Discurso durante a 25ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DESRESPEITO AS GARANTIAS E DIREITOS INDIVIDUAIS NO EPISODIO DA APREENSÃO DE DOCUMENTOS NA EMPRESA LUNUS, NO MARANHÃO, DE PROPRIEDADE DA GOVERNADORA ROSEANA SARNEY E DO SR. JORGE MURAD.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • DESRESPEITO AS GARANTIAS E DIREITOS INDIVIDUAIS NO EPISODIO DA APREENSÃO DE DOCUMENTOS NA EMPRESA LUNUS, NO MARANHÃO, DE PROPRIEDADE DA GOVERNADORA ROSEANA SARNEY E DO SR. JORGE MURAD.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2002 - Página 2601
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REPUDIO, ILEGALIDADE, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, FALTA, COMPETENCIA, CUMPRIMENTO, MANDADO JUDICIAL, BUSCA E APREENSÃO, EMPRESA, JORGE MAYNARD, PROPRIETARIO, CONJUGE, ROSEANA SARNEY, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CRITICA, DESRESPEITO, SIGILO, JUSTIÇA, DIVULGAÇÃO, IMPRENSA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, ACUSAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, JOSE SERRA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, RESPONSAVEL, MANDANTE, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, PREJUIZO, CANDIDATURA, ROSEANA SARNEY, GOVERNADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA).
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESPIONAGEM, DESRESPEITO, ESTADO DE DIREITO, DEMOCRACIA, APREENSÃO, RETORNO, AUTORITARISMO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, foram muitas as versões divulgadas sobre o que vou dizer. Umas, que venho defender minha filha; outras, que venho destilar o sentimento de ira e de vingança contra o Presidente da República; outras, que venho entrar na vida privada das pessoas. Não sou responsável por nenhuma dessas versões. Não tenho mais idade para mudar. O Brasil conhece o meu temperamento.

            Venho cumprir, isso sim, o meu dever de homem de Estado responsável pela transição para a democracia. Falo, então, como ex-Presidente perante esta Casa.

            Esperei que os últimos anos da minha vida fossem dedicados à literatura, distanciado cada vez mais da luta partidária, sem perder a minha serenidade na avaliação das indignidades.

            As conversas privadas entre homens públicos devem ser respeitadas. Não estou quebrando essa regra ao recordar que disse ao Presidente da República, em visita que me fez há cerca de dois meses:

            “- Presidente, o Senhor desfruta de prestígio internacional e de respeito de todos nós. Não permita que seu governo seja conspurcado neste processo de sucessão. Assegure que o jogo democrático possa fluir sem manobras sujas. As sucessões apaixonam e, muitas vezes, destroem homens públicos.

            - Vejamos o exemplo de Nixon, Watergate, justamente porque procuravam derrotar o adversário com métodos amorais. Derrotou-se. Mas manchou-se Nixon perante a História”. Aí terminei: “Presidente, vigie seus maus amigos.”

            Já me haviam chegado ao conhecimento alguns procedimentos nada convencionais que me preocupavam, e a Sua Excelência os relatei. O Presidente me reafirmou que seu comportamento seria o de estadista e que sofria com pressões e cobranças pessoais que, muitas vezes, lhe infernizavam o quotidiano.

            É justamente nessa linha de colaboração com o País que estou falando. E é com amargura que vivo este momento. Não estou mais na idade de rasgar a alma com decepções e perplexidades tão chocantes.

            Não estou aqui como Senador do PMDB nem como pai. Não preciso demonstrar que tenho pela minha única filha um amor e afeto que não encontram limites.

            Falo pelo dever que tenho de defender o País e suas instituições, e a base delas são os direitos individuais. O direito de cada um de nós não ser espionado, escutado, seguido, perseguido, tocaiado pelo aparato do Estado. Assim é que se constrói e é o Estado de Direito.

            A Nação assistiu aos atos de violência política que aconteceram no Maranhão. Policiais armados, viaturas embaladas, aparato de efeito utilizados para criar um escândalo imenso não só nacionalmente, mas na cidade de São Luís contra a candidata à Presidência da República, em ato arbitrário, ilegal, de conotação política e fora da lei. Dois tribunais assim o consideraram: o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justiça, julgando que o cidadão só pode ser investigado por autoridade competente. A Governadora do Maranhão não está na jurisdição de Tocantins. É um privilégio? Não. Da mesma forma, os procuradores, os juízes que lá estavam gozam das mesmas prerrogativas de serem julgados por instâncias superiores. Assim também os desembargadores, secretários de estado, ministros, deputados, senadores e o Presidente da República -- que agora mesmo, quando a Reforma Judiciária pretende modificar essa norma, essa prerrogativa, manifestou-se contra.

            Toda decisão tomada por juiz ou qualquer autoridade sem competência é nula, não serve, é suspeita, em nada aproveita à Justiça. É decisão dos tribunais e consenso dos juristas. Cito, como isento, o ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro: “Toda prova feita ao arrepio da lei é considerada ilícita.” (20.4.99, O Globo)

            E é, mais uma vez, reiterada na decisão recente do Supremo Tribunal Federal, em acórdão no processo nº 80197, que considera nula a decisão do juiz incompetente.

            A ação praticada contra a Governadora do Maranhão foi arbitrária. Não basta sustentar falsas formalidades. Essas manobras são feitas com esses cuidados para esconder os seus verdadeiros objetivos. Ilegal, porque praticada por juiz e autoridades sem a competência legal para praticá-la, conforme decisões unânimes da Justiça.

            A terceira decisão é a do Superior Tribunal de Justiça, que diz que compete aquele órgão julgar os governadores de Estado.

            Assim descreve o jurista Saulo Ramos o que aconteceu:

Em diligências desse tipo, quem cumpre mandado judicial deprecado é oficial de justiça (art. 355, §2º, do Código do Processo Penal). E a polícia, a da comarca, somente pode e deve ser requisitada se houver resistência contra a busca e apreensão.”

“E há mais um detalhe, materializando a ilegalidade: o mandado judicial, expedido em Palmas, estava em carta precatória ao juiz do Maranhão e era este quem deveria, se necessário, requisitar a Polícia Federal de lá para cumprimento da diligência.

“Os policiais federais envolvidos não eram de Palmas nem de São Luís. Eram de Brasília, todos diretamente subordinados ao Superintendente da Polícia Federal, que se proclama legitimamente filiado ao PSDB, e que obedece a ordens do Ministro da Justiça. De Brasília, foram buscar a precatória em Palmas (logo, não estavam em diligência) e levaram-na para São Luís, agora, sim, em diligência de ‘perseguição’. Ali o juiz despachou: ‘Cumpra-se’.

“A história de cumprir mandado judicial é ridícula [é o jurista Saulo Ramos quem afirma], porque a polícia de Brasília não faz plantão em Tocantins. Ela, sim, foi mandada. O mandado foi mandado. Tudo foi mandado. E para o espaço também mandaram a lei processual.

            Esse, o aspecto da ilegalidade.

            Mas não fujamos da questão: de que se acusa a Governadora do Maranhão?

            A única acusação formal que existe, ajuizada numa Ação Civil Pública, está assim formulada, com a acusação de que, tendo conhecimento prévio das ilegalidades existentes no Projeto Usimar e posteriormente no voto em separado do representante do Ministério da Fazenda apontando e alertando para essas irregularidades na documentação apresentada, no dia da reunião resolveu aprovar o Projeto.

            Ora, o representante do Ministério da Fazenda não votou contra, e sim, aprovou sob condições.

            A esse Projeto, que propunha construir uma usina no Maranhão para mais de mil empregados para a indústria autopeças automobilística, qual o governador que, presidindo uma reunião que se realizava em seu Estado, votaria contra seu Estado? Qual o Governador que seria capaz de tomar uma providência, uma decisão, que não fosse essa? Mas esse crime, na própria denúncia feita contra a Governadora, diz-se que também foi praticado pelo Governador Dante de Oliveira, pelos representantes dos Ministérios da Defesa, da Energia, da Integração, do Planejamento, da Política Fundiária, pelo Governador do Acre, do Amazonas, do Pará, do Tocantins, pelo Basa, das classes produtoras e dos trabalhadores e pelo Superintendente da Sudam.

            Quem aprova um projeto não libera recursos. As liberações de recursos são feitas por um outro comitê gestor de incentivos fiscais, constituído por técnicos nomeados pelo Poder Executivo. Se o projeto é, na implantação, fraudado, a responsabilidade legal passa aos ordenadores de despesa e aos responsáveis pelo delito. Nós mesmos, membros do Congresso, já fomos citados para ações porque votamos projetos de lei que teriam prejudicado, e os tribunais todos disseram que não somos responsáveis pelas conseqüências ou pelas fraudes que se fazem nas matérias que aqui votamos. É como acontece nessas reuniões.

            Acusam a Governadora pela aprovação desse projeto, mas esquecem que o ex-Ministro José Serra responde a processo idêntico, de nº 96.00.01079-0, por “Improbidade Administrativa -- Ressarcimento ao Erário”, a outra ação, 2000.34.00.033429-7, com a finalidade de “Reparação de Danos ao Erário”, e ainda a várias outras ações ordinárias, cautelares, civis públicas, populares.

            Alguém invadiu algum local para procurar comprometê-lo, ou atrás de pistas que pudessem ligá-lo às acusações? Eu seria o primeiro a condenar.

            O próprio Presidente da República, cujo foro é o Congresso, tem parado na Câmara um processo de impeachment pedido por renomados advogados, que o acusam de compra de votos para sua reeleição. A Justiça do Distrito Federal mandou, no dia 6 de março deste ano, que o Presidente da Câmara lhe desse andamento.

            Há mais acusação contra a Governadora? Nenhuma. Se existe, é secreta, circula em - não sei como classificá-los - dossiês suspeitos, na arapongagem, no consta, no deve-ser. Nenhuma acusação legal lhe foi feita. E essas coisas são feitas porque se tornaram uma rotina que enoja a vida pública brasileira.

            Nada tem ela com Sudam, nenhum projeto da Sudam ou Sudene, ou seja lá o que for. Seu comportamento sempre foi de uma mulher trabalhadora, séria e correta, tanto assim que, mesmo após toda essa campanha - a mais sistemática que já se fez neste País -, segundo pesquisa do Ibope, detém no Maranhão 88% de confiança em sua honestidade e 85% na aprovação de seu governo, índice maior do Brasil.

            Mas planejou-se esse escândalo com o objetivo de afastá-la da sucessão. Aqui está a relação dos processos a que me referi da mesma natureza daquele outro em relação ao Ministro José Serra. Não quero dizer nada que não esteja absolutamente comprovado nas coisas publicadas na imprensa e não desmentidas.

            Não há como esconder que tudo isso foi planejado para afastá-la da sucessão. Aí vem o mais ignominioso. Se não há nada contra ela, busca-se seu esposo, no preconceituoso machismo de mulher dependente do marido! Como envolvê-lo? Em 1994 - portanto, oito anos atrás -, ainda não casado, ele vendeu à empresa Nova Holanda, que fica a mil quilômetros de São Luís, uma gleba de terra, o que não tem nada demais.

            Tiram, então, nesse processo inquisitorial, a ilação sem nenhum indício de que era o marido da Governadora ligado à empresa Nova Holanda. Há alguma coisa contra ela? Não.

            A evidência da montagem foi tão primária que, para tentar justificá-la, dar um caráter de investigação, incluíram essa pobre empresa que nunca figurou em irregularidades na Sudam e que é conhecida na região pela produtividade agrícola e de melhor tecnologia.

            Aqui está o Relatório Final de um ano e meio de trabalho do Grupo Especial criado para examinar as denúncias sobre a Sudam, base de todo o inquérito. Em nenhum lugar se encontra o nome Nova Holanda. Está à disposição de quem quiser ver.

            Então, invadem a Lunus sob a capa de descobrir essa vinculação. Ridícula montagem! Diante das coisas que acontecem no Brasil, é essa a preocupação que existe. Mas tudo é secreto, escondido. O acusado não sabe do que é acusado. Invade-se primeiro, depois se propala a finalidade da invasão e a acusação. Os policiais que cumpriram a diligência, quando lá chegaram, diziam que não sabiam do que se tratava.

            O Padre Vieira foi encarcerado pelo Tribunal do Santo Ofício, também, sem saber do que era acusado. Assim era o método da Inquisição. Os juízes lhe perguntaram: - ‘Por que está sendo processado?” Vieira respondeu: - “Eu é que devo dizer do que sou acusado? Não os senhores? Será que é por causa da defesa que faço dos judeus?” Responderam-lhe eles: - “O senhor acaba de confessar sua culpa e o seu crime”. E o encarceraram. Era assim o método da Inquisição.

            Isso se deu em 1663. Estamos em 2002 - 340 anos depois - e o método não mudou, ainda se usa num País do Estado de direito. Há que se perguntar ao acusado, e é ele quem tem que responder do que está sendo acusado! Vieira chamou seus julgadores de “eqüíssimos doutores” e, em seguida, esclareceu, para que eles não pensassem que fosse eqüinos, que não falava de equus, mas de eqüidade.

            Aqui está o mandado de busca que foi para o Maranhão, não cita nome, não tipifica nenhum crime, não revela o motivo da busca.

            Eu vejo o Senador Jefferson Péres, que é um grande jurista, dizendo “atos de sangria destinados ao recurso do Finam”.

            Mas o delegado Paulo de Tarso Gomes diz: “vimos buscar ouro”. É o subconsciente que fala: foram fotografar o dinheiro, fazer a foto para ser distribuída à imprensa, já que estavam há muito tempo espionando e gravando. Tratava-se do mesmo delegado encarregado de desmontar o dossiê Cayman.

            E o Procurador Mário Lúcio Avelar diz: “O processo envolvendo a Lunus nasceu com a busca e apreensão.” Logo, não existia nada antes. Foi feito com esse objetivo.

            Sr. Jorge Murad afirma que recebeu doação de pré-campanha, por ela assume toda e qualquer responsabilidade e por ela responde. Que a Justiça apure sua legalidade e tome suas decisões.

            Não é novidade que as campanhas políticas são feitas de doações. O Senador Antonio Carlos Magalhães conta, como testemunho - o que é grave, pois demonstra a que ponto ele estava depondo com absoluta sinceridade -, sobre a memória de seu grande filho, Luís Eduardo Magalhães, que viu, em 1994, o Senador Andrade Vieira entregar R$5 milhões - hoje, atualizado, R$10 milhões - como contribuição à pré-campanha do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a presença do candidato. Aqui estão as declarações feitas pelo Senador Antonio Carlos Magalhães no Programa Boris Casoy.

            A última campanha eleitoral do Presidente Fernando Henrique Cardoso custou oficialmente R$43 milhões, mas a Folha de S. Paulo divulgou uma planilha que registra R$53 milhões.

            Vamos à etapa seguinte: quem executou tudo isso? A Polícia Federal, a quem está hierarquicamente subordinada esta instituição? Pela ordem, ao Superintendente de Palmas; depois, ao seu Diretor-Geral, ao Ministro da Justiça e, ao final, na ponta da linha, ao Presidente da República.

            Em casos como este, o mandado, ou seja lá o que for, principalmente contra um governador de Estado, o menor gesto de prudência contra uma autoridade, com foro privilegiado, seria mandar que fosse examinado pelo seu departamento jurídico. Assim procedeu o Ministro Renan Calheiros, quando era Ministro da Justiça.

            Quem neste País, pergunto, não desconfia que houve uma ação política com propósito determinado? E, no fim da operação, surge um estranho fax ao Presidente da República, comunicando o sucesso da operação. E o número utilizado foi o do fax particular do Presidente, número secreto, protegido pela Segurança do Palácio do Planalto.

            A diligência dos policiais que foram ao Maranhão tinham a faculdade de ter esse número - que, no dia seguinte segundo os jornais, foi até trocado?

            Neste mar de imprecisões, em que se espalham as versões, fala-se que é um inquérito que tramita há três anos. A pergunta que se faz é a seguinte: por que só agora, depois que a Governadora do Maranhão subiu nas pesquisas, essa diligência foi feita?

            É difícil sustentar algo quando se trata de uma montagem. Esse processo não tem três anos, foi feito recentemente. É de 2002, está aqui! Feito exclusivamente com essa finalidade. É um processo autônomo: “Busca e apreensão”; está aqui. E para estarrecer todos nós e nos considerarmos idiotas neste País, está escrito: sigiloso.

            Sigilo para proteger o vazamento, a calúnia, a mentira, o desrespeito à dignidade das pessoas, expostas a todas as versões, que podem ser circuladas, quaisquer que sejam, e publicadas.

            A Polícia - o aparato do Estado -, dessa maneira, foi transformada em polícia política. Não há como se raciocinar de outra maneira.

            No Zimbawe, o Presidente Roberto Mugabe, agora, acaba de ganhar a eleição. Confinou os dois candidatos de Oposição e venceu. Mas a União Européia não aceitou o resultado e contestou a eleição. Na Colômbia, seqüestrou-se também uma candidata. Está lá a pobre mulher, seqüestrada, até hoje! No México, chegaram a matar um candidato, o Sr. Colósio, e assassinaram o seu possível substituto, que era o Ruiz Massieu, porque eles poderiam vencer.

            Tudo vale nesse submundo da podridão das liberdades violadas. Tudo pode acontecer! Portanto, devemos ficar alertados para esses fatos. Como diz um provérbio chinês, “uma grande caminhada começa no primeiro passo”.

            Atrás, os dedos escondidos, os fingimentos, a desfaçatez das negativas, que não cabem no formalismo com que tentam esconder planos e objetivos.

            A data, a hora e a vez foram escolhidos: uma sexta-feira, fim de tarde, sem possibilidade de uma providência rápida perante os tribunais. Todos sabiam qual era o tribunal competente para julgar a Governadora. Numa sexta-feira, numa correlação com uma revista semanal que tinha até outdoors programados e publicados; com repórteres lá, acompanhando tudo.

            E aqui está: sigiloso!

            Esses métodos, Sr. Presidente, Srs. Senadores - não estou tratando apenas da situação em questão, - não podem ser utilizados. É meu dever como homem público dizê-lo. Isso mancha o País. Não fica bem ao Presidente Fernando Henrique que isso ocorra durante o seu Governo.

            Não censuro a revista. Ela tem interesse em dar furos e noticiar. Censuro aqueles que prepararam essa ação, violando a lei e os direitos fundamentais, pois não é a lei que se busca cumprir. É o escândalo para caluniar.

            De que adianta dizer a Constituição que todos temos direito à defesa, que ninguém é culpado senão depois de julgado pela Justiça em procedimentos legais e normais? O que adianta? É um Texto morto!

            O aparato do Estado espalha, sem defesa, como aconteceu, versões, documentos e calúnias. É assim que funcionavam os antigos DOPs e Gestapo. Todas as polícias políticas funcionam dessa maneira. E o pior é que hoje, neste tempo de comunicação, em tempo real, a imagem fica danificada sem nenhuma remissão, e é impossível que alguém se defenda. Uma vez solta a calúnia, nada pode recuperar a verdade. Nada! Fica sempre alguma coisa no ar.

            O Padre Vieira falava sobre a calúnia, que são como penas de aves, que a gente despena e solta no vento; depois, vai-se recolhê-las. É impossível recolhê-las todas.

            Mas Beaumarchais tem uma página sobre a calúnia extraordinariamente bela. Bela e terrível, bela na maneira que é escrita, mas terrível sobre os sentimentos humanos. E termina dizendo que a calúnia é o mais execrável de todos os crimes. Por quê? Porque ele justamente proíbe o direito mais fundamental da pessoa humana, que é o de provar a sua inocência. Fica impossibilitado de provar a sua inocência.

            É um texto de há algum tempo, mas não é velho.

            O que vejo, Srs. Senadores, no Brasil de hoje, são esses fatos, que cito por necessidade de argumentar o que vou alertar ao País, aos Srs. Senadores e ao próprio Governo: o que vejo no Brasil de hoje - os senhores estão vendo aqui dentro; nós, os políticos, somos os primeiros a notar - é o medo dos dossiês, das escutas, da espionagem da vida privada das pessoas. Cada um que aqui está ouve: “Olha, cuidado, vai acontecer alguma coisa. Tome cuidado, estão preparando isso”.

            Um amigo meu, diplomata estrangeiro, me disse há quatro dias: “Como mudou o clima no Brasil rapidamente; está muito parecido com o que testemunhei no Peru, no Governo Fujimori”. E para perplexidade de todos nós, esse clima está agora criado em um Governo comandado por pessoas com uma biografia de luta contra o arbítrio. Mas há um fato cuja recorrência impressiona e intriga. É que toda referência a esse estilo característico de espionagem e dossiês nasce no Ministério da Saúde, então sob a responsabilidade do Ministro José Serra.

            Há um ano, a revista Carta Capital publicou a reportagem “Espionagem, Dossiê e a História”, que fala de um plano sobre a sucessão brasileira. É bom que os senhores a releiam, porque, se examinarmos, vemos que tudo isso aconteceu e vem se desdobrando até hoje.

            Diz a revista: “.. no Ministério da Saúde se teria produzido um conjunto de informações sobre atividades de Paulo Renato”, então um candidato que queria ser candidato. “Informações explosivas, pois indicariam uma das trilhas montadas pelo grupo em sua escalada rumo ao poder. Ainda segundo a história do dossiê, este teria sido montado no Ministério da Saúde; mais precisamente na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, onde funcionaria um sistema de espionagem... Eram sete os agentes, incluídos um do ex-SNI e da SAE (hoje Abin) e um ex-Chefe da Inteligência da Polícia Federal no Governo Fernando Henrique Cardoso”. E dá os detalhes. Está aqui, na Carta Capital, há um ano.

            A imprensa, em quase sua totalidade, publica que o mesmo grupo está conectado para essas ações políticas na Polícia Federal e no Ministério Público, citando um Delegado de Polícia que é Superintendente no Rio de Janeiro e um Subprocurador da República. É o que diz a Folha de S.Paulo, não eu.

            Leio a reportagem:

      Delegado e Procurador ligados a Serra atuam em investigações.

      O presidenciável tucano, Senador José Serra (SP), conseguiu reunir sob as asas de aliados as duas principais investigações em curso que podem implodir a campanha de seus adversários. São eles o Subprocurador da República José Roberto Santoro e o Delegado de Polícia Federal Marcelo Itagiba.

      Continuo lendo:

      Em viagem a Palmas (Tocantins), há duas semanas, o Subprocurador Santoro coordenou informalmente o pedido de busca e apreensão de documentos no escritório da pré-candidata pefelista e governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Trocou idéias com o procurador Mário Lúcio Avelar, que foi o autor do pedido, e orientou a estratégia a ser adotada.

      José Roberto Santoro e Marcelo Itagiba fazem parte da tropa de choque de Serra no aparato policial e de investigação. Os dois já estiveram juntos antes.

            É a Folha de S.Paulo quem diz isso, Srs. Senadores, não eu. Poderia até parecer que era um pai ferido.

            Continua a Folha:

      Ex-assessor especial de Serra no Ministério da Saúde, nos dois anos anteriores, o Delegado Itagiba havia demonstrado grande desenvoltura no exercício de suas funções. No dia 9 de março de 1999, por exemplo, representou o então ministro numa reunião com a diretoria da Abifarma (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica).

      Foi propor aos donos e dirigentes de laboratórios brasileiros que investissem dinheiro numa entidade não-governamental a ser criada para investigar e combater a falsificação de medicamentos. A proposta foi aprovada, segundo ata da reunião.

            Naquele tempo, do noticiário da revista Carta Capital, a Governadora do Maranhão não era candidata. Os concorrentes eram Pedro Malan, Tasso Jereissati e Paulo Renato. O primeiro explodiu pelo veto político; foi muito fácil. Elaborou-se um dossiê contra o Ministro Paulo Renato, que, ferido - e como o foi -, precisou sair da disputa. Tasso Jereissati também foi objeto de outro dossiê, que circula em redações, com informações contra ele, que seria usado caso resistisse ou persistisse em ser candidato. Disseminaram-se o medo e o método.

            A serem verdades as aparências, montou-se um grupo estatal para ações políticas. Na Folha de S.Paulo, a jornalista Mônica Bergamo, sem contestação, publica:

      Uma das primeiras atitudes do Procurador Mário Lúcio Avelar, do Tocantins, ao colocar as mãos na documentação apreendida, foi disparar telefonemas para o Procurador Santoro, considerado o mais próximo do candidato Serra.

            E conclui Mônica Bergamo:

      Gente, querem dizer que isso é do Serra? Então escreve: sou o procurador do Serra.

            Essa manchete foi publicada, e ninguém a desmentiu. Ela tem isso declarado. Certamente, nenhum jornalista, de posse de uma declaração tão grave, deixaria de ter dito ao interlocutor que suas declarações estavam sendo dadas a um jornal com responsabilidade.

            Na saúde, o Ministro José Serra multiplicou gastos com a empresa do ex-Chefe de Telecomunicações Eletrônicas do SNI e professor da Polícia Federal. Lamento essa vocação, porque jamais pensei que ela tivesse. A Fence tem contratos hoje de R$1.870 milhão, 6 vezes mais do que no ano passado e muitas vezes maior que os contratos para proteger os telefones de 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça.

            Assim, o Ministério da Saúde - que, todos sabemos, tem a finalidade de cuidar da saúde - dedica-se também a problemas de inteligência e espionagem. “Estranhas relações com o mundo dos arapongas” e “Na saúde, Serra multiplicou gastos com empresa de ex-agente do SNI” são manchetes do Correio Braziliense. A revista Isto É desta semana anuncia: “Grampos, chantagem e baixarias”. Esse é o clima em que foi transformada a sucessão presidencial no Brasil.

            São tantas as conexões, as evidências e as pistas que não há como esconder a ligação dos atos da Governadora do Maranhão à sucessão, que querem transformar nesse vale-tudo. Sou eu quem está afirmando isso? Não, Senhores Senadores. É uma unanimidade no País.

            O Governador Anthony Garotinho declara: “É estranho que a impressão digital do candidato do PSDB esteja tão presente na denúncia e na ação.”

            Disse Ciro Gomes: “Se há uma acusação, ela deve ser pública. Sempre que a polícia sai da delegacia para agir sobre um candidato, é bom pôr as barbas de molho.”

            Lula: “Tudo pode ter acontecido, mas o caso deveria ter sido apurado antes de Roseana se tornar candidata.”

            Brizola: “Duvido que o Presidente não soubesse.”

            Jereissati: “Um gesto de brutalidade (...), inadmissível.”

            Jânio de Freitas: “O uso das engrenagens do poder está mais desabrido e intenso do que jamais. Se no começo é assim, depois não será menos incondizente com os direitos e a legalidade que tanto têm custado a este país.” Jornalista Jânio de Freitas, que tem a responsabilidade de uma longa militância em defesa de direitos neste País.

            E José Genoíno: “Quase ninguém mais duvida - adversário, leal - de que a governadora foi vítima de espionagem e manipulação política e eleitoral no episódio da invasão da empresa Lunus”.

            Srªs e Srs. Senadores, a Polícia Federal é uma instituição de serviços prestados ao País. Tenho grande admiração por ela e lá tenho bons e velhos amigos. É formada de homens de bem, cujo exemplo maior temos aqui nesta Casa: o nosso Senador Romeu Tuma. Agora mesmo, o Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Garisto, pediu investigação ao Diretor-Geral da Polícia e afirmou: “O policial deve se pautar pela legislação vigente, não pode se deixar levar por interesses políticos.” Está aqui.

            Srªs e Srs. Senadores, não tenho peso na consciência de não ter dito isso, porque levei a ocorrência desse clima ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, comunicando-lhe o que ocorria, porque Sua Excelência tem deveres indeclináveis e responsabilidades intransferíveis.

            Seu juramento feito perante o Congresso foi este que está na Constituição: “…manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.”

            É um juramento solene, mas quem já foi Presidente e fez esse juramento sabe o peso que há dentro da gente quando se estende a mão para jurá-lo.

            Achei que devia adverti-lo para evitar que o aparato estatal fugisse de controle. Meu gesto era de colaboração, era um gesto de quem confiava.

            Getúlio Vargas não mandou matar o Major Rubem Vaz, na Toneleros. Mas Afonso Arinos, em famoso discurso, disse do peso da responsabilidade presidencial sobre o aparato do Estado e seus áulicos, que têm que ficar sob controle.

            Falei ao Presidente de denúncias que me chegaram. Agentes da Abin tinham-se deslocado para o Maranhão, Piauí e Pará, para devassar nossas vidas, de minha família, de meus amigos!

            O Presidente ligou-me dizendo que havia telefonado ao General Cardoso e que ele iria me procurar. O General realmente me telefonou e agora, dias atrás, fez-me uma carta.

            Eu nunca duvidei do General Cardoso. Mas o nome da Abin foi usado. Reportei-lhe - eu ao General Cardoso -, já procurando proteger o País desse jogo, dando-lhe conhecimento desses fatos. Disse-lhe que agentes que sempre trabalharam na área de informação do antigo SNI, não desmobilizados e não afastados da atividade, haviam sido contratados pelo Deputado Márcio Fortes para uma devassa na vida da Governadora do Maranhão, para acompanhar suas viagens, fotografá-la e gravar suas conversas. O General Cardoso me respondeu, quando lhe disse dessa segunda denúncia: “Isso é possível acontecer!”

            Se eu não estiver falando a verdade, que ele publique essa gravação. Creio que a Secretaria de Segurança Nacional deve ter todos os telefonemas gravados, até por segurança das pessoas que ali trabalham.

            Mas não me limitei somente a isso! Pedi ao Senador Lobão que também fizesse chegar os fatos ao Presidente, porque eu queria sensibilizá-lo. Eu não tinha nenhum motivo para não ter apreço ao Presidente e confiança nele. Também pedi ao Senador Jorge Bornhausen, Presidente do Partido, que dissesse isso ao Presidente - e ele disse.

            E, no dia do acontecimento, eu, na suposição de uma relação leal com o Presidente, telefonei-lhe não para pedir alguma coisa, mas para apenas confirmar os meus temores passados.

            -- Presidente, lembra-se da nossa conversa? Não deixe conspurcar o seu governo! Veja o que está acontecendo no Maranhão!

            Respondeu-me ele: -- Eu nada sabia.

            E eu não havia lhe perguntado. Não lhe havia cobrado se sabia ou não sabia. Mas disse-lhe:

            -- Nem o Ministro da Justiça sabia, Presidente?

            Respondeu-me: -- Não, e, se ele soubesse e não me avisasse, eu o demitiria hoje.

            Peço também que - caso sejam gravados os telefonemas na Presidência -, se não estou falando a verdade, que se publique se o Presidente não me disse que demitiria hoje o Ministro da Justiça.

            Mas, à noite - vejam como a gente se decepciona! -, ligo a televisão, e o Ministro Aloysio Nunes gabava-se de ter autorizado a diligência, de ter dado as ordens!

            Em seguida, perplexo e decepcionado, li a declaração do Presidente Fernando Henrique: “Esta é uma tempestade em copo d’água.”

            “Esta é uma tempestade em copo d’água”. Foi uma declaração infeliz, porque não foi essa a reação do Presidente Fernando Henrique no caso Chico Lopes, quando se falou em favorecimento pessoal no caso Marka/FonteCindam, fez-se uma diligência em sua casa e encontrou-se um bilhete com o depósito de US$1,6 milhão no exterior.

            O que disse o Presidente naquela época? - o que eu esperava que ele tivesse dito naquele dia. Disse da sua indignação, afirmando o seguinte ao Jornal do Brasil: “Não vejo nenhuma razão, nada que justifique o que aconteceu, nada realmente. Quero que a opinião pública brasileira repudie a volta do arbítrio no Brasil. Isto não tem sentido… Lutei muito contra o regime arbitrário, fui vítima dele. Acho que é preciso respeitar o estado de direito.”

            Foi a reação do Presidente - legítima, certa e correta naquele momento. E agora: “Tempestade em copo d’água!”

            Na operação na casa do Sr. Francisco Lopes, além do registro da conta do equivalente a R$3,8 milhões, também foi encontrado dinheiro. São palavras minhas? Não. São palavras do jornal O Estado de S. Paulo. “Apesar de os policiais terem contado as notas - diz o conceituado jornal -, o dinheiro não foi recolhido.” Nem, muito menos, fotografado.

            Agora, vou repetir porque é uma consideração que deve ser repetida. O Presidente responde que o que fizeram com a Governadora do Maranhão é “tempestade em copo d’água”!

            Será o caso do Maranhão a coisa mais urgente deste País, em termos de inquéritos? Onde está, por exemplo, o inquérito do Ministério da Saúde sobre o lobista Paes dos Santos, sobre a suspeita sobre o Sr. Duarte de que recebeu quantias comprovadas em sua conta, para a liberação de marcas de remédios? Baixou-se uma cortina de silêncio sobre o assunto, e o inquérito está parado.

            Quero também dizer uma palavra sobre o Ministro da Justiça, elo das responsabilidades hierárquicas previsto na própria Constituição. Para que se veja o estilo dessas coisas, vejam-se as pessoas. O atual ministro é um homem de biografia forte. Tem demonstrado coragem em sua vida. Já participou de operações bem mais complexas do que invadir um escritório de uma candidata à Presidência da República.

            Não é somente o passado do Ministro da Justiça que mostra esse seu temperamento. O jornalista Fernando Morais contou em Último Segundo, jornal da Internet, episódio ocorrido no aeroporto de Cumbica ao tempo em que o Sr. Aloysio Nunes era Vice-Governador de São Paulo. O jornalista Paulo Francis fez uma brincadeira com ele, e ele respondeu com palavras de baixíssimo calão, prometendo-lhe espancá-lo. Não sou eu que digo, está aqui a comprovação.

            Da mesma forma, aconteceu uma coisa que também não orgulha o Brasil, dentro do Palácio da Alvorada, na frente do Presidente da República. O Ministro da Justiça- está aqui na revista IstoÉ - também ameaçou espancar e matar o Governador do Ceará.

            Não dá tranqüilidade a ninguém que um homem com esse temperamento seja o guardião das liberdades públicas, das leis e da Constituição.

            Cito o Ministro Renan Calheiros, que, depois da operação Chico Lopes, baixou uma ordem proibindo a polícia a fazer diligências desse tipo que tinham sido feitas no Rio de Janeiro.

            Perguntam-me os senhores: “E o senhor, quando Presidente da República, como se conduzia nesses episódios?” Cito exemplos. Em São Paulo, foi aberto, quando eu era Presidente, um inquérito na Cosipa, Companhia Siderúrgica Paulista, em que se procurou envolver o então Senador Fernando Henrique Cardoso e alguns outros políticos, porque teriam indicado diretores da companhia que tinham feito coisas indevidas durante a gestão que lá estavam investidos. Chamei o então Diretor da Polícia Federal, hoje Senador Romeu Tuma - peço o seu testemunho - e disse-lhe que não permitisse jamais que se politizasse, em São Paulo, esse inquérito nem que se responsabilizasse alguém sem que o assunto estivesse devidamente guarnecido de todas as precauções e sem que fossem assegurados todos os direitos.

            E lembrem que o então Senador Fernando Henrique Cardoso era um dos que mais atacavam a minha pessoa naquele tempo.

            Quando assumi o mandato de Senador, em 1991, eu não tinha estreitas relações com o Senador Fernando Henrique, mas depois passamos a ter relações cordiais e depois estreitas relações neste plenário. Logo no início dessas primeiras semanas desse nosso relacionamento, o hoje Presidente, Fernando Henrique, meu colega Senador, pediu-me aqui no plenário: “Presidente, peço-lhe uma declaração em carta sobre aquele assunto da Cosipa”, porque o Governador Quércia estava procurando levantá-lo. Pediu-me que eu dissesse que nada tinha de pendente em relação ao caso e nem em relação a ele. Então, enviei-lhe uma carta nos termos em que me pediu.

            É assim que sou.

            Há outro exemplo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Em 1997, para intimidar o Sr. Luís Inácio Lula da Silva, forjou-se contra ele um inquérito. Sempre fui adversário do Lula. Com ele, nunca mantive relações pessoais, senão de respeito. Apenas por minha consciência, com a minha responsabilidade, escrevi, em 13 de junho de 1997, na Folha de S. Paulo, artigo intitulado “A Lula o que é de Lula:

      O país tem que aprender a preservar os seus homens públicos naquilo que têm de mais exemplar, que é sua vida. Não se trata de dar carta de imunidade a ninguém, mas não se pode, só porque o Lula é um líder de esquerda, aproveitar-se de sua notoriedade para, à custa dela, criar um escândalo.

            Minha conduta nesses episódios não se encerrou com esse fato, Sr. Presidente. Quando o empresário Abílio Diniz foi seqüestrado - eu era Presidente em 1989 -, quiseram envolver o PT como responsável por aquela ação criminosa, visto que a polícia de São Paulo sustentava o caráter político do crime e até se colocaram símbolos de campanha. Chamei o então Ministro da Justiça, Saulo Ramos, para que a Polícia Federal, por serem estrangeiros os seqüestradores e porque a Interpol havia sido acionada - o Senador Romeu Tuma pode testemunhar -, não envolvesse o PT apenas por suposições. O Ministro Saulo Ramos chamou Romeu Tuma e determinou que não se politizasse o assunto. Estávamos há poucos dias da eleição presidencial, e ninguém iria desvincular esse fato de uma ação política. Não permiti, nem o Ministro Saulo Ramos o fez, pois o Estado não pode, nunca, agir por motivação política.

            Sou assim. Essa sempre foi a minha maneira de ser.

            Não devemos nos esquecer quantos milhões de pessoas foram levadas ao forno crematório e às valas da Sibéria por investigações, inquéritos e papeluchos. Por um mandado, foi Olga Benário levada das masmorras do Estado Novo para um campo de concentração. Processos, inquéritos e condenações políticas forjadas foram sempre métodos de intimidação e liquidação de adversários - métodos ultrapassados na história da humanidade. O Brasil não pode ter inquéritos secretos para provocar o medo, o terrorismo moral, que continuam existindo nas ameaças que nos fazem, nas notícias que nos chegam, nas montagens que se processam. É este o estado democrático que queremos no Brasil?

            Os policiais que invadiram a Folha de S.Paulo em 1991 também estavam munidos de mandado judicial, de documentos, de autorizações. Apreenderam documentos cotidianos normais e os apresentaram como criminosos.

            Não estou aqui para defender a candidatura de minha filha. Por ela, não estaria na tribuna, tão veementes foram os apelos que me fez para não me meter nesse assunto depois dos graves problemas de saúde que enfrentei neste e no ano passado. Mas, movido pelo meu dever, com sacrifício, falo neste plenário. E todos que me conhecem sabem que estou de certo modo maltratando a minha personalidade. Falo, então, para que não se deixe manchar a imagem do País.

            Que se diga a qualquer cidadão do que é acusado; que tipifiquem o seu crime; que lhe assegurem o direito de defesa; que se condene quem tiver culpa, mas que se não invoquem nem façam simulacros mascarados sob a capa de formalidades. Que se diga: “os crimes da Governadora do Maranhão são esses, esses e esses”; “os crimes do Sr. José Serra são esses, esses e esses”. Que se especifiquem os crimes de qualquer cidadão, mas que não se usem esses métodos. Que se respeitem os direitos individuais e as garantias constitucionais e que não se use o aparado do Estado para ações que denigram reputações.

            O Governo pediu ao relator da ONU - chamado ao País para verificar os índices sobre o processo de alimentação - que não fosse ao Maranhão, devido aos nossos índices. Ele chegou depois de ocorridos esses fatos e veio a convite do Governo brasileiro, que relacionou os Estados a serem visitados. Naquele tempo, o relator da ONU iria ao Maranhão, porque era interesse do Governo - já que havia o convite - mostrar os índices do Estado, tendo em vista a campanha política que seria feita. Mas agora o Governo pede que o relator não vá ao Maranhão.

            S. Presidente, o Maranhão para mim não é só inspiração. É vida, é saudade que não deixa de doer um só dia, porque é um amor demais. Rui Barbosa dizia o mesmo da Bahia em seu primeiro e último discurso nesta Casa.

            Ruins são, infelizmente, os índices do Brasil. Não é o Maranhão o vilão do Brasil. O índice de desigualdade do Brasil é maior que o do Maranhão - no Maranhão, esse índice é 0.575; no Brasil, 0.595. Não seria o Maranhão que faria o Brasil ficar em situação ruim durante a visita do Sr. Ziegler àquele Estado.

            Pouco sabemos da Suazilândia. Podem os senhores perguntar: “Senador José Sarney, que relação tem isso com o seu discurso?” Suazilândia é um pequeno país dormitório, perto da África do Sul, onde quase toda a população anda descalça. Da Nicarágua sabemos, porque se trata de um país próximo. O que têm a Suazilândia, a África do Sul e a Nicarágua em comum com o Brasil? Segundo o relatório do Pnud, os quatro últimos países com maiores índices de desigualdade social no mundo são Suazilândia, Nicarágua, África do Sul e Brasil. Então, não é o Maranhão que envergonha os índices brasileiros.

            Mais do que nunca o Brasil precisa ficar acima de qualquer suspeita, em todos os escalões, sobretudo dos órgãos encarregados de zelar pela Constituição e pelos direitos da cidadania.

            O País quer paz, nós todos queremos paz. Não somente aquela paz da ausência de guerra, mas essa paz do Estado de Direito, que faz com que cada um de nós possa viver em paz, aquilo que Churchill definia de uma maneira tão simples: o que é uma democracia? É quando, às 6 horas, a campainha da sua casa toca, e você jamais pensa que é a polícia, sabe sempre que é o padeiro. É isso que é a democracia.

            Precisamos de paz. Todos sabem do meu temperamento. Nunca persegui ninguém, não pesa em minha consciência ter passado por cima de ninguém. Todos me conhecem e conhecem minha conduta. Já fui julgado pelo povo brasileiro. Já estou velho e, como disse, não estou mais para agüentar certas perplexidades.

            Tenho certeza da grande contribuição que dei à consolidação da democracia no Brasil. Como Presidente e como ex-Presidente, nunca fiz outra coisa senão procurar ajudar o governo, e, nesse sentido, o País é testemunha do meu comportamento; nunca procurei estabelecer um debate, uma divergência em relação ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Um ex-Presidente da República tinha que se conduzir dessa maneira.

            Sofre a Governadora do Maranhão uma perseguição política, pelo fato de ser candidata. Ela não pediu para ser candidata. Não era candidata, saiu candidata porque colocaram o seu nome na pesquisa, e o povo brasileiro levantou-a nas pesquisas. Ela está pagando por essa decisão do povo brasileiro. Não foi ela, coitadinha. Ela não teve essa ambição.

            Vamos marchar para as eleições sem esses métodos, para resguardar a imagem nacional, porque, se isso não ocorrer, somente me resta - e eu serei um daqueles a naturalmente fazê-lo -, na defesa do processo democrático, bater às portas da ONU, da OEA, do InterAction Council, do qual faço parte, e onde for necessário, pedindo observadores para as eleições brasileiras, a fim de assegurar a vigilância internacional da nossa sucessão, sobre como o processo decorre, as pressões, a legislação e os métodos. (Palmas.)

            Dói, dentro de cada um de nós, ter de pensar nessas coisas de regressão do Brasil. Estão acontecendo coisas que nos preocupam. A decisão do TSE sobre coligações cria um complicador novo, às vésperas da eleição, mudando as regras do jogo, o que confunde. Levantam-se suspeitas injustas que jamais deveriam envolver a Justiça Eleitoral.

            O Jornal de Debates traz esta matéria: “Urnas eletrônicas: 2002 e a fraude anunciada” O Ministro Nelson Jobim, segundo o Correio Braziliense, diz que “há falta de confiança por parte de alguns partidos, e essa desconfiança pode comprometer a eleição”. Acontece também que a Abin é a única detentora da chave criptográfica das urnas e do sistema eleitoral. E a Abin deve estar acima de qualquer suspeita.

            Enfim, há complicadores que se interligam.

            Uma eleição não é fraudada somente nas urnas. O processo pode começar fraudado. Nos casuísmos, na suspeita sobre esse tipo de segurança eletrônica, na intervenção do aparato do Estado.

            Como ocorreu em Watergate, as coisas deixaram pegadas. Os que fazem estas coisas pensam que podem, que elas desaparecem. Mas tenho certeza de que, algum dia, um jornalista brasileiro vai descobrir essa trama e fazer um best-seller, como o publicado nos Estados Unidos e que consagrou os repórteres do Herald Tribune. E aí os responsáveis não terão como recorrer a negaças. Não é possível que este processo, este método, esta trama fique oculta e seja apenas uma “tempestade em copo d’água”.

            Será assim que se pensa ser o futuro governo?

            O jornalista Elio Gaspari advertiu o País sobre o “perigo da mexicanização”.

            E Otávio Frias Filho, com a autoridade daquele editorial defendendo a democracia na primeira página na Folha de S.Paulo, escreveu:

O ambiente político está turvado de indícios de que a operação determinada pela justiça contra a pré-candidata foi apenas a cobertura legal para manobra mais oculta e suspeita. A governadora foi alvo de uma rede de espionagem particular, denunciada de antemão, e que resultou num dossiê destinado a prejudicá-la.

Mas estamos diante de algo preocupante. Trata-se do mais impressionante rolo compressor já montado na política recente. Dinheiro, recursos políticos, mídia, pressões, ameaças, tudo é usado para favorecer o candidato oficial. Detalhe importante: está sendo organizada uma estrutura paralela ao governo e a seu partido, algo sem precedentes.

            Faço questão de mostrar a fonte de tudo o que eu digo aqui.

            Já outro dia, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, o Sr. O’Neil, disse, para nossa lamentação, que os vergonhosos juros altos do Brasil eram devidos à corrupção.

            Aqueles que praticaram esta operação estão pensando que sua ação foi brilhante, brilhantíssima e que irão dela gozar pelo resto da vida. Mas podem descobrir que estão errados se pensarem no mal que fizeram ao Brasil e ao Presidente Fernando Henrique.

            Esses métodos não podem prosperar. O Presidente é o responsável perante o País, a Constituição e a História.

            Se a Governadora do Maranhão não fosse candidata - alguém tem dúvida ou algum idiota neste País pensaria diferente? -, nada disso existiria. Se ela aceitasse ser vice e não dissesse que as mulheres poderiam ser versa, isto é presidente, certamente não estaria amargando a manipulação de imagem cuja origem está no aparato estatal, fonte das versões por onde vazam todos os documentos, intrigas e acusações.

            No momento em que a independência judiciária é agregada à influência do Executivo, fique sabendo o Parlamento - falo isto olhando para Rui Barbosa -, o Parlamento não existirá mais, porque a liberdade não mais existe, porque não existe equilíbrio de poderes. Nasce aí o arbítrio. No princípio, essas coisas de que estamos falando nos parecem menores, olhamos um pouco assim acreditando que não são tão graves. Talvez estejamos vendo fantasmas ao meio-dia. Mas, depois, essas coisas vão crescendo e, quando nos damos conta do que acontece, já estamos perdidos.

            Sr. Presidente, também está ferida a imagem do Brasil no exterior. The Economist, a bíblia financeira do Primeiro Mundo, relata o que aconteceu no Maranhão. E aí há uma frase, uma pequena frase, que é terrível para a nossa imagem internacional: She may be right; em português, “Ela pode estar certa”. Cita que a Governadora do Maranhão diz que isso foi uma operação armada pelo Governo, pela polícia e pelo candidato José Serra. E a revista The Economist diz: She may be right: ela pode estar certa.

            Então, já é fora do Brasil que a nossa imagem está manchada com operação desse tipo. Como eu disse, essas coisas começam assim.

            O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Senador Jefferson Péres, eu pediria, porque não concedi aos demais colegas, que não me aparteasse. Seria muito honroso, realmente, mas peço a V. Exª que use um pouco do Regimento, nas explicações pessoais que possa fazer, porque sei que o aparte de V. Exª honraria muito o meu discurso.

            Quero terminar lembrando o Pastor Niemoller, um dos líderes da resistência protestante contra o nazismo. Este texto, muitas vezes, é atribuído a Bertolt Brecht, que também não negou que fosse dele. Diz:

Quando vieram buscar os comunistas,

eu não disse nada;

eu não era comunista.

Quando vieram buscar os judeus,

eu não disse nada;

eu não era judeu.

Quando vieram buscar os católicos,

eu não disse nada;

eu não era católico.

Então vieram me prender,

e não havia mais ninguém para protestar.

            Peço que meditem, senhores políticos, a imprensa e povo brasileiro.

            Muito obrigado. (Palmas.)

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR JOSÉ SARNEY

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            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são muitas as versões sobre o que vou dizer. Umas, que venho apenas defender minha filha; outras, que venho destilar um sentimento de ira e vingança contra o Presidente da República; outras, que venho entrar no lodo de invadir a vida das pessoas. Não sou responsável por nenhuma dessas versões. Não tenho mais idade para mudar. O Brasil conhece meu temperamento.

            Venho cumprir meu dever de homem de estado responsável pela transição para a democracia. Falo na condição de ex-Presidente.

            Esperei que os últimos anos da minha vida fossem dedicados à literatura, distanciado da luta partidária, sem perder a serenidade na avaliação das indignidades.

            As conversas privadas entre homens públicos devem ser respeitadas. Não estou quebrando esta regra ao recordar que disse ao Presidente da República, em visita que me fez:

            -- Presidente, o Senhor desfruta de prestígio internacional e do respeito de todos nós. Não permita que seu governo seja conspurcado neste processo da sucessão. Assegure que o jogo democrático possa fluir sem manobras sujas. As sucessões apaixonam e muitas vezes destroem homens públicos.

            -- Vejamos o exemplo de Nixon, Watergate, justamente porque procuravam derrotar o adversário por métodos amorais. Derrotou-se. Mas manchou-se Nixon perante a História. Presidente, vigie os seus maus amigos.

            Já me haviam chegado ao conhecimento alguns procedimentos nada convencionais que me preocupavam, e a ele os relatei. O Presidente me reafirmou que seu comportamento seria o de estadista, e que sofria com pressões e cobranças pessoais que lhe infernizavam o cotidiano.

            É justamente nesta linha de colaboração com o país e também com o Presidente que falo. E é com amargura que vivo este momento. Não estou mais na idade de rasgar a alma com decepções e perplexidades tão chocantes.

            Não estou aqui como Senador do PMDB nem como pai. Não preciso demonstrar que tenho pela minha única filha um amor e afeto que não encontram dimensão.

            Falo pelo dever que tem um ex-Presidente da República -- de defender o país e suas instituições, e a base delas são os direitos individuais. O direito de cada um de nós não ser espionado, escutado, seguido, perseguido, tocaiado pelo aparato do Estado, construído para proteger os cidadãos. Assim é o estado de direito, da lei, não dos homens.

            A Nação assistiu aos atos de violência política que aconteceram no Maranhão.

            Policiais armados, viaturas embaladas, aparato de efeito utilizados para criar um escândalo contra a candidata à Presidência da República, em ato arbitrário, ilegal, de conotação política e fora da lei. Dois tribunais assim o consideraram: o TRF e o STJ, julgando que o cidadão só pode ser investigado por autoridade competente. A Governadora do Maranhão não está na jurisdição de Tocantins. É um privilégio? Não. Da mesma forma, os procuradores que a investigam e os juízes gozam das mesmas prerrogativas de serem julgados por instâncias especiais.

            Assim também os desembargadores, secretários de estado, ministros, deputados, senadores e o Presidente da República -- que agora mesmo, quando a Reforma Judiciária pretende modificar esta norma, manifesta-se contra.

            Toda decisão tomada por juiz ou qualquer autoridade sem competência é nula, não serve, é suspeita, em nada aproveita à Justiça. É decisão dos tribunais e consenso dos juristas. Cito, como isento, o ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro: “Toda prova feita ao arrepio da lei é considerada ilícita.” (20.4.99, O Globo)

1

            E é, mais uma vez, reiterada na decisão do Supremo Tribunal Federal, em acórdão no processo no 80197, que considera nula a decisão do juiz incompetente.

2

            A ação praticada contra a Governadora do Maranhão foi arbitrária. Não basta sustentar falsas formalidades. Estas manobras são feitas com estes cuidados para esconder seus objetivos.

            Ilegal, porque praticada por juiz e autoridades sem a competência legal para praticá-la, conforme decisões unânimes da Justiça. “A investigação dos fatos incluídos na competência originária deste Tribunal deve ser feita aqui”, diz o TRF.

3

            Assim descreve o jurista Saulo Ramos o que aconteceu:

            “Em diligências desse tipo, quem cumpre mandado judicial deprecado é oficial de justiça (art. 355, §2º, do Código do Processo Penal). E a polícia, a da comarca, somente pode e deve ser requisitada se houver resistência contra a busca e apreensão.”

            “E há mais um detalhe, materializando a ilegalidade: o mandado judicial, expedido em Palmas, estava em carta precatória ao juiz do Maranhão e era este quem deveria, se necessário, requisitar a Polícia Federal de lá para cumprimento da diligência. E existem oficiais de Justiça lotados naquela jurisdição, que não podia ser invadida por autoridades de outra, porque não havia perseguição nos termos do art. 250 da lei processual. A perseguição era somente política.”

            “Os policiais federais envolvidos não eram de Palmas nem de São Luís. Eram de Brasília, todos diretamente subordinados ao superintendente da Polícia Federal, que se proclama legitimamente filiado ao PSDB, e que obedece a ordens do ministro da Justiça. De Brasília foram buscar a precatória em Palmas (logo, não estavam em diligência) e levaram-na para São Luís, agora, sim, em diligência de ‘perseguição’. Ali o juiz despachou: ‘Cumpra-se’. E os próprios estafetas invadiram a empresa. Nenhum oficial de justiça.”

            “Os delegados executores da ‘diligência’ até declarações deram, de que ‘estávamos atrás do ouro, mas encontramos ouro, pedras preciosas, pérolas e diamantes’. Confessaram que foram garimpar.”

            “A história de cumprir mandado judicial é ridícula porque a polícia de Brasília não faz plantão em Tocantins. Ela, sim, foi mandada. O mandado foi mandado. Tudo foi mandado. E para o espaço também mandaram a lei processual.”

4

            Este, o aspecto da ilegalidade.

            Mas não fujamos da questão: de que se acusa a Governadora do Maranhão?

            A única acusação formal que existe, ajuizada numa Ação Civil Pública, está assim formulada:

            “Com relação aos membros do CONDEL que constam como os primeiros 19 réus na presente ação, mesmo tendo prévio conhecimento das ilegalidades existentes no projeto Usimar e, posteriormente, no voto em separado do representante do Ministério da Fazenda apontando e alertando para irregularidades na documentação apresentada pelos sócios do projeto, no dia da reunião do Condel, resolveram aprová-lo (fls. 474/500 -- Vol. 03; 68/70 -- Dossiê II; 151/160 -- Vol. 01).”

5

            O representante do Ministério da Fazenda não votou contra, e sim, aprovou sob condições, as quais enviou à mesa, por escrito, segundo a Ata da Reunião, como lembrou o Governador Dante de Oliveira.

6

            O Projeto Usimar propunha-se a construir uma siderúrgica e fabricar gusa, visto ser o Maranhão o maior exportador de ferro do país, fazer autopeças para a indústria automobilística, gerando milhares de empregos. Qual o Governador que, estando presente a uma reunião, votaria contra seu Estado!

            Qual o crime que praticaram a Governadora do Maranhão e mais o Governador Dante de Oliveira, os representantes dos ministérios da Defesa, da Agricultura, das Comunicações, da Educação, das Minas e Energia, da Integração, do Planejamento, dos Transportes, de Política Fundiária, do governador do Acre, do governador do Amazonas, do governador do Pará e do governador do Tocantins, do Basa, das classes produtoras, das classes trabalhadoras e o superintendente da Sudam, em aprovar o projeto Usimar?

            Quem aprova projetos não libera recursos. As liberações de recursos são feitas pelo Comitê Gestor de Incentivos Fiscais, constituído de técnicos nomeados pelo Executivo. Se o projeto é na sua implantação fraudado, a responsabilidade legal passa aos ordenadores de despesa, aos fiscais. Isso é o que diz a lei. Mas não é a lei que se procura aplicar, é a política que se quer fazer, utilizando-se de expedientes, que caracterizam desvio e abuso de poder, como neste caso.

            Acusam a Governadora pela aprovação da Usimar e esquecem o ex-Ministro José Serra que responde ao processo 96.00.01079-0, por “Improbidade Administrativa -- Ressarcimento ao Erário”, a outra ação, 2000.34.00.033429-7, com a finalidade de “Reparação de Danos ao Erário”, e ainda a várias outras ações ordinárias, cautelares, civis públicas, populares.

7/8

            Alguém invadiu algum local para procurar comprometê-lo, ou atrás de pistas que pudessem ligá-lo às acusações? Eu seria o primeiro a condenar.

            O próprio Presidente da República, cujo foro é o Congresso, tem parado na Câmara um processo de impeachment pedido por renomados advogados, que o acusam de compra de votos para sua reeleição. A Justiça do Distrito Federal mandou, no dia 6 de março deste ano, que o Presidente da Câmara lhe desse andamento.

            Há mais acusação contra a Governadora? Nenhuma. Se existe, é secreta, circula em dossiês suspeitos, na arapongagem, no consta, no deve-ser. Nenhuma acusação legal lhe foi feita.

            Nada tem ela com Sudam, nenhum projeto Sudam ou Sudene, ou seja lá o que for. Seu comportamento sempre foi de uma mulher trabalhadora, séria e correta, tanto assim que mesmo após essa sistemática campanha, segundo pesquisa do Ibope, detém no Maranhão 88% de confiança em sua honestidade e 85% na aprovação de seu governo, índice maior do Brasil.

9

            Mas planejou-se esse escândalo com o objetivo de afastá-la da sucessão. Aí vem o mais ignominioso. Se não há nada contra ela, busca-se seu esposo, no preconceituoso machismo de mulher dependente do marido! Como envolvê-lo? Em 1994 -- portanto, oito anos atrás --, ainda não casado com ela, vendeu à empresa Nova Holanda, que fica a mil quilômetros de São Luís, uma gleba de terra, o que não tem nada demais.

            Tiram então, nesse processo inquisitorial, a ilação sem nenhum indício, que era o marido da Governadora ligado à empresa Nova Holanda. Há alguma coisa contra ela? Não.

            A evidência da montagem foi tão primária que, para tentar justificá-la, dar um caráter de investigação, incluíram empresa que nunca figurou em irregularidades na Sudam e que é conhecida na região pela produtividade agrícola na nova fronteira de Balsas.

            Aqui está o Relatório Final do Grupo Especial de Trabalho criado para examinar as denúncias sobre a Sudam, base de todo o inquérito. Está à disposição de quem quiser ver.

10

            Então invadem a Lunus sob a capa de descobrir essa vinculação. Ridícula a montagem. Mas tudo é secreto, escondido. O acusado não sabe do que é acusado. Invade-se primeiro, depois se propala a finalidade da invasão e a acusação.

            O Padre Vieira foi encarcerado pelo Tribunal do Santo Ofício, também, sem saber do que era acusado. Sabem qual o método da Inquisição? Os juízes lhe perguntaram: -- Por que está sendo processado? Vieira respondeu: -- Eu é que devo dizer? Não os senhores? Será que é por causa da defesa que faço dos judeus? Responderam-lhe eles: -- O Senhor acaba de confessar sua culpa. Era assim o método da Inquisição.

            Isto foi em 1663. Estamos em 2002 -- 340 anos depois -- e o método não mudou. Há que se perguntar ao acusado, e é ele quem tem que responder do que está sendo acusado? Vieira chamou seus julgadores de “eqüíssimos doutores” e, em seguida, esclareceu que não falava de equus mas de eqüidade.

            Aqui está o mandado de busca, não cita nome, não tipifica nenhum crime, não revela o motivo da busca.

11

            Mas o delegado Paulo de Tarso Gomes diz: “vimos buscar ouro”. É o subconsciente que fala: foram fotografar o dinheiro, fazer a foto para ser distribuída à imprensa, já que estavam espionando e gravando. Tratava-se do mesmo delegado encarregado de desmontar o dossiê Cayman.

            E o Procurador Mário Lúcio Avelar diz: “O processo envolvendo a Lunus nasceu com a busca e apreensão.” Logo, não existia nada antes. Foi feito com esse objetivo.

12

            O Sr. Jorge Murad recebeu doação de pré-campanha, por ela assume toda e qualquer responsabilidade e por ela responde. Que a Justiça apure sua legalidade e tome suas decisões.

            Não é novidade que as campanhas políticas são feitas de doações. O Senador Antônio Carlos conta, como testemunho, sobre a memória de seu grande filho, Luís Eduardo Magalhães, que viu, em 94, o Senador Andrade Vieira entregar cinco milhões -- hoje, atualizado, dez milhões -- como contribuição à pré-campanha do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a presença do candidato.

13

            A última campanha eleitoral do Presidente Fernando Henrique Cardoso custou oficialmente 43 milhões, mas a Folha de São Paulo divulgou uma planilha que registra 53 milhões.

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            Vamos à etapa seguinte: quem executou tudo isso? A Polícia Federal. A quem está hierarquicamente sujeita esta instituição? Pela ordem, ao superintendente de Palmas. Depois, ao seu diretor-geral, ao Ministro da Justiça e, ao final, ao Presidente da República.

            Em casos como este, o mandado, ou seja lá o que for, principalmente contra um governador com foro privilegiado, tem que ser examinado pelos seus departamentos jurídicos, para evitar justamente que pesem sobre o governo as suspeitas de parte no arbítrio.

            Quem acredita neste país, qual o idiota, que uma ação desta magnitude seria armada sem que a máquina estatal de nada soubesse ou dela não participasse? Quem nesse país não sabe que foi uma ação política suja, com propósito determinado?

            E, no fim da linha, é no mínimo estranho o fax ao Presidente da República comunicando o sucesso da operação. E o número utilizado foi o do fax particular do Presidente, protegido pela segurança presidencial, que só pessoas especiais sabem.

            Neste mar de imprecisões, em que se espalham as versões, se fala que é um inquérito que tramita há três anos. Por que só agora, depois que a Governadora do Maranhão subiu nas pesquisas, essa diligência foi tomada?

            O processo da Lunus é de agora, deste ano: 2002.43.00.000477-6. Montado agora. Está aqui o documento. Tudo agora, em cima das pesquisas.

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            E, para farsa geral, com o timbre sigiloso.

            Sigilo para proteger o vazamento, a calúnia, a mentira, o desrespeito à dignidade das pessoas, expostas a versões falsificadas, difamadoras e interessadas.

            A polícia -- o aparato do Estado --, dessa maneira, foi transformada em polícia política.

            No Zimbabwe, Roberto Mugabe, agora, acaba de ganhar a eleição. Confinou os dois candidatos de oposição e venceu. Mas a União Européia não aceitou o resultado e contestou a eleição. Na Colômbia, seqüestra-se também uma candidata, e aqui invade-se a empresa da segunda colocada nas pesquisas. No México, matou-se um candidato, Colósio, assassinou-se um outro, Ruiz Massieu, porque também podiam vencer. Tudo vale, nesse submundo da podridão das liberdades violadas.

            Atrás, os dedos escondidos, os fingimentos, a desfaçatez das negativas, que não cabem no formalismo com que tentam esconder planos e objetivos.

            A data, a hora e a vez foram escolhidos -- sexta-feira, fim de tarde --, para impedir a tomada de medidas de defesa judiciais mais eficientes e rápidas. Os seus objetivos e os resultados estavam sendo aguardados por uma revista semanal, para que fosse sua reportagem de capa, até com out-doors. Não censuro a revista. Ela é um veículo e tem interesse em dar furos e noticiar. Censuro aqueles que prepararam a ação violando a lei e os direitos fundamentais.

            Pois não é a lei que se busca cumprir. É o escândalo para caluniar. De que adianta dizer a Constituição que todos têm direito à defesa, que ninguém é culpado senão depois de julgado pela Justiça em procedimentos legais?

            O aparato do Estado espalha, sem defesa, versões, documentos e calúnias. É assim que funcionavam os Dops, a Gestapo, pior hoje, neste tempo de comunicação em tempo real, em que a imagem de defesa é impossível.

            Uma vez solta a calúnia, nada pode recuperar a verdade.

            O Padre Vieira falava de penas soltas ao vento, impossíveis de recolher, e Beaumarchais ressaltava que a calúnia é uma arma tão terrível que destrói o direito do homem de tal forma que ele fica privado até de provar a própria inocência.

            Senhoras Senadoras, Senhores Senadores:

            O que vejo no Brasil de hoje é o medo dos dossiês, das escutas, da espionagem na vida privada das pessoas. Todos têm medo. Ninguém tem confiança de que o aparato estatal não seja jogado contra si. Um amigo, diplomata estrangeiro, me disse: o clima no Brasil mudou muito. Está muito parecido com o Peru do tempo de Fujimori.

            E, para perplexidade geral, esse clima foi criado num governo comandado por pessoas que lutaram contra o arbítrio.

            Há um fato cuja recorrência impressiona e intriga. É que toda referência a esse estilo característico de espionagem e dossiês nasce no Ministério da Saúde e envolve o ex-Ministro José Serra. Não é afirmação minha, é dos jornais. Mais que uma estratégia de campanha parece uma concepção de governo.

            A primeira matéria que surgiu foi na revista Carta Capital, há cerca de um ano. Aqui está o plano anunciado, que aconteceu exatamente como previsto.

            Leio a revista:

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             “…no Ministério da Saúde se teria produzido um conjunto de informações sobre atividades de Paulo Renato. Informações explosivas, pois indicariam uma das trilhas montadas pelo grupo em sua escalada rumo ao poder. Ainda segundo a história do dossiê, este teria sido montado no Ministério da Saúde, mais precisamente na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, onde funcionaria um sistema espionagem. …Eram sete os agentes, incluídos um ex-SNI e SAE [hoje Abin,] e um ex-chefe da Inteligência da Polícia Federal no governo Fernando Henrique.” E dá os detalhes.

            A imprensa em quase sua totalidade publica que esse mesmo grupo está conectado para essas ações políticas na Polícia Federal e no Ministério Público citando o Delegado Marcelo Itagiba, ex-chefe do Departamento de Inteligência da Polícia Federal, ex-chefe do grupo de inteligência que se formou no Ministério da Saúde e que é, atualmente, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, e o Procurador José Roberto Santoro. É o que diz a Folha de São Paulo.

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             “Delegado e procurador ligados a Serra atuam em investigações:”

            “O presidenciável tucano, senador José Serra (SP), conseguiu reunir sob as asas de aliados as duas principais investigações em curso que podem… implodir a campanha de seus adversários. São eles o subprocurador da República José Roberto Santoro e o delegado de Polícia Federal Marcelo Itagiba.”

            Continuo lendo:

            “Em viagem a Palmas (Tocantins), há duas semanas, o subprocurador Santoro coordenou informalmente o pedido de busca e apreensão de documentos no escritório da pré-candidata pefelista e governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Trocou idéias com o procurador Mário Lúcio Avelar, que foi o autor do pedido, e orientou a estratégia a ser adotada.”

            “José Roberto Santoro e Marcelo Itagiba fazem parte da tropa de choque de Serra no aparato policial e de investigação. Os dois já estiveram juntos antes.”

            “Ex-assessor especial de Serra no Ministério da Saúde, nos dois anos anteriores, o delegado Itagiba havia demonstrado grande desenvoltura no exercício de suas funções. No dia 9 de março de 1999, por exemplo, representou o então ministro numa reunião com a diretoria da Abifarma (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica).”

            “Foi propor aos donos e dirigentes de laboratórios brasileiros que investissem dinheiro numa entidade não-governamental a ser criada para investigar e combater a falsificação de medicamentos. A proposta foi aprovada, segundo ata da reunião.”

            Não estou inventando nada sobre ninguém. Estou lendo o que foi publicado. Não houve nenhum desmentido.

            Naquele tempo do noticiário da revista Carta Capital, a Governadora do Maranhão não era o alvo, eram os concorrentes internos, Pedro Malan, Tasso Jereissati, Paulo Renato. O primeiro explodiu pelo veto político, foi fácil. Dossiê foi feito contra Paulo Renato, diz a revista. Tasso Jereissati também foi objeto de outro dossiê, para ser usado caso insistisse em ser candidato. Disseminou-se o método e o medo.

            A serem verdade as aparências, montou-se um grupo estatal para ações políticas. Na Folha de São Paulo a jornalista Mônica Bergamo publica:

            “Uma das primeiras atitudes do Procurador Mário Lúcio Avelar, do Tocantins, ao colocar as mãos na documentação apreendida … foi disparar telefonemas para o Procurador Santoro, considerado o mais próximo do candidato Serra.”

            “Gente, querem dizer que isso é do Serra? Então escreve: sou o procurador do Serra.”

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            Na Saúde, o Ministro Serra multiplicou gastos com empresa de ex-chefe de Telecomunicações Eletrônicas do SNI e professor da Polícia Federal. A Fence tem contratos hoje de um milhão e 870 mil reais, 6 vezes mais do que no ano passado, muitas vezes maior que os contratos para proteger os 33 ministros do STJ.

            O Ministério da Saúde, em vez de tratar das epidemias, dá prioridade às coisas de inteligência e espionagem. “Estranhas relações com o mundo dos arapongas”, é manchete do Correio Braziliense. E a revista Isto É desta semana: “Grampos, chantagem e baixarias”.

19/20

            São tantas as conexões, tantas as evidências, que não há como esconder a ligação dos atos contra a Governadora do Maranhão à sucessão brasileira, que querem transformar numa farsa.

            Sou eu quem diz isso? Não.

            Uma unanimidade estabeleceu-se neste consenso:

            O Governador Anthony Garotinho declara: “É estranho que a impressão digital do candidato do PSDB esteja tão presente na denúncia e na ação.”

            Disse Ciro Gomes: “Se há uma acusação, ela deve ser pública. Sempre que a polícia sai da delegacia para agir sobre um candidato é bom pôr as barbas de molho.”

            Luís Inácio Lula da Silva: “Tudo pode ter acontecido, mas o caso deveria ter sido apurado antes de Roseana se tornar candidata.”

            Leonel Brizola: “Duvido que o Presidente não soubesse. Francamente, ninguém comete um ato desses sem troco. Tem implicações.”

            Tasso Jereissati: “Um gesto de brutalidade que foi feito e é, a meu ver, inadmissível.”

            Jânio de Freitas: “O uso das engrenagens do poder está mais desabrido e intenso do que jamais. Se no começo é assim, depois não será menos incondizente com os direitos e a legalidade que tanto têm custado a estes país.”

            E José Genoíno: “Quase ninguém mais duvida de que a governadora foi vítima de espionagem e manipulação política e eleitoral, no episódio da invasão da empresa Lunus.”

            Senhoras e Senhores Senadores:

            A Polícia Federal é uma instituição de serviços prestados ao país. Tenho grande admiração por ela, e lá tenho bons amigos. É formada de homens de bem. O grupo que se envolveu nessa ação espúria não representa a Polícia Federal.

            Agora mesmo, o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Garisto, pediu investigação ao diretor-geral e afirmou: “O policial deve se pautar pela legislação vigente, não pode se deixar levar por interesses políticos.”

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            Senhoras Senadoras e Senhores Senadores:

            Levei estes fatos ao conhecimento do Presidente Fernando Henrique, comunicando o que ocorria. O Presidente da República tem deveres indeclináveis, responsabilidades intransferíveis.

            Seu juramento foi este:

            “…manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.”

            Ele conduz a Nação, em sua pessoa a Nação entregou sua tranqüilidade, suas leis, sua Constituição, a proteção de seus direitos.

            Achei que devia adverti-lo e evitar que o aparato estatal fugisse de controle. Meu gesto era de quem confiava.

            Getúlio Vargas não mandou matar o Major Rubem Vaz, na Toneleros. Mas Afonso Arinos, em famoso discurso, disse do peso da responsabilidade presidencial sobre o aparato do Estado, e seus áulicos, que têm que ficar sob controle.

            Falei ao Presidente de denúncias que me chegaram. Agentes da Abin se tinham deslocado para o Maranhão, Piauí e Pará, devassando nossas vidas, de minha família, de meus amigos.

            O Presidente pediu ao General Cardoso que me procurasse. Ele me telefonou e agora, dias atrás, fez-me uma carta.

            Eu nunca duvidei da conduta do General Cardoso. Mas, o nome da Abin foi usado. Reportei-lhe que chegara ao meu conhecimento que agentes que sempre trabalharam na área de informação, não desmobilizados e não afastados da atividade, também haviam sido contratados pelo Deputado Márcio Fortes para uma devassa na vida da Governadora do Maranhão, acompanhar suas viagens, gravar suas conversas. O General Cardoso disse-me que isso podia ser possível e que ia investigar.

            A mesma denúncia foi levada ao Presidente da República pelo Presidente Jorge Bornhausen e pelo Senador Edison Lobão.

            No dia do acontecimento, liguei ao Presidente Fernando Henrique, na suposição de uma relação leal, não para cobrar nem pedir nada, mas para declarar que os meus temores anunciados se concretizavam.

 

            -- Presidente, lembra-se da nossa conversa? Não deixe conspurcar o seu governo!

            Respondeu-me ele: -- Eu nada sabia.

            Não lhe havia cobrado se sabia ou não sabia. Mas disse-lhe:

            -- O Senhor Ministro da Justiça devia saber.

            Respondeu-me: -- Não, e se ele soubesse e não me avisasse, eu o demitiria, hoje.

            À noite, o Ministro Aloysio Nunes se gabava na televisão de que dera as ordens.

            Em seguida li, perplexo e decepcionado, a declaração do Presidente Fernando Henrique de que tudo isto era “tempestade em copo d’água.”

            Foi uma declaração infeliz e reveladora, porque não foi esta sua reação no caso do Senhor Chico Lopes, quando se falou em favorecimento pessoal no caso Marka/FonteCidam e bilhete encontrado sobre depósito de um milhão e seiscentos mil dólares no exterior.

            Leio declaração do Presidente no Jornal do Brasil, sobre aquele caso. Sua revolta. Sua indignação.

            “Não vejo nenhuma razão, nada que justifique o que aconteceu, nada realmente. Quero que a opinião pública brasileira repudie a volta do arbítrio no Brasil. Isto não tem sentido. … Lutei muito contra o regime arbitrário, fui vítima dele. Acho que é preciso respeitar o estado de direito.”

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            E agora: “Tempestade em copo d’água”.

            O Ministro Malan foi mais longe -- leio Veja -- “foi o dia mais triste que vivi no governo.”

            Na operação em casa do Sr. Chico Lopes, além do registro de conta com o equivalente a três milhões e oitocentos mil reais no exterior, também foi encontrado dinheiro. “Apesar dos policiais terem contado as notas -- diz O Estado de São Paulo --, o dinheiro não foi recolhido.” Nem, muito menos, fotografado.

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            Agora, o Presidente responde que o que fizeram com a Governadora do Maranhão “é tempestade em copo d’água.”

            Senadoras e Senadores:

            Será o caso do Maranhão a mais urgente diligência neste país? Onde está o inquérito do Ministério da Saúde sobre o lobista Paes dos Santos, sobre a suspeita de um Senhor Duarte, recebendo quantias comprovadas em sua conta? O Sr. Alexandre Santos até hoje não foi ouvido. No inquérito existente consta que a reunião para ouvir a denúncia apresentada pela jornalista Alba Chacon foi coordenada no Ministério da Saúde pelo subprocurador da República Santoro, estranho àquele órgão, conforme Ata Lavrada e incluída no inquérito. Baixou uma cortina de silêncio sobre o assunto. Está no inquérito e ele está parado.

            Quero, também, dizer uma palavra sobre o Ministério da Justiça, elo das responsabilidades hierárquicas previsto na própria Constituição. Para que se veja o estilo destas coisas, vejam-se as pessoas. O atual ministro é um homem de biografia forte. Tem demonstrado em sua vida atos de extrema violência. Comunga a teoria de que os fins justificam os meios. Já participou de operações bem mais complexas do que invadir um escritório de uma candidata à Presidência da República. 

            Não é somente o passado do Ministro da Justiça que é violento. O jornalista Fernando Morais divulgou em Último Segundo, jornal da Internet, episódio ocorrido no aeroporto de Cumbica ao tempo em que o Sr. Aloysio Nunes era Vice-Governador de São Paulo. A uma insinuação do jornalista e escritor Paulo Francis, respondeu com palavras de baixíssimo calão que o decoro não me permite repetir e ameaças de espancamento.

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            Da mesma forma, o decoro me impede de relatar o calão que acompanhou as ameaças de espancamento e de morte ao Governador do Ceará que ele se permitiu fazer em frente do Presidente da República.

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            Não dá tranqüilidade a ninguém que um homem assim seja o guardião das liberdades públicas, das leis, da Constituição.

            Perguntam talvez os senhores: “E o Senhor quando Presidente, como se conduzia?”

            Cito exemplos vivos.

            Em São Paulo, foi aberto inquérito na Cosipa, Companhia Siderúrgica Paulista, no qual procurou-se envolver o então Senador Fernando Henrique Cardoso, porque teria indicado diretores da companhia. Chamei o então diretor-geral da Polícia Federal, Romeu Tuma -- ele pode oferecer seu testemunho -- e disse-lhe que não permitisse jamais que se politizasse qualquer inquérito nem que se responsabilizasse alguém sem que o assunto estivesse devidamente esclarecido. E lembrem-se que o então Senador Fernando Henrique Cardoso era um dos que mais atacavam minha pessoa e meu governo.

            Mais ainda. Quando assumi o mandato de senador, em 1991, não tinha estreitas relações com o Senador Fernando Henrique, rescaldado ainda daquelas duras críticas. Mas nossas relações passaram a ser cordiais. E, sem perda de tempo, a primeira coisa que me pediu foi que lhe desse uma declaração, porque estava sendo acusado pelo ex-Governador Orestes Quércia sobre a Cosipa, que eu dissesse que contra ele nada havia de pendente em relação ao caso. E eu então enviei-lhe uma carta nos termos em que me pediu.

            Outro exemplo, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores.

            Em 1997, para intimidar o Sr. Luís Inácio Lula da Silva, foi forjado também contra ele um inquérito, acusado de ter um contrato de gaveta sobre o apartamento em que morava. Sempre fomos adversários, Lula e eu, com ele nunca mantive relações pessoais, senão de respeito. Apenas por minha consciência, com a minha responsabilidade, escrevi, no dia 13 de junho de 1997, na Folha de São Paulo, artigo intitulado “A Lula o que é de Lula.” 

            “O país tem que aprender a preservar os seus homens públicos naquilo que têm de mais exemplar, que é sua vida. Não se trata de dar carta de imunidade a ninguém, mas não se pode, só porque o Lula é um líder de esquerda, aproveitar-se de sua notoriedade para, à custa dela, criar um escândalo.”

            Mas, Senhor Presidente, minha conduta nesses casos não ficou só aí.

            Quando o empresário Abílio Diniz foi seqüestrado, às vésperas das eleições, em 1989, quiseram envolver o PT como responsável por aquela ação criminosa, já que os seqüestradores sustentavam o caráter político do crime com símbolos de campanha. Chamei o Ministro da Justiça, Saulo Ramos, para que a Polícia Federal, por serem estrangeiros os seqüestradores e a Interpol ter sido acionada, não entrasse no assunto e não envolvesse o PT só por suposições. O Ministro Saulo Ramos chamou Romeu Tuma e determinou que não se politizasse o assunto. Estávamos a poucos dias da eleição presidencial e ninguém ia desvincular o fato de uma ação política. Não permiti, nem o Ministro Saulo permitiu, e nem o Senador Tuma. O Estado não pode fazer isso, nunca. Não pode agir por motivação política. O PT sabe desse fato.

            Eu sou assim. Esta sempre foi minha maneira de ser.

            Então tenho autoridade para dizer ao Senhor Presidente da República, mais uma vez: “Não deixe que seu governo seja conspurcado por coisas dessa natureza”.

            Precisamos ter cuidado quando quisermos julgar as aparências de atos formais como sendo atos legais. Sabe-se como se fazem estas coisas.

            Não devemos esquecer:

            Quantos milhões de pessoas foram levados ao forno crematório e às valas da Sibéria por investigações, inquéritos, papeluchos. Por um mandado foi Olga Benário levada das masmorras do Estado Novo para o campo de concentração. Processos, inquéritos, condenações políticas forjadas, foram sempre métodos de intimidação e liquidação de adversários, métodos já ultrapassados na humanidade. O Brasil não pode ter inquéritos secretos para provocar o medo, o terrorismo moral.

            É este o estado democrático que queremos?

            Os policiais que invadiram a Folha de São Paulo, em 1991, também estavam munidos de mandado judicial, de documentos, de autorizações.

            Apreenderam documentos cotidianos e normais e os apresentaram como criminosos.

            Senadoras e Senadores:

            Não estou aqui para defender filha ou candidatura. Por ela, não estaria na tribuna, tão veementes foram os apelos que me fez para não me meter neste caso depois dos graves problemas de saúde que enfrentei. Para honra minha, ela se conduz com seus próprios passos.

            Falo pelo país e, mais ainda, para ajudar o Presidente a libertar-se dessas pressões e não deixar manchar a imagem do Brasil.

            Que se diga a qualquer cidadão de que é acusado, tipifique seu crime, se assegure o direito de defesa. Que se condene quem tiver culpa. Mas que não se invoquem simulacros, mascarados sob a capa de formalidades. Seja respeitado o processo legal.

            Respeitem os direitos individuais, as garantias constitucionais, e não usem o Estado para esse tipo de ação que denigre o país e as instituições. Não persigam.

            Leio, agora, que o governo pede ao relator da ONU sobre alimentação que não vá ao Maranhão, pelos nossos índices. Isso me machuca. Peço que o Senhor Jean Ziegler vá ao Maranhão. O Maranhão é dos estados de menor índice de violência, e o Sr. Ziegler disse que o Brasil enfrenta “uma guerra social”, com “40 mil assassinatos por ano. Para a ONU, 15 mil mortos por ano são indicador de guerra.”

26

            O Maranhão para mim não é só inspiração. É vida, é saudade que não deixa de doer um só dia, é sonho, é amor demais.

            Ruins são, infelizmente, os índices. Mas não é o Maranhão o vilão do Brasil. O índice de desigualdade do Maranhão é melhor que o do Brasil -- Maranhão, 0.575; Brasil, 0.595.

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            Não é o Maranhão que vai colocar o Brasil em situação ruim, em desigualdade social.

            Pouco sabemos da Suazilândia, pequeno país dormitório da África do Sul, onde quase toda a população anda descalça. Da Nicarágua sabemos, porque está aqui perto. O que têm a Suazilândia, a África do Sul e a Nicarágua a ver com o Brasil?

            É que os últimos países do mundo na desigualdade social, são Suazilândia, Nicarágua, África do Sul e Brasil, segundo o PNUD, órgão das Nações Unidas, em seu Relatório de Desenvolvimento Humano de 2001. Estes são os problemas do país para os quais devemos conjugar esforços, e não denegrir a imagem do Maranhão.

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            Mais do que nunca o Brasil precisa ficar acima de qualquer suspeita, em todos os escalões, sobretudo nos órgãos encarregados de zelar pela Constituição e pelos direitos da cidadania.

            Precisamos de paz. Todos sabem meu temperamento. Estou aqui para defender o país e suas instituições. Nunca persegui ninguém, não pesa em minha consciência ter passado por cima de ninguém. Todos me conhecem e conhecem meu temperamento, minha conduta.

            Tenho certeza da grande contribuição que dei à consolidação da democracia no Brasil. Como Presidente e como ex-Presidente, nunca fiz outra coisa senão procurar ajudar o governo do Brasil e, nesse sentido, o país é testemunha do meu comportamento em relação ao Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Sofre a Governadora do Maranhão uma perseguição política, pelo fato de ser candidata. Ela não pediu, não disputou, não atropelou ninguém. Seus índices nas pesquisas foram dados pelo povo brasileiro. E ela está pagando por isso.

            Eleições limpas, sem esses métodos, para resguardar a imagem nacional.

            Se isso não ocorrer, somente me resta, na defesa do processo democrático, irei bater às portas da ONU, da OEA, do InterAction Council e onde for necessário, pedindo observadores para as eleições, a fim de assegurar a vigilância internacional da nossa sucessão, sobre como o processo decorre, as pressões, legislação, e os métodos.

            Estão acontecendo coisas que preocupam. A decisão do TSE sobre coligações cria um complicador novo, às vésperas da eleição, mudando o jogo, o que confunde. Discute-se sobre a quem interessa essa decisão, que eu julgo não pode ser colocada. Levantam-se suspeitas injustas que jamais deveriam envolver a Justiça Eleitoral.

            O Jornal de Debates traz esta matéria: “Urnas eletrônicas: 2002 e a fraude anunciada”. O Ministro Nelson Jobim, segundo o Correio Braziliense, diz que “há falta de confiança por parte de alguns partidos, e essa desconfiança pode comprometer a eleição”. Acontece também que a Abin é a única detentora da chave criptográfica das urnas e do sistema eleitoral. E a Abin deve estar acima de qualquer suspeita.

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            Enfim, há complicadores que se interligam.

            É preciso meditar sobre estas coisas, e foi nesse sentido que pedi ao Presidente do Senado para procurar o Presidente do TSE e evitar atritos.

            Uma eleição não é fraudada somente nas urnas. O processo pode começar fraudado. Nos casuísmos, na suspeita sobre a segurança eletrônica, na intervenção do aparato estatal.

            Como ocorreu em Watergate, as coisas deixaram pegadas. Aqui também. Algum jornalista vai descobrir a trama e um dia um best-seller vai aparecer, vai surgir o nosso Prêmio Pulitzer, contando toda a história. E aí os responsáveis não terão como recorrer a negaças.

            Não é possível que este processo fique oculto para sempre. Que seja apenas “tempestade em copo d’água”.

            Será assim que se pensa ser o futuro governo? Medite a Nação sobre isso.

            O jornalista Elio Gaspari advertiu o país sobre o “perigo da mexicanização”.

            Otávio Frias Filho escreveu na Folha de São Paulo:

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            “O ambiente político está turvado de indícios de que a operação determinada pela justiça contra a pré-candidata foi apenas a cobertura legal para manobra mais oculta e suspeita. A governadora foi alvo de uma rede de espionagem particular, denunciada de antemão, e que resultou num dossiê destinado a prejudicá-la.”

            “Mas estamos diante de algo preocupante. Trata-se do mais impressionante rolo compressor já montado na política recente. Dinheiro, recursos políticos, mídia, pressões, ameaças, tudo é usado para favorecer o candidato oficial. Detalhe importante: está sendo organizada uma estrutura paralela ao governo e a seu partido, algo sem precedentes.”

            The Economist, nesta semana, relata o episódio. É a revista de maior prestígio, a bíblia do mundo globalizado que diz:

            “A Senhora Sarney, Governadora do Maranhão, afirma que a operação foi uma conspiração orquestrada pelo governo e seu candidato à Presidência, José Serra. Ela pode estar certa!”

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            Assim, as eleições e o Estado brasileiro estão sob suspeita, também, internacional.

            Já outro dia o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Sr. O’Neil, disse que os vergonhosos juros altos do Brasil eram devidos à corrupção.

            Aqueles que praticaram esta operação estão pensando que sua ação foi brilhante. Mas podem descobrir que estão errados se pensarem no mal que fizeram ao Brasil e ao Presidente da República.

            Esses métodos não podem prosperar. O Presidente é o responsável perante a Constituição e a História.

            Se a Governadora do Maranhão não fosse candidata, nada disso existiria. Se ela aceitasse ser vice e não dissesse que as mulheres em vez de vice podiam ser presidentes, certamente não estaria amargando essa manipulação de imagem cuja origem está no aparato estatal, fonte das versões.

            No momento em que a independência judiciária é agregada à influência do executivo, morre o parlamento e não há mais liberdade, porque some o equilíbrio dos poderes. Nasce o arbítrio. No princípio com coisas que nos parecem menores, como as que relatei. Depois vai num crescendo e quando nos damos conta, tudo está perdido.

            É sempre bom lembrar o pastor Niemoller, um dos líderes da resistência protestante contra o nazismo:

Quando vieram buscar os comunistas,

eu não disse nada,

eu não era comunista.

Quando vieram buscar os judeus,

eu não disse nada,

eu não era judeu.

Quando vieram buscar os católicos,

eu não disse nada,

eu não era católico.

Então vieram me prender,

e não havia mais ninguém para protestar.

            Peço que meditem sobre isso os políticos, a imprensa, o governo e o povo brasileiro.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOSÉ SARNEY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno:)

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            Modelo14/26/245:57



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2002 - Página 2601