Discurso durante a 12ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do Governador, ex-Senador, ex-Deputado Federal e ex-Constituinte Mário Covas, falecido no dia 6 de março de 2001.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do Governador, ex-Senador, ex-Deputado Federal e ex-Constituinte Mário Covas, falecido no dia 6 de março de 2001.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/2002 - Página 1429
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, MARIO COVAS, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EX SENADOR, EX-DEPUTADO, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ramez Tebet; meu querido amigo - permita-me assim chamá-lo - Governador Geraldo Alckmin; Srªs e Srs. Senadores; amigos de Mário Covas, estamos a um ano do dia em que o inesquecível Governador Mário Covas nos deixou. Tantas fossem as manifestações em sua memória, tantos seriam os elogios que ouviríamos de antigos correligionários, admiradores e até adversários políticos. Sim, porque ao longo da História poucos são os personagens, como Covas, capazes de granjear unanimidade no reconhecimento de virtudes pessoais, ainda incomuns entre as nossas lideranças. Foram essas qualidades que o fizeram pontificar, por mais de quarenta anos, como paradigma de integridade no trato da coisa pública, de intransigente dedicação à causa da liberdade e de indiscutível fidelidade aos princípios democráticos que nunca traiu.

            Ouvimos aqui os Srs. Senadores Pedro Simon e José Serra traçando uma biografia política do homem público que foi Mário Covas. Acresceram-se citações dos Senadores Eduardo Suplicy, Jefferson Péres e Artur da Távola, que fez - este último - uma brilhante reflexão filosófica sobre a moral na política e o que representaram esses princípios para o Governador Mário Covas, encerrando com uma bela poesia.

            Mário Covas era guerreiro do bem e demonstrou sua força até o último segundo de vida. O simples fato de haver ordenado permanente e pública prestação de contas sobre sua saúde revela, de maneira cabal, como interpretava a missão recebida do povo. Era líder consciente e responsável. Queria realmente representar os liderados, sem engodos ou subterfúgios, em todas as preocupações, opiniões e ideais que eles pudessem ter. Contribuiu assim, como poucos, para legitimar e enobrecer a representação política em todos os cargos que ocupou. Daí a importância de o reverenciarmos sempre, quando menos seja, como exemplo a ser permanentemente seguido, jamais esquecido ou subestimado.

            Na década de 50, aos 26 anos de idade, dois dias após o seu casamento com Dona Lila, Mário Covas já era engenheiro da Prefeitura de Santos, sua cidade natal, em meu Estado. Em 1956, ano seguinte ao da formatura pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, recebia o batismo de fogo como representante do Poder Público. Demonstrou, então, a coragem e a competência que o acompanhariam por toda a vida. Foi no episódio que a imprensa chamou de “a queda dos morros de Santos”, uma catástrofe com centenas de vítimas.

            Como recordei na primeira homenagem póstuma desta Casa a Mário Covas, chuvas torrenciais levaram de roldão tudo o que havia nas encostas daqueles morros. Casas, prédios, ruas e praças sumiram no desastre sem precedentes naquelas paragens, onde se localiza um dos maiores portos do mundo. Quem se encontrasse no cenário de horror admirava-se ao ver aquele jovem servidor público aventurar-se em meio aos escombros, mistura de galhos e raízes de árvores destroçadas, durante a desassombrada busca aos sobreviventes. Assumira a liderança de equipes de socorro e destacava-se tanto que um dos observadores, o então Governador Jânio Quadros, resolveu apoiá-lo como candidato a prefeito santista pelo Partido Social Trabalhista (PST), cinco anos depois. Tinha início uma das mais brilhantes carreiras políticas de que se tem notícia no Brasil, nos níveis de governador, prefeito, Senador, Deputado Federal e Constituinte.

            Em 12 de dezembro de 1968, o próprio Covas incumbiu-se de sintetizar sua motivação pessoal para a coerência que o caracterizava a todo instante, mesmo na ocorrência de perturbação institucional como acontecia naquele dia - meu Governador Geraldo Alckmin - às vésperas da edição do AI-5. Era Deputado Federal e proferiu da tribuna vibrante discurso, que terminou assim:

      Creio no povo, anônimo e coletivo, com todos os seus contrastes, desde a febre criadora à mansidão paciente. Creio ser desse amálgama, dessa fusão de lamas e emoções que emana não apenas o poder, mas a própria sabedoria. E, nele crendo, não posso desacreditar de seus delegados.

      Creio na palavra, ainda quando viril ou injusta, porque acredito na força das idéias e no diálogo que é seu livre embate. Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que em instante algum possa rotular ou mascarar a tirania...

      Creio no Parlamento, ainda que com as suas demasias e fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente. Creio na liberdade, este vínculo entre o homem e a eternidade, essa condição indispensável para situar o ser à imagem e semelhança do seu criador.

            Esse era Mário Covas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é importante transformar este encontro solene em preito de gratidão dos brasileiro porque, mesmo ao manifestar seu irrestrito amor pelo Estado de São Paulo, Mário Covas sempre o fazia de maneira a canalizar no sentido de privilegiar os interesses maiores do País.

            Foi assim que, por exemplo, em março de 1999, em um momento de crise econômica nacional, usou a sua força e a do Governo paulista para combater o desemprego presente na indústria automobilística. Diminuiu em ¼ (um quarto) a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS - relativa aos automóveis nacionais, mesmo aqueles não fabricados em São Paulo, mas que ali eram comercializados. Demonstrou na prática como se pode, com boa vontade e determinação, incrementar a harmonia entre capital, trabalho e poder público.

            Seu ato exemplar coroou entendimento entre trabalhadores metalúrgicos, empresas de autopeças, montadoras e revendedoras de veículos, bem como os Governos Federal e do Estado de São Paulo. Somado à redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI - concedida pelo Governo Federal dias antes, o barateamento dos automóveis chegou a 16%. Houve incremento da demanda, reaquecimento das linhas de montagem e garantia de manutenção do nível de emprego. Entusiasmado, Mário Covas apelou de público para que o País adotasse urgentemente “uma agenda positiva” e ressaltou:

      Há desemprego crescente? Há. Vamos proclamar que ele existe, lutar contra as medidas que o acentuam, mas vamos procurar soluções alternativas que possam permitir diminuir o desemprego.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é nos momentos difíceis que o ser humano demonstra o seu caráter com inteireza. E não faltaram ocasiões desse tipo para me confirmar quem era Mário Covas. Momentos cuja lembrança ainda me causam emoção. Portanto, teria inúmeros motivos para associar-me a esta homenagem, não fosse escolhido para falar em nome do PFL. Exemplifico-os, citando o que aconteceu em 2000, durante a última campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo. Entre outros candidatos, eu disputava o cargo com o então vice-Governador Geraldo Alckimin, aqui presente, companheiro leal, digno da missão a que foi encarregado, visto que conseguiu manter toda a dignidade implantada na gestão anterior de Mário Covas.

            Em meio aos debates sucessórios, plantaram injúrias e calúnias em uma revista de circulação nacional, tudo isso na tentativa de enredar meu nome nas falcatruas atribuídas ao ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Processei os autores, mas todos sabemos como são demorados e desgastantes esses processos. E estávamos a pouco tempo da eleição.

            Governador Geraldo Alckimin, na manhã de 24 de julho, o Governador Mário Covas participava da abertura da Fenasoft, no Centro de Convenções Anhembi, em São Paulo. Não nos víamos há algum tempo. Desconhecia, portanto, seu pensamento sobre os últimos acontecimentos, entre eles o golpe sujo que eu acabara de receber. Ainda me sensibilizo ao lembrar da expressão de seu rosto quando me viu entre os convidados. Diante de jornalistas e radialistas, puxou-me pelo braço e exclamou em voz alta, para que todos pudessem ouvir e gravar: “Este é um homem de bem!”. Em seguida, levou-me a acompanhá-lo até deixar a feira. As senhoras e os senhores podem imaginar perfeitamente o que significaram para mim, naquele momento, tais gestos e palavras provindos de um homem de tamanha estatura moral.

            Desculpem a emoção, mas ainda figura na minha memória aquele gesto amável de um amigo, de um homem digno que, na minha angústia, no meu profundo sofrimento com a agressão injusta, me socorria com palavras amigas e carinhosas, em uma demonstração pública. Estas lágrimas, provavelmente, são de saudades de Mário Covas.

            Aliás, atitudes firmes e desassombradas em episódios cruciais para a vida de alguém ou das instituições fazem da história de Mário Covas quase um mito. Portanto, constitui para mim outro motivo de emoção ver-me no mesmo lugar em que sua voz elevou-se na defesa de legítimos interesses de São Paulo e do Brasil. Uma voz longitroante, avalizada em 1986 por quase sete milhões de votos, um recorde de votação na história do Senado da República.

            Dia 6 de março, calou-se esse arauto da liberdade, após se despir de todo atributo que pudesse ocultar sua essência. Três meses antes, em contato com jornalistas ao lado de Dona Lila, a companheira dedicada de tantos anos, mãe de seus três filhos, comovera o País e deflagrara uma torrente de solidariedade que levou o Brasil inteiro a torcer pelo que, antes, seria a vitória pessoal de um homem e sua família contra implacável enfermidade. Na entrevista coletiva, Covas confessou ter medo, sentir dores e chorou.

            “Afinal, se o homem não sabe chorar, qual é a forma mais digna de mostrar os sentimentos?” - disse ele. Juntou a tais palavras a expressão dos olhos, janelas da alma que sempre revelaram seu conteúdo humano por inteiro.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recordar Mário Covas causa-me orgulho por tê-lo como conterrâneo que marcou época e deixou saudades. Ao contrário de muitos vultos históricos esvaídos da memória popular, sempre estará presente graças à tenacidade no amor ao povo. Tudo o que se poderia dizer sobre a sua vida já deve ter sido dito durante as homenagens que a Nação lhe prestou. Entretanto, em boa hora, nossos ilustres pares Teotônio Vilela Filho, Maguito Vilela, Jefferson Péres, Pedro Simon e outros tomaram a iniciativa de propor esta sessão especial. Felicito-os por haverem criado esta oportunidade para reverenciarmos, mais uma vez, a memória daquele grande líder e renovarmos nossos sentimentos à sua família, de maneira especial a Dona Lila e a seus filhos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)

 

            


            Modelo111/29/243:38



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/2002 - Página 1429