: o dos bancos. O câmbio, os juros altos e o crédito garantiram aos bancos uma rentabilidade média de 20%, no ano, sobre o patrimônio líquido, segundo estudo feito para a Fundação Getúlio Vargas. Os ganhos teriam sido assegurados pelos negócios de compra e venda de títulos públicos federais indexados aos juros e pela forte variação cambial registrada no ano. Mas também nos spreads bancários, isto é, na diferença entre o custo de captação e a taxa de empréstimo cobrada, que para pessoas jurídicas foi em torno de 35% e de 55% para pessoas físicas. Eis para onde vão os recursos públicos e os das famílias: para engordar os lucros dos bancos. Seria bom perguntar ao Governo se não é hora de rever essa situação. Juros mais baixos, com certeza, injetariam dinheiro na produção e favoreceriam o consumo das famílias. Até quando vamos esperar pela boa vontade externa para fortalecer a produção e o mercado nacionais?

            Na política nacional, tivemos, por nossa vez, graças a Deus, com menos intensidade, nossos pequenos terremotos. O Legislativo foi, com certeza o mais abalado. Refiro-me, principalmente, aos episódios que levaram à renúncia de seus mandatos os Senadores José Roberto Arruda, Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho. Mas, no final do ano passado, a batalha entre Executivo e Judiciário na questão dos professores universitários chama-nos a atenção para a necessidade de se cumprir o que determina a Constituição: independência e harmonia entre os poderes. Se não se observam esses princípios, é a própria democracia que corre riscos.

            Mas, voltando ao Legislativo, vemos que jamais a opinião pública - bem ou mal mediada pela imprensa - esteve tão presente na mira das decisões dos congressistas. Tanto é assim que, além dos processos éticos conduzidos pelo Senado (que resultaram nas citadas renúncias), também a Câmara se sentiu impelida a agir. Aprovado um Código de Ética para os Deputados (o Senado já tem o seu desde há muito). Para culminar essa iniciativa, votamos, também o fim da imunidade quase irrestrita aos parlamentares. Reduzida a imunidade aos casos de emissão de opinião, esperamos ver moralizado ainda mais o Congresso. Uma coisa lhes asseguro: diante de tanta instabilidade econômica, nada serve mais ao arbítrio do que um Congresso fraco.

            Mas a reafirmação do poder do Legislativo se manifestou, principalmente, com a restrição às medidas provisórias. Com elas o Executivo cumpriu o papel de Executivo e Legislativo, nos últimos anos, abusando de suas prerrogativas. Ao limitar a edição de medidas provisórias, forçamos o Executivo a negociar no parlamento. E como o principal interesse é o da cidadania, é preferível que haja 600 parlamentares debatendo a um grupo restrito de funcionários do Executivo.

            Entre as muitas medidas que favoreceram a cidadania, destaco a aprovação da lei que permite aos trabalhadores reaverem as perdas que tiveram nos planos Collor 1 e Verão. Trata-se de um passivo de quase R$ 40 bilhões, que começa a ser devolvido neste ano para a carteira dos trabalhadores.

            No terreno da Reforma Política, foram votados importantes projetos que visam ampliar a democratização. Entre eles estão o financiamento público de campanhas e medidas para constituir quadros partidários sólidos, dificultando a troca de legenda.

            A Reforma do Judiciário, embora não aprovada em definitivo, teve sua discussão aprofundada nas Comissões, o que nos dá a garantia de seu aperfeiçoamento.

            Outra medida aprovada, que é de suma importância para o bem-estar dos brasileiros, foi o Estatuto da Cidade, uma lei que cria sérias restrições à especulação imobiliária e cria parâmetros para um desenvolvimento urbano sadio e que propicie moradia com dignidade.

            Originado nas discussões sobre a miséria no País, foi criado o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, que deverá destinar R$ 4 bilhões por ano para as pessoas mais carentes do Brasil.

            Aprovamos, também, a nova Lei das Sociedades Anônimas que, entre outras medidas protege o acionista minoritário e cria condições para que a Comissão de Valore Mobiliários atue como agência reguladora e fiscalizadora do setor.

            Cumprindo uma de suas principais funções, a de fiscalização, o Congresso sustou a liberação de verbas para 121 obras consideradas irregulares.

            Outros importantes projetos, como o dos entorpecentes e o que regula a abertura ao capital estrangeiro das empresas de comunicação estão entre os últimos a serem apreciados pelo Senado, o que demonstra que nenhuma dessas tantas crises, nenhum desses tantos perigos, impediu a continuidade de nossa ação legislativa, sempre “antenada” com os interesses da cidadania.

            Infelizmente, nos últimos anos - nem lembramos mais quando foi diferente - a economia tem pautado o nosso índice de felicidade. Assim, estamos sempre de olho na cotação do dólar, na política cambial, nos índices de inflação, na balança comercial.

            Mas o ano de 2001 trouxe-nos uma grande lição: A principal delas, creio eu, está vinculada ao exercício da tolerância. Sem ela, não há paz possível. Que em 2002, cultivemos a tolerância. Esse bom e velho sentimento, muito aparentado da misericórdia, do perdão. Pois somente com ele poderemos erguer uma nação que seja intransigente com as injustiças sociais, uma sociedade que seja intolerante com a fome. A mesma sociedade que acolherá os deserdados da terra. Uma comunidade que primará pela eliminação de todas as formas de discriminação, sejam essas originadas pela cor, sexo ou religião. Enfim, uma Nação em que a tolerância sirva-nos de parâmetro ético para a nossa busca da felicidade. Não poderia deixar de, nesta oportunidade, fazer um agradecimento muito especial a todos os servidores do Senado Federal, indistintamente, pelo denodo, dedicação e lealdade com que nos auxiliaram na nossa missão de servir ao país.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado!


            Modelo14/30/2412:39



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/2002 - Página 398