Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da implantação de penas alternativas para melhoria do sistema penitenciário brasileiro.

Autor
Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Defesa da implantação de penas alternativas para melhoria do sistema penitenciário brasileiro.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2002 - Página 2508
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO ESPECIAL, SEGURANÇA PUBLICA, NECESSIDADE, ANALISE, PROBLEMA, SISTEMA PENITENCIARIO, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, AUTORIA, ORADOR, REORGANIZAÇÃO, PRISÃO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.
  • REGISTRO, DADOS, DIMENSÃO, LOTAÇÃO, ESTABELECIMENTO PENAL, ATUAÇÃO, CRIMINOSO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, PRESO, CONTROLE, CRIME ORGANIZADO, FALTA, CONDIÇÕES SANITARIAS, PRESIDIO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CONSUMO, DROGA, AUMENTO, DOENÇA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • ANALISE, CUSTO, MANUTENÇÃO, PRESO, DEFESA, ALTERNATIVA, PENA, RESTRIÇÃO, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, BENEFICIO, CORREÇÃO, CRIMINOSO, REGISTRO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, RECOMENDAÇÃO, ESPECIALISTA, ASSUNTO, REDUÇÃO, VIOLENCIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a violência em nosso País chegou a tal ponto que o Congresso Nacional, que jamais ficou alheio ou omisso, houve por bem instituir uma Comissão Especial Temporária para analisar todos os projetos existentes na Casa e para apresentar, em 60 dias, sugestões para minimizar a violência no Brasil.

            Tenho a certeza de que, depois dos trabalhos dessa Comissão, depois de votadas as matérias nas duas Casas, algum avanço teremos alcançado, embora entenda que, se aplicássemos as leis atuais, certamente teríamos diminuído em pelo menos 50% a violência em nosso País. O que se observa é que todos esses criminosos de alta periculosidade, quando são presos, já têm extensa ficha policial e às vezes são reincidentes até mais de uma vez.

            Gostaria de apresentar também a minha colaboração a essa Comissão e penso que, entre as medidas discutidas pelo Congresso Nacional neste momento, no esforço de deter o assustador crescimento da violência no Brasil, não se deve esquecer ou relegar a plano secundário a questão do sistema penitenciário, verdadeiro “estado-maior” da organização do crime. Não se pode também reduzir essa discussão às modificações do controle interno das instituições presidiárias, pois o problema apresenta dimensões complexas, com aspectos jurídicos, estruturais e sociais agravados por circunstâncias históricas e culturais.

            Sem a pretensão de esgotar a análise do tema - o que, na verdade, fugiria aos objetivos deste pronunciamento -, solicito às Srªs e aos Srs. Senadores atenção para a síntese que passo a expor, a fim de que possam apoiar, se for o caso, o encaminhamento que proponho com a finalidade de reverter o quadro lastimável das prisões brasileiras, objeto de crítica de organismos internacionais e da imprensa mundial, e quartéis estratégicos da propagação da violência, do tráfico, dos seqüestros e de outros crimes que apavoram a nossa sociedade.

            A Antigüidade, Srªs e Srs. Senadores, desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada como sanção penal. Mesmo havendo encarceramento de delinqüentes, este não tinha o caráter de penas, mas, sim, de preservar os réus até o seu julgamento ou execução. Recorria-se à pena de morte, às penas corporais e às penas infamantes. Os lugares onde se mantinham os acusados até a realização do julgamento eram diversos, já que não existia ainda uma arquitetura penitenciária própria. Utilizavam-se calabouços, aposentos de castelos, torres, conventos abandonados, subterrâneos de palácios e outros edifícios. O direito era exercido por meio do Código de Hamurabi ou da Lei de Talião, que ditava: “Olho por olho, dente por dente”; tinha base religiosa e moral vingativa.

            Durante os séculos XVI e XVII, a pobreza se abateu e se estendeu por toda a Europa. Os distúrbios religiosos, as guerras, as expedições militares, a extensão dos núcleos urbanos e a crise das formas feudais da economia agrícola contribuíram para o aumento da criminalidade. Ante tanta delinqüência, a pena de morte deixou de ser uma solução adequada. Na metade do séc. XVI, iniciou-se um movimento de grande transcendência no desenvolvimento das penas privativas de liberdade, na criação e construção de prisões organizadas para a correção dos apenados.

            A mais antiga arquitetura carcerária data de 1596, construída em Amsterdã, que se destinava, em princípio, a mendigos e jovens malfeitores condenados a penas leves ou longas, com trabalho obrigatório, vigilância contínua, exortação e leituras espirituais. Já as raízes do Direito Penitenciário começaram a se formar no séc. XVIII. Durante muito tempo, o condenado foi objeto da execução penal, e só recentemente ocorreu o reconhecimento dos direitos da pessoa humana do condenado, ao surgir a relação do direito público entre o Estado e o sentenciado.

            Após a II Guerra Mundial, surge, em vários países, uma lei de execução penal como na Polônia, Argentina, França, Espanha, Brasil e outros Estados-Membros da Organização das Nações Unidas - ONU. Somente a partir do segundo Código Penal, em 1890, aboliu-se a pena de morte e surgiu o regime penitenciário de caráter correcional, com a finalidade de ressocializar e reeducar o detento.

            Hoje, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil administra um dos maiores sistemas penais do mundo, com cerca de 250 mil detentos, agrupados em 871 estabelecimentos de diferentes categorias, incluindo penitenciárias, presídios, cadeias públicas, cadeiões, casas de detenção, sem contar os distritos ou delegacias policiais.

            Em todos os sentidos, o sistema penal brasileiro é enorme. O Brasil encarcera mais pessoas do que qualquer outro país da América Latina; o sistema opera o maior presídio do continente; até mesmo o número de fugitivos atinge milhares. Infelizmente, os problemas desse sistema imenso e de difícil controle possuem proporções correspondentes, conforme comprovam os dados a seguir enunciados.

            A grave superlotação é, talvez, o problema mais básico e crônico a afligir o sistema penal brasileiro. A capacidade real de uma prisão é difícil de ser objetivamente estimada e fácil de ser manipulada. Mas não resta dúvida de que quase todos os estabelecimentos prisionais brasileiros estão superlotados. Como todos sabemos, prisões superlotadas são extremamente perigosas: aumentam as tensões, elevando a violência entre os presos, tentativas de fuga e ataques aos guardas. O Governo teria de investir R$1 bilhão para criar 80 mil novas vagas e acomodar os 250 mil presos que superlotam os presídios brasileiros. Nos últimos anos, foram criadas 70 mil vagas, mas a população carcerária aumentou em 120 mil pessoas. Nos principais presídios, bandos organizados controlam os presos.

            O pior, Srªs e Srs. Senadores, é que todos são jogados juntos. Assassinos são misturados aos ladrões de galinha. Reincidentes violentos e réus primários detidos por delitos menores freqüentemente dividem a mesma cela, situação que, combinada com as condições difíceis das prisões -- ausência de supervisão efetiva, abundância de armas e falta de atividades --, resulta em abusos entre os presos.

            Nas prisões mais perigosas, os detentos poderosos matam outros presos impunemente, enquanto até mesmo em prisões de segurança relativa extorsão e outras formas mais brandas da violência são comuns. A lei do cão, que não foi debatida por nenhum jurista e nunca passou pelo Congresso, é a única que vale dentro da cadeia.

            Os presos brasileiros são normalmente mantidos em condições subumanas nos presídios, nas cadeias e nas delegacias do País. Devido à superlotação, muitos deles dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro, próximo ao buraco do esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe espaço livre nem no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em redes. A maior parte dos estabelecimentos penais conta com uma estrutura física deteriorada - alguns de forma bastante grave.

            Forçados a conseguir seus próprios colchões, roupas de cama, vestimentas e produtos de higiene pessoal - de que sou totalmente a favor -, muitos presos dependem do apoio de suas famílias ou de outros de fora dos presídios. A luta por espaço e a falta de provisão básica levam à exploração dos presos por eles mesmos. Assim, um preso sem dinheiro ou apoio familiar é vítima dos outros presos. O “princípio” político vigente é, na verdade, semelhante ao abordado por Thomas Hobbes em seu livro Leviatã, homo homini lupus - o homem é o lobo do homem; ou análogo ao conceito do filósofo francês Jean-Paul Sartre de que “ inferno é o outro”.

            Nesse ambiente carcerário, a aprendizagem do crime e a formação de associações criminosas são meras conseqüências. O indivíduo que entra num presídio acaba entrando numa escola do crime, de onde sai grande conhecedor dos delitos e contravenções penais das mais diversas.

            Existem, dentro da prisão, fatores contundentes para a degeneração da saúde física e mental do recluso. As deficiências de alojamento e de alimentação facilitam o aparecimento da tuberculose, enfermidade encontrada por excelência nas prisões. Contribuem igualmente para deteriorar a saúde dos detentos as más condições de higiene dos locais, originadas da falta de circulação de ar, da umidade e dos odores nauseabundos. A não alternância entre o ócio e o trabalho configura um dano considerável na condição físico-psíquica do interno, pois a falta de atividade condiciona o indivíduo a um estado de inoperância e descompromisso.

            Pela inércia, pela falta de ocupação, pela carência de bons hábitos e costumes, inicia-se um processo degradante da personalidade do recluso. O apenado, diante da inatividade, acaba inevitavelmente, por relacionar-se com os demais sujeitos que estão ao seu redor, envolvendo-se também com drogas e alucinógenos que provocam, não raras vezes, a dependência física e psíquica.

            A violência das condições descritas atinge, da mesma forma, a vida sexual dos apenados. De caráter universal, o atentado violento ao pudor ocorre quase sempre na presença de terceiros, e os reclusos mais jovens são as maiores vítimas. Há a resistência, mas no final o jovem fica sem saída e acaba cedendo pelo temor que lhe é causado. Casos há em que o detento é “passado” por todos os demais da cela. São casos deprimentes, que muitas vezes se repetem pelo consentimento dos próprios guardas, em troca de propinas.

            Nesse cenário, a AIDS encontra as condições ideais de expansão e atinge 20% da população carcerária do Brasil, segundo pesquisa da Universidade de São Paulo, USP. Essa população é considerada de alto risco, principalmente por ser constituída, em sua grande parte, por um grupo de pessoas em contato com o uso ou o tráfico de drogas e discriminadas pela sociedade.

            Os indivíduos são provenientes de comunidades com acesso limitado aos cuidados de saúde especialmente em relação a atenção primária, detecção precoce e tratamento adequado das doenças. Populações encarceradas são representadas, em grande parte, por usuários de drogas. Esse dado ressalta o fato de que os presídios são o mais importante local de acesso às drogas injetáveis.

            Evidência adicionais indicam que a atividade sexual, tanto hetero como homossexual ocorre comumente nos presídios, facilitando a ação de doenças sexualmente transmissíveis. Como se não bastasse tudo o que foi dito, outros fatores ainda concorrem, Srªs e Srs. Senadores, para o agravamento do quadro penitenciário brasileiro. Mais de 30% dos presos do País ainda não tiveram suas sentenças julgadas em definitivo; cerca de 89% dos presos não desenvolvem qualquer trabalho pedagógico ou produtivo; 95% são indigentes e 97%, analfabetos ou semi-analfabetos.

            A reincidência na população penal é de 85%, o que demonstra que as penitenciárias não estão desempenhando a função de reabilitação dos detentos. As constantes fugas, rebeliões e mortes mostram, por outro lado, que o Estado precisa restabelecer sua autoridade no sistema penitenciário para reconquistar a confiança da sociedade.

            O fato de bandidos condenados imporem suas regras nos presídios, corromperem servidores, montarem exércitos do tráfico e liderarem as ações criminosas dos respectivos bandos nas ruas é um perigoso sinal de que o Estado está à beira da falência.

            De fato, o desafio do sistema penitenciário tal como se apresenta no País exige, para seu enfrentamento, adaptações e reformulações infra-estruturais capazes de assegurar o mínimo de adequação desses estabelecimentos às finalidades em função das quais foram implantados. As deficiências de toda ordem apontadas nas instalações físicas das penitenciárias, muitas em diferentes pontos do território brasileiro, comportam sua classificação como simples “depósito de presos”. Além disso, sobressaem disfunções de variada natureza, determinando que o cumprimento da pena se transforme, graças a fatores como a superlotação, a promiscuidade e a ociosidade, em via pura e simples dos que delinqüiram.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador Carlos Patrocínio, concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Concedo o aparte ao eminente Senador Antonio Carlos Valadares.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador Carlos Patrocínio, V. Exª desenvolve um discurso da maior importância, notadamente porque estamos, nesse instante, discutindo em todas as instâncias do Legislativo, do Executivo e do Judiciário e, de um modo geral, no seio da sociedade o sistema de segurança pública do nosso País e a matéria a que V. Exª se refere, a questão carcerária ou penitenciária do nosso País. É lamentável que um País como o nosso, considerado a 25ª economia do mundo em renda per capita, tenha uma situação tão deprimente em seus presídios. A promiscuidade, a desocupação e as instalações inadequadas, tudo isso é um relatório candente de uma processo que se vem agravando com o tempo. Tendo o Brasil se descuidado da questão social, todos os segmentos foram prejudicados, inclusive o sistema penitenciário, porque foi relegado a um segundo plano. Senador, recentemente, em meu Estado, Sergipe, ocorreu um fato estarrecedor. Mais de 200 presos, como vem ocorrendo ultimamente, abriram um túnel para fugir de uma penitenciária. Os policiais, antes que a fuga acontecesse, descobriram o buraco e para lá foram de armas em punho. Mas, por incrível que pareça, a munição era de festim. Então, a polícia, desarmada, não tinha como enfrentar os bandidos em fuga, muitos deles portando armas construídas na penitenciária. Apesar da vistoria feita pelas autoridades, os detidos sempre encontram algum jeito de fabricar alguma arma perfurante. Dispondo desse armamento, eles poderiam, naquele instante, se descobrissem que os soldados estavam desarmados, fugir em massa e, quem sabe, até assassinar aqueles pobres soldados. Essa é a situação em nosso País. Com o assassinato do Prefeito petista do Município de Santo André, a sociedade entrou em polvorosa. Todas as autoridades envolvidas na resolução do problema foram cobradas. Também o Senado Federal se mobilizou, cumprindo o seu papel. Nada menos de 288 proposições se encontram em tramitação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, aguardando solução e um resultado positivo. A Comissão Mista certamente se engrandecerá com o pronunciamento de V. Exª, porque ele é um relato fiel de tudo o que está acontecendo nas penitenciárias brasileiras e recomenda uma ação enérgica do Poder Executivo, no sentido de solucionar, de uma vez por todas, esse problema cíclico. Como V.Exª afirmou, mais de 80% desses presos são reincidentes. Eles saem da cadeia, mas voltam a praticar o crime, uma prova evidente de que a prisão não está reintegrando o cidadão à sociedade e não o ensina a obedecer as normas vigentes da sociedade. Felicito V.Exª pelo importante pronunciamento. Tenho certeza de que ele servirá, dentre tantos outros, como fundamento para a sustentabilidade da segurança pública e da melhoria das condições de nossas penitenciárias.

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Senador Antonio Carlos Valadares, agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento. V. Exª, um eminente representante do Estado de Sergipe, demonstra grande preocupação com essa questão e reforça minhas afirmações ao citar a tentativa de fuga dos sentenciados de seu Estado.

            Senador, falarei do custo de um preso e demonstrarei que se gasta mais com o preso do que com o policiais, que as penas alternativas seriam mais baratas para o Governo, e que não temos o direito de colocar um ladrão de galinha junto com um seqüestrador, um preso de alta periculosidade, que não zela pela vida de seus semelhantes.

            Convenhamos, Srªs e Srs. Senadores, se a prisão não oferece condições de recuperação, a pena de morte seria uma medida menos hipócrita - embora deva confessar que, por questões religiosas, éticas e até profissionais, sempre me posicionarei contrariamente à adoção dessa medida em nosso País. Daí a necessidade de renovação do sistema penal, inclusive mediante a aplicação mais freqüente das penas alternativas, como juristas de expressão insistentemente aconselham.

            No Brasil, conforme estatuído no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, a lei regula, entre outras, as seguintes penas: privação de liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. Não obstante essas medidas, a reiterada execução das penas privativas de liberdade ultrapassam em muito as demais. Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade deveria restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade como meio eficaz de impedir a ação criminosa cada vez maior do cárcere.

            Não se deve, desse modo, esquecer que a sanção não se resume à simples conseqüência do ilícito. Visa ela à correção da personalidade humana. Deve-se, portanto, aplicar, sempre que possível, o princípio maior da escola correcionalista segundo o qual não há criminosos incorrigíveis, mas incorrigidos.

            Apesar de a legislação autorizar sua aplicação, apenas 1,2% dos condenados brasileiros cumpre penas alternativas. Na Inglaterra, o índice é de 50%; nos Estados Unidos, 68% e, na Alemanha, 2% dos condenados estão na prisão, todos os outros cumprem penas alternativas.

            Este percentual impressiona, nobres colegas: enquanto na Alemanha 98% dos sentenciados cumprem penas de ressarcimento à sociedade em regime aberto, no Brasil 98,8% se encontram inativos, segregados, mergulhando ainda mais nos meandros do crime e vivendo inteiramente à custa dos cofres públicos, isto é, dos impostos pagos pelos cidadãos que trabalham e cumprem as leis.

            Se aplicássemos os tipos de penas alternativas, poderíamos promover uma retirada de cerca de 40 mil presos das penitenciárias. A ressocialização é incompatível com o encarceramento - pelo menos no Brasil, isso está demonstrado. O que se observa em toda parte é que a prisão exerce um efeito devastador sobre a personalidade, reforça valores negativos, cria e agrava distúrbio de conduta, é uma eficiente escola do crime.

            Congressos de especialistas, documentos internacionais de direitos humanos e vozes autorizadas de grupos têm recomendado incansavelmente que se reduza drasticamente o aprisionamento das pessoas, substituindo-o por outros mecanismos.

            Se o fim da prisão é, como já afirmamos, a ressocialização do preso condenado, se a ressocialização implica socialização dos valores do condenado, se é a experiência que possibilita a modificação e desenvolvimento dos valores, seria de se esperar que as prisões fossem ambientes, laboratórios que proporcionassem ao condenado uma gama de experiência que lhe incutisse ou que lhe permitisse desenvolver valores benéficos à sociedade.

            Entretanto, Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, como vimos, as prisões no Brasil não proporcionam ao condenado preso a sua recuperação. Os direitos previstos na Lei de Execuções Penais não são aplicados na prática. Enfim, sabemos que o ambiente de uma unidade prisional no Brasil, em regra, é muito mais propício ao desenvolvimento de valores nocivos à sociedade do que ao desenvolvimento de valores e condutas benéficos.

            Por outro lado, não se pode confundir um homicida com um ladrão de galinhas, com um sonegador de imposto ou um funcionário que comete peculato. Os crimes são bem diferentes, e os primeiros compreendem uma ação violenta direcionada contra a pessoa humana em relação a sua vida e a sua integridade física. Já os outros incidem sobre o patrimônio e resultam de uma ação de astúcia e esperteza.

            Estou convencido, Sras e Srs Senadores, de que a segregação só se justifica quando o convívio social representa perigo concreto. Estou seguro ainda de que a pena pecuniária, em alguns casos, desde que guarde adequação às condições financeiras de quem delinqüiu, tende a ser mais eficaz do que a privação da liberdade.

            A aplicação de penas alternativas é, pois, uma das soluções para o sistema penitenciário brasileiro, desde que assegurados os meios de fiscalização capazes, mas que certamente custariam muito menos para o Estado do que investir em casas de reclusão ou na terceirização de serviços.

            Um preso custa ao Estado, mensalmente, R$500,00 (quinhentos reais). Um condenado a serviços comunitários custa R$50,00 (cinqüenta reais) por mês, sendo que o retorno social e educacional é muito mais proveitoso para a sociedade.

            Paralelamente, com os presídios aliviados da superlotação, desenvolver-se-ia um trabalho para sua recuperação física, funcional e social. Proporcionando-se ocupação remunerada ao presidiário, poderá ele ressarcir o Estado das respectivas despesas e se habituar ao trabalho dignificante, o que lhe permitirá, posteriormente, a reintegração social.

            Srªs e Srs. Senadores, tratamento humanitário não é favor nem privilégio; é dever indeclinável do Estado assegurá-lo a tantos quantos mantém sob sua custódia. Consideremos, entretanto, a adoção de penas alternativas, não só como medida de humanização dos presídios, mas também como estratégia para a redução da violência e para o desmantelamento do principal quartel do crime organizado em nosso País.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Carlos Patrocínio, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Concedo, com muita honra, um aparte ao Senador Casildo Maldaner.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Carlos Patrocínio, não entrarei, é claro, no mérito da questão, no estudo profundo que V. Exª fez dessa ou daquela pena, da forma de prisão alternativa na Europa, na Alemanha. Esse trabalho que V. Exª desenvolveu de como podemos aliviar, desalojar, minimizar a questão dos presídios, das lotações, merece todo o nosso respeito. Gostaria de cumprimentá-lo, Senador Carlos Patrocínio, pelo estudo e pelo fato de despertar o interesse da sociedade, dos responsáveis, enfim, de todos com relação à premência que estamos a viver no País. Quão bom seria se não houvesse presídios lotados, quão bom se não houvesse tantos presos, e quão bom se houvesse mais tranqüilidade. É neste conjunto de idéias, de como minimizar, de como separar, de como realizar, de como aproveitar, de não deixar os mais perigosos com outros cujas penas são menores, que devemos tratar o tema. Pois, após cometido o crime, temos de enfrentar, de resolver. Mas, como fato preponderante, temos de atacar em conjunto as causas. Devemos evitar, Senador Carlos Patrocínio, a superlotação nas penitenciárias, nas prisões. Talvez uma das causas seja a de que milhares de jovens que não conseguem estudar - dos 16 aos 24 anos -, ou passam no vestibular mas não podem estudar porque não têm como pagar, os pais não possuem recursos e os filhos deixam de freqüentar a escola, não buscam o aprimoramento e, com isso, não encontram emprego; então, como esses jovens não conseguem nada na vida, muitas vezes não estão preparados para o insucesso eles seguem por caminhos outros e enveredam no mundo do crime. Começam devagar, vão indo, vão indo e ocorrem os casos sérios Brasil afora. Muitos pais de família que não encontram também guarida, estão desempregados; o meio provoca a situação, vai viciando e conduzindo a isso. Precisamos evitar as causas. Com certeza, teremos nossas prisões e penitenciárias mais vazias e ofereceremos mais tranqüilidade a todos. Portanto, creio que devemos enfrentar toda essa problemática em conjunto, em diversas frentes. Cumprimento V. Exª por estar preocupado em qualificar e em classificar, também, como é que trataremos a segurança e a recuperação, para oferecer mais segurança à família brasileira. Não há a menor dúvida que devemos oferecer mais tranqüilidade à população, por isso é importante o debate de V. Exª, na tarde de hoje, não só nesta Casa, mas em todo o Brasil. Aliás, este é um tema que está em pauta no País, o problema da segurança e como enfrentá-lo. Ninguém sabe o que fazer e cada cidadão quer ter até um segurança para si. Há uma prisão em cada canto e em cada lugar. Não é possível mais sair depois das 22 horas, pois a insegurança é total. “Vamos nos enclausurar” é a expressão hoje. Por isso temos que parar para meditar. Ao lado das causas, nós vimos, desde o começo até a parte final, como qualificar, como classificar, quando acontecido. Agora, quanto antes e quanto mais pudermos evitar, sem dúvida, ajudaremos o conjunto. Parabenizo V. Exª porque, como médico, como homem preparado dessa área, vem buscar as questões fundamentais nessa tese, pois faz um estudo profundo de como as questões são tratadas nos países do Primeiro Mundo e como podemos aplicá-las também em nosso País.

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Eminente Senador Casildo Maldaner, quis exatamente provocar a discussão desse tema. Estamos apresentando uma sugestão para minimizar a degradante situação das penitenciárias brasileiras, mostrando que ali existem vários presos que já deveriam ter saído, até porque já cumpriram pena. São centenas de pessoas que já cumpriram pena. Estamos mostrando a degradação do sistema penitenciário brasileiro. A pessoa que lá viver durante algum tempo estará, ao nosso ver, inexoravelmente perdido para a vida em sociedade.

            Então, é uma maneira de mostrar a esta Comissão que teremos que agir também na questão penitenciária. Mas, o mais importante para acabar com tantas prisões no Brasil, com tantos mandados de prisão não cumpridos, evidentemente, é o investimento no social, conforme já disse aqui o eminente Senador Antonio Carlos Valadares. Mas, aí, eminente Senador Casildo Maldaner, é uma questão muito mais complexa, que merece um trabalho diuturno desta Casa, que deseja implantar o sistema de renda mínima no Brasil, que deseja erradicar a pobreza no País - e até já criamos um fundo. É um assunto a ser demoradamente discutido. É dessa forma que evitaremos a lotação atual dos nossos presídios.

            Agradeço, portanto, a participação de V. Exª e o cumprimento pela preocupação. Espero que possamos, quem sabe um dia, fazer com que todas as nossas crianças tenham uma vida digna e que não precisem seguir pelo caminho do vício ou da criminalidade.

            Obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo112/5/241:15



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2002 - Página 2508