Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Avanço na proposta apresentada pelo Governo, no que tange à questão da privatização da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, com a criação da Companhia de Desenvolvimento Hídrico do Nordeste.

Autor
Paulo Souto (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Paulo Ganem Souto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • Avanço na proposta apresentada pelo Governo, no que tange à questão da privatização da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, com a criação da Companhia de Desenvolvimento Hídrico do Nordeste.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/2002 - Página 809
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, MELHORIA, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, FALTA, CONTINUAÇÃO, PROJETO, HIDROVIA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), COMPROMETIMENTO, UTILIZAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • COMENTARIO, REUNIÃO, CONVOCAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, GOVERNADOR, REGIÃO NORDESTE, ELOGIO, APRESENTAÇÃO, PROGRAMA, REESTRUTURAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), DIVISÃO, EMPRESA ESTATAL, IMPOSSIBILIDADE, PRIVATIZAÇÃO, TOTAL, MELHORIA, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a gestão correta dos recursos hídricos de uma determinada região é um instrumento de importância cada vez maior, não apenas em função de sua crescente escassez, como também pela questão relacionada à competição entre os seus diversos usos. É evidente que, numa região como o Nordeste brasileiro, essa questão da gestão dos recursos hídricos ganha importância excepcional, por uma série de fatores que parecem muito óbvios.

            Trata-se de uma área pobre de recursos hídricos, sendo o rio São Francisco praticamente a única grande fonte de água dessa região semi-árida.

            Pelo seu caráter precursor, mas também de grande importância econômica para a região, a geração de energia elétrica obteve, durante muito tempo, e ainda obtém, uma grande prioridade quanto aos usos da água do rio, exacerbada, é verdade, pelo caráter autoritário com que a Chesf sempre tratou essa questão, com todo o reconhecimento que tenho à capacitação do seu corpo de pessoal e ao serviço que essa grande empresa tem prestado ao Nordeste brasileiro.

            Nos últimos anos, o crescimento do uso da água para outros fins, sobretudo a irrigação, tem chamado a atenção para o potencial de conflito existente, que deverá aumentar com o tempo, abrangendo outros usos além da irrigação, como o abastecimento humano e animal, navegação, recreação e tantos outros.

            A crise do ano passado, quando a depreciação dos reservatórios exigiu racionamento de energia, já expôs, de forma muito contundente, o potencial de conflito, exigindo precauções especiais para manter as condições de operação de tomada de água de muitos projetos de irrigação, cujo colapso poderia significar a destruição de importantes ativos em uma região de economia frágil.

            Ninguém se esquece da agonia que vivemos no ano passado, quando o lago de Sobradinho teve seu volume útil num nível próximo a 5% de sua capacidade, o que obrigou à adoção de algumas medidas especiais.

            A Chesf, juntamente com a Codevasf, teve uma boa atuação, permitindo que não faltasse água nesses projetos de irrigação, o que seria fatal para culturas permanentes implantadas durante tantos anos por empresários e por colonos em projetos de irrigação na região nordestina.

            Até sistemas de abastecimento de água para populações foram sacrificados. Além disso, a navegação, que já é precária em condições normais, tornou-se crítica com a redução da vazão do rio.

            Abro um parêntese para dizer que o projeto de hidrovia do São Francisco, lançado há cerca de quatro anos, rigorosamente não saiu do papel. Esse programa está previsto no Plano Plurianual, mas, infelizmente, não se conseguiu fazer absolutamente nada consistente em relação à hidrovia do rio São Francisco até o momento.

            Durante os trabalhos da Comissão Mista que trata da crise energética, da qual sou Relator, houve uma forte convergência de opiniões de que a questão do rio São Francisco e, conseqüentemente, da Chesf deveria ter um tratamento especial por todos os motivos já apontados. É evidente que a questão da privatização da Chesf que, desde a sua inclusão na lista de empresas privatizáveis, gerou muitas dúvidas, voltou a ser abordada como uma parte importante do problema.

            A nosso ver, a questão da privatização não deveria ser contestada simplesmente com o argumento de perda de um patrimônio do Estado ou motivos semelhantes de natureza simplesmente ideológica. O grande problema seria o nível de garantia a ser dado a uma empresa que, eventualmente, adquirisse a Chesf, priorizando um determinado nível de produção de energia e comprometendo, assim, uma utilização futura da água para outros usos de indiscutível prioridade, o que seria inaceitável. Trata-se de uma questão de grande complexidade, cujos resultados poderiam ser dramáticos para o futuro da região.

            É claro que uma empresa de energia não é, como muitos querem entender, a dona da água de um determinado rio onde há capacidade de geração instalada, mesmo porque a legislação brasileira atribuiu à Agência Nacional das Águas a gestão da utilização da águas. Mas ninguém compraria uma empresa de geração de energia com uma determinada capacidade instalada sem as garantias necessárias da utilização econômica desses ativos.

            É de evidente compreensão que, dadas as condições do Nordeste, será crescente o aproveitamento das águas do rio São Francisco para outros usos, exigindo, assim, a operação dos reservatórios de forma compatível com essa nova realidade, o que poderá implicar, a depender de posições relativas de cada um dos empreendimentos que utilizem a água do rio, a priorização de alguns usos sobre outros. Em algumas regiões do mundo, em estágio diferente de desenvolvimento do nosso, já existe uma grande pressão, por exemplo, para otimizar ou reduzir até a água destinada à agricultura irrigada em virtude das necessidades do abastecimento humano dos centros urbanos. Veja-se, portanto, um conflito entre dois usos diferentes da geração de energia, que, aliás, é um uso que não consome água. Felizmente, não chegamos ainda a esse estágio de conflito.

            Desse modo, ficam claras as razões objetivas que desaconselhariam a privatização da Chesf pela necessidade de não comprometer a utilização futura das águas do rio São Francisco prioritariamente com a geração de energia elétrica, que é importante, mas que tem que ser vista no panorama relativo, sobretudo se compararmos a utilização com outros usos extremamente importantes da água do rio São Francisco.

            Durante os trabalhos da Comissão, também foi discutida a possibilidade de se transformar a Chesf numa espécie de agência de desenvolvimento do Vale do São Francisco, num modelo semelhante à atuação de uma agência que existe nos Estados Unidos no vale do rio Tennessee, aproveitando-se os recursos gerados pela produção de energia elétrica de usinas já amortizadas para alavancar investimentos na região.

            Em reunião convocada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, no dia 8 de janeiro, com a presença da maioria dos Governadores nordestinos, da qual tive a satisfação de participar como Relator da Comissão a que me referi, o Governo Federal apresentou o seu plano de nova estruturação da Chesf, que, a meu ver, atende basicamente as principais preocupações regionais relacionadas à utilização das águas do rio São Francisco.

            A empresa será dividida em três outras. Uma de transmissão, atendendo a uma disposição clara do modelo do setor elétrico de desverticalizar o setor, essencial para permitir o livre acesso e a competitividade; esta será uma das três empresas nacionais de transmissão, que deverá ter uma diretoria unificada. Ou seja, imagina-se que tanto Furnas como as empresas da Região Norte terão separada a parte relacionada à transmissão.

            As outras duas empresas, no caso da Chesf, ficarão com os ativos relacionados ao parque gerador: uma delas com Xingó, provisoriamente denominada Chesf Xingó, e a outra, com todas as outras usinas da Chesf. Essa última será uma empresa pública -- fora, portanto, do Plano Nacional de Desestatização -- e se denominará, provavelmente, Companhia de Desenvolvimento Hídrico do Nordeste. Essa empresa, ao manter sob seu controle a operação do reservatório de Sobradinho, Itaparica e demais reservatórios daquela região, essencial para o fluxo de água de importante parte da bacia. Terá, pois, uma importância estratégica ainda que as questões de regulação estejam sujeitas ao controle da ANA.

            Esta nova companhia, além da sua função de geração de energia elétrica, terá como objetivo principal a gestão do aproveitamento hídrico em todo o Nordeste -- e é importante dizer que não será apenas da bacia do São Francisco, mas de todo o Nordeste, incluindo a região do Nordeste Sententrional --, para o que contará com a disponibilidade de recursos por ela gerados, calculados em, aproximadamente, um bilhão de reais por ano.

            É claro que nós, que somos favoráveis, inicialmente, a essas medidas do Governo, estamos aguardando o detalhamento, sobretudo, de como essa companhia vai agir, se vai ser apenas uma empresa que examinará projetos e os financiará com relação aos Governos dos Estados e Municípios, ou se ela própria vai ser uma executora. Penso que o detalhamento disso tudo será objeto de proposição que, seguramente, será encaminhada ao Congresso Nacional para o seu exame.

            Materializada essa medida, talvez possamos, afinal, falar na possibilidade que há tanto tempo defendo de poder elaborar e executar um Plano Decenal de Recursos Hídricos para o Nordeste, que ultrapasse os períodos governamentais de quatro anos, evitando a cada governo o recomeço de programas sem qualquer continuidade.

            Isso é o que esperamos para essa nova companhia, que possa fazer um plano de longo prazo, de dez anos, quem sabe, que passe de um Governo para outro e que não seja interrompido pela descontinuidade administrativa. Deveremos todos ficar atentos para que não aconteça o que, infelizmente, é habitual nos programas destinados ao Nordeste: ao aparecimento de novas fontes estáveis corresponde o desaparecimento das que existiam, levando muitas vezes a um jogo de soma zero.

            Pelo fato de os recursos hídricos do Nordeste disporem, a partir dessa nova companhia, dessa nova fonte de recursos, isso não nos desobriga absolutamente, o Governo Federal, de continuar alocando recursos necessários porque a questão dos recursos hídricos no Nordeste é de grande magnitude e que precisa ter o máximo de recursos para que efetivamente tenha êxito.

            Por fim, todos esperamos que essa nova companhia mude a sua cultura arraigada e até mesmo autoritária nas questões de energia, que sobrepôs a todos os outros interesses da região. Isso seria até natural durante os primeiros anos de sua existência, mas agora se exige uma postura diferente, que tenho certeza será assumida e que logicamente não poderá desprezar a atividade que será a sua principal fonte de recursos, que é a geração de energia, mas que necessitará de uma visão mais ampla e abrangente de toda as demandas regionais e, principalmente, das demandas econômicas com relação aos projetos de irrigação e ao abastecimento de água das populações nordestinas. Além disso, sobrepõe-se a importante questão da revitalização do rio São Francisco, absolutamente essencial para qualquer programa de desenvolvimento sustentado de longo prazo que tenha no mesmo as bases de sua concretização.

            Por isso, de minha parte, creio que se tenha dado um passo adiante importante, avançado, com a criação dessa companhia. Todos estamos esperando o detalhamento que o Governo certamente enviará a esta Casa. Mas, de qualquer sorte, penso que esse passo dado pelo Governo Federal tenha sido no sentido de equacionar melhor esta questão tão importante para o desenvolvimento do Nordeste, que é o gerenciamento dos seus recursos hídricos.


            Modelo13/28/247:09



Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/2002 - Página 809