Pronunciamento de Geraldo Cândido em 14/03/2002
Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Consternação com a recusa do Senador José Serra em receber S.Exa. e os "mata-mosquitos" demitidos pelo Governo Federal, que prestavam relevantes serviços no combate à dengue no Rio de Janeiro. Mazelas do sistema de empresas privatizadas no Estado do Rio de Janeiro, citando reportagem do jornal O Dia que aborda a distorção entre os elevados aumentos de tarifas praticados pela Light e o significativo rombo em sua contabilidade.
- Autor
- Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.
PRIVATIZAÇÃO.:
- Consternação com a recusa do Senador José Serra em receber S.Exa. e os "mata-mosquitos" demitidos pelo Governo Federal, que prestavam relevantes serviços no combate à dengue no Rio de Janeiro. Mazelas do sistema de empresas privatizadas no Estado do Rio de Janeiro, citando reportagem do jornal O Dia que aborda a distorção entre os elevados aumentos de tarifas praticados pela Light e o significativo rombo em sua contabilidade.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/03/2002 - Página 2293
- Assunto
- Outros > SAUDE. PRIVATIZAÇÃO.
- Indexação
-
- GRAVIDADE, EPIDEMIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REPUDIO, DECISÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DEMISSÃO, AGENTE, COMBATE, AEDES AEGYPTI, CRITICA, DESRESPEITO, ATUAÇÃO, JOSE SERRA, EX MINISTRO DE ESTADO, SENADOR, AUSENCIA, RECEBIMENTO, ORADOR, AUDIENCIA, TRABALHADOR, SAUDE.
- AVALIAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PERDA, QUALIDADE, SERVIÇOS PUBLICOS, ENERGIA ELETRICA, TRANSPORTE URBANO, METRO, TRANSPORTE MARITIMO.
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O DIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, AUMENTO, TARIFAS, LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A (LIGHT), DEFICIT, EMPRESA, POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, PREJUIZO, CONSUMIDOR, DENUNCIA, OMISSÃO, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Estado do Rio de Janeiro continua na sua luta contra a dengue. A cada dia que passa aumenta o número de mortes provocadas pela chamada dengue hemorrágica; já são mais de 32 casos e a epidemia vai se alastrando no dia a dia.
Aproveito a oportunidade para relatar um fato muito importante, porque envolve um membro desta Casa, o Senador e ex-Ministro da Saúde José Serra. Em 1999, os funcionários chamados de mata-mosquitos - são guardas-endêmicos - foram demitidos, depois, eles ganharam uma ação judicial para reintegrá-los, mas o Ministério da Saúde não acatou a decisão da Justiça e não os reintegrou. Essa é uma das causas da drástica situação da saúde que ora vivemos no Rio de Janeiro. Eles ganharam a ação judicial novamente. O Ministério não acatou a decisão do STJ. Pela terceira vez, eles ganharam a reintegração e não foram reintegrados.
O Senador José Serra sempre se negou a recebê-los. Na semana passada, S. Exª foi ao Rio de Janeiro para uma reunião na Fundação Oswaldo Cruz para debater a questão da epidemia de dengue. Os ex-guardas-endêmicos, os mata-mosquitos o cercaram para tentar falar com S. Exª. Como não havia outra saída, pois estava cercado pelos manifestantes, S. Exª conversou e disse que não havia sido ele que mandou demitir os trabalhadores, que ele reconhecia que a decisão foi errada e ia pedir ao Ministério para reintegrá-los, mas S. Exª disse isso apenas para se livrar dos manifestantes.
Depois, os companheiros vieram ao Senado para tentar falar com S. Exª, que não os recebeu. Eu, inclusive, fiz uma solicitação ao Senador, Colega da Casa, para que me recebesse junto com os trabalhadores. S. Exª não fez isso. Essa é uma atitude de irresponsabilidade do Senador José Serra porque, na verdade, é a primeira vez que um Senador se nega a receber um Colega da Casa. S. Exª, então, se julga uma pessoa muito importante, acima de todos. S. Exª se julga o Senador mais importante deste País. Isso para nós é inédito nesta Casa: que um Colega se negue a receber o outro. Os Senadores Antonio Carlos Magalhães e Ramez Tebet sempre receberam os Senadores, e o Senador José Serra chega a esse ponto. Isso demonstra uma falta de respeito para com os Colegas da Instituição à qual pertencemos.
Por isso, o movimento continua combatendo o candidato. No Rio de Janeiro S. Exª é conhecido pela população e pelos companheiros mata-mosquitos como o candidato “presidengue”.
Acho que só devemos respeitar aquelas pessoas que nos respeitam. As pessoas que não têm conosco respeito e consideração, tratarei igualmente dessa forma, porque isso é um ato de desrespeito com um Colega da Instituição.
Quero abordar outros assuntos também do Estado do Rio de Janeiro, em relação à energia elétrica. Resultado das privatizações - no Rio de Janeiro, assim como em todo o Brasil - das empresas de energia elétrica, de transporte público, assim como o metrô, as barcas que fazem a travessia Rio-Niterói e a Companhia Elétrica do Rio de Janeiro - CERJ também foram privatizados. A maioria das empresas do Estado foram todas privatizadas nesse pacote dos governos que aplicaram rigorosamente o plano neoliberal capitaneado pelo FMI.
Os Estados, como a Nação como um todo, perderam - nós perdemos - um patrimônio valioso com as privatizações. Estou falando do Estado do Rio de Janeiro, porque nós sofremos com a questão das privatizações. O metrô, apesar de privatizado, não melhorou a qualidade do transporte. A população continua reclamando da superlotação, de que não há ar-condicionado nos vagões, existe um espaço muito grande entre uma composição e outra. Ou seja, há um atropelo geral, total, para a população que usa o sistema metroviário e que reclamava dele antes da sua privatização; porém, depois de privatizado, o sistema metroviário piorou mais ainda.
Com as barcas que fazem a travessia Rio-Niterói acontece a mesma coisa. Essas empresas tipo as barcas ou a Light, por exemplo, antes eram privadas e depois foram estatizadas; o Estado as absorveu. Estou lembrado de que antigamente existia, no Rio de Janeiro, uma música, uma marchinha que dizia assim: “Rio de Janeiro é cidade que nos seduz. De dia falta água, de noite falta luz.”
A Light era uma empresa canadense. Depois, o Estado a assumiu e modernizou e investiu no sistema, expandiu-o e passou a fornecer energia elétrica para a população de forma diferenciada, ou seja, de boa qualidade. Era um sistema que funcionava, pois melhorou muito o atendimento à população. Todavia, depois que a empresa se expandiu e se modernizou, o Governo a privatizou, isso há quatro anos.
As barcas de Niterói, conhecidas também por Cantareiras, apresentavam um problema de funcionamento, embora fossem administradas por uma empresa privada. Havia muito atraso e acidentes. Uma outra música dizia: “No Cantareira tem de aprender a nadar. No Cantareira não quero me afogar”. A população compunha uma música irreverente, no seu estilo brincalhão, por causa dos serviços públicos que funcionavam de forma precária. A população sofria muito com esse tipo de serviço que lhe era prestado. E essas empresas, quando foram privatizadas, melhoraram. As barcas ficaram em melhores condições. Posteriormente, foram estatizadas e, novamente privatizadas, voltaram à situação anterior à da antiga Cantareira. Essas são as mazelas do sistema privatizado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.
O jornal O Dia passou a publicar uma série de reportagens, cada uma delas dando enfoque a um ramo de empresa privatizada, abordando um detalhe muito importante sobre essa questão. Uma denúncia relevante que o jornal tem feito sobre a qualidade dos serviços que o povo do Rio de Janeiro está recebendo das empresas privatizadas.
Em relação à Light, o jornal O Dia publicou uma reportagem. Passo a ler a parte do meu pronunciamento que contém o trecho.
O jornal O Dia trouxe uma matéria iluminada sobre os números do aumento das tarifas da Light, empresa que fornece 75% da energia elétrica consumida em meu Estado, o Rio de Janeiro, com uma concessão que abrange 31 Municípios, incluindo a Capital. Só os estrangeiros ganham com a Light, diz o título da matéria que explica como, apesar de subsídios governamentais e reajustes exorbitantes, a Light continua aumentando uma dívida monstruosa e, o que é pior, com as próprias empresas que a compraram durante a privatização.
O consumidor brasileiro já está acostumado a ver distorções deste tipo. O Governo diz que não há inflação, mas concede aumentos de tarifas para serviços públicos superiores até mesmo aos números que tenta esconder. Desde 1995, ano anterior à privatização da Light, a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado - IPCA - ficou em 112,5%, enquanto o reajuste de tarifas residenciais acumularam mais de 210% no mesmo período.
Nosso País pode estar acostumado com esse desrespeito, mas o que está acontecendo é pior. Mesmo com os últimos reajustes, as contas da empresa fecharam com R$2,177 bilhões no vermelho, em grande parte devido a encargos de dívidas. Isso quer dizer que recursos que deveriam ser investidos estão sangrando para esses pagamentos, o que gera uma situação grave. Nos últimos dois anos, a geração de energia no Estado do Rio de Janeiro cresceu somente 0,92%, mas a energia ficou 17% mais cara.
Para vermos o tamanho do rombo nas contas a ONG Ilumina, ligada a pesquisadores do setor energético, calcula que a Light esteja comprando o Megawatts por R$40,00 e distribuindo-o por R$250,00. Pergunto: Onde vai parar essa diferença? A dívida da Light soma hoje R$7,7 bilhões segundo dados apurados pelo jornal O Dia; R$ 4,9 bilhões são devidos aos que se chama de “partes relacionadas”, ou seja, as empresas que compraram a Light quando houve a privatização.
Durante o tempo do Apagão, por exemplo, a Eletrecité de France “emprestou” R$470 milhões para que a Light investisse na Usina Termoelétrica do Norte Fluminense. Essa dívida, em dólares tem juros de 11% ao ano, que são remetidos juntamente com as amortizações para a EDF. São juros considerados altos para transações internacionais, principalmente em se tratando de empresas coligadas. Se isso não é uma remessa de capital para o exterior, o que será?
Na verdade, essa distorção ocorre porque empresas como a EdF não encaram o dinheiro empregado no mercado energético brasileiro como um investimento, e sim como um empréstimo. Dessa forma, empresas como a Light vão sangrar dólares para o exterior, enquanto o investimento no País é mínimo e não salvador como quer o Governo.
Mesmo com os aumentos repetidos na energia, as empresas do setor querem mais. O BNDES vai financiar R$7,3 bilhões para distribuidoras e geradoras de energia, como forma de compensá-las pelo racionamento. Especialistas têm alertado para o fato de que o setor, que já trabalha numa espécie de monopólio fiscalizado, quer agora criar um capitalismo sem riscos, em que qualquer perda precisa ser subsidiada ou por aumentos ou por financiamentos do Governo brasileiro.
Ocorre porém que as tarifas praticadas pela Light, por exemplo, já estão entre as mais caras do mundo. Por isso, a margem para capitalizar as empresas aumentando tarifas está se esgotando, porque os preços cresceram constantemente desde a privatização. A Light cobra dos consumidores que têm gastos acima de 300 quilowatts por hora cerca de 34 centavos por quilowatt, o que situa os preços praticados pela empresa entre os mais caros do mundo, junto com países como França, Holanda e Alemanha- notem: todos de Primeiro Mundo.
A energia elétrica é um dos fatores mais estratégicos para o crescimento de um País. Um colapso como o que ocorreu em 2001 estava previsto pela Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, criada pelo próprio Governo e, em seus relatórios, a Comissão apontava a omissão de geradoras e distribuidoras no que diz respeito à expansão da oferta de energia, mas nada ocorreu naquela época, e não vemos maior planejamento hoje.
Basta fazer a conta. Desde novembro, o consumidor da Light passou a arcar com um acréscimo de 20,59% em suas contas. Em dezembro, foram mais 2,9% para ajudar no financiamento do BNDES; afinal, a lógica é a de que o consumidor tem de pagar pelos prejuízos, mesmo os de “investidores estrangeiros”. Para piorar a situação, o Governo deixou passar mais um reajuste agora em março: 2% para a criação de um fundo antiapagão.
O mesmo consumidor deve pagar antecipadamente pelo aluguel de energia reserva, que virá com usinas móveis a diesel trazidas da Espanha, fato que tem preocupado analistas do setor elétrico. Os gastos podem chegar a R$51 milhões nos três anos de contrato com os seis grupos geradores que já estão no Brasil. Mas, como as chuvas encheram os reservatórios, talvez esses grupos fiquem totalmente sem uso.
E qual tem sido o papel da Aneel? O de transmitir as pressões de geradoras e distribuidoras, permitindo aumentos e não estimulando a concorrência. A exemplo do que tem feito a Anatel, a Agência Nacional de Energia Elétrica deveria coibir essas práticas abusivas e favorecer a queda dos preços das tarifas. Afinal, não era essa a promessa das privatizações? Mais investimentos, concorrência e melhorias para os usuários?
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enquanto o Governo comemora o fim do racionamento e do apagão, não vamos esquecer os problemas que levaram à crise. Enquanto o Governo festeja seu próprio fracasso, vamos pensar alternativas para o modelo instalado, que favoreceu o colapso e não está interessado em investir no País. Trata-se de um sistema que favorece as empresas, o capital estrangeiro, em detrimento do consumidor, do povo brasileiro, que paga pelos erros.
Devemos cobrar maior controle do Estado sobre o setor energético, por ser um serviço público e uma área estratégica que precisa de planejamento, função que o setor privado não exerce senão visando lucros maiores e mais fáceis.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.
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