Pronunciamento de Carlos Patrocínio em 15/03/2002
Discurso durante a 21ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Homenagem à memória do ex-Presidente João Goulart, registrando a inauguração, anteontem, da exposição "Jango, João Goulart - Lembranças da História na Central do Brasil."
- Autor
- Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
- Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Homenagem à memória do ex-Presidente João Goulart, registrando a inauguração, anteontem, da exposição "Jango, João Goulart - Lembranças da História na Central do Brasil."
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/03/2002 - Página 2355
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- REGISTRO, INAUGURAÇÃO, EXPOSIÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), FOTOGRAFIA, HISTORIA, BRASIL, ATUAÇÃO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
- HOMENAGEM, VIDA PUBLICA, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, INJUSTIÇA, MEMORIA NACIONAL, EXILIO, POSTERIORIDADE, REVOLUÇÃO, REGIME MILITAR, REGISTRO, BIOGRAFIA, CONTRIBUIÇÃO, BENEFICIO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, TRABALHADOR.
SENADO FEDERAL SF -
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O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, anteontem inaugurou-se a exposição “Jango, João Goulart - Lembranças da História na Central do Brasil”, a que certamente compareceram vários familiares do ilustre ex-Presidente da República, e creio que pouquíssimas pessoas.
A História, por vezes, tarda a fazer justiça a alguns de seus protagonistas. Freqüentemente, a influência dos donos do poder consegue fazer submergirem no limbo do desprestígio do esquecimento figuras que dedicaram toda a sua vida, com coragem e desprendimento, ao progresso de sua pátria e à melhoria das condições de vida do seu povo, muitas vezes ao custo de enormes sacrifícios pessoais.
Na História brasileira recente, temos um exemplo paradigmático desse fenômeno na pessoa do ex-Presidente João Belchior Marques Goulart.
Apeado da Presidência da República pelo golpe militar que, em 1° de abril de 1964, violentou a ordem constitucional vigente, João Goulart acabou submetido às agruras do exílio e privado da possibilidade de se defender das calúnias e difamações que o haviam perseguido ao longo de toda a sua trajetória na vida pública. Enfeixando nas mãos poderes discricionários ilimitados, seus algozes puderam dedicar-se sem peias à tarefa de detratá-lo, de desmoralizá-lo, de tentar apagar da memória do povo brasileiro sua contribuição ao País e, em especial, às classes trabalhadores.
Nesse intento, tiveram sucesso considerável. Infelizmente, a verdade é que o nome de João Goulart é, hoje, quase desconhecido pela maioria da população brasileira, em especial por suas camadas mais jovens.
No entanto, como diz o sábio provérbio, o tempo é o senhor da razão. A passagem dos anos, o amadurecimento das sementes plantadas por uns e por outros acaba, inevitavelmente, por lançar luz sobre os episódios e as figuras históricas, fazendo, ao final, prevalecer o julgamento justo.
João Goulart é um protagonista da História brasileira cuja imagem, fatalmente, crescerá com a passagem do tempo, pois a análise isenta e criteriosa do seu período de governo mostrará que aquele foi um dos períodos mais férteis e criativos da História política do País, momento em que o Brasil chegou mais perto de implantar um projeto de reconstrução nacional voltado para o desenvolvimento, com soberania, liberdade e justiça social.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Jango, como era conhecido, iniciou seu aprendizado político no contato assíduo com Getúlio Vargas, durante o recolhimento deste a sua estância de Itu, no Município de São Borja, quando de sua deposição, em 1945. Vargas percebeu imediatamente o potencial de liderança do seu jovem vizinho, expresso pela grande popularidade de que desfrutava no Município e por sua facilidade de relacionamento com as pessoas humildes. Ademais, Jango possuía idéias avançadas para a época, como a distribuição de terras e a diminuição das desigualdades sociais.
Por tudo isso, Getúlio pediu a ajuda de Jango para a consolidação do PTB, Partido que tenho a honra de liderar nesta Casa, Sr. Presidente. Admirador do ex-Presidente e simpatizante das teses trabalhistas, João Goulart aceitou o convite e tornou-se, aos 26 anos de idade, membro do diretório municipal de Porto Alegre. Já no ano seguinte, 1946, elegeu-se deputado estadual e organizou diversos diretórios do PTB no interior do Estado, inclusive o de São Borja, cuja presidência passou a exercer.
Em 1950, foi eleito presidente da Comissão Executiva Estadual do PTB gaúcho. No mesmo ano, desempenhou, junto com Joaquim Pedro Salgado Filho, o papel de coordenador da campanha presidencial de Getúlio Vargas. Desde então, tornou-se alvo de constantes ataques por parte da imprensa antigetulista, que o acusava de manter ligações com o presidente argentino Juan Domingo Perón e induzir aquele país a intervir na política brasileira a favor de Vargas.
Paralelamente à sua atuação como um dos articuladores da candidatura Vargas, Goulart candidatou-se a deputado federal pelo Rio Grande do Sul na legenda do PTB. Eleito, Jango licenciou-se logo da Câmara Federal para assumir a Secretaria do Interior e Justiça do novo governo gaúcho. Já nesse cargo, deu demonstração dos acendrados sentimentos humanistas que sempre nortearam toda a sua atuação política, dedicando-se à reestruturação do sistema penitenciário estadual, a fim de melhorar as condições de vida dos presidiários.
No terreno partidário, continuou seu incansável trabalho de fortalecimento do PTB, agora buscando o estabelecimento de contatos sistemáticos nos meios sindicais. Assim, Jango ampliava seu prestígio dentro do Partido, na medida em que se ia tornando conhecido, inclusive em outros Estados, como eficaz recrutador de correligionários e, também, pela sua característica mais notável: a de hábil conciliador. Como decorrência natural do seu trabalho, chegou, em 1952, à presidência do Diretório Nacional do Partido.
Coordenando, em estreita ligação com Vargas, a atuação dos diversos institutos de previdência social existentes à época, Jango cresceu em prestígio, ampliando cada vez mais suas bases sindicais. Porém, a auréola de grande líder de massas só o envolveria a partir de junho de 1953, com sua nomeação, contando apenas 34 anos de idade, para o Ministério do Trabalho.
A indicação de Goulart foi duramente criticada pelos grupos conservadores, inclusive os principais jornais, que atacavam seus laços com o operariado; acusavam-no de simpatia pelo peronismo argentino e de pretender implantar no Brasil uma república sindicalista. Esse tipo de acusação foi feito constantemente a Jango, considerado o responsável por insuflar greves e pregar a luta de classes. Um importante periódico da época chegou a dizer que Jango, em vez de ser um Ministro do Trabalho, transformara-se num autêntico “ministro dos trabalhadores”.
Vale, a esse respeito, rever a resposta do próprio Jango a essas acusações:
Essa confiança do proletariado na Secretaria de Estado que dirijo deveria constituir-se num motivo de tranqüilidade e nunca de alarme. Pretender-se-ia, talvez, que o operariado brasileiro, já tão desencantado, não acreditasse nos poderes constitucionais? (...) Não passa de torpe intriga o boato de que sou contra o capitalismo. À frente do Ministério do Trabalho, estou pronto a estimular e aplaudir os capitalistas que fazem de sua força econômica um meio legítimo de produzir riquezas, dando sempre às suas iniciativas um sentido social, humano e patriótico.
De fato, a intervenção do Ministério do Trabalho em diversos episódios demonstrou que Jango, contrariando as acusações de agitador comunista que lhe imputavam, agia em defesa do sistema nos momentos em que as reivindicações sociais ameaçavam ultrapassar os limites possíveis. Para isso, procurava sempre usar a negociação como principal arma, logrando, com sua intervenção pessoal em lutas salariais, evitar várias greves, mas obrigando, por outro lado, os empregadores a fazerem concessões.
No início de 1954, o Ministro João Goulart propôs a duplicação do valor do salário mínimo. Em face da ferrenha oposição desencadeada à proposta, dentro e fora do Governo, Jango teve de colocar seu cargo à disposição.
No entanto, no dia 1º de maio de 1954, em seu discurso aos trabalhadores, Vargas anunciou a concessão do aumento de 100% do salário mínimo, aceitando a recomendação de João Goulart, apontando-o como um infatigável amigo e defensor dos trabalhadores brasileiros.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como resultado da grande popularidade conquistada junto á classe trabalhadora, João Goulart elegeu-se Vice-Presidente, na chapa encabeçada por Juscelino Kubitscheck, nas eleições realizadas em outubro de 1955, um ano após o suicídio de Getúlio Vargas. Nesse cargo, tentou conciliar as diferentes facções sindicais, de modo a manter o pacto populista preconizado por Vargas entre o operariado e a elite.
Naquela época, a Constituição Federal determinava que a Presidência desta Casa, o Senado Federal, fosse exercida pelo Vice-Presidente da República. Coube a Jango, portanto, presidir o ato solene de instalação do Congresso Nacional nesta sua nova sede por ocasião da inauguração de Brasília, no dia 21 de abril de 1960.
Em outubro do mesmo ano, Goulart sagrou-se mais uma vez vitorioso na eleição para Vice-Presidente, embora integrasse a chapa do General Lott, derrotado na disputa presidencial por Jânio Quadros. Com a renúncia de Jânio, menos de sete meses após a posse, eclodiu a crise resultante da forte resistência conservadora à investidura de Jango na Presidência.
Mais uma vez João Goulart era vítima do preconceito das elites, que distorciam o seu ideário reformista, apresentando-o como um perigoso revolucionário.
Os ministros militares lançaram, na ocasião, um manifesto no qual expunham as razões de sua oposição à investidura de Jango. O documento acusava o Vice-Presidente de incentivar agitações nos meios sindicais e de entregar postos-chaves, nos sindicatos, a agentes do comunismo internacional, considerando-o, por conseguinte, uma ameaça à segurança nacional e à manutenção da hierarquia nas Forças Armadas.
Alegavam os ministros militares, com o apoio de importante parcela das Forças Armadas e de um grupo de civis visceralmente antigetulistas, que a posse do Vice-Presidente significaria grande ameaça à ordem e às instituições, colocando o País no rumo de uma guerra civil, motivos pelos quais vetaram-na.
A posse de Jango, contudo, encontrava forte apoio entre diversos setores sociais da população, como os estudantes, intelectuais e sindicatos de trabalhadores, que decretaram várias greves.
Esse vigoroso movimento popular, denominado “Campanha da Legalidade”, foi capitaneado pelo então Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e acabou por obter adesão da maioria da Nação, aí incluídos os partidos políticos, o Congresso Nacional, a imprensa e a Igreja.
Nos dias seguintes, a conjuntura política nacional foi polarizada pela luta entre os partidários do veto e os defensores da legalidade, chegando a haver reais possibilidades de confronto militar entre os dois lados.
Como se sabe, a solução conciliatória formulada no seio do Congresso Nacional foi a implantação do sistema parlamentarista de governo. Mesmo contando com o apoio de consideráveis setores, que rejeitavam essa conciliação e defendiam a sua posse dentro do sistema presidencialista, João Goulart aceitou a proposta, a fim de terminar, sem derramamento de sangue, com a profunda crise instalada no País.
Assim, em 7 de setembro de 1961, um domingo, João Belchior Marques Goulart foi empossado, perante o Congresso Nacional, na Presidência da República.
Hoje, mais de 40 anos transcorridos daquela data, é justo lembrar trechos do discurso pronunciado por João Goulart ao assumir o Poder, pois eles relevam sua estatura de estadista e o perfil de homem público, sempre voltado para o entendimento e para a conciliação:
Subo ao poder ungido pela vontade popular que me elegeu duas vezes Vice-Presidente da República e que agora, em impressionante manifestação de respeito pela legalidade e pela defesa das liberdades públicas, uniu-se com todas as suas forças para impedir que a decisão soberana fosse desrespeitada. (...) Surpreendido, quando em missão do meu País no exterior, com a eclosão de uma crise político-militar, não vacilei um só instante quanto ao dever que me cabia cumprir. (...) Tudo fiz para não marcar com o sangue generoso do povo brasileiro o caminho que me trouxe de volta a Brasília. Sabem os partidos políticos, sabem os partidos políticos, sabem os parlamentares, sabem todos que, inclusive por temperamento, inclino-me mais a unir do que a dividir, prefiro pacificar a acirrar ódios, prefiro harmonizar a estimular ressentimentos. (...) Sob o meu governo, todas as liberdades públicas estão desde logo asseguradas.
De fato, ao assumir a Presidência, Jango procurou desarmar seus opositores por intermédio da ampliação da base política do novo governo, buscando o apoio do centro sem abrir mão da sua relação com setores de Esquerda, de maneira a realizar uma política de conciliação marcada pelo diálogo com os diversos partidos representados no Congresso.
A formulação do programa do novo governo colocou como pontos centrais a defesa de reajustes salariais periódicos, compatíveis com os índices inflacionários; a política externa independente; a disciplina do capital estrangeiro; a nacionalização de algumas subsidiárias estrangeiras e as chamadas reformas de base - agrária, bancária, administrativa, fiscal, eleitoral e urbana. Dentre essas propostas de Jango, ganhava destaque a questão agrária e o aumento do controle sobre o capital estrangeiro no País. Dentre essas propostas de Jango, ganhavam destaque a questão agrária e o aumento do controle sobre o capital estrangeiro no País.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com o retorno ao presidencialismo, por decisão da esmagadora maioria dos votantes no plebiscito de janeiro de 1963, Jango iniciou um esforço ingente para estabelecer uma aliança com o PSD para que lhe desse suporte parlamentar para as reformas de base. Conseguiu, assim, o apoio necessário para aprovar a Lei da Remessa de Lucros e continuou a luta pela aprovação, no Parlamento, de sua fórmula para a Reforma Agrária, que consistia em introduzir na Constituição o princípio de que a ninguém é lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade.
O objetivo almejado pelo Presidente, com seu projeto de Reforma Agrária, era dar terras, em pequenos lotes, a 10 milhões de famílias, da mesma forma que a lei norte-americana fizera um século antes, distribuindo aos pioneiros o seu Oeste e criando o mercado interno, que foi o fundamento da prosperidade daquela nação. Jango sempre dizia que, com milhões de proprietários, mais famílias iriam comer, viver e progredir; mais gente se fixaria no campo; a propriedade estaria mais defendida e o capitalismo, consolidado. Como se pode ver, uma concepção que nada tem a ver com o ideário comunista.
Apesar das tremendas dificuldades políticas que o Presidente João Goulart enfrentou ao longo de todo o seu Governo, ele conseguiu, ainda assim, implementar medidas de grande relevância para o País e a classe trabalhadora: instituiu o 13º salário; criou a aposentadoria especial, em razão da natureza do serviço; determinou a regulamentação do Estatuto do Trabalhador Rural e do Código Nacional de Telecomunicações, que deu origem à Embratel e autonomia às telecomunicações, antes sob o monopólio de empresas estrangeiras; instalou a Eletrobrás e reformulou a legislação sobre o Fundo de Eletrificação, assegurando, assim, a expansão da capacidade nacional de produção de energia elétrica.
Goulart ainda inaugurou três grandes usinas - Usiminas, Cosipa e Ferro e Aço de Vitória. Autorizou a Petrobras a entrar no mercado nacional de distribuição de derivados de petróleo, que era restrito às companhias estrangeiras, cuidando, contudo, de conferir à estatal o monopólio para o fornecimento aos órgãos do Governo. Por fim, determinou a venda, com financiamento de longo prazo, dos conjuntos residenciais construídos pelos Institutos de Previdência Social, em todo o Brasil, beneficiando cerca de 100 mil famílias. Iniciou, ainda, a instalação de hospitais regionais da Previdência.
Porém, a violenta e tenaz campanha das forças conservadoras para desestabilizar o Governo João Goulart nunca arrefeceu, não obstante seus ingentes esforços de composição política, acabando por se consumar no colapso da ordem constitucional e na deposição do Presidente. É evidente, como afirmava o falecido Senador Darcy Ribeiro, que Jango não caiu por ocasionais defeitos de seu Governo. Foi derrubado em razão de suas altas qualidades, como o responsável pelo maior esforço que fez entre nós para passar o Brasil a limpo, criando aqui uma sociedade mais livre e mais justa.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como afirmou o Presidente Getúlio Vargas, João Goulart foi um infatigável amigo e defensor dos trabalhadores brasileiros. Foi um estadista comprometido com um ideário reformista, que acreditava numa transformação gradual da sociedade. Jamais se afastou de seu compromisso com a ordem democrática, lutou pelo desenvolvimento autônomo e equilibrado da economia brasileira, batalhou incansavelmente pela redução da desigualdade social.
A reabilitação perante o povo brasileiro foi deflagrada pela exposição do busto de Jango e de fotos que assinalam momentos importantes do seu governo, na mesma data e local do comício que precedeu a Revolução de 1964. Naquele evento, o então Presidente decretou a desapropriação de terras, encampou refinarias e pediu uma nova Constituição.
A História haverá de lhe fazer justiça.
Portanto, Sr. Presidente, em nome do Partido Trabalhista Brasileiro, ao se inaugurar a exposição “Jango, João Goulart”, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com trinta fotos da história desse grande vulto brasileiro, faço esta justa homenagem.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.
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