Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SR. LUIZ CARLOS BARBOSA LESSA, OCORRIDO EM 11 DE MARÇO DO CORRENTE, NA CIDADE DE CAMAQUÃ, NO RIO GRANDE DO SUL.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SR. LUIZ CARLOS BARBOSA LESSA, OCORRIDO EM 11 DE MARÇO DO CORRENTE, NA CIDADE DE CAMAQUÃ, NO RIO GRANDE DO SUL.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/2002 - Página 2068
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LUIZ CARLOS BARBOSA LESSA, HISTORIADOR, JORNALISTA, ESCRITOR, POETA, MUSICO, ADVOGADO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELOGIO, VIDA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, DEFESA, CULTURA.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Para encaminhar a votação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, tenho certeza que as minhas homenagens refletem o sentimento do povo do Rio Grande do Sul e, em especial, dos Senadores da nossa Bancada gaúcha.

É com pesar que faço esta homenagem póstuma ao historiador, jornalista, poeta, músico, escritor, tradicionalista, nativista, folclorista e advogado gaúcho Luiz Carlos Barbosa Lessa, falecido na última segunda-feira, 11 de março.

Barbosa Lessa, dono de mente e obra sem iguais, morreu aos 72 anos de idade, em Camaquã (RS), vítima de câncer de pulmão. Passo agora a relembrar um pouco da história desse ilustre brasileiro.

            Nascido em 13 de dezembro de 1929, em uma chácara nas imediações da histórica Vila de Piratini, capital Farroupilha, Barbosa Lessa aprendeu as primeiras letras e as quatro operações matemáticas com a própria mãe, devido às dificuldades financeiras para cursar uma escola regular. Ao transmutar-se em professora, a mãe ensinou-lhe também teoria musical, um pouco de piano e a novidade da época: a datilografia.

O esmero dessa educação familiar produziu como resultado um adolescente inquieto e criativo, que, aos 12 anos, no Ginásio de Pelotas, fundou o jornal O Gonzagueano, para divulgar contos regionais ou de fundo histórico, além de criar um conjunto musical batizado “Os Minuanos” - mesmo nome de uma das velhas tribos indígenas do Rio Grande do Sul -, que também prezava pelo regionalismo.

Barbosa Lessa freqüentou o segundo grau no tradicional Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Ali, aos 16 anos de idade, ele já colaborava com uma das principais revistas brasileiras de cultura da época - a Província de São Pedro - e obteve seu primeiro emprego como revisor e repórter da Revista do Globo.

Um ano depois, munido de um caderno de aula para coletar assinatura de outros jovens que se interessavam pelo assunto, participou da 1ª Ronda Crioula/Semana Farroupilha e fundou o primeiro Centro de Tradições Gaúchas - CTG, o “35”.

            Nessa agremiação, retomou a paixão pela música regional e passou a criar suas primeiras canções como a toada “Negrinho do Pastoreio”, hoje um clássico da música regional do nosso Estado. Para quem não conhece a canção, registro que ela é inspirada na lenda do jovem escravo que, ao perder a tropilha de cavalos do patrão, acende uma vela para a madrinha, Nossa Senhora, que encontra os animais perdidos. Diz a lenda que, quando se perde alguma coisa, basta acender uma vela e pedir ao Negrinho auxílio para encontrá-la. Na versão de Barbosa Lessa, a história é contada do ponto de vista do homem do campo que precisa ir para a cidade e pede ao Negrinho o reencontro com suas origens, como fica reforçado nos versos: "...Peço que devolvas a querência que perdi. Traz a mim o meu rincão. Quero ver o meu pago, respirando a liberdade que perdi naquele dia que me embrenhei na cidade."

Srªs e Srs. Senadores, entre os anos de 1950 e 1952, já formado bacharel pela Faculdade de Direito de Porto Alegre, Barbosa Lessa realizou o levantamento de resquícios de dança regional e produziu a recriação de danças tradicionalistas. Os resultados dessa pesquisa, feita em conjunto com o amigo Paixão Côrtes, ilustre figura gaúcha, foram a publicação do livro didático Manual de Danças Gaúchas e o lançamento do terceiro long-playing produzido no Brasil: “Danças Gaúchas”, gravado pela cantora paulista Inezita Barroso.

            Foi por iniciativa desse homem ímpar que se realizou, em 1954, na cidade de Santa Maria, o primeiro Congresso Tradicionalista do Rio Grande do Sul. Nessa oportunidade, apresentou e viu aprovada a sua tese de base sociológica “O Sentimento e o Valor do Tradicionalismo”, definidora dos objetivos desse movimento, sendo conselheiro honorário do Movimento Tradicionalista Brasileiro até o fim da vida.

Em 1956, Barbosa Lessa montou um grupo de teatro para a apresentação de sua comédia musical Não te assusta, Zacaria!, que divulgou as danças e os costumes gauchescos por todas as regiões do Rio Grande, em Curitiba e em São Paulo. Na capital paulista, também envolveu-se em produções para rádio, televisão, teatro e cinema, detendo-se, por fim, na área de propaganda e relações públicas.

Barbosa Lessa retornou a Porto Alegre em 1974, já como especialista em Comunicação Social. Foi Secretário Estadual de Cultura e idealizou um centro oficial de cultura acadêmica, que veio a pré-inaugurar, em 1983, a Casa de Cultura Mário Quintana.

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, lembrar Barbosa Lessa é reviver a criança que sonhava em ser peão de esteio, mas teve o sonho abortado pelo pai, que lhe exigiu um diploma. É recordar um homem de inteligência sem igual, que não se contentou meramente em cumprir um desejo paterno, mas foi além, produzindo, ao longo de 50 anos de vida profissional, 61 livros, peças de teatro, músicas e textos jornalísticos. É homenagear um brasileiro amante da cultura, que foi patrono da 46ª Feira do Livro de Porto Alegre, no ano de 2000, e foi premiado pela Academia Brasileira de Letras, em reconhecimento à excelência do romance Os Guaxos.

            Até a sua morte, Barbosa Lessa mantinha no Município de Camaquã, interior do Rio Grande do Sul, onde residia com a sua esposa Nilza, uma pequena reserva ecológica, dedicada à produção artesanal de erva-mate e plantas medicinais.

Além de Nilza, Barbosa Lessa deixa saudosos os filhos Guilherme e Valéria. A todos da família, a seus amigos e parentes, o meu abraço solidário.

Deixa também uma sensação de orfandade no Brasil e, em especial, no Rio Grande. Todos nós, gaúchos e brasileiros, devemos muito a Barbosa Lessa. Mesmo os que não estão familiarizados com o valor e a importância do nativismo e do tradicionalismo não podem ficar indiferentes a sua contribuição artística e cultural.

O Brasil perde um de seus grandes expoentes intelectuais; o Rio Grande, um filho zeloso e bravo defensor de sua tradição e de seus valores. Despeço-me aqui, simbolicamente, do homem Barbosa Lessa, mas a memória e a obra desse historiador, jornalista, poeta, músico, escritor, tradicionalista, nativista, folclorista e advogado devem ser preservadas para a posteridade e permanecer como inspiração para todos nós.

Concluo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recitando os versos da música Negrinho do Pastoreio, de autoria de Luiz Carlos Barbosa Lessa:

“Negrinho do Pastoreio

Acendo essa vela para ti

E peço que me devolvas

A querência que perdi

Negrinho do Pastoreio

Traz a mim o meu rincão

Eu te acendo essa velinha

Nela está meu coração

Quero ver o meu pago

Coloreado de pitanga

Quero ver a gauchinha

Brincando na água da sanga

Quero trotear nas coxilhas

Respirando a liberdade

Que eu perdi naquela dia

Que me embrenhei na cidade

Negrinho do Pastoreio

Traz a mim o meu rincão

A velinha está queimando

Aquecendo a tradição”.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é a homenagem de quem está longe do pago e, saudosamente, reconhece e valoriza aqueles que ajudam e ajudaram a construir a história do nosso Estado, o Rio Grande do Sul.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/2002 - Página 2068