Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Prejuízos econômicos e ecológicos gerados a partir da exploração ilegal da biodiversidade na região Amazônica.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Prejuízos econômicos e ecológicos gerados a partir da exploração ilegal da biodiversidade na região Amazônica.
Aparteantes
Gilvam Borges, Luiz Otavio, Mozarildo Cavalcanti, Pedro Simon, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2002 - Página 2269
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, INTERESSE, AMBITO INTERNACIONAL, RIQUEZAS, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA, DENUNCIA, CONTRABANDO, FAVORECIMENTO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, EMPRESA MULTINACIONAL, CRITICA, PAIS INDUSTRIALIZADO, PATENTE DE INVENÇÃO, MEDICAMENTOS, SUPERIORIDADE, LUCRO, AUSENCIA, PAGAMENTO, ROYALTIES, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, há muito que aspirava discorrer sobre um problema que afeta não apenas a população brasileira, mas a mundial. Trata-se da preservação da Amazônia em seu aspecto mais objetivamente apreciável, ou seja, sua incomensurável biodiversidade, por cuja riqueza os estrangeiros não escondem obsessivo interesse.

            Não por acaso a biopirataria parece consolidar-se como prática corriqueira na região. Por meio dela, norte-americanos, franceses, ingleses e outros nobres senhores da indústria farmacológica do Primeiro Mundo saqueiam plantas, raízes, madeiras e animais da forma mais acintosa e desprezível.

            Mais perverso que isso: multinacionais sediadas nos países centrais simplesmente apossam-se dos recursos da Amazônia para, logo depois, reivindicarem autoridade exclusiva pela patente requerida. Isso, naturalmente, pressupõe a estruturação de um círculo vicioso extremamente predatório para o Brasil, pois das patentes conquistadas os agentes multinacionais passam a extrair lucros altíssimos quando revendidas para os próprios brasileiros.

            Vamos por partes. O Brasil é considerado o país de maior diversidade de vida do planeta, o que o torna alvo de cobiça internacional e de infindáveis discussões sobre a forma de utilização econômica desses recursos. Com o expressivo desenvolvimento da biotecnologia nos últimos anos, a importância da biodiversidade tem sido crescentemente reconhecida e há, no cenário internacional, a percepção de que, quanto mais diversidade de vida possui um país, maior variedade e qualidade de produtos poderá desenvolver, principalmente em termos farmacológicos.

            Pois bem, a crescente demanda por produtos químicos e farmacêuticos recrudesceu o interesse sobre a biodiversidade existente nas áreas sivestres pouco ou ainda não exploradas, como no caso da Amazônia. Prevalece, na indústria farmacêutica, o entendimento de que a cura de milhares de enfermidades humanas pode estar nos produtos extraídos dos recursos naturais biológicos das florestas tropicais, para a atenção dos quais, portanto, o mundo dirige, em nossa contemporaneidade, seu cobiçoso olhar.

            Nesse contexto, diversos estudos amplamente divulgados na imprensa estimam que cerca de 25% dos medicamentos existentes foram elaborados com ingredientes ativos extraídos de espécies vegetais de florestas tropicais, ainda que menos de 1% das plantas tropicais tenham tido seus possíveis usos investigados.

            Na agricultura, a biotecnologia tem-se destacado cada vez mais, conseguindo notáveis sucessos na reprodução tanto de plantas quanto na melhoria de produção animal, com importantíssima colaboração de genes de plantas e animais.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Concedo ao Senador Mozarildo Cavalcanti o aparte que me solicita, com a segurança de que estarei falando com um político da Amazônia daqueles que mais entendem deste problema e também daqueles que mais se preocupam com essa invasão diária, permanente, iterativa, da região brasileira.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Senador Edison Lobão, inicialmente quero agradecer as palavras elogiosas e cumprimentar V. Exª pelo tema abordado, que, na verdade, vem sendo discutido há muito tempo, tanto na Câmara quanto no Senado. No ano passado, por exemplo, tive oportunidade de trazer aqui um exemplar da revista Superinteressante em que havia uma reportagem muito longa sobre diversos produtos tanto da fauna quando da flora, quer dizer, da nossa biodiversidade, já patenteados pelos Estados Unidos e por países da Europa. E V. Exª, trazendo esse assunto à discussão, realmente reacende o debate com o conhecimento de um Parlamentar que tem uma experiência vasta, que é um amazônida também. Portanto, gostaria que nós, do Senado, tivéssemos muito mais empenho nisso. Presido a CPI das ONGs, mas creio que também deveria ser instituída a CPI da Biopirataria, que chegou a ser requerida e aprovada aqui no Senado, para apurar minuciosamente essa questão. Não se trata mais de uma hipótese ou de uma paranóia, como dizem alguns setores que defendem o outro lado, ou seja, as grandes corporações farmacêuticas e outras áreas da indústria. Então, parabenizo-o pela oportunidade do pronunciamento, que reacende o debate. E sugiro a V. Exª que retome a questão da CPI da Biopirataria, que, apesar de aprovada, infelizmente não foi instalada, porque os Partidos não indicaram os membros. Conseqüentemente, a CPI extinguiu-se, por força do Regimento. Portanto, meus parabéns, Senador Edison Lobão! Esse tema precisa, sim, ser muito abordado, pois diz respeito ao nosso patrimônio. Não é possível que hoje, 500 anos depois do descobrimento do Brasil, continuemos sendo saqueados pelos mesmos colonizadores europeus e pelos mais novos, os norte-americanos.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador Mozarildo Cavalcanti, tenho acompanhado a participação de V. Exª nos debates que ocorrem nesta Casa em torno dessa matéria, fundamental para todos os brasileiros. Sei do patriotismo de V. Exª, do seu espírito público e do seu conhecimento dessa matéria, porque a ela se entregou com afinco e com interesse, visando a ajudar a Nação brasileira. Poucos conhecem portanto tanto este problema quanto V. Exª. Agradeço-lhe, portanto, pela sua participação neste meu modesto discurso.

            O Sr. Luiz Otávio (Bloco/PPB - PA) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Edison Lobão?

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Concedo o aparte a V. Exª.

            O Sr. Luiz Otávio (Bloco/PPB - PA) - Senador Edison Lobão, nesta manhã, V. Exª traz, para discussão nesta Casa, uma matéria da maior importância para o País e para o mundo. A Amazônia representa para o Brasil e para o mundo todo uma reserva de recursos naturais. E os habitantes daquela região, que têm enfrentado dificuldades ao longo de muitos anos, de séculos até, demonstram a sua competência e capacidade de sobreviver durante todo esse tempo. Portanto, trazer para discussão, no Senado Federal, essas questões que envolvem a Amazônia e o mundo, relativas à exploração dos nossos recursos naturais pela indústria farmacêutica, demonstra a capacidade de V. Exª de não somente divulgar, mas de discutir os problemas da Amazônia - principalmente agora, quando o projeto Calha Norte dará condições para a interiorização e a participação do ribeirinho da Amazônia na vida do nosso País. O Ministério do Planejamento tem sistematicamente dificultado a liberação de recursos para o Calha Norte, apesar da grande necessidade brasileira de segurança na região. Na semana passada, por exemplo, o Exército brasileiro entrou em conflito com as Farc. Houve até guerrilheiros colombianos abatidos. É de conhecimento de todo o público a dificuldade que temos na nossa região com a falta de recursos. Não se justifica, portanto, gastarem-se R$300 milhões para a construção de um quilômetro de metrô e não termos recursos para pavimentar a Santarém--Cuiabá. É inegável que precisa ser feita a integração da Amazônia com o resto do Brasil e do mundo. Portanto, meus parabéns, minha solidariedade e minha ajuda naquilo que for necessário para que seu pronunciamento de hoje possa repercutir no Brasil e no mundo. Muito obrigado.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - V. Exª, que representa o Pará, um dos maiores Estados do País e que integra a nossa Amazônia, tem toda a legitimidade para fazer uma incursão nesta questão, que não é de interesse apenas dos amazônidas, mas, sim, de toda a Nação brasileira.

            Sr. Presidente, como eu dizia, a partir da percepção do aumento do valor econômico da matéria-prima para a indústria biotecnológica, a diversidade biológica passou a receber mais atenção dos países dela detentores, fazendo com que se busquem, no âmbito dessas nações e nas instituições internacionais, regras para a exploração dos recursos naturais biológicos, para cuja atividade se concedeu o nome de bioprospecção.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, em geral, e os cinco milhões de quilômetros quadrados da Amazônia, em particular, são o alvo natural para a ação, legal ou ilegal, de empresas de bioprospecção. Apesar de cobrir apenas 6% da superfície da terra, as florestas tropicais úmidas concentram mais da metade das espécies vivas. Das 240 mil espécies de plantas com flores, 150 mil estão nos trópicos. Dessas, 55 mil estão no Brasil, muitas de forma exclusiva. Além disso, a Floresta Amazônica abriga 24% das espécies de primatas, 23% dos anfíbios, 30% de todas as plantas superiores e mais de 300 espécies de mamíferos, duas mil espécies de peixes e 2,5 milhões de artrópodes.

            Contra a preservação de todo esse inventário natural de nossa mais robusta floresta, a biopirataria conspira diária e implacavelmente. A compreensão global sobre o elevado potencial da biodiversidade nacional, a grande extensão territorial brasileira, a falta de recursos para fiscalizá-la, a escassez de recursos naturais no restante do mundo, aliadas à falta de conscientização, em nosso País, da importância estratégica desses recursos, tudo isso está facilitando o comércio ilegal de nossa biodiversidade.

            O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Com muito prazer, Senador Gilvam Borges.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Senador Edison Lobão, depois gostaria de fazer um aparte ao seu pronunciamento.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Em seguida ouvirei V. Exª, e, depois, o Senador pelo Rio Grande do Sul.

            O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Senador Edison Lobão, V. Exª traz à tribuna desta Casa um tema estratégico, importante e decisivo para a integração nacional. Discutir a Amazônia é discutir a complexidade de toda a sua potencialidade econômica. V. Exª é um dos oradores que sempre impressionam os seus pares pelo banho de sabedoria e por articular muito bem os verbos. V. Exª, com consistência e sabedoria, que fazem o seu perfil, e com equilíbrio, faz uma avaliação preciosa e chama a atenção da Nação justamente para os investimentos que se fazem necessários na Amazônia, não somente no Calha Norte, mas no banco de riquezas biológicas, da flora e da fauna, e no potencial hídrico da Amazônia. Sinto-me muito feliz e honrado por ouvir o seu pronunciamento. V. Exª é um dos poucos homens hoje, a exemplo do Senador Bernardo Cabral e outros, que têm a sutileza, a elegância e o trato do verbo. São os velhos tribunos que nós mais jovens sempre reverenciamos. V. Exª aborda um tema muito importante para o País, pois a nossa região amazônica realmente precisa de investimentos estratégicos. Portanto, parabenizo-o pelo seu pronunciamento e registro a nossa admiração por V. Exª. Toda a Amazônia e o Estado do Amapá regozijam-se quando V. Exª está na tribuna defendendo um tema caro à nossa região. Muito obrigado.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador Gilvam Borges, agradeço a V. Exª pelas palavras, que tanto enriquecem o meu discurso, e também pela generosidade dos encômios, que seguramente não mereço, mas que fazem uma massagem na alma e no ego deste conterrâneo de V. Exª da região amazônica.

            Ouço o eminente Senador Romero Jucá.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Meu caro Senador Edison Lobão, discordo do seu último comentário, pois concordo com o Senador Gilvam Borges. Qualquer homenagem a V. Exª é pouco, haja vista o trabalho, a história, o passado, o presente e, com certeza, o futuro de contribuições que V. Exª ainda dará ao País. Louvo o seu discurso e reconheço que esse é um tema fundamental para o futuro do Brasil. Talvez um dos grandes desafios do País neste século seja exatamente saber utilizar a biodiversidade e o potencial da Amazônia, do cerrado e de algumas áreas do Nordeste, com tecnologia, responsabilidade, manutenção do meio ambiente e respeito às populações indígenas. É preciso dar outra orientação a essa riqueza hoje existente que, infelizmente, não é partilhada da forma como deveria ser para melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro. O discurso e o alerta de V. Exª são fundamentais. Trata-se de um dos chamamentos para o nosso século. Avançamos bastante na discussão da Amazônia. O Governo brasileiro está implantando o Sivam. O Projeto Calha Norte, iniciado com o Presidente José Sarney, foi um passo importante para a região também, mas ainda há muito a ser feito. Sem dúvida nenhuma, a cobrança e o alerta de V. Exª são fundamentais para que continuemos numa direção que possa elevar o Brasil e melhorar a condição de vida do povo das regiões citadas por V. Exª.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador Romero Jucá, os nossos antepassados lutaram para manter a integridade do território brasileiro e as suas riquezas, e nós, desta geração, não podemos negligenciar aquilo que hoje nos pertence e que nos foi legado pelos nossos antepassados.

            Muito obrigado pelo aparte de V. Exª.

            Ouço o Senador Pedro Simon.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Felicito V. Exª pela importância do assunto que o leva à tribuna. O pronunciamento de V. Exª é importante e brilhante, e outros pronunciamentos foram feitos por V. Exª e por outros Parlamentares, mas não conseguimos comover o Senado Federal para fazer algo objetivo e real em defesa da Amazônia. Estamos apenas assistindo. E o Senado Federal tem a responsabilidade de debater, de analisar, de tomar providências. Parece-me, nobre Senador, que, afora o problema dos milhões de brasileiros que passam fome e que mereciam uma atenção imediata, para evitar que morressem à míngua, a grande preocupação deste País chama-se Amazônia. Estamos perdendo a Amazônia. O atual Presidente americano, George W. Bush, num debate com seu antagonista, às vésperas de se eleger Presidente da República, disse com todas as letras que o Brasil pode pagar sua dívida externa, trocando a Amazônia. Os americanos defendem isso escandalosamente. Existem mapas nas faculdades, nas escolas americanas que mostram a América do Sul e o Brasil sem a Amazônia; que mostram toda a região da Amazônia como uma espécie de território internacional. O Primeiro-Ministro da Inglaterra diz com todas as letras que a Amazônia deve ser internacionalizada. O Presidente François Miterrand também o dizia, e o atual Presidente francês repete. A idéia está num crescendo tal que, se os americanos entrarem aqui e tomarem qualquer tipo de providência, o mundo baterá palmas, achando que é realmente importante que os americanos, os salvadores da humanidade, transformem a Amazônia, que os brasileiros estão explorando tão cruelmente, em Patrimônio da Humanidade. E nós, o que fazemos, Senador? Reconheço o mérito do Presidente Sarney nisso. Participei, como Ministro da Agricultura, da Comissão do General Denis, Chefe da Casa Militar, que coordenou o Projeto Calha Norte e que o lançou. Trata-se de um grande projeto, que visava exatamente colocar nos pontos estratégicos das fronteiras da Amazônia não um quartel, mas um quartel núcleo de uma nova cidade. A proposta era essa. Os Ministérios da Agricultura, da Saúde, das Obras Públicas, da Educação servissem de aporte a uma nova cidade. Como aconteceu em São Gabriel da Cachoeira e em outros lugares onde se construiu essa unidade, atrás da obra vem uma região de desenvolvimento. Mas, lamentavelmente, desde que saiu o Presidente José Sarney até hoje, o projeto parou. O Calha Norte escancarou-se. E o mais sério ainda é que não vejo reação do Governo Brasileiro nem do Congresso Nacional. Sinto que fazemos um discurso bonito, mas não tomamos uma medida prática e objetiva em defesa da Amazônia. E, quanto a isso, considero-me responsável, com todo o Congresso Nacional. Creio que a defesa da Amazônia deveria ser uma questão de honra para todos nós. Fui e sou favorável, Senador, à fixação dos índios, à delimitação das terras indígenas, desde que não estejam localizadas em região de fronteira. Quando o Ministro Passarinho assentou os indígenas nacionais na região da fronteira e, do lado de lá, também estava sendo fixada a mesma tribo, vi, ali, o início de uma luta futura. Sou a favor da fixação, a que dêem terra à vontade para os indígenas no interior do Brasil, mas não na região da fronteira. Quando o Presidente americano pediu que o Brasil, a Argentina e os países da América designassem uma força para intervir na Colômbia, o Senado se manifestou contrariamente, e essa força não saiu. Então, por conta própria, o americano está dando força para o governo colombiano iniciar a guerra contra as guerrilhas. E os colombianos, que estavam num processo de diálogo, aprofundaram. Assim, hoje estamos às vésperas de ver a Colômbia numa guerra civil, que se dá na fronteira com o Brasil. E não se sabe onde termina a Amazônia da Colômbia e onde começa a Amazônia do Brasil. A televisão tem mostrado brasileiros lutando na guerrilha do lado de lá. Não sei se é com expedientes dessa natureza que essa gente entrará na Amazônia. É uma questão de honra para os Estados Unidos e para muita gente ter o domínio da Amazônia. Por isso, nobre Senador, nós - principalmente V. Exª, com a capacidade, liderança e conhecimento da matéria - temos que fazer algo mais prático, mais real e mais concreto em relação a essa política americana. Não sei se V. Exª tem conhecimento, mas o mais importante representante do comércio exterior americano esteve falando para empresários da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em São Paulo, e afirmou que o Brasil tem que resolver o problema da corrupção, tem que entender que é chefe no mundo. Quanto às questões relativas a segurança, a terrorismo e a problemas de garantia de mercado, o americano toma a decisão que quer, a decisão que lhe interessa, sem ter que dar satisfação a ninguém. Nunca ouvi uma declaração tão grosseira, uma declaração tão antidiplomática como essa. Com ela, entendo o seguinte: se for o caso da Amazônia, eles vão para a Amazônia. Felicito V. Exª pelo importante pronunciamento que faz. Só lamento que a Casa o receberá como tantos outros já feitos por V. Exª e por outros Senadores, e a coisa continuará igual. Minhas felicitações!

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador Pedro Simon, não compartilho do ceticismo de V. Exª em relação a essa questão. Estou convencido de que, com a presença de V. Exª e dos demais companheiros nessa luta, haveremos de encontrar um caminho para o Brasil. Trato dos interesses do Norte, que são também de todos os brasileiros. E vem V. Exª, do extremo Sul do País, juntar-se a nós nessa luta, que é de todos.

            Recordo-me da participação do Presidente George W. Bush pretendendo trocar a dívida externa do Brasil pela Amazônia. Com isso, ele não apenas nos insultava, mas nos concitava a uma traição à Pátria. Não entraremos jamais nesse jogo de traição. Não necessitamos de óbolos nem de participações dessa natureza para cumprir nossos compromissos financeiros. Ninguém invadirá o território brasileiro, porque os brasileiros não permitirão - os brasileiros do Norte e os brasileiros que V. Exª representa, do Sul deste País.

            Se nós nos juntarmos - e estamos começando realmente a nos juntar -, essa causa, que é de todos, virará uma grande causa, talvez a maior deste País, como observa V. Exª.

            Sr. Presidente, eu pretendia discorrer ainda um pouco mais sobre esse tema, mas eu, como V. Exª, sou um dos guardiães do Regimento e não posso feri-lo. Peço, portanto, a V. Exª que considere como lido o restante do meu discurso e, numa outra oportunidade, voltaremos ao mesmo tema.

            Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, A CONCLUSÃO DO DISCURSO DO SR. SENADOR EDISON LOBÃO.

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            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, mais especificamente, a prática da biopirataria no Brasil tem sido viabilizada por quatro fatores bem determinados. Em primeiro lugar, destaca-se o papel das expedições promovidas por grupos científicos ou empresariais do exterior, diretamente orientadas para atividades de bioprospecção, dada a dificuldade de controle sobre tais atividades. Em seguida, sobressai-se o ecoturismo, onde freqüentemente se observa a presença de pesquisadores estrangeiros em atividades de coleta de amostras de plantas, solos etc.

            Em terceiro lugar, cumpre registrar as atividades de algumas ONGs, cujo contato direto com comunidades locais e tradicionais, sob o pretexto de lhes prestar auxilio técnico ou financeiro, muitas vezes possibilita que utilizem essas populações para a identificação e coleta de material genético. Por último, cabe adicionar a ação nada cautelosa das instituições nacionais de pesquisa, as quais, em cooperação científica com o exterior, não dispõem de mecanismos institucionais que provejam de mínima segurança nossos interesses. Isso se explica seja pela ausência de controle sobre o que se pratica no âmbito desses acordos de cooperação internacional, seja pelo suporte fornecido por alguns de seus pesquisadores individualmente a atividades de retirada de material biológico para fora do país, dadas as suas escassas condições de pesquisa locais.

            Agora, na Amazônia, o controle sobre o acesso aos recursos genéticos é tema que já começa a ultrapassar os círculos restritos e bem informados das universidades, centros de pesquisa, governo e ONGs, começando a ocupar algum espaço na mídia local e nacional, bem como a ser objeto de consideração e decisão dos poderes legislativos locais. Embora a riqueza genética amazônica seja ainda pouco reconhecida e valorizada como recurso estratégico para o País e para a região, há o inequívoco fato da crescente demanda externa por nossos recursos genéticos, o que provoca a necessidade de medidas práticas por parte do Poder Público.

            No entanto - Senhor Presidente -, em que pese o fato de que a questão é de extrema relevância, sua discussão precisa ser despida do componente emocional que produz desde argumentos de base ideológica até à aglutinação, de forma quase indissociável, dos recursos biológicos com a produção de medicamentos pela indústria farmacêutica. Associar de forma determinista plantas e remédios, além de ser um posicionamento equivocado, por sugerir uma única utilidade para a biodiversidade brasileira, ainda situa a discussão em um terreno onde se exacerbam as questões emocionais e ideológicas.

            Desse modo, é dentro desse ambiente de passionalidade que surgem as denúncias sobre prática de biopirataria, que acabam atingindo, de forma indiscriminada, pesquisadores sérios e algumas das principais instituições oficiais de ensino e pesquisa. O termo biopirataria, então, vem sendo utilizado como veículo tanto para acusações procedentes sobre o comércio ilegal dos recursos biológicos brasileiros, como para descrever atividades legais de pesquisa científica realizadas por instituições nacionais em conjunto com instituições de pesquisa estrangeiras.

            Se, de um lado, tal situação parece configurar-se como uma contradição, de outro, corrobora a tese de que, para solucionar o problema da biopirataria, muita sutileza estratégica no campo da política deverá ser levada em consideração. Especialmente na Amazônia, onde as instituições ainda estão inadequadamente instrumentalizadas e o número de pesquisadores qualificados é insuficiente para atender à demanda por conhecimento científico. Os convênios, os acordos e as parcerias nacionais e internacionais mostram-se hoje uma necessidade imprescindível.

            Na realidade, a experiência ensina que, para retirar material biológico da Amazônia, não há necessidade de grandes aparatos ou de estruturas formais. Na era da biotecnologia e da engenharia genética, tudo que se precisa para reproduzir uma espécie são algumas células facilmente levadas e dificilmente detectadas por mecanismos de vigilância e segurança. O bolso, a caneta, o frasco de perfume, os estojos de maquiagem, os cigarros, os adornos artesanais, as dobras e costuras das roupas, enfim, há milhares de maneiras de esconder fragmentos de tecidos, culturas de microorganismos, minúsculas gêmulas ou diminutas sementes, sem que seja necessário sequer o uso de muita criatividade.

            Além disso, não se pode esquecer de que o comércio legalizado de plantas medicinais e a indústria de fitoterápicos disponibilizam livremente fragmentos e extratos vegetais que podem ser adquiridos nos mercados e feiras e levados sem nenhuma restrição. Há muitos exemplos a serem considerados nesse caso. Como evitar, por exemplo, que os pigmentos dos peixes ornamentais, que fazem parte da carteira de exportação, sejam investigados em laboratórios de pesquisa de qualquer instituição do planeta? Que substâncias bio-ativas existirão nos frutos regionais, nas plantas ornamentais, nas madeiras que são exportadas? Os exemplos são inúmeros, pois qualquer produto retirado da floresta faz parte desse cenário de organismos, genes e princípios ativos que precisamos defender, sem provocar um isolamento da Amazônia nem fazer surgir uma absurda reserva de mercado de seus produtos.

            No âmbito legislativo, a primeira iniciativa realmente séria para regulamentar essa questão foi o Projeto de Lei nº 306, de 1995, apresentado pela Senadora Marina Silva (PT-AC), que “dispõe sobre os instrumentos de controle do acesso aos recursos genéticos do País e dá outras providências”. O projeto foi debatido durante três anos com membros do Governo Federal, cientistas e entidades de defesa do meio ambiente, em diversas audiências públicas, e, modificado por um substitutivo do Senador Osmar Dias (PSDB-PR), foi aprovado no Congresso e enviado à Câmara. Naquela Casa, passou a tramitar em conjunto com outras iniciativas correlatas e, para essa discussão, foi constituída Comissão Especial para o estudo da matéria.Posteriormente, em junho de 2000, o próprio Poder Executivo Federal apresentou medida provisória sobre o assunto, em cujo preâmbulo se registrava que “dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências”. Essa medida até hoje causa grandes polêmicas, especialmente pelo fato de ter desconsiderado todo o processo de discussões que vinha sendo realizado no Congresso Nacional.

            Alegou-se, durante algum tempo, que a medida provisória editada pelo Governo era um avanço, à falta de definição do Congresso Nacional sobre matéria que adquiria crescente importância no cenário nacional e internacional, e que a regulamentação da medida haveria de detectar as polêmicas oriundas de sua edição. Não foi isso que se verificou, porém, com a publicação do Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, que criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e regulamentou diversos artigos da medida provisória. As maiores reações ao decreto referem-se, principalmente, à composição do Conselho, que contém exclusivamente representantes de órgãos e entidades da Administração Pública Federal. A ausência de participação de entidades da sociedade civil não apenas é inaceitável em matéria de tamanho impacto na vida das populações, que mais diretamente se relacionam com a diversidade biológica, como também é medida na contramão da tendência de representação desse segmento em todos os conselhos criados pelo Governo Federal.

            Diante do quadro exposto e dos impasses detectados, é oportuno, agora, concentrarmo-nos nas necessárias propostas de superação do problema. Por exemplo, no ambiente interno, algumas providências são prementes. Do ponto de vista legal, é preciso uma normatização que organize adequadamente o setor. Na face econômica, é indispensável a criação de um parque industrial tecnologicamente moderno e direcionado para processar os recursos biológicos e seus produtos, de forma a garantir um alto índice de valor agregado. Na face científica e tecnológica, a única das vertentes que contém elementos indexadores de futuro, é indispensável a alocação de recursos e a formação de parcerias boas e leais, que serão melhores e tão mais leais, quanto forem mais fiscalizadas e melhor acompanhadas por pesquisadores e técnicos de alto nível.

            No Brasil, a discussão da proteção à diversidade biológica nacional tem sido muito centrada em torno de uma legislação para regular o acesso aos recursos genéticos. Todavia, mesmo em meio às fortes polêmicas que envolvem essa discussão - há os que se posicionam a favor de um controle amplo e rigoroso do acesso, enquanto outros preferem uma certa flexibilização desses procedimentos -, parece unânime a opinião de que não se trata simplesmente de restringir a retirada de amostras de biodiversidade do território nacional.

            Em conjunto com o estabelecimento, no País, de instrumentos legais reguladores do acesso a esses recursos, trata-se também de investir pesadamente em ciência e tecnologia, a fim de ampliar a base de conhecimentos sobre os recursos genéticos e biológicos amazônicos e sobre suas possibilidades de aproveitamento econômico e social. Ao lado disso, cumpre investir-se em melhorias na qualidade de vida das populações locais, tornando-as parceiras da proteção e valorização dos recursos naturais que as cercam.

            Complementando, cabe-nos reconhecer, sistematizar e garantir a compensação justa dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, respeitando o direito de propriedade da medicina natural dos indígenas, tanto coletiva quanto individual. Isso, evidentemente exige o incentivo ao desenvolvimento das relações formais e informais entre a comunidade científica, as ONGs, os grupos indígenas e a coletividade em geral. Para tanto, faz-se mister construir uma infra-estrutura adequada e implementar uma política de fixação de recursos humanos qualificados na região, de modo a conter a forte evasão de pessoal qualificado, seja pelos baixos salários, seja pelas precárias condições regionais para a pesquisa científica e tecnológica.

            Antes de qualquer coisa, o aproveitamento dos recursos genéticos amazônicos, a partir de seus usos pelas novas biotecnologias, embora seja uma questão emergente, é ainda pouco compreendida, pouco estudada e, principalmente, pouco incorporada às políticas governamentais e às estratégias empresariais direcionadas para a região. É importante que se reconheça que o combate à biopirataria não se pode processar exclusivamente na esfera ‘policial’, com as tentativas de controlar a evasão dos recursos genéticos nacionais.

            Por fim, e de maneira bem mais sábia, vale acatar os ensinamentos populares quando se afirma que a forma mais efetiva de combater a biopirataria é, ainda, "fazer primeiro". Isso só não acontece porque, além dos escassos recursos federais destinados ao desenvolvimento científico e tecnológico, ainda vigem incompreensíveis restrições impostas às pesquisas por instrumentos legais editados pelo Governo sem prévia discussão com os segmentos envolvidos.

            Com o desenvolvimento da engenharia genética, a biopirataria tende a crescer cada vez mais. E, apesar das divergências entre os cientistas sobre os convênios de pesquisas com entidades estrangeiras, ao menos em um ponto todos estão de acordo: é preciso tomar posse do vasto patrimônio de biodiversidade da Amazônia, injetando mais investimentos em pesquisas, antes que outros o façam. Como bem frisei há pouco, a fórmula para evitar a biopirataria é simples: pesquisar primeiro para conseguir fazer antes. E oficialmente.

            Para concluir: ao Brasil, é importante definir, no âmbito de nossa realidade, os pontos de partida para um posicionamento que concilie os interesses e as possibilidades no campo da biodiversidade. Nossa situação - a de um país dotado de enormes recursos de diversidade biológica - deve ser vista como um trunfo para a resolução de importantes problemas internos, sobretudo aqueles relacionados à miséria e à fome e, ao mesmo tempo, para o estabelecimento de uma referência forte e propositiva no âmbito das relações internacionais. É, assim, tarefa das mais relevantes, tanto para a sociedade quanto para seus representantes, dedicar ao tema biodiversidade o esforço político, técnico e institucional que ele requer.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo15/19/242:20



Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2002 - Página 2269