Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.
Publicação
Republicação no DSF de 28/02/2002 - Página 1075
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CARLOS CASTELLO BRANCO, JORNALISTA, ESTADO DO PIAUI (PI), OPORTUNIDADE, ELOGIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


 

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DISCURSO PRONUNCIADO PELO SR. SENADOR FRANCELINO PEREIRA, NA SESSÃO DO DIA 14 DE JUNHO DE 2000, QUE SE REPUBLICA PARA QUE DELE CONSTEM AS REVISÕES FEITAS PELO ORADOR.

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HOMENAGEM DO SENADO FEDERAL AO

JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO

            O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando me inscrevi para esta homenagem que o Senado presta a Carlos Castello Branco, confesso que fiquei preocupado. Primeiro, pelo prazer, a missão e o dever de falar sobre ele, o Castelinho, e sobre os nossos tempos em Teresina, Belo Horizonte e Brasília. Segundo, porque não procurava tanto aproximar-me dele. Não nos buliçosos tempos da juventude, no Liceu Piauiense, em Teresina, onde produzíamos nossos pequenos e inflamados jornais estudantis, mas nos esperançosos e árduos tempos de Minas e de Brasília. Temia-o - no Rio e em Brasília - pela sua severidade profissional, pelo receio de que pudesse imaginar algum desejo meu de - pela liderança política e a direção partidária que exercia em Minas e no plano nacional - aparecer nas colunas que assinava nos grandes jornais de Minas e do País. Digam-me, senhores, quem não desejava algum espaço, por menor que fosse, na Coluna do Castello?!

            Creio que a mesma origem terrena, lá no Piauí distante, acrescida de outros bens comuns, sobretudo o sentimento de Minas, encarnado em nossa formação, produziu certa imantação entre nós. São esses traços comuns que nos aproximaram e se incluíram, quero crer, em nossas inclinações pessoais, jamais transparecidas em seus textos. 

            Telefonei a Élvia Lordelo Castello Branco, sua esposa, no Rio, dizendo-lhe que desejava falar neste dia, nesta tribuna, aqui no Senado. E ela logo me disse que achava a idéia ótima, até porque Minas, depois que Castello faleceu, ainda não se pronunciara sobre a sua memória, sobre a sua trajetória de vida. Ele - que se formara e vivera em Minas por oito anos e meio, de 1937 a 1945. Senti logo a falta - grave e doída - de Minas. O que fazer? Por onde começar e onde terminar, na pressa dos tempos de hoje? Toda uma vida, desde Teresina, a primeira cidade inventada no Brasil, até Minas, a nossa apaixonante Belo Horizonte, nos fins dos anos 30 e na primeira metade dos anos 40. E, depois, o Rio de Janeiro e Brasília, de muitos sonhos, desafios, tormentos e glórias. Até a sua volta derradeira ao Rio, a saúde abalada, a perda do escritor e do repórter que reinventou o jornalismo político no Brasil.

            Toda uma literatura envolvida pela imprensa, sem prender-se aos limites do tempo, inclinada mais para a História do que para o efêmero da mídia, que desaparece no dia seguinte, no jornal do dia anterior. Seus contemporâneos de todos os tempos, já poucos e indispensáveis à leitura do desempenho de uma vida, que merecerá sempre o respeito e o sentimento de quem participa da interminável criação do Brasil como Estado e como Nação. É como se estivesse a escrever, ora entre os vendavais dos tempos, ora nos recônditos insondáveis da política brasileira, visualizando, no olho do furacão, uma figura mitológica, “mestre em coisas que de menos aprendeu do que inventou”, para usar a expressão de seu compadre, amigo e irmão Evandro Carlos de Andrade, também mestre do jornalismo no País.

            De tudo, Carlos Castello Branco falou pouco e escreveu pouco. “O que ele podia dizer em duas palavras - lembra Élvia - não gastaria cinco". Mas escreveu em voz alta, sem expansões, com extrema clareza e isenção. Nada escapou de sua reflexão e de seus dedos ágeis na máquina de escrever, até na dureza da censura, sem cortejar militares, ou se mostrar subserviente aos donos do poder; jamais. Foi aí, nas asperezas do regime de exceção, que ele se projetou como o grande jornalista político do Brasil. É um raro prazer a leitura de Castelinho, de sua produção intelectual, de toda a sua vida, envolvendo, significativamente, a nossa Belo Horizonte, o extenso espaço humano e político de Minas. Além das vivências do Rio e de Brasília. Sem preocupar-me com a rigidez cronológica, para hoje, falando de improviso, com anotações em mãos, homenageá-lo em nome de Minas, nesta solenidade, que imaginava tocante e bonita pela riqueza do tema: a vida e a trajetória profissional de Carlos Castello Branco, o vulto mais importante do jornalismo contemporâneo entre nós. Missão difícil, direi mesmo impossível, na pressa das agendas desta Casa, o Senado da República.

            De muito longe nós ouvíamos falar de Minas, uma terra distante, bem no centro do Brasil, sem praia, sem perdição, a insubmissão e a vocação republicana de seu povo, uma efervescente Faculdade de Direito, lá na Praça Afonso Arinos, em Belo Horizonte. Tudo bom para estudar. A Capital era nova. Uma história, nova. O horizonte, infinitamente belo. Os poentes, envolventes. A História, o resumo da História, em Ouro Preto, de onde saíram os inconfidentes do Brasil. E depois deles, os homens públicos mais influentes e respeitados do País. Foi lá que nós desembarcamos, em datas diferentes mas próximas, para estudar, trabalhar e, quem sabe, viver em Minas. A nossa viagem poderia ser sem volta. Como foi.

            Castello chegara a Belo Horizonte para estudar, com 16 anos de idade e 1,59 m. de altura, no primeiro dia de janeiro de 1937. Uma excelente saúde e uma vontade firme de trabalhar e fazer o pré-jurídico para ingressar na Faculdade de Direito, razão de sua vinda para Minas. Este seu coestaduano chegara a Belo Horizonte em fevereiro de 1944, concluía os estudos do segundo grau, ingressava na Faculdade no ano seguinte, exatamente quando Castello recebia o diploma de bacharel em Direito, já com um pé no Rio, pelas mãos de Carlos Lacerda e de Assis Chateaubriand, o Chatô.

            Nos primeiros tempos de Belo Horizonte, a cidade de clima montanhês, muito frio, sobretudo para os forasteiros oriundos do Nordeste, era lugar ideal para a cura dos pulmões. Os pobres e os forasteiros curavam-se com o clima sadio de Belo Horizonte. Os mineiros abastados curavam-se na Suíça. Como Castello, também eu, esbanjando saúde mas pesando lá pelos 50 quilos, era olhado, talvez sim, talvez não, como comprometido pelos pulmões. A verdade, direi logo, é que nós dois chegamos a Belo Horizonte com uma baita saúde e jamais paramos. Trabalhamos e estudamos dia e noite, por toda a nossa vida.

            A nossa geração é a mesma. Nossos destinos é que foram diferentes. Só foram idênticos nas primeiras veleidades literárias. Ele tomou o caminho da melhor profissão do mundo, o jornalismo, como diz Gabriel Garcia Marques, escritor colombiano, Prêmio Nobel de Literatura. Eu fiz pequenos estágios no cartório judicial do Floriano, no Prédio do Tribunal de Justiça, ao lado do elevador, na Avenida Afonso Pena, e no jornalismo da Rádio Inconfidência, ao lado de José Aparecido de Oliveira, na antiga Feira de Amostras, onde hoje está a Rodoviária. Mas, antes mesmo dessa experiência, dentro e fora da Faculdade de Direito, quem arrebatou a minha vida, o meu destino, os meus dias, as minhas horas e os meus minutos foi a Política, a mais nobre das atividades humanas, para usar a expressão de Petrônio Portella, o maior homem de Estado que o Piauí deu ao Brasil.

            Castello nos superou a todos. Sempre foi o repórter, o analista da política, conservou a vocação literária, escreveu contos, romances, tornou-se famoso. Acima de tudo, sempre foi um jornalista, com olhos de historiador, o mestre da imprensa no amplo sentido de sua vocação, desde o Estado de Minas em Belo Horizonte, até a "Coluna do Castello", no Jornal do Brasil, que resume, por 30 anos, de 1963 a 1993, a história contemporânea deste País.

            Sua “Coluna” era o café da manhã obrigatório de todos os políticos, líderes e intérpretes da organização e da evolução política do Brasil. Coligida, observou o jornalista Marcos Sá Correa, daria uma edição de oito mil páginas e seria o maior volume por um só autor sobre essa fase do País. Lembrou ainda que a “Coluna” sobreviveu a três Constituições e a 13 governos. Com o seu fim, o ex-Presidente Fernando Collor declarou: “Agora, não sei mais por onde começar a ler os jornais.” Foi o príncipe dos jornalistas no Brasil, disse-o, no adeus a Castello, Márcio Moreira Alves, um dos melhores textos na imprensa de hoje. Afinal, Castello fez escola. Dois anos mais tarde, Dora Kramer passou a ocupar, no Jornal do Brasil, o espaço mais consagrado do jornalismo político brasileiro.

            A minha primeira visão de Carlos Castello Branco, a mais nítida e inesquecível, aconteceu em 1944, pouco depois de minha chegada em Belo Horizonte. Dominado ainda pela veleidade literária, aproximava-me tanto quanto possível dos intelectuais mais novos da nossa geração, entre outros, Edmur Fonseca, Sábato Magaldi, Bueno de Rivera, Da Costa Santos, Edson Moreira, nas livrarias da Rua da Bahia e da Avenida Afonso Pena, pontos de encontro para nossas tertúlias literárias e incursões de natureza política. A alguma distância, via e admirava os jovens mais em evidência, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Hélio Pelegrino e outros.

            Fui logo assistir, no anonimato da platéia, ao ciclo de debates da Semana de Arte Moderna, promovida por Juscelino Kubitschek, ainda Prefeito nomeado da Capital mineira. Paralelamente à exposição de pintura, no edifício Mariana, realizava-se, no segundo andar da Biblioteca Municipal, na rua da Bahia, esquina com a Avenida Augusto de Lima - onde viria a funcionar a nossa Câmara Municipal de Vereadores - um grande painel de debates, com visíveis incursões contrárias à ditadura, de escritores famosos de Minas e do Brasil. Na ocasião, o paulista Oswald de Andrade deixou de lado a literatura para conclamar a intelectualidade mineira: “Tomai lugar em vossos tanques, em vossos aviões, intelectuais de Minas! Trocai a serenata pela metralhadora.” - Vê-se aí, de um lado, festiva comemoração oficial da arte moderna, que chegara a Belo Horizonte pelas mãos de JK, e, de outro e ao mesmo tempo, uma declarada inconfidência de sentido histórico. Ainda vivíamos a proximidade do Brasil com o fascismo. É Minas Gerais.

            Não dá para esquecer a figura de Plínio Salgado, a poucos quarteirões, no auditório do Instituto de Educação, do Governo do Estado, no início da Rua Pernambuco, entre as Avenidas Afonso Pena e Carandaí, ecoando as alocuções e os gestos guerreiros de Hitler e Mussolini. Estávamos lá, anonimamente, ouvindo as palavras e vendo os gestos e trejeitos de Plínio em sua retórica estridente e diabólica. Assustamo-nos.

            Não me recordo de que os conferencistas, na Biblioteca Municipal, tivessem feito qualquer referência ao Manifesto dos Mineiros, lançado em 1943 - por muitos considerado excessivamente cauteloso - liderado, entre outros, por Milton Campos, Odilon Braga, Dario de Almeida Magalhães, Luís Camilo de Oliveira Neto, Virgílio de Mello Franco, José de Magalhães Pinto, Pedro Aleixo, Afonso Arinos de Mello Franco e muitos outros. Foi, contudo, a primeira manifestação pública de repulsa ao Estado Novo.

            Mas a surpresa maior não foi aquela metralhadora tonitroante de Oswald de Andrade. A surpresa maior foi quando vi o Castelinho - por sua iniciativa editava a revista Projeção, do Diretório Central dos Estudantes -fazendo-lhe a saudação em nome do jornal Estado de Minas, já então o maior jornal dos mineiros. Não deu para esquecer, nunca mais, a figura daquele sempre discreto piauiense, de pouca conversa, mas já falando pelos intelectuais mineiros. E, logo nos primeiros meses de 1945, Castello integrava a representação de Minas no 1º Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo, que lançou a dura Declaração de Princípios de combate aberto à ditadura Vargas.

            Em Brasília, o decano dos jornalistas, Pompeu de Souza, falando de Castelinho, seu amigo e compadre, dizia-nos sempre, no tapete verde da Câmara dos Deputados, que o manifesto de São Paulo foi o primeiro documento público pela derrubada do Estado Novo. - “O segundo”, retrucávamos nós, e acrescentávamos: - Não, Pompeu, o primeiro foi o Manifesto dos Mineiros.” Pompeu de Souza, sempre estridente, não concordava. - “Vocês são mineiros,” e nos deixava a sós.

            - Não, Castello, não preciso estender-me ao falar da cidade de Belo Horizonte de seu tempo, de 1937 a 1945, nem da Belo Horizonte de meu tempo, de 1944 aos dias de hoje. Tudo, ou quase tudo, está sendo escrito, não apenas pelos cartógrafos e arquitetos, urbanistas e historiadores, desde os primeiros dias da invenção da nova capital, a sucessora de Ouro Preto e, à época, “a mais nova noiva da República”, como se regozijava a jovem Belo Horizonte. Mas também, e, sobretudo, pelos seus cronistas, poetas, contistas, romancistas, biógrafos, por toda uma bela e rica literatura, que a todos encanta na recordação do passado e na elaboração do presente. Esses cem anos de seu espaço urbano, e, mais do que isso, de seu espaço humano, onírico, doído e envolvente em todos os sentidos.

            - A literatura de Belo Horizonte não tem fim; tornou-se infinita. E no meio dela está você, Castelinho, menos pelo seu convívio social, e mais, muito mais, pelos seus textos escorreitos no jornalismo, sua excessiva devoção ao trabalho, seu convívio com os modernos escritores mineiros, sua pouca e discreta boemia nos bares e lanchonetes da Rua da Bahia, no Montanhês Dancing, da Rua Guaicurus, no Cassino da Pampulha, na Pensão Inglesa e, bem ao lado, no Maravilhoso Hotel, por onde dizem que andou e até se hospedou a Hilda Furacão, do romance e minissérie de sucesso da TV Globo, de autoria do nosso escritor Roberto Drummond. E perto deles, na esquina das ruas Espírito Santo e Caetés, o Hotel Majestic, de classe média, onde, certa vez, não sei se mais, vindo do Rio, hospedou-se o poeta Carlos Drumond de Andrade com alguns livros de poesia em língua russa e um dicionário do mesmo idioma. Uma boa parcela da nossa geração passou por lá, por esses amáveis lugares.

            - Como era bom vê-lo, Castello, no Montanhês, com o cartão do dancing no bolso de cima do paletó - a gente pagava para dançar - lépido e fagueiro - a luz quase nenhuma - com uma jovem esfuziante e bela. Nessas horas, diz-me e escreve o nosso jornalista e amigo Wilson Figueiredo, “Castelinho deixava a timidez e se esbaldava em coreografias”. E ainda, pelo seu compulsivo hábito de ler cada vez mais, inclusive Balzac e Proust, em língua francesa, e só ia dormir lá pelas três horas da madrugada e acordar lá pelas três ou mais horas da tarde, estudar e trabalhar, infinitamente. O alarido da nova Belo Horizonte vinha das redações dos jornais, nas ruas da Bahia e Goitacazes, entre a Avenida Afonso Pena e a Rua Goiás, por onde passava uma rapaziada de novos e bons jornalistas, entre os quais você ao lado de Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, e de seu fraterno amigo, também jornalista, Wilson Castello Branco. “Eu era sóbrio, eles não”, como você disse ao jornalista e escritor mineiro Humberto Werneck, numa conversa fraterna, por este anotada, em 26 de junho de 1991.

            - A recordação, Castello, de sua iniciação jornalística nos Associados de Minas, na Rua Goiás, no Estado de Minas, logo mais com 74 anos de circulação, e no Diário da Tarde. Em mãos as anotações de sua conversa com o escritor Humberto Werneck, sobre os seus primeiros tempos de imprensa em Belo Horizonte. Anotou Werneck: “Na redação do Estado de Minas havia apenas uma máquina de escrever, por isso disputadíssima, e a ela o principiante CCB naturalmente não tinha acesso. Mas ele era bom datilógrafo - tinha feito o curso de datilografia na Escola Remington, em Teresina - e acabou se tornando o jornalista encarregado de apanhar por telefone, em meio a uma tremenda estática, o noticiário da Guerra. Trabalho muito puxado - Castello conta: das 10 horas da noite às 2 da manhã. Tornou-se o organizador do noticiário da Guerra, no Estado de Minas, passando a ganhar 250 mil réis. Chegou a subsecretário, cargo que ocupava quando deixou o jornal e Belo Horizonte, no dia 1.º de setembro de 1945, rumo ao Rio de Janeiro.” O nosso amigo jornalista Ney Octaviani Bernis a tudo assistiu, na redação do jornal, ao lado de Castello. Vi, logo, na residência do casal amigo, a esposa e poetisa Yeda Bernis ao lado, o livro Arco de Triunfo, sua estréia em romance, com a dedicatória: “Ao Ney Ottaviani Bernis, com o abraço de seu amigo de muitos anos. Castello. BH. 28.8.59”. O escritor Fernando Sabino, em sua recente reestréia no Estado de Minas, “falando de mineiro para mineiro”, lembra que “o Castelinho, o nosso coleguinha Carlos Castello Branco, (...) deslizava pelos cantos (da redação) buscando a saída. E ia direto para a Leiteria Celeste, ali na esquina (rua da Bahia com a rua Goiás), onde eu o esperava em companhia do Figueiró - o poeta Wilson Figueiredo, hoje um dos ilustres comandantes do Jornal do Brasil - o Otto Lara Resende, o Hélio Pellegrino, o Paulo Mendes Campos e outros que tais.”

            Na casa de Autran Dourado, meu colega de turma e de classe na Faculdade de Direito, autor de mais de 20 livros, um escritor primoroso, lembramo-nos da nossa Belo Horizonte, de como ingressou, pelas mãos de Castelinho, no jornalismo mineiro e de como ele chegara ao cargo de advogado do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, no Rio, sem jamais faltar aos deveres funcionais, inclusive, mais tarde, em Brasília. Está entre os intelectuais e jornalistas que se largaram para o Rio, todos bem sucedidos, olhando Minas a distância. Alguns famosos na crônica, no romance, no ensaísmo, no conto, na poesia e no memorialismo. Castello obteve-lhe o primeiro emprego, na Agência Meridional de Notícias e no jornal Estado de Minas, e logo percebeu que o jornalismo não era para Autran. Se você está aguardando alguma coisa nesta mesa, aqui na redação, é sinal de que não é jornalista. O jornal roda, narra o dia, e no dia seguinte, é papel velho. Como se Autran estivesse ouvindo Narciso Kalil: “Repórter na redação, que não gosta de rua, de gente, da vida, é como trapezista com medo de altura: não funciona.” Você, disse-lhe Castello, vai onde eu moro, na rua Espírito Santo, e lhe darei um presente. Era o primeiro volume, dos três, do A la recherche du temps perdue, de Proust. E acrescentou, não sei por quê, você vai ser um grande escritor. Na redação do Estado de Minas, certo dia, apresentou-o a Assis Chateaubriand: aqui está um jornalista que vai ser um grande escritor. Chatô olhou-o de cima a baixo e disse: É? E nada mais. Bem mais tarde, Autran lembra que aquela foi a primeira vez que viu Chateaubriand e confirmou o encontro, naturalmente imaginando o foca de ontem, dos Associados, em Belo Horizonte, e o escritor de hoje .

            - Não, Castello. Não é difícil viver em Minas, como você costumava dizer em sua Coluna. Você considerava “a passagem por Minas essencial para sua formação e para a sua sensibilidade”. Foi lá que fomos “buscar a mais requintada cultura do Brasil”, para usar as suas próprias palavras na Coluna, no dia da minha posse, no governo de Minas, 15 de março de 1979. Foi também o dia da posse do General João Figueiredo na Presidência da República. Você estava em Brasília e nada disse do novo Presidente - comprometido, este, com a abertura política idealizada e conduzida por Geisel - para falar de Minas, dos mineiros e deste seu coestaduano. Textualmente, você, dirigindo-se aos mineiros: “Está bem que os meus mineiros não me dêem a identidade ciosamente guardada, pois de lá me pus ao largo, há 34 anos. Mas o Francelino, que ficou em Belo Horizonte, deve ser recebido com a complacência e a cordura que compõem também a intimidade do ser mineiro. Estejam certos de que o Francelino é uma boa pessoa. Levem em conta que viver em Minas enriquece, mas não é fácil”.

            - Você novamente lembrou a conversa com o mineiro Otto Lara Resende, lá na Rua Alagoas, você na calçada e ele na janela, bastante alta, sem nunca convidá-lo a entrar. Mais tarde, quando o Otto entrou para a Academia Brasileira de Letras no Rio, bem antes de você, ele reprisou essa cena com uma provocação: “Castello, a janela ficou mais alta.” Este seu amigo, logo empossado no Palácio da Liberdade, você recebeu do presidente da Academia Mineira de Letras, o escritor Vivaldi Moreira, a expressa e pública manifestação de que “os mineiros não mantêm reserva com os irmãos de outros estados que desempenharam altos cargos em Minas.” Até porque, disse-lhe Vivaldi, “essa reserva poderia gerar, contra os mineiros, um sentimento elitista, característica abominada por nossa gente”. Contudo, logo você recebeu, diferentemente, outro recado, lacônico, do seu amigo Otto Lara Resende: “Diga ao Castello que continuo na janela”.

            - Pois não é, Castello, que o jornalista José Bento Teixeira de Salles, hoje integrante da Academia Mineira de Letras, ao lado de Élvia e de você, já casados, na calçada da casa dele, não os convidou para entrar. Em nossa conversa recente, na Serra, José Bento, ao lado de sua esposa Maria Amélia, ressalvou, aliviado, que entrara apenas para pegar uma cachaça de sua coleção para uma farra de vocês três, no canteiro do centro da Avenida Bias Fortes, perto de sua casa.

            - Você sabe que não foi o Otto, mas o Nelson Rodrigues quem disse, atribuindo-o ao Otto: “O mineiro só é solidário no câncer.” E como era uma frase, uma provocação sem fundo verdadeiro, Otto terminou por não contestar Nelson e morreu carregando o peso desta boutade, leve mas tida como insolente. E mais, o jornalista mineiro Luiz Edgar de Andrade contou ao jornalista Alexandre Garcia, da TV Globo, que, “De Gaulle jamais disse que o Brasil não é um país sério. Foi o embaixador brasileiro quem disse e ele, o repórter, entendeu mal. Agora nem o autor do engano consegue desmentir”. Digo mais, você sabe que não foi o José Maria de Alkmin, mas Gustavo Capanema, quem disse a frase que se espalhou pelo Brasil inteiro: “Pior do que o fato é a versão”. Esta expressão vale, quase sempre, por uma sentença irrecorrível. A mídia e as vítimas das versões que o digam. E mais, em 1982, na minha sucessão ao governo de Minas, fui eu, a sós, depois de ampla consulta aos dirigentes políticos do Estado, quem indicou à convenção partidária, à última hora, às onze e meia da noite, no Palácio das Mangabeiras, o nome de Eliseu Resende para candidato. Jamais tratei deste assunto, em qualquer momento, com o Palácio do Planalto, ou em Brasília. No entanto, a versão que veio a prevalecer, cínica, oportunista, mentirosa, foi a de que Eliseu foi indicado pelo Palácio do Planalto. Prevaleceu a versão, não a verdade. E mais: “A política é como a nuvem, muda a toda hora.” - Magalhães Pinto aceitava como sua, mas, na verdade, a frase é de outro mineiro, também político, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ex-Governador de Minas.

            - Lá em Minas, Castello, você também fazia, falava e fraseava, igual na ironia, na esquivança, no humor, no convívio com os nossos irmãos mineiros, ao sopé das montanhas. Esta mesma veia literária você trouxe do Piauí e aprimorou em Minas, no convívio e na leitura de Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Murilo Rubião, Jacques do Prado Brandão, Carlos Drummond de Andrade, Milton Campos, Pedro Nava, Abgar Renault, Gustavo Capanema, Emílio Moura, Enriqueta Lisboa, Djalma Andrade, João Etiene Filho, Jair Silva, Oscar Mendes, Afonso Arinos de Mello Franco, Alberto Deodato, José Bento Teixeira de Salles - este, ainda, em plena efervescência - de todos os bons escritores montanheses. A maioria a seu tempo integrava o movimento cultural do modernismo.

            - Não, Castello, você sabe, isto não é ironia. Não é insulto. Não é ressentimento. Não é causticidade. Não é reserva. Não é orgulho. Não é preconceito. Não é rejeição. Não é elitismo. São dizeres ficcionais, certos viéses, versões, inconfidências, malícias, provocações, ternuras, queixas recíprocas, prazeres de invencionar sobre os outros, na leveza do nosso convívio na cidade planejada de Belo Horizonte, de suas primeiras décadas, que permanece a mesma no imaginário de seus usuários, de seus cultores. Como bem se expressa a professora Melânia Sílvia Aguiar, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), “incrivelmente a mesma, como numa superposição de camadas em movimento contínuo, em que a última não apaga os vestígios da anterior, e da anterior, e da anterior etc.

            - Você mesmo escreveu em sua Coluna que “o piauiense, além de sua vocação de poder, é uma espécie de mineiro do Nordeste, até mesmo pela ponta de ironia, inseparável da índole mineira.” E mais, você dizia ao jornalista mineiro Dídimo Paiva, nos tempos do sindicalismo que, sem vocação, exerciam “para evitar o domínio dos comunistas, logo após a redemocratização do País”, em 1985, que: “o brasileiro mais parecido com o mineiro é o piauiense.” Verdade, malícia ou provocação, Castello?

            Florescer à distância de Minas, evocando Minas, sem a qual é difícil crescer, sobretudo de perto. O certo é que nascer em Minas, viver em Minas, infinitamente, para muitos é um privilégio, mas para outros tantos, não basta. As montanhas permanecem altas, e os beletristas e até os políticos querem mais. A solução está em ficar distante, sobretudo no Rio, de braços dados com a terra mineira, com a História das Liberdades, sobretudo quando elas se enlouquecem, como disse Tancredo Neves ao tomar posse, meu sucessor, no Governo de Minas. Essa é a compulsão mineira de olhar Minas a distância, muito bem dissertada pelo escritor mineiro Humberto Werneck. O poeta e cronista Affonso Romano de Sant’Anna, Carlos Castello Branco e seus amigos de Belo Horizonte, jornalistas e escritores, cresceram mais ainda fora de Minas, sem jamais abandoná-la. Como diz o escritor mineiro Fernando Sabino, que mora no Rio, em crônica recente: voltar a Minas, uai, se eu nunca saí de lá?

            Em verdade, os jovens escritores mineiros viviam em cordiais desacordos, mas o cenário sempre foi um só, o mesmo para todos, até para aqueles que chegavam de fora, nascidos em outras plagas. Deles todos participavam, num intercâmbio contínuo de idéias e provocações. Em tudo uma ponta lírica, desafios tocantes, que enlevam as almas. A ironia e o nosso humor mineiros são fruto da nossa veia cultural, literalmente literária. Não vem para magoar, nem para ferir nem para dispersar. Entre os políticos e a gente do povo - não há hoje quem não o perceba - os mineiros não brigam mas não fazem as pazes, ou - dizem que o mundo é grande mas Minas é muito mais. E mais: ninguém nivela as montanhas de Minas, ou - ninguém viola impunemente o sentimento de Minas. Também posso dize-lo, pela longa e plena convivência, que Minas - hoje somos 18 milhões de mineiros, quase 900 cidades - é igual a uma rua, onde todo mundo se conhece, onde todos nos conhecemos. E com isso vai se perpetuando o mito de Minas, o enigma de Minas, o amor a Minas, a Minas do diálogo e do entendimento, mas também a Minas heróica, que não se curva, que não se rende, nos momentos das revoltas, das inconfidências e das insurreições cívicas. Que não aceita, que nunca aceitou, os desníveis sociais, a brutalidade da má distribuição de renda, os aperreios da exclusão, que vem das nossas nascentes e lá está aos olhos de quem queira ver, no meio de nós.

            Assim mesmo, à semelhança do homem, feito de talento, renúncia e honradez, que o Brasil conhece: jornalista Carlos Castello Branco. Assim mesmo, à semelhança do pensamento e da ação de Milton Campos, que, em toda a sua vida pública, condenou, com nitidez e veemência, a injustiça social, o abuso do poder econômico e a corrupção.

            - E com isto resta a dizer-lhe, Castello, com uma ponta de vaidade e de orgulho: não é difícil viver em Minas, como você se expressou em sua Coluna. O difícil, Castello, é ser mineiro, e você o é, por inteiro, até porque sempre nos disse - invoco aqui o testemunho de seu colega de turma e amigo fraterno Rondon Pacheco - que considerava Milton Campos o maior homem público que você conheceu em toda a sua vida. Como afirmava o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, “talvez houvesse, na sua formação, uma influência preponderante, a do então governador Milton Campos, de que pôde acompanhar de perto a isenção e a segurança com que ia traçando os rumos de seu partido, uma UDN dos extremos, com Milton Campos de um lado e Carlos Lacerda do outro.” E mais, continua o mestre do jornalismo - “É claro que a opção de Carlos Castello Branco se orientou para as lições e os exemplos de Milton Campos, antes de tudo a moderação com que ia registrando os acontecimentos de cada dia. E a perspicácia com que encontrar os fios que os conduziam, num trabalho que não excluía o psicólogo tão sutil, que até parecia que os adivinhava.”

            O certo é que Minas recebeu Carlos Castello Branco meio caladona, é verdade, mas de braços abertos e se orgulha de sua formação e de sua trajetória de vida. Castello enriqueceu Minas.

            O interesse de Castelinho pela literatura e o jornalismo foi despertado quando ele tinha entre 15 e 16 anos, em Teresina. Ele e seu colega de escola e amigo, Abdias Silva, também jornalista, viviam inebriados pela literatura. Por isso, a cena comum era os dois sempre com algum livro debaixo do braço, romances ou poesias, mesmo em épocas de provas no Liceu Piauiense, onde Castello exercia alguma liderança entre os colegas que o chamavam de Pixote, apelido que recebia de muito bom humor. Castello escreveu, aos 15 anos, num catálogo de telefone de Teresina, a crônica - “Teresina na distância”. Era sua estréia literária no Piauí. Os livros que Castelinho escreveu - Continhos brasileiros (1952), Arco do triunfo (1958), Idos de março (1964), Introdução à revolução de 1964 (1975), Os militares no poder (1979) e A renúncia de Jânio (1996) - fizeram dele um dos mais lúcidos escritores do Brasil. A renúncia de Jânio é um poema de amor, nas palavras de Élvia, sua esposa, na sala de estar de seu apartamento, ao lado de seu neto, no Rio de Janeiro. Se a literatura era a grande paixão, o jornalismo também o fascinava. E foi ali, naquele nosso pedaço de chão do Piauí, que Carlos Castello Branco deu os primeiros passos no jornalismo e na literatura, dirigindo um jornalzinho escolar, que fundou, juntamente com o nosso irrequieto Neiva Moreira. Seu nome era A Mocidade, o órgão oficial da Associação dos Estudantes Secundaristas de Teresina, impresso nos fundos do quintal da casa dos pais de Castelinho. O nosso - do Amandino Nunes e meu - o Piauí Novo - era impresso, pela noite adentro de sábado, na Imprensa do Estado, na Praça Marechal Floriano. Quando Castello deixou a terra natal - era um sábado de janeiro, 1937 - foi Abdias quem atravessou com ele, de barco, o rio Parnaíba, para alcançar a cidade de Timon, no lado do Maranhão e, daí em diante, sozinho, no trem de São Luís do Maranhão, por navio até o Rio de Janeiro, rumo a Belo Horizonte, pelo trem da Estrada de Ferro Central do Brasil. Aquela era a primeira vez que Pixote se afastava dos familiares.

            A renúncia de Jânio - escreve o moderno e primoroso historiador mineiro Francisco Iglésias, do nosso convívio em Minas - foi a quarta da História. “A primeira foi a de Dom Pedro I, em 1831; a segunda, a do regente Feijó, em 1837; a terceira, de Deodoro, na primeira Presidência da República, em novembro de 1891. A mais perturbadora, sem dúvida, foi a quarta.” Iglésias indaga se a renúncia de Jânio teria sido mais um gesto de histrionismo, um desejo de assustar ou falta de maturidade. De qualquer forma, caiu no vazio, embora tenha deixado na esteira uma crise política que está na origem da Revolução de 1964.

            No dia da renúncia, 25 de agosto de 1961, Dia do Soldado, o Governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, havia sido convidado para um encontro no Palácio dos Campos Elíseos, com o Governador Carvalho Pinto, de São Paulo. Carvalho Pinto ofereceu um almoço a Magalhães e à sua comitiva. Rondon Pacheco estava presente, na condição de Secretário do Interior e de Justiça do Governo de Minas. Ambiente tenso. As notícias que chegavam de Brasília eram preocupantes. A visita de Carlos Lacerda a Brasília, seguida de entrevista de pregação de golpe de Estado, criara um clima de ebulição política. Era, aliás, o principal motivo do encontro em São Paulo. Tão logo servida a sopa de entrada, mais ou menos às 14 horas, o telefone tocou e foi levado a Carvalho Pinto, à mesa. No outro lado da linha, Pedroso Horta, Ministro da Justiça de Jânio, comunicava a renúncia. Na conversa, Pedroso Horta adiantou que já havia informado Carlos Lacerda sobre a renúncia. Estava comunicando a Carvalho Pinto e, em seguida, o faria a Magalhães. Carvalho Pinto disse-lhe, então, que o Governador de Minas estava ali, a seu lado. Pedroso pediu-lhe que passasse a ele o telefone. Registrem-se a palidez e a decepção de Carvalho Pinto ao dobrar o guardanapo, dando por encerrado o seu almoço: Meus amigos, as notícias se confirmaram. O Presidente Jânio Quadros acaba de renunciar à Presidência da República. Jânio já se dirigia para o aeroporto de Cumbica, em São Paulo.

            Castello, ao lado de Jânio Quadros, viveu um pouco as entranhas do poder, do oficialismo político. Pela primeira vez desempenhou uma função político-oficial, a contragosto, suponho eu. Ali, do outro lado da rua, no Palácio do Planalto, Secretário de Imprensa do Presidente da República, ao lado de José Aparecido de Oliveira, nunca abdicou de suas convicções políticas. Com a renúncia de Jânio, voltou ao jornalismo. Todos nós percebemos que logo se refez, e criou a Coluna do Castello, no Jornal do Brasil, de onde nunca mais saiu. E escreveu o livro A renúncia de Jânio, para ser publicado depois de sua morte. Fez-se a sua vontade. A renúncia de Jânio, agora acrescida de penetrantes análises do jornalista Luiz Gutemberg e do escritor Emil Sader, está sendo distribuída hoje, aqui no Plenário, em edição do Senado da República, em sua homenagem. Élvia Lordelo Castello Branco, comovida, aqui no Plenário, agradece.

            Em verdade, a renúncia de Jânio permanece como um enigma da política brasileira. Enigma não se desvenda, porém, há fortes sinais de que estamos diante de um falso enigma. O próprio Jânio, em conversa com dona Berenice, esposa de José de Magalhães Pinto, nos deixou uma indicação. Indagado sobre as razões da renúncia, dona Berenice recebeu a seguinte resposta: - “A senhora conhece o deputado Mário Martins? - Sim, é muito nosso amigo. - Pois bem, foi um grande deputado, mas apenas um deputado. A senhora sabe quanto tempo a Câmara levou para aceitar a renúncia dele? Vinte e sete dias. Quanto à minha, a de um Presidente da República, não levou vinte minutos.” Era uma confissão de que sua renúncia não fora para valer, mas apenas uma jogada com segundas intenções, que não dera certo. Para o advogado Saulo Ramos, que foi oficial de gabinete de Jânio Quadros e para Jânio Quadros Neto, o objetivo do Presidente, ao renunciar, era voltar ao poder fortalecido perante o Congresso. Aguarda-se para breve novo livro sobre o assunto, de Caio Mário da Silva Pereira, que foi consultor geral da República do Presidente Jânio Quadros, seu admirador, convencido, no entanto, de sua “obstinação e imaturidade política”. O grande amor de Castello era a Política. Todo homem público - “a imprensa é um serviço público: a sociedade deve avaliá-la permanentemente” - deseja exercê-la, e, mais do que isto, governar o seu Estado. Governar Minas é uma honra e um desafio e eu o desejava. Governar o Piauí, Petrônio Portella, Hugo Napoleão, Freitas Neto e Espedito Resende, para citar quatro grandes e inseparáveis amigos nossos na vida pública, o desejavam. Espedito, embaixador no Vaticano, padrinho de casamento de Élvia e Castello, foi o único que não chegou lá. Faleceu em Roma, seu outro grande amor. Otto Lara Resende dizia que Castello “podia ser Senador pelo seu ebuliente Estado do Piauí ou pacato Governador de Minas...” Até porque, acrescentava, “o tempo tornou-o mais jovem, desatou-lhe a língua, raspou-lhe a timidez, depositou em seu coração as inevitáveis gotas de sabedoria e angústia.”

            Castello sabia que a política é, quase sempre, uma arte marcial. As artes marciais, lembrou há pouco o nosso cantor e compositor, que foi vereador em Salvador, na Bahia, Gilberto Gil, “implica a existência de um inimigo, de um adversário que tem de derrotar. E eu não dou para isso.”, e nunca mais disputou uma eleição. O combate, a disputa, a vitória, a derrota, os revezes e tudo o mais fazem parte dessa guerra. Fora daí, tudo bem. São os debates que geram as polêmicas, animam a História, definem o destino das instituições e agigantam as nações. E é dentro deste cenário que navegam os jornalistas, os repórteres, os pesquisadores, os cientistas políticos, os homens públicos e os políticos, a história dos partidos e o destino das instituições.

            Como se expressava Barbosa Lima Sobrinho, ainda presidente da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI: “Enamorado da política, contentando-se em olhar de longe a dona de seus sentimentos. Poderia ter sido Castello um chefe de partido, na defesa de seus programas, ou na luta pelos seus ideais, se a timidez não estivesse presente para lhe desviar as expansões. Por isso fazia da “Coluna do Castello” as demonstrações de seu culto pela vida política. No fundo, cartas de amor de quem nunca se atreveria a disputar um lugar no cenário que o atraía.” E mais: “Um orador nato, que detestasse a tribuna. Um permanente adorador de uma princesa distante, de quem não quisesse se aproximar pelo receio da escravidão a que ficaria sujeito. Fazia questão fechada de sua independência. Sentia que as formações partidárias criam limites, impõem regras que devem ser obedecidas. E ele não admitia nenhuma restrição. Fazia questão de ser ele próprio, Carlos Castello Branco.”

            “Quando o Congresso esteve fechado, declarado em recesso,” - quem lembra é o Senador José Sarney - “Carlos Castello Branco, esquecendo a censura, não deixou passar um só dia sem falar do Congresso, anunciando sua volta, dizendo da sua importância como a maior das instituições liberais e substituindo o silêncio das tribunas parlamentares pela inteligência de sua tribuna jornalística. (...) Ele foi o Congresso quando o Congresso não era.”

            Na morte de JK, em 1976, retornamos às pressas de Curitiba para Brasília e a tudo assistimos. A tragédia levou o povo às ruas da Capital. A emoção, uma só. O tormento de dor atingiu o povo, no coração e nas entranhas. No Campo da Esperança, ao nosso lado, o repouso do guerreiro que fundou Brasília, que pregou a paz, o otimismo e o progresso do Brasil. O desejo de liberdade produziu em Carlos Castello Branco, em 30 minutos cronometrados, em 75 linhas, uma "Coluna" para ninguém esquecer nunca mais. Castello era, ali perto, no Setor Comercial Sul, no Edifício Central, na máquina de escrever, no Jornal do Brasil, a voz do Brasil.

            Castello, embora um pouco próximo da UDN, não era, nunca foi um militante político. Nunca se filiou a nenhum partido. Eu já desembarquei em Belo Horizonte atirando contra a ditadura do Estado Novo, presidi os diretórios acadêmicos, participei dos Congressos Nacionais dos Estudantes, promovidos pela UNE, no Rio de Janeiro e em Salvador, na Bahia. Joguei-me, de corpo inteiro, desde a primeira hora, na União Democrática Nacional, a UDN, que ajudei a fundar, “um partido de centro, inclinado para a esquerda”, na expressão de Afonso Arinos de Mello Franco.

            Carlos Castello Branco, advogado e excelente parecerista do DNER, no Rio de Janeiro e em Brasília, nunca deixou de trabalhar um só dia. Era uma questão de honra. Desde Minas, com a sua vocação política, optou, no silêncio das montanhas e nas vivências do Rio e de Brasília, com profundidade e consistência ética, pelo jornalismo e pela literatura, sem perder sua natureza humana, tocada de brio e honradez. Foi por aí, sobretudo depois da entrevista de José Américo a Carlos Lacerda, no Correio da Manhã, em fevereiro de 1945, que cresceu e agigantou-se o jornalista de textos lúcidos, exemplarmente bem escritos. Como me disse há pouco, pelo telefone, seu colega de turma, na Faculdade de Direito de Minas, Rondon Pacheco, “no Rio, Castello subiu como um foguete, merecidamente”. Combateu as ditaduras, desbravou os caminhos da democracia, sem perda da sua independência. Jamais foi dirigido por quem quer de seja, a não ser pelo cineasta Glauber Rocha.

            Carlos Castello Branco, integrante de uma família de estirpe, mas economicamente modesta, nunca foi criado de ninguém. Não aceitava humilhação. A moda em Belo Horizonte, em suas primeiras décadas, era ser oficial de gabinete ou o que mais fosse nas estruturas do poder. Jovens escritores e jornalistas mineiros, na democracia ou na ditadura, sobretudo nos anos do desatino da rapaziada, descrito pelo jornalista e escritor mineiro Humberto Werneck, na capa e no texto do livro de sua autoria. Era o namoro oficial, o noivado oficial, o casamento oficial, o gabinete oficial, o jornal oficial, o carro oficial, o oficialismo político. O charme maior, a premiação gozosa, até a finalização da vida, era ser dono de cartório de notas ou de protestos, de livre nomeação oficial dos detentores do poder oficial. O poder é triste? Nada disso. Era um raro prazer para a iniciação literária ou jornalística, ou para outros misteres. “O jornalismo - disse-me e escreveu o nosso comum amigo Wilson Figueiredo - era então quase inseparável da literatura”. Na imprensa, as melhores fontes de Castello estavam entre seus amigos oficiais de gabinete. Mas Castello passou ao largo, resistiu, sofreu. Não pediu. Não se insinuou. Tímido - a mesada dos pais, já escassa - começou como repórter policial do Estado de Minas, ganhando 150 mil réis por mês. Sua decisão foi, em toda a sua vida, manter-se independente, livre no presente e na infinitude do futuro.

            Castello, infinitamente Castello Branco, de todas as patentes e condições culturais, poetas, juristas, jornalistas, militares, acadêmicos, políticos, do delta do Parnaíba, lá na ponta do mar, ao Rio Grande do Sul, colimando com o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que foi Presidente da República. Até lá, na Academia Piauiense de Letras, entre os seus titulares, Castelinho é o oitavo, inclusive seu pai Cristino Castello Branco, que deixou ao filho mais ilustre, o homenageado de hoje pelo Senado da República, a cadeira número 15. Foi saudado pelo acadêmico Arimatéia Tito Filho, também Castello Branco, mas sem o nome da família, por desavença ou pirraça do avô, como escreveu, com palavras amenas, no discurso de recepção a Castelinho, ao meu lado e do senador Hugo Napoleão, no plenário da Academia Piauiense de Letras. Fomos lá para ver Castello, na “maior glória de sua vida”, ingressar na Academia, fundada pelo poeta Lucídio de Freitas, também Castello Branco, primo de seu pai. Também a família de João Fortes, empresário vitorioso no Rio de Janeiro, não usa o nome familiar, por briga com o bisavô de Márcio Fortes, parlamentar carioca, filho de João.

            Castelinho não era dado a expansões, nem mesmo com relação aos seus parentes de sobrenome Castello Branco, inclusive nos momentos de ascensão. Tratava-os com amabilidade, mas recatadamente. Quando despontava a candidatura do Marechal Humberto de Alencar Castello Branco à Presidência da República, o jornalista Fernando Pedreira perguntou a Castelinho se o Marechal era seu parente. Ele respondeu com sua maneira habitual: “Parente longe, né? Mas está se aproximando.” Seu grande amigo Pompeu de Souza, jornalista e depois Senador da República, sempre efusivo, mas, no caso, comedido, escreveu: “O Marechal era parente remoto de Castello.”

            Pouco tempo depois, ao regressar da lua de mel em Paris, Castelinho levou Élvia a Teresina, para uma visita sentimental, mostrando-lhe os locais que evocavam suas melhores lembranças. Mais descontraído e até sentimental, Castelinho dizia: “Aqui, nesta rua, Rua do Tio, é que nasceu o Marechal Castello Branco; esse negócio de Messejana é fraude sentimental.”

            A súbita ascensão do Marechal Humberto de Alencar Castello Branco à Presidência da República e a severidade profissional de Castelinho não os aproximaram no convívio familiar. Mas o destino lhes reservou muito do “comportamento comum à grei”. Chegaram ambos ao topo de suas profissões, na carreira militar e no jornalismo, passando pelas tessituras do poder, em épocas, espaços e circunstâncias diferentes, nos palácios do Governo Federal, em Brasília. Conviveram a distância, divergiram, mas respeitavam-se com elegância e objetividade. Afinal, dizia-me Castello, a vida pública não comporta intimidade, que pode levar à promiscuidade. No réquiem do ex-Presidente, entre “homenagens exaltadas” e “críticas cruéis”, Carlos Castello Branco refez-se da dor pela perda do parente probo e encerrou a sua crônica de 20 de julho de 1967, no Jornal do Brasil, com um corajoso recado aos detratores: “Não me parece possível, no entanto, desvirtuar a imagem do homem. É realmente espantoso que a paixão política chegue a identificar no retrato de um homem de bem o perfil de um canalha. O Marechal era um patriota, um idealista e um homem que terá morrido em paz com a sua consciência. Essa não é a homenagem do parente, mas o dever imposto pela mais estrita objetividade.”

            Élvia, nada mais belo e tocante do que as suas palavras de amor, admiração e respeito - 44 anos de amorosa companhia - diante do busto de Castello, na praça com o nome dele, que você inaugurou, em Teresina, iniciativa do Prefeito Wall Ferraz e do sentimento da terra, profundo e belo. São suas essas palavras: “De vez em quando eu penso que se o Castello estivesse aqui, com duas Colunas ele colocava os pingos nos is. As pessoas sentem falta da serenidade dele.”

            Evoco quando você disse estar certa de que “os anos felizes da infância e da adolescência lhe deram - a Castello - o lastro necessário à eqüanimidade, à serenidade, ao equilíbrio, à isenção e à grandeza com que exerceu o ofício de viver e o ofício de escrever, interpretando e analisando os fatos.” Por isso você disse, “abençoada sejas, Teresina!”

            Quando você telefonou a Castello dando-lhe a notícia de que o Presidente da República, José Sarney, acabara de assinar mensagem ao Senado indicando-lhe para compor o Tribunal de Contas da União, respondeu-lhe Castello: “Parabéns, para quem veio de Nazaré das Farinhas, é um belo fim de carreira.” Nazaré das Farinhas, a cidadezinha do recôncavo baiano cortado pelas águas alegres e mansas do rio Jaguaripe, onde você chegou para sofrer sua dupla orfandade, aos seis anos. Como você mesmo disse, nas noites passadas em choro manso, de saudades, no fundo do quintal perfumado pelas coiranas, você teve logo a certeza de que somente o estudo e o trabalho poderiam libertá-la da pobreza e da opressão.

            Élvia, baiana de Nazaré das Farinhas, jornalista, advogada, Juíza do Trabalho e Ministra do Tribunal de Contas da União, competente e lúcida, em todo o seu desempenho profissional. Castelinho estudou e trabalhou exaustivamente, e tornou-se um homem livre para, no Rio, merecer o amor de Élvia e adquirir "notoriedade", - a expressão é de Castello, para ingressar nas Academias Piauiense e Brasileira de Letras. Vou inserir neste meu pronunciamento as palavras de Élvia, de amor a Castello, na Praça Jornalista Carlos Castello Branco, na Terra Natal.

            - Não, Élvia, não resisto em dizer-lhe o que todos nós dizemos na jovialidade do nosso convívio: não foi Castello quem casou com você, mas, o que dá na mesma coisa, foi você quem casou com Castello. Você mesma é que apagou a dúvida na entrevista aos jornalistas Marcone Formiga e Paulo Castello Branco, na revista Brasília Em Dia, de julho de 2000. Você, temente a casamentos, foi para o Rio decidida a formar-se em Direito, exercer a profissão e tornar-se independente. Para não ser uma viúva miserável, como as que via na Bahia, em Nazaré das Farinhas, inclusive em sua família. Morava em pensão. Estudava e trabalhava na redação do Diário Carioca. Castello, tímido, de pouca conversa, sempre dedicado ao trabalho, não se insinuava. Talvez temesse a intrépida colega de trabalho, de quem era chefe no jornal. Não, esse casamento, dizíamos, é coisa da Élvia. O imaginário da redação e dos colegas de trabalho, no Rio, era um só: foi Élvia quem casou com Castello. O melhor mesmo é ler a entrevista de Élvia à revista Brasília em Dia. 

            A vocês, Luciana e Pedro, a emoção do abraço aos filhos de Élvia e Castello. E o nosso tormento de dor, meu e de Latifinha, minha esposa, ao identificar, no Instituto Médico Legal, em Brasília, o Rodrigo, que morrera, na plenitude da vida, nas proximidades do aeroporto, num acidente de automóvel. Élvia e Castello estavam na Europa, na Espanha. Lá, quase morreram de dor pelo filho que perderam. Ao regressarem, disse-lhes, na intimidade de suas lágrimas: Não Castello, não Élvia. Ele não morreu. Ele evanesceu. Pior do que a morte é a dor, a dor prolongada. Rodrigo é a grande presença que se foi, mas não foi, porque ficou, ontem, hoje e sempre. Tanto mais, Élvia, que estou vendo aqui, no Plenário, e já o cumprimentei, o seu neto, filho de Pedro - Rodrigo é o seu nome - em luminosa homenagem ao tio querido, que está lá, bem perto, na mão de Deus. O Rodrigo, Élvia, está no meio de nós.

            A renúncia de Jânio, além de ser apaixonante como uma história de amor, como se expressa Élvia Lordello Castello Branco, envolve não apenas o conhecimento de Carlos Castello Branco, mas igualmente a percepção com que testemunhava ou participava de episódios cruciais na vida política brasileira. Direi logo que o grande amor do jornalista Castelinho, o maior de todos, era a História. Ninguém chega lá somente pelo justo e equânime exercício da profissão jornalística ou de cargo ou função pública, no centro ou nas proximidades do poder ou das oposições, apenas escrevendo o que alguém descreve.

            Somente quando o jornalista alcança ou ultrapassa a dimensão dos seus personagens, é que ele, também protagonista, por mais discreto que seja, percebe que o seu testemunho é essencial ao conhecimento isento dos fatos, à plena definição do derradeiro gesto, seja para entrar na História como fez, com um tiro no peito, Getúlio Vargas, seja para estarrecer a Nação, como fez Jânio Quadros ao renunciar à Presidência da República. Escrevendo não apenas sobre o que lhe era descrito pelos informantes, mas também pela convivência e a intimidade com os fatos, Castello soube distinguir as diversas categorias de acontecimentos, elegendo os que se tornariam elos da História.

            Na visão do historiador e escritor Edward Gibbon, citado pelo jornalista Fernando Pedreira, que foi representante do Brasil na Unesco, “os fatos cuja influência se estende por todo o sistema (...) são muito raros. E o que é ainda mais raro é o gênio que sabe distingui-los, no vasto caos de acontecimentos em que estão metidos, e que é capaz de deduzi-los puros e limpos do resto”. Ao falar das idéias de André Malraux sobre arte, André Maurois lembra que “a História é outra forma de criação, e impõe uma ordem ininteligível à massa aparentemente incoerente de fatos, o que é também o papel da ciência”. Castello, além de jornalista e escritor, foi um sábio, como se expressou, nas homenagens de hoje, o Senador Hugo Napoleão. Castello, como ninguém no governo de Jânio, soube avaliar esses fatos, classificá-los, e afinal, sem precipitações, reconstituir, mais pela memória, esse episódio dificilmente explicável, surpreendente e decisivo da história contemporânea do Brasil: a renúncia de Jânio Quadros.

            Houve também a renúncia do próprio Castelinho. O seu ato de coragem moral, o senso de desprendimento, tão raro nos dias de hoje, ao decidir que os fatos que testemunhou, e que constituíam no mais disputado material de informação para qualquer profissional do jornalismo político, somente fossem levados ao conhecimento público depois de sua morte. Condenou-se ao silêncio no natural dever de resistir à pressão e ao juízo do povo brasileiro sobre a verdadeira história do apocalipse de Jânio Quadros.

            Imagino a provação dos nossos amigos José Aparecido de Oliveira e Evandro Carlos de Andrade, e também da Cantídia, um amor de pessoa, ao tomarem conhecimento, antecipadamente, do depoimento histórico de Castello sobre aqueles seis meses decisivos da vida política brasileira, sem que sobre eles, durante anos, até 1996, quando a obra foi publicada, pudessem fazer a menor referência.

            E por fazer História é que a obra de Castello precisa ser levada mais e mais ao conhecimento das atuais e das futuras gerações de brasileiros. Nesse sentido, louvamos a decisão do Presidente do Senado Federal, Senador Antônio Carlos Magalhães, de determinar a republicação da obra, o que já se fez com a nova edição de A renúncia de Jânio. Uma reedição limitada a mil volumes apenas, 50 deles destinados a Élvia e aos filhos. O certo será que o Senado reedite numerosamente A renúncia de Jânio, para o Brasil inteiro, sobretudo para os jovens que aí estão, ávidos por conhecer a ainda mal contada história contemporânea do País.

            Geisel - Eu quero fazer a abertura política, mas quem vai acreditar nisto? Se eu fechei o Congresso Nacional quando ele se recusou a aprovar a Lei Orgânica da Magistratura? Petrônio - Presidente, o senhor quer mesmo fazer a abertura? Isto é um compromisso sério. Na terceira vez que Geisel tratou do assunto com Petrônio, insistindo que ninguém ia acreditar, Petrônio disse: - Presidente, só há um homem neste País que fará acreditar que o senhor quer fazer a abertura política: este homem é o jornalista Carlos Castello Branco. - Petrônio chamou Castelinho e contou-lhe a história. Castello escreveu as “Colunas”, e a abertura saiu. A imprensa registrou essa breve história, sempre lembrada por Petrônio Portella. A última vez que eu a ouvi foi de Élvia Castello Branco, na semana passada, no Rio.

            Na volta amorosa de Castello a Teresina, vem-nos, desde logo, a saudade de quando, de trem, em Timon, do outro lado do rio Parnaíba, despedindo-se da família e do amigo Abdias Silva, deixava a terra natal, a caminho de Minas: “Teresina apagou-se na distância, / Ficou longe de mim, adormecida, / Guardando a alma de sol da minha infância / E o minuto melhor da minha vida."

            Belo Horizonte é a segunda cidade de Castello pelos envolventes tempos de sua mocidade, de sua formação acadêmica e de sua verdadeira iniciação jornalística. Teresina será sempre a primeira, pela aleluia do nascimento, pelos primeiros sonhos e pelo seu profundo e inconfundível amor à terra natal. Não há como esquecer a nossa adolescência, as nossas diferentes configurações familiares, as leituras literárias, desde a poesia de Augusto dos Anjos, passando pelos romancistas regionalistas, contadores de histórias, de Jorge Amado, José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Raquel de Queirós, e tantos outros. Pela crítica literária de Álvaro Lins, pelos romances e pela figura humana de Érico Veríssimo, que desvendou os sonhos do jornalista Abdias Silva, amigo de Castello, desde a juventude em Teresina, como está na carta que dele recebi e que será inserida no final deste discurso. 

            A cidade planejada, a primeira no Brasil, e os seus intérpretes, prosadores, mestres, jornalistas, gramáticos, oradores, cancioneiros, todos os cultores do seu destino. O seu cenário não ia além da Vermelha, passava pelo Por Enquanto, mas não chegava ao aeroporto nem ao Rio Poti. A cidade estava no centro urbano, na praça Rio Branco, o relógio da hora na esquina, a literatura, a política, os cafés, as sorveterias, a Botica do Povo e, anos depois, a agência do Banco do Estado de Minas Gerais, o BEMGE que lá inaugurei como Governador de Minas. E mais, a praça Pedro II, o Teatro 4 de Setembro, o Cine Rex, o footing familiar, os olhares de rapazes e das meninas se cruzando, furtivamente. Mais adiante, de um lado o Clube dos Diários, só para a elite, e, do outro, a Rua Paissandu e suas amáveis e irresistíveis pensões que recebiam, noite a dentro, os jovens da capital e os coronéis do interior.

            Aprendemos no Liceu Piauiense - ontem mais imponente do que hoje - tudo que se pode imaginar, menos matemática, que era matéria envolvida em mistérios indecifráveis. A nossa sedução estava nas letras, mais precisamente nas ciências sociais e políticas, que nos levariam à histórica Faculdade de Direito de Minas, nascida em Ouro Preto, também fundadora de Belo Horizonte.

            A nossa volta amorosa a Teresina envolve, igualmente, a imaginação povoada pelo Colégio das Irmãs, as alunas de uniforme, saias e blusas de cores diferentes, tom-sobre-tom. A Míriam fazia suspirar o colega de Liceu e amigo Cleanto Jales de Carvalho, irmão de Ernildes. A nossa peregrinação pelas lojas, livrarias, farmácias e agências bancárias, na busca de anúncios para o custeio dos nossos jornais. A cajuína cristalina de dona Carmina, lá na rua Lisandro Nogueira, 1790, para abrandar o calor de Teresina. A inteligência borbulhante do seu amigo Neiva Moreira, também fundador do jornal estudantil, A Mocidade. As recepções monumentais do Clidenor de Freitas, irmão de Alberto Freitas, seu colega de trabalho jurídico no DNER em Brasília, sem faltar um só dia. O Padre Moisés, seus filhos amigos, Seminha e Omar, e a sua Ave Maria de Gounod, que nós ouvíamos, lá em sua residência, na rua Campos Salles e em toda a redondeza, às seis da tarde, invariavelmente. O casarão e a figura lendária de Eurípedes Aguiar, que governou o Piauí. Seus filhos, sempre em evidência, Milton e Zé, também a nossa Genuzinha Aguiar, agora com o sobrenome da família Moraes, da cidade de Parnaíba, de quem recebi há poucos dias uma palavra de suavidade e uma reportagem no jornal Meio Norte, de Teresina, com a sua foto de agora, sempre bonita, lá pelos 70 anos de vida, ativa, dinâmica, sempre um sonho de pessoa, agora na chefia do cerimonial do Governo no Palácio do Karnak. Vive, como sempre, à frente de seus tempos. Agora, o sonho de Genuzinha é o novo milênio.

            Teresina era um poema, com uma ponta de meiguice e enlevo. Agora a cidade é outra, densa, múltipla, calorenta, derramada na Chapada do Corisco, em todas as direções, para os conjuntos habitacionais populares e para o alto, os arranha-céus, de todas as concepções e confortos. Vive a modernidade, a performance de uma envolvente metrópole, a verticalidade, a luminosidade. O preço do metro quadrado, logo depois do rio Poti, na área do Jockey, eqüivale ao dos grandes centros urbanos do Nordeste. E o que é fantástico: a praça Pedro II do nosso tempo voltou à sua forma original, tudo igual, o teatro e o cinema, mas sem os rapazes e as meninas do footing, que a Élvia descreveu, com enlevo e amor, em sua volta, com Castelinho ao lado, casados, depois da lua-de-mel em Paris, em 1949.

            Na volta de Castello a Belo Horizonte, desde logo, a lembrança de quando nós, em datas diferentes, descemos do trem na praça da estação da Central do Brasil. Modéstia à parte, iluminados pela rica e envolvente visão da terra montanhesa e de todos os sentimentos do mundo, que líamos, no Piauí distante, na poesia e na prosa de Carlos Drummond de Andrade: “A Praça da Estação em Belo Horizonte, / duas vezes a conheci: antes e depois das rosas. / Era a mesma praça, com a mesma dignidade, / o mesmo recado para os forasteiros: / ‘Esta cidade é uma promessa de conhecimento, / talvez de amor.’ / (....) É uma praça - forma de permanência no tempo - / e merece respeito.” A Praça Rui Barbosa e a Estação, a bitola larga vinda do Rio e a bitolinha estreita vinda de Pirapora, com a performance e a dignidade com que nos recebeu em 1937 e 1944.

            Castello foi e será sempre, por todo o infinito, dominado pela saudade do Piauí, e de Minas, ainda formosa e bela. Belo Horizonte era pequena e os homens, grandes. A moral, a cultura e a ética distinguiam as pessoas com clareza indiscutível. A cidade cresceu às pressas, nos rumos da Avenida do Contorno. Corria solta a ânsia de ultrapassá-la em todas as direções. O Grande Hotel, na rua da Bahia, que hospedava e reunia os políticos e os homens públicos, desapareceu. O Conjunto Archângelo Maleta, receptivo às novas inclinações da cidade, era então a novidade maior, com a primeira escada rolante que conhecemos, descendo e subindo, num passe de mágica, que a todos encantava, no burburinho dos seus bares, restaurantes e lojas de todos os tipos. A evolução foi tamanha que a leitura de Belo Horizonte tornou-se outra. Foi-se o tempo dos ‘bondes, descendo Bahia e subindo Floresta’, ‘de ver Milton Campos saindo para a rua da Bahia’. ‘Todos os caminhos iam à Rua da Bahia.’ ‘Lá estava o poeta Carlos Drummond de Andrade, logo preferido, imediatamente amado.’ ‘Da rua da Bahia partiam vias para os fundos do fim do mundo, para os transmontes dos acabaminas.’ E mais, a abertura dos caixotes de livros importados, em língua francesa, da Livraria Francisco Alves, que tanto encantava Castelinho. Agora não há mais como tirar aquele retrato instantâneo no Parque Municipal e em frente à Igreja de São José, na Avenida Afonso Pena, entre as ruas da Bahia e Tamoios. Não há mais freguês de caderno nos armazéns. O pirulito da Praça 7 saiu, andou pela Savassi e voltou para a Praça, bem no centro urbano da cidade. O obelisco está lá, espremido no tumulto do trânsito, mas, como sempre, comemorativo da Independência do Brasil. As árvores da Avenida Afonso Pena foram cortadas pelo prefeito Amintas de Barros, excelente criminalista no fórum de Belo Horizonte. O Riccio, onde íamos buscar, sobretudo aos domingos, os jornais, os suplementos literários, as revistas do Rio, não está mais lá, na Avenida Amazonas, logo depois do Cine Brasil, que não há mais. A Vale refez o Parque Municipal, a MBR, a Praça da Liberdade, os dois mais belos cartões postais da nossa Belo Horizonte. A Lagoa da Pampulha, charmosa, é hoje o nosso destroçado amor. A Pampulha, não há mais. O novo monumento, que virá um dia, transformará o conjunto arquitetônico da praça da Liberdade em Espaço Cultural da Liberdade. Será o novo e mais completo endereço cultural de Belo Horizonte, à semelhança do Centro Cultural do Banco do Brasil, o CCBB, que construímos na Rua 1.º de Março, no centro do Rio de Janeiro.

            O Estado de Minas têm hoje as dimensões dos grandes jornais do Brasil e do mundo. Édison Zenóbio e Álvaro Teixeira da Costa, os denodados diretores de hoje. A dor e o sentimento dos que se foram, Pedro Agnaldo Fulgêncio, Geraldo Teixeira da Costa, o Gegê, e outros, do nosso convívio e admiração. A lembrança, lá distante, de Carlos Castello Branco e, palpitante, de sua trajetória de vida no jornalismo do País, iniciado na Rua Goiás, da reportagem policial ao jornalista de leitura breve e conceitual.

            A emoção da mudança, logo mais, para o edifício Pedro Aleixo, novo em folha, na Avenida Getúlio Vargas, a antiga Paraúna, no tempo do Castello. Em tudo está a lembrança dos seus pioneiros, dos antigos, que amargaram os tempos difíceis dos Associados em Minas, sempre reverenciados, agora mais do que nunca, como os bandeirantes dos caminhos ásperos de ontem, construtores de uma obra comum. Todos serão homenageados nas comemorações da grande mudança. Para nós, seus contemporâneos, Carlos Castello Branco simboliza a beleza dessas transformações. No fundo do coração, a nostalgia da Rua Goiás, da Leiteria Nova Celeste, do Cine Metrópole, da Praça Alberto Deodato, pequena, é verdade, mas no centro urbano e da alma de Belo Horizonte, dos bares da Rua da Bahia e do nosso tempo de estudante na Faculdade de Direito e das pensões e repúblicas de estudantes que nos abrigavam entre livros e publicações maliciosas.

            O Minas - Minas Tênis Clube - hoje com quatro unidades de grandes dimensões, na rua da Bahia em Lourdes, na Serra, na Lagoa dos Ingleses e no Taquaril. Quase 500 mil metros quadrados de área em plena utilização. Já somos mais de 68 mil associados. Arrecada, em dinheiro vivo, valor correspondente à décima cidade mais populosa de Minas. Não tem mais as Missas Dançantes dos nossos jovens anseios. O escritor Fernando Sabino, filiado ao Minas desde a juventude, que vive Minas à distância, está voltando à ainda jovem centenária Belo Horizonte. Já tem encontro marcado com o jornal Estado de Minas. Uma coluna de 15 em 15 dias, às segundas-feiras. Corre entre nós uma foto sua, jovial, pioneiro em natação, lá nos anos 40, no livro - Tradição e Modernidade - dedicado pelo presidente Sérgio Bruno aos minastenistas de todos os tempos. - “Não, não escreva sobre o Castelinho sem falar-lhe no Minas”. Ele, mais a distância do que perto, era minastenista, dizia-nos Urbano Brochado Santiago. Que está igualmente no livro, atleta jovial e, depois, inovador dirigente do Clube.

            A Praça da Liberdade voltou à forma original - o jardim de Versailles e as orlas iluminadas, cobertas de flores. As palmeiras imperiais e as linhas sinuosas do Palácio da Liberdade (infinitamente incorruptíveis), dos nossos olhos de sonhos lá no Piauí distante, tocam os céus de Minas. A Savassi, que era o pão nosso de cada dia, está quase toda verticalizada. A metade do Belvedere ultrapassou o pico da Serra do Curral. Mergulhamos no testemunho dos cronistas, poetas e escritores, amantes de Belo Horizonte, para lembrar a cidade planejada há pouco mais de 100 anos, que nos acolheu - hoje com mais de 2,5 milhões de habitantes - de todas as condições culturais e sociais, descendo e subindo os arranha-céus, os vales e os morros, já além dos sopés das montanhas, como se estivéssemos no maior dos redemoinhos, sem perda do nosso desmedido amor. A melhor leitura da vida urbana e humana de Belo Horizonte está em Henriqueta Lisboa, a nossa poetisa mineira, no poema “Bem-querer”, inserido, por inteiro, no final desse discurso.

            Minas, na múltipla identidade de seu perfil - somos hoje 18 milhões de mineiros, quase 900 cidades - é uma só cidade, a Cidade de Minas. A pátria que amamos, desvairadamente. Minas tem consistência e profundidade, e faz de sua apaixonante capital o espaço humano e urbano mais amado do Brasil, em suas manifestações de amor e de cultura. Em Minas, em sua luminosidade, não se distingue mais entre os que ficam e os que vão, entre os que chegam e os que saem, antes e depois das rosas. Forasteiros não há mais. Todos somos mineiros. Como se todos vivêssemos numa rua, onde todos se conhecem, onde todos nos conhecemos. Castelinho, tímido, sóbrio, perceptivo, concebeu, no meio de nós, os primeiros ensaios de sua maior glória: a reinvenção do jornalismo político no Brasil. E o que é fantástico: na volta da lua-de-mel em Paris, Castello levou Élvia para apresentá-la aos amigos de Belo Horizonte, quando penetrou, pela segunda vez, num lar mineiro. O casal hospedou-se na casa do jornalista Wilson Figueiredo, na rua Ceará, esquina com rua Santa Rita Durão. Wilson conseguiu às pressas uma cama de casal. O poeta Emílio Moura deixou logo o seu bangalô perto do Mercado Municipal em busca do colchão, que transportou no porta-malas entreaberto de seu carro, aos olhos da cidade. O casal visitou Ouro Preto, e, inebriado pela magia e a história de Minas, voltou ao Rio. A lua de mel de Castello - o perfume de Paris, o carinho de Teresina e o amor de Minas - desatou-lhe a fala, abriu-lhe os olhos, o coração, o sorriso e os braços para os seus irmãos mineiros. As montanhas nunca mais esqueceram a intimidade de Castello com a alma e o sentimento de Minas.

            A criação literária em Castelinho vem da origem familiar, das inspirações da cidade natal, ainda jovem, da leitura de romancistas brasileiros e estrangeiros, de obras indeléveis como as de Proust e de Balzac, em língua francesa. A literatura, por mais atraente que seja, exige tempo e meditação para chegar à perenidade dos leitores e críticos. Talvez, por isso mesmo, o fascinasse. A aspiração maior de Castello era o romance, que permanece, penetra o tempo e torna o seu autor acatado pela tessitura do estilo, a arte, a imaginação. O conto pode contar tudo, sucintamente. A frase curta, objetiva, a linha romanesca, quase nenhuma. Os Continhos brasileiros fizeram sucesso. Neles já despontavam as qualidades que o fizeram chegar ao romance, o Arco do triunfo, em sua maturidade. O jornalismo, porém, pelo seu dinamismo, termina vencendo o escritor ou a este sobrepondo-se, tanto mais que responde, mais rapidamente, à pressão financeira. “O jornalismo é o ápice do tempo”, como expressou o escritor argentino Jorge Luís Borges. Certo dia, no Rio, JK perguntou a Autran Dourado, seu Secretário de Imprensa na Presidência da República, que tempo levava para escrever. - Nunca menos de cinco horas para chegar a duas páginas. Castelinho escreveu Arco do triunfo, seu único romance, onde circulam personagens da vida política do Brasil. Mário de Andrade, de São Paulo, pagou a publicação de seus textos literários, quase todos, até atingir o apogeu de seus memoráveis escritos. Os livros de Castello, que endossam a sua glória, são na maioria constituídos de suas crônicas na imprensa, as quais, nos últimos anos de seu labor, eram publicadas, não apenas no Jornal do Brasil, mas também nos jornais de vários Estados. Tornaram-se o café da manhã em todo o País. Foi por aí que Castello chegou à Academia Brasileira de Letras, onde foi saudado por José Sarney, seu amigo de muitos anos.

            Castelinho, em seu discurso de posse, declarou que ali chegava como repórter. “Chego à Academia como jornalista. Foi essa condição que me deu notoriedade e abriu-me caminhos nos vossos corações. (...) Mas devo ressaltar que, em determinado momento da vida profissional, quiseram os fados que fosse o intérprete mais ostensivo de sentimentos que não se podiam, então, exprimir. A sociedade ansiava por informações; e coube-me abrir, graças ao apoio do Jornal do Brasil, um canal de mensagens cifradas mediante às quais atendia a expectativas tão amplas quanto frustradas. Sei que não trabalhei em vão, e é muito em função disso que me acolheis aqui, independentemente dos sentimentos políticos de cada qual. Eis, talvez, a razão por que um repórter chega pela primeira vez, como tal, a ocupar uma cadeira nesta Casa de expoentes da vida brasileira.”

            O acadêmico José Sarney, depois de elogiar sua obra literária, confirmou: “a verdade é que entrais na Academia como jornalista, dos maiores da nossa história, na galeria dos grandes escritores, dos que mais prestaram serviço ao País, pela coerência, pelas convicções. (...) No vosso caso, Sr. Carlos Castello Branco, o jornalismo, além de ser atividade dominante, tem uma feição especial, a do jornalismo político. E o que é o jornalismo político? É o político que fez do jornalismo a sua tribuna.”

            A verdade é que conversei com muitos contemporâneos nossos, em vários pontos do País, sobre o destino na vida intelectual de Minas. No Rio, na casa de Afonso Arinos, filho, no Botafogo, falamos, ao lado de Bia, sua esposa, sobre o amável e sóbrio convívio de Castello com os políticos, escritores, jornalistas e intelectuais. A realização dos sonhos de Afonso Arinos, filho, de chegar à Casa de Machado de Assis e de seu pai, Afonso Arinos de Melo Franco, que impulsionou e dignificou, na tribuna parlamentar, na vida partidária, nas letras e na imprensa, a história contemporânea do Brasil. Castello divergiu de Afonso Arinos, quando este se declarou ex-liberal e partidário da democracia estatizante. Afonso Arinos, filho, ressalvando a imagem de seu pai, que “já não é mais sua porque é da Nação, da História do Brasil”, acompanhou de perto a convivência de Castello com a Academia, “aonde chegou, sobretudo, pela via inconfundível do jornalismo”.

            Em São Paulo, a conversa com Sábato Magaldi, professor da USP, que conosco estudou na Faculdade de Direito de Minas e colega de Castelinho na Academia, também destacou seu acesso pelo jornalismo. Trabalharam juntos, ainda no Rio, no Diário Carioca, testemunhando a ascensão de Castello - “por vezes três a cinco manchetes suas na mesma edição”. Direi, desde logo, efusivamente, que o jornalista e escritor mineiro Humberto Werneck, em São Paulo, confiou-me, pessoalmente e por correspondência, valiosas anotações sobre conversas que tivera com Castelinho e outros escritores e jornalistas mineiros. Sua contribuição enriqueceu substancialmente este meu discurso.

            Em Brasília, na biblioteca da Câmara, conversei com o jornalista Rubem Azevedo Lima, que está ali, na nossa frente, ouvindo-nos com atenção. Disse-me do desempenho de Castello à frente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Brasília. Rubem era o seu vice-presidente e, como tal, atuava em defesa da entidade e de seus colegas de profissão, sobretudo nos tempos do regime de exceção. Conversei também com o jornalista Abdias Silva, nosso contemporâneo de sonhos no Piauí. Ele viveu uma situação bastante difícil. Fechara em Teresina o jornal O Tempo e ele ficou sem emprego. Leitor, como nós outros, de Érico Veríssimo, Abdias escreveu-lhe no Rio Grande do Sul. Érico, por essas coisas que pouco acontecem na vida, respondeu, chamando-o para trabalhar com ele em Porto Alegre. Luminosa é a história de vida de Abdias, amigo de Castello desde a adolescência até o Jornal do Brasil, em Brasília.

            Do Vice-Presidente Marco Maciel: “Democrata, a Coluna do Castello constituía a melhor prova de que as inspirações do povo pela liberdade terminariam triunfando sobre os interesses ocasionais. Seus textos claros, lúcidos e profundos, cultivados com o ornamento de sua inteligência, iluminaram sempre os caminhos da atividade política no Brasil, durante mais de 40 anos.”

            Em Belo Horizonte, afinal, o testemunho de Raul Machado Horta sobre a admiração mútua entre Castello e Milton Campos, semelhantes na honradez, na ética, na sabedoria e no sentimento da terra mineira.

            Foram muitas as conversas e as informações que recebi. Tantas seriam as leituras que eu teria que empreender. Tantos são os faxes e e-mails que estou recebendo de Minas, do Rio e de Brasília, que desisti de descrever a vida de Castello, até mesmo a vida mineira de Castello. Esta charge de Lan, que exibo, é uma visão sintética, um dos mais perfeitos traços que conheço de seu perfil, “inclusive de seus olhos grandes e belos”, como sempre recorda Élvia Lordello Castello Branco. O jornalismo de Castelinho emergia da informação e, mais ainda, da intuição, de um outro sentido. Que não existe na radicalização, nos extremos, nas incontenções. Que só existe na lógica que brota na limpidez do raciocínio, no meio dos acontecimentos e das ilações. Não buscava apenas a significação explícita, mas também algo mais profundo, aparentemente distante, verdadeiramente exato, ajustado à realidade, mas que só pode ser percebido com o olhar dos sentidos. Ele lidava com os fatos, os pressentimentos e as versões. Colocava a alma nos dedos, de onde lhe vinham as sensações e fluía o conhecimento. E daí, deste vasto mundo, retirava a inspiração maior, fluente, nítida, o raciocínio lógico. Escapava aos limites, ia além, sem o que jamais teria sido o jornalista de leitura prazerosa, porque límpida, serena, firme, mesmo nos momentos em que a sua convicção não lhe permitia enveredar-se por textos convencionais ou inexatos. O que assinava era exato, verdadeiro, no texto direto ou na interpretação que passava pela intuição, a memória viva, a imaginação, saía pela ponta dos dedos, na máquina de escrever. Tecla tudo no papel, escorreitamente, a máquina Remington e, depois, já em Brasília, a Olivetti, de quase nenhuma correção e, na finalização de seu tempo de vida, nos dias mais sofridos de sua profissão, encantou-se com o computador. Via-o em sua casa, em Brasília, suspender a nossa conversa e, nas mãos velozes, em poucos minutos, a “Coluna do Castello”, sobre assunto que nem sempre era o da nossa conversa. Jogava-se nos antagonismos, no silêncio dos olhos e da imaginação, e, de lá, saíam-lhe os textos, para se fazer entender no café da manhã. Café que tomávamos com a Coluna em mãos, os olhos cintilados e ávidos de informação e de conhecimentos. Sempre ético, desprezava a complexidade, para ver-se entendido pela legião de seus devotados leitores. O silêncio é também uma forma de buscar a invenção. De criar sem ser perturbado por si mesmo. Por dentro, Castello é ele mesmo, por inteiro, a cabeça é só criação, invenção, fluência, ritmo, síntese. Ele queria os fatos, as versões, os viéses. Castello também escrevia nas entrelinhas, sobretudo nos regimes totalitários, recorrendo a códigos, que só uns poucos do mundo político conheciam ou adivinhavam nos recônditos. O despotismo de Vargas, o golpe de 37, que o colhera já na Terra da Liberdade, a nossa Minas. A Revolução de 1964, que durou mais de 20 anos. Castello não se olha no espelho, só de relance. Nunca para admirar-se. Ele era o Carlos Castello Branco e não o espelho, que não amava. Ele era a crônica, o jornalismo a serviço da História. Castello sempre foi a inovação, o inventor, para chegar, logo depois, a reinventar do jornalismo político no Brasil. Esta a sua maior glória.

            Muito obrigado.

 

            


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/2002 - Página 1075