Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Entrega do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, as seguintes personalidades indicadas pelo conselho: Heleieth Bongiovani Saffioli, Sra. Herilda Balduino de Souza, Deputada Luiza Erundina, Sra. Maria Berenice Dias e Sra. Isabel Lopes.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Entrega do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, as seguintes personalidades indicadas pelo conselho: Heleieth Bongiovani Saffioli, Sra. Herilda Balduino de Souza, Deputada Luiza Erundina, Sra. Maria Berenice Dias e Sra. Isabel Lopes.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2002 - Página 2137
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ENTREGA, PREMIO, HOMENAGEM, MULHER, DEFESA, DIREITOS, CIDADANIA.
  • HOMENAGEM POSTUMA, BERTHA LUTZ, BIOLOGO, ADVOGADO, DEFESA, DIREITOS, MULHER, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, TRABALHO.
  • ELOGIO, SENADO, CRIAÇÃO, PREMIO, DATA, DIA INTERNACIONAL, MULHER, DIPLOMAÇÃO, DEFESA, DIREITOS, IGUALDADE, CIDADANIA.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, AUTORIA, MARIA BERENICE, DESEMBARGADOR, AGRADECIMENTO, RECEBIMENTO, PREMIO, DIPLOMAÇÃO, MULHER, DEFESA, DIREITOS, CIDADANIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, membros do Corpo Diplomático que nos honram com a presença, autoridades militares, Presidente e membros do Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, representantes de entidades, senhoras companheiras agraciadas com o Diploma Mulher-Cidadã, ilustres convidados e convidadas, senhoras e senhores, no Parlamento são raros os momentos de celebração. Este é um território de grandes batalhas em que, não raro, são poucas as vitórias. Momentos como este são importantes. Reafirmam avanços que, heroicamente, vimos obtendo no decorrer da história. É com esse espírito de celebração que saúdo a todas as pessoas presentes nesta primeira sessão solene do Senado Federal para entrega do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz.

            Instituído pela Resolução nº 02, de 2001, esse prêmio objetiva agraciar brasileiras que tenham contribuído de maneira relevante na defesa da mulher e nas questões de gênero. Em 1998, quando tomamos a iniciativa de apresentar essa proposição a esta Casa, partimos da constatação de que o Senado Federal, por sua posição relevante no cenário político brasileiro, não podia permanecer distante das ações e iniciativas de afirmação da igualdade, particularmente as que fortalecem a construção da cidadania. E existem muitas neste País.

            Tenho a convicção, Sr. Presidente, de que o diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz não é apenas mais uma iniciativa. Trata-se da primeira ação concreta da história do Senado Federal, que exige o seu olhar mais apurado na direção do compromisso de valorizar as conquistas e as vitórias das mulheres do Brasil pela ocupação de mais espaços institucionais.

            O diploma será conferido anualmente a cinco mulheres brasileiras indicadas até 1º de novembro do ano anterior por entidades relacionadas à promoção e valorização da mulher. No ano passado, mais de mil entidades foram comunicadas do evento e muitas se manifestaram.

            Para proceder à apreciação das indicações e à escolha das agraciadas, é constituído um conselho composto por representantes de todos os partidos políticos com assento nesta Casa. As indicações para o ano 2003, portanto, já podem ser encaminhadas à Mesa do Senado Federal.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Senado, juntamente com as colegas Senadoras Heloísa Helena, Maria do Carmo Alves, Marina Silva e Marluce Pinto, fazemos parte de uma era em que, finalmente, a mulher se vê representada na Câmara Alta, apesar do reduzido percentual de apenas 7% de mulheres no número total de parlamentares no Congresso.

            O Senado conta, nesta Legislatura, com uma das parlamentares pioneiras no Congresso, a Senadora Marluce Pinto, de Roraima, que, juntamente, com a Senadora Junia Marise, de Minas Gerais, foram as duas primeiras Senadoras eleitas no Brasil. Mesmo não sendo nós as primeiras, penso que a nossa participação se dá num momento de consolidação da presença feminina no poder político formal.

            Ao construir a proposta desse diploma, tive a inspiração de eleger como símbolo dessa consolidação a mulher-cidadã Bertha Lutz. Advogada e bióloga, que se diplomou num tempo no qual a mulher não tinha outra opção além de tornar-se dona de casa e gerar numerosa prole. O pioneirismo de Bertha Lutz, no alvorecer da segunda década do século XX, inspira-nos, ainda, a prosseguir no caminho de afirmação da luta da mulher.

            A paulistana Bertha Lutz, nascida em agosto de 1894, foi uma mulher muito à frente do seu tempo, um tempo de nefasta opressão que, além de negar acesso às instâncias formais de poder, reprimia de maneira terrível todas aquelas mulheres que tentassem romper as barreiras impostas por uma sociedade marcada por valores machistas.

            Bióloga e advogada, com a luz que lhe era própria, malgrado ser filha do ilustre cientista Adolfo Lutz, não se deixou prender pelas amarras de seu tempo, superando as mais intransponíveis barreiras impostas às mulheres da época: a barreira do conhecimento e da participação.

            Em 1918, aos 24 anos de idade, no início de sua carreira de bióloga, teve a coragem de denunciar na Revista da Semana toda a odiosa discriminação que impunha à mulher e, bravamente, começou sua campanha para fundar a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, o que se concretizou em 1919.

            Em 1922, com sua liderança, participou ativamente da fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e realizou, no Rio de Janeiro, o primeiro Congresso Feminino Brasileiro.

            O seu Diploma de Ciências Naturais, Botânica, Zoologia, Embriologia, Química e Biologia, obtido na prestigiosa Sorbonne, e o seu Diploma em Ciências Jurídicas, duas áreas distintas do saber, terão sido a sua maneira de demonstrar o quanto uma mulher pode ser competente em searas até, então, reservadas ao domínio masculino. Em um País que até que não superou o patriarcado na Administração Pública, ela foi a segunda mulher a entrar para o Serviço Público, em 1919, fazendo-o por concurso. Como cientista, Bertha nos legou importante produção literária, tanto na atuação no Instituto Oswaldo Cruz, quanto como jurista; não só publicou obras de Biologia e Ciências Naturais, como também deixou obras sobre o Direito Internacional Privado. Mas foi como militante dos direitos femininos que ela mais se destacou, legando uma tradição de luta que honra a todos e a todas que anseiam por um Brasil da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

            Por meio das diversas associações que fundou e nas quais militou, Bertha travou uma luta incansável para que as mulheres conquistassem espaço nos domínios formais de poder. E o principal desses espaços é o da política, passando por muitos outros. Em 1919, ao fundar a Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, a nossa homenageada estava plantando uma semente cujos frutos podemos colher hoje. Aí está, por exemplo, a Lei de Quotas para as mulheres, que obriga os políticos a terem, pelo menos, 30% de mulheres candidatas.

            Não imaginava ela que decorreria quase um século para chegarmos a um patamar como este.

            Bertha aliava a capacidade sonhar, a determinação e a coragem com a iniciativa para ações concretas, chegando a assumir as funções mais simples de militante, como, por exemplo, o trabalho de panfletagem.

            Nesse sentido, Sr. Presidente, é importante citar aqui o registro feito na edição do jornal Folha da Manhã, do Rio de Janeiro, em 12 de maio de 1928, sob o título: “Aeroplano como veículo de propaganda”. Dizia a matéria:

      O feminismo continua a sua propaganda. Hoje, a cidade assistiu a um interessante e inédito acontecimento. Distintas senhoras, que fazem parte do proeminente da diretoria da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino voaram sobre a cidade em aeroplano, distribuindo cartões postais e manifestos de propaganda do voto feminino. Foram as senhoras Bertha Lutz, sua brilhante Presidente, D. Maria Amália Bastos, primeira-secretária, e Drª Carmem Veloso Portinho, a tesoureira.

            Por isso que ela merece a nossa admiração. Bertha Lutz nos mostrou que, se não nada mais funesto do que alguém se atrelar à realidade, também devemos ignorá-la, à guisa de permanecermos apegadas a um mero discurso teórico. Justamente quando a realidade nos é mais adversa é que ganhamos forças para enfrentá-la.

            Seu trabalho incansável pelo então denominado progresso feminino resultou, finalmente, em 1932, no direito de voto da mulher. Conquista das mulheres que este ano completa 70 anos.

            Bertha, ao ocupar a cadeira de Deputada, em 1936, viu, afinal, a oportunidade de lutar no Parlamento pelas causas que sempre se empenhara fora dele. A dissolução do Legislativo, em 1937, não afastou Bertha de prosseguir na luta até falecer, em 1976.

            Em sua longa militância, participou de inúmeros congressos e conferências mundiais. Foi membro e diretora de uma infinidade de entidades políticas e científicas. Cabe ressaltar alguns aspectos importantes da atuação de Bertha Lutz no âmbito das relações internacionais. Em 1919, ela representou o Brasil no Conselho Internacional do Trabalho, OIT. Em 1944, representou o Brasil na Conferência Internacional do Trabalho em Filadélfia, como membro da Comissão de Assuntos Femininos. Em 1945, foi delegada plenipotenciária do Brasil junto à Conferência de São Francisco. Em 1951, foi premiada com o título de “Mulher das Américas”. Em 1952, foi representante do Brasil na Comissão de Estatutos da Mulher das Nações Unidas. Em 1953, foi eleita delegada do Brasil junto à Comissão Interamericana de Mulheres da União Panamericana de Repúblicas. Em 1975, integrou a delegação do Brasil na Primeira Conferência Internacional da Mulher, no âmbito das Nações Unidas.

            E entre as várias entidades internacionais das quais foi membro, destacamos a Aliança Internacional pelo Sufrágio Feminino e pela Igualdade Política dos Sexos, em Londres; Sociedade Internacional de Mulheres Geógrafas, em Washington; a Comissão Feminina Consultiva do Trabalho da Mulher; Sociedades das Nações, em Genebra e o Museu Americano da História Natural, em Nova Iorque.

            Perguntamos, ilustres convidados e convidadas, pessoas que nos assistem: terá feito tudo isso para sua glória? Certamente não. Toda a sua luta tinha como objetivo a afirmação da mulher nos cenários econômico e político do País. Por isso, lamentamos que sua morte, em 16 de setembro de 1976, a tenha encontrado solitária e reclusa.

            Portanto, Sr. Presidente, é justamente para resgatar seu exemplo que propusemos a concessão deste Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz. Ela merece ser o símbolo da nossa luta pela conquista dos direitos femininos.

            Sr. Presidente, Senhoras e Senhores a quantas andam as conquistas, hoje, em pleno século XXI, quase 100 anos após o início da luta de Bertha? Um breve balanço nos permite comemorar uma série de conquistas, mas o nosso senso de justiça nos faz reconhecer que ainda há muito para ser feito. Se conseguimos consignar importantes conquistas legais, por ocasião da Constituição de 1988, ainda resta muito a fazer para concretizar aqueles direitos.

            As mulheres representam a maioria do eleitorado, 55 milhões de eleitoras nas eleições de 2000. A presença feminina nas câmaras municipais e nas prefeituras confirma um crescimento, após o estabelecimento da Lei de Cotas. No Congresso Nacional, porém, somos apenas 7%. Mas, mesmo assim, acreditamos que a situação pode e tem de mudar nos cenários municipal, estadual e federal; público e privado.

            Portanto, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, ilustres homenageadas, povo brasileiro, a partir de hoje, este evento, no Senado, se torna realidade. Fato inédito e meritório: o Senado Federal, a partir do início do século XXI, inclui, entre suas atribuições, conceder anualmente, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, o Diploma-Mulher Cidadã Bertha Lutz.

            Compartilho com todas as mulheres brasileiras a satisfação que temos tido com a repercussão dessa premiação. Dezenas de instituições indicaram candidatas ao título, numa demonstração do reconhecimento desse tipo de premiação.

            Da lista de indicações, constam nomes de militantes da intelectualidade à simplicidade das mulheres do povo; dos movimentos populares de defesa da cidadania à educação e à política, enfim, uma ampla gama de atividades em que as mulheres se destacam em sua atuação cotidiana.

            De agora em diante, uma nova e sublime exigência para esta Casa Legislativa: observar a sociedade brasileira com novo olhar, um olhar especial para as mais de 82 milhões de mulheres brasileiras, um olhar de reconhecimento e de homenagem.

            Simbolicamente, ao destacar cinco mulheres, estamos abraçando e aplaudindo todas aquelas que, anônimas e vitoriosas, estão transformando a vida, a cultura, a educação, a arte, a economia e a política do nosso País.

            Ao concluir, Sr. Presidente, quero ressaltar a importante colaboração e o qualificado desempenho dos demais membros do Conselho, que tinha a responsabilidade de determinar as premiadas do Diploma Bertha Lutz. Este Conselho teve a responsabilidade da significante, porém árdua, tarefa de, juntamente com esta Senadora, chegar a uma definição das cinco homenageadas entre as tantas e merecedoras indicadas. Aos Senadores Ademir Andrade, Carlos Patrocínio, José Alencar, Ricardo Santos e às Senadoras Maria do Carmo e Marluce Pinto, na qualidade de Presidente do Conselho, meus sinceros agradecimentos.

            Senhoras e Senhores, as agraciadas com o Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz pelo Senado Federal, como já foi anunciado pelo Sr. Presidente, são Heleieth Iara Bongiovani Saffioti; Herilda Balduíno de Souza, Deputada Luiza Erundina, Maria Berenice Dias, Maria Isabel Lopes.

            Um pouco da vida, da vitória, das experiências, dos obstáculos, da força e do trabalho de cada uma delas, das nossas homenageadas, será aqui relatado pelos nossos colegas integrantes do Conselho.

            Enfim, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, não posso deixar de registrar a emoção e o orgulho de estar aqui, juntamente com todas essas pessoas que nos honram com a sua presença, sendo protagonista deste momento histórico do Senado da República.

            As homenageadas, com o nosso abraço, com o nosso carinho, recebam a satisfação da cumplicidade na inestimável luta que heroicamente sustentamos para construir a igualdade na diferença, com direitos iguais.

            Peço ainda, Sr. Presidente, que considere, para fins de registro nos Anais da Casa, a manifestação que recebemos da Desembargadora Maria Berenice Dias, uma das cinco homenageadas, como forma de reconhecimento. Manifestou-se por escrito, tendo em vista que, regimentalmente, não pode usar da palavra.

            Pedimos que seja anexada a sua manifestação ao nosso pronunciamento, para posterior divulgação nos Anais desta Casa.

            Muito obrigada.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA EMILIA FERNANDES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Manifestação da Desembargadora Maria Berenice Dias por ocasião da outorga do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz pelo Senado Federal, no dia 13 de março de 2002, no plenário do Senado Federal, em Brasília.


            Modelo17/18/242:27



Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2002 - Página 2137