Discurso durante a 25ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONTRADITA AS DECLARAÇÕES DO SENADOR JOSE SARNEY. (COMO LIDER)

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CONTRADITA AS DECLARAÇÕES DO SENADOR JOSE SARNEY. (COMO LIDER)
Aparteantes
João Alberto Souza.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2002 - Página 2647
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, DISCURSO, JOSE SARNEY, SENADOR, LEITURA, DISPOSITIVOS, CODIGO DE PROCESSO PENAL, ESCLARECIMENTOS, LEGALIDADE, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, COMPETENCIA, CUMPRIMENTO, MANDADO JUDICIAL, BUSCA E APREENSÃO, EMPRESA, JORGE MURAD, PROPRIETARIO, CONJUGE, ROSEANA SARNEY, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, DESNECESSIDADE, PRESENÇA, OFICIAL DE JUSTIÇA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ENTREVISTA, PARENTE, JOSE SARNEY, SENADOR, ACUSAÇÃO, IRREGULARIDADE, GOVERNO ESTADUAL, SUPERFATURAMENTO, OBRA PUBLICA, NECESSIDADE, ROSEANA SARNEY, GOVERNADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA), AFASTAMENTO, JORGE MURAD, CONJUGE, PRESERVAÇÃO, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, JOSE SERRA, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INFLUENCIA, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, CUMPRIMENTO, MANDADO JUDICIAL, BUSCA E APREENSÃO, OBEDIENCIA, LEGISLAÇÃO.
  • DEFESA, IDONEIDADE, JOSE SERRA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), CRITICA, EXCESSO, PODER, ESTADO DO MARANHÃO (MA), FAMILIA, JOSE SARNEY, SENADOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, assim como o Senador José Sarney, subo a esta tribuna para uma missão que não gostaria de ter, considerando o magnífico relacionamento que mantemos nesta Casa e também o fato de S. Exª ter proferido um belo discurso, típico dos Parlamentos elevados, e, além disso, um discurso de pai. Quando se trata da paternidade, por maiores que sejam as discordâncias, sempre há um sinal de respeito e acatamento, porque só quem é pai sabe do que um pai é capaz.

            O Senador José Sarney solicita-me que eu explique à Casa o que me disse pessoalmente. S. Exª está impossibilitado de permanecer neste plenário não por indelicadeza, mas por motivos pessoais e de saúde.

            Nada disso, porém, terá o condão de afastar-me de certos fatos que precisam ser trazidos a esta tribuna em contradita às palavras de S. Exª.

            Começo o meu discurso exatamente pelos fatos recentes a que S. Exª se referiu nesta Casa. Os indícios e denúncias de fraude na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - Sudam - datam de 1998 e mesmo de antes daquele ano. Inquéritos foram instaurados pela Polícia Federal em vários Estados, como Mato Grosso, Acre, Tocantins, Amazonas, Maranhão e Pará, na forma prevista pelo Código de Processo Penal.

            Atenção, Sras e Srs Senadores! Foram realizadas, até o momento, mais de 70 diligências de busca e apreensão. Como sabem, o inquérito policial é iniciado mediante portaria do delegado, de ofício ou por requisição de autoridade judiciária ou do Ministério Público, conforme dispõe o art. 5º do Código de Processo Penal. No inquérito, deve a polícia, obrigatoriamente, proceder às providências previstas no art. 6º do Código de Processo Penal, entre as quais a de colher todas as provas que sirvam para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias.

            No Código de Processo Penal, está prevista nos arts. 240 e seguintes “a figura da busca e apreensão para descobrir objetos necessários à prova da infração”.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Senador Artur da Távola, V. Exª me permite?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Pois não, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Sei que é muito ruim interromper um orador, mas conheço a generosidade de V. Exª. Gostaria apenas de comunicar à Casa que vamos, após a fala do Senador Artur da Távola, passar à Ordem do Dia, quer dizer, haverá Ordem do Dia.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Certo.

            Peço a V. Exª, Sr. Presidente, que providencie o fechamento das portas, de vez que eu possa obter a atenção de todos aqueles interessados na matéria e não apenas num dos ângulos da questão. Para que se faça silêncio.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet. Fazendo soar a campainha.) - Atendo V. Exª. Há um orador na tribuna, para o qual peço a atenção da Casa.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - No Código de Processo Penal, está previsto, art. 240, “a figura da busca e apreensão para descobrir os objetos necessários à prova da infração ou colher qualquer elemento de convicção, entre outras possibilidades”.

            Agora os fatos:

            O Departamento de Polícia Federal no Estado do Tocantins, competente por força do art. 144 da Constituição Federal, abriu o Inquérito Policial n.º 259/2001, entre outros, com o objetivo de apurar supostos crimes praticados quando da gestão e aplicação de recursos do Fundo de Investimentos da Amazônia (Finam), geridos pela extinta Sudam. A partir daquele momento, as investigações passaram a ser acompanhadas pelo Ministério Público Federal.

            No curso das investigações relativas ao Inquérito Policial nº 259, o Procurador da República em Tocantins, no dia 22 de fevereiro de 2002, requereu ao doutor juiz federal da 2ª Vara daquele Estado a medida de busca e apreensão alegando a necessidade de acautelar provas para prevenir sua destruição ou seu desaparecimento. No próprio pedido de busca e apreensão, o Ministério Público Federal, órgão independente e autônomo segundo a nossa Carta Magna, requereu expressamente que os mandados fossem expedidos para que o Departamento da Polícia Federal os cumprisse.

            Foi deferida, no dia 23 de fevereiro, pelo juiz federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Tocantins, a busca e apreensão nas seguintes empresas: Agrima - Agricultura, Indústria e Comércio de Calcário Ltda.; Lunus - Serviços e Participações Ltda.; Nova Holanda Sociedade Anônima. Na mesma decisão que determinou a busca e apreensão, o juiz ordenou expressamente o seguinte - chamo a atenção dos Srs. Senadores para o fato: “Tão logo seja efetuada a medida, fica retirado o caráter sigiloso da demanda.” Determinação do senhor juiz. Por sua vez, o juiz federal da 2ª Vara de Tocantins, no dia 25 de fevereiro, expediu uma carta precatória solicitando ao juízo federal do Maranhão que expedisse mandado de busca e apreensão nas referidas empresas. Assim procedeu o juiz federal da 1ª Vara do Estado do Maranhão, no dia de 28 de fevereiro, expedindo o mandado de busca e apreensão solicitado pela Justiça Federal de Tocantins.

            Como é praxe na Justiça Federal, no mandado expedido a ordem vem expressamente endereçada ao Departamento de Polícia Federal. Em ofício dirigido a delegados da Polícia Federal, o juízo federal do Maranhão ordenou que o mandado fosse cumprido por estes e que “os bens apreendidos ficassem sob custódia da Polícia Federal.”

            Às 14 horas e 15 minutos do dia 1º de março, iniciou-se o cumprimento do mandado que foi apresentado ao empresário Severino Francisco Cabral, que respondia pela empresa Lunus, tendo sido os trabalhos realizados na presença dele, de Terezinha Margarida Ribeiro e de Eider Soares de Abreu, funcionários também da empresa Lunus, e do advogado da empresa. Isso se deu às 14 horas e 15 minutos. Às 22 horas aproximadamente, a diligência foi encerrada com a lavratura do auto de arrecadação no local e na presença do advogado. O relatório da diligência foi elaborado no dia 3 de março e na mesma data entregue ao juiz federal no Maranhão.

            Qualquer omissão da Polícia Federal em qualquer das etapas acima relatadas implicaria atitude criminosa, seja na forma do crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal), de crime contra a administração da Justiça (arts. 338 a 360 do Código Penal), ou mesmo da cumplicidade com o fato investigado, sem mencionar a falta funcional no âmbito do Direito administrativo. Além disso, os fatos relatados constituem práticas corriqueiras nas esferas administrativa e judicial de nosso País.

            Esses, Srªs e Srs. Senadores, são fatos. Não houve em minhas palavras até agora um adjetivo, uma qualificação. São fatos; concretamente fatos. Procurador, juiz, mandado, obrigatoriedade do mandado ser cumprido por policiais federais, cumprimento do mandado.

            Posteriormente, no artigo ministro ou oficial de Justiça, o Dr. Saulo Ramos, advogado do ilustre Senador José Sarney, sustenta que o mandado judicial deveria ser cumprido necessariamente por oficial de Justiça - e isso foi lembrado aqui hoje pelo Senador Sarney -, que a intervenção da polícia, que somente poderia ser a polícia local, só caberia no caso de resistência ao cumprimento da ordem, tudo isso pretensamente conforme dispõe o §2º do art. 355 do Código de Processo Penal. Ora, esse dispositivo legal citado pelo eminente advogado trata da citação do réu por carta precatória e não do procedimento acautelatório de busca e apreensão. Esse último está previsto nos arts. 240 e seguintes do Código de Processo Penal e não se confunde com a citação por precatória.

            Além disso, Sr. Presidente, como é praxe na esfera judicial brasileira, na própria petição em que o Ministério Público Federal pede a diligência, há menção direta ao Departamento de Polícia Federal. E cito in verbis, tal qual está escrito no petitório do Ministério Público Federal: “Isto posto, requer-se, entre outros, sejam expedidos mandados para que o Departamento de Polícia Federal busque e apreenda documentos referentes a projetos e a cheques”. Tanto é assim que no próprio mandado de busca e apreensão a ordem foi dirigida expressamente ao Departamento de Polícia Federal. Não houve, Srªs e Srs. Senadores, qualquer eiva - nem eiva, que é uma suspeita -, qualquer ilegalidade, em momento algum, neste processo até aqui descrito. Pelo contrário. O que aconteceria neste País, nesta quadra da vida brasileira, se ao revés houvesse qualquer autoridade pública usando atribuições no caso indevidas que determinasse o não-cumprimento de uma decisão judicial? No caso do Ministro da Justiça, ele incorreria em crime; no caso do Presidente da República, motivo de impeachment. Isso sequer é cogitado; não se cogita do não-cumprimento de uma decisão judicial. Em nenhum momento do discurso do Senador José Sarney, ficou patente a idéia de que a incolumidade de uma autoridade pública deve estar absolutamente defesa quando ela cumpre a determinação judicial. Mas isso se soubesse, o que no caso não ocorreu. A obstrução à ordem judicial, sim, seria uma ilegalidade. Na verdade, a confusão do jurista Saulo Ramos entre a citação por precatória e a diligência de busca e apreensão não resiste a qualquer exame mais atento na medida em que esses atos regulam situações diversas, com diferentes graus de complexidade, dificuldade e periculosidade.

            E mais, um ponto que não está claro em nenhuma das afirmações do longo discurso de S. Exª o eminente Senador José Sarney: não se estava fazendo uma diligência contra uma Governadora, que exige um foro privilegiado, um foro especial; estava-se a fazer uma diligência contra uma empresa e não contra uma Governadora, até porque não havia nesse tempo, por parte dos delegados, nenhuma certeza de que soubessem das vinculações da Governadora com a empresa Lunus.

            Finalmente, por força de norma constitucional, cabe à Polícia Federal, art. 144 (tudo isso está à disposição das Srªs e Srs. Senadores), o dever de atuar nos crimes cometidos contra a União - é o caso -, suas entidades autárquicas e quando o crime tem repercussão interestadual, como é o caso das fraudes na Sudam.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aos que me dão a honra de sua atenção, quero dizer que até aqui arrolei fatos, frios fatos, fatos que determinaram uma crise de natureza política, forte - não diria sem precedentes porque já houve outras muito piores -, uma crise que hoje nos mobiliza nesta Casa e fora dela, no Brasil inteiro.

            Em O Estado de S. Paulo, quarta-feira, dia 6 de março, portanto muitos dias antes dos acontecimentos, lemos:

Cunhado de Roseana faz acusações à família Sarney.

Ex-Deputado diz que fez dossiê para mostrar que grupo acumulou fortuna inexplicável.

São Luís - Os mais íntimos garantem que ele não quer se tornar um novo Pedro Collor, mas o ex-Deputado Ricardo Murad, irmão de Jorge Murad, marido da Governadora Roseana Sarney, não poupa esforços para desmontar o que ele chama “uma seqüência de governos sob o mesmo mando.

            A matéria prossegue, e ele declara:

      Não sou Pedro Collor, não posso ter um comportamento leviano”, diz Ricardo. Apesar desse cuidado, preparou um dossiê completo com denúncias de supostas irregularidades no Governo Roseana. Entregou-o ao Governador do Rio Anthony Garotinho, pré-candidato à Presidência pelo PSB. Diz ele: “Minha contribuição para Garotinho é informá-lo de melhor forma sobre o Maranhão.

            Entre as informações destacadas pelo ex-Deputado estão denúncias sobre obras superfaturas que não foram realizadas, como uma estrada que liga os Municípios de Paulo Ramos e Arame, que custou aos cofres públicos 33 milhões pagos às empreiteiras EIT e Planor.

            Ele também acusa os irmãos Sarney, Roseana, Fernando e Zequinha, donos da TV Mirante, retransmissora da Rede Globo, de obrigarem cada prefeitura do Estado a pagar R$1,5 mil/mês para receberem o sinal.

            Por fim, lembra que o Governo estadual injetou R$300 milhões no Banco do Estado do Maranhão, hoje federalizado, e tenta, agora, privatizá-lo por menos de R$100 milhões.

            Foram as palavras do irmão do esposo da Governadora Roseana Sarney.

            Não estamos, portanto, Sr. Presidente, como fez crer numa alocução emocionada e brilhante, a lembrar os velhos tempos da UDN, o ilustre Senador José Sarney. Não estamos diante de medidas tomadas à sorrelfa, no mistério das noites, engendradas por maquiavélicos organizadores de dossiês e, sim, estamos diante de fatos que não tiveram, até hoje, da candidata Roseana Sarney nem de seu pai, no belo e emocionado discurso que fez, qualquer resposta que contrarie a frieza e a implacabilidade desses fatos. Isso não foi afetado, não foi citado, não foi tocado no discurso do ilustre Senador José Sarney. São fatos, fatos que são ainda fortalecidos por declarações, hoje, do irmão de Roseana, atendendo a uma matéria saída no jornal Valor Econômico de que teve, sim, com seu pai uma conversa, por telefone - o que foi escutado por uma repórter ou um repórter deste jornal -, na qual pede, insiste em que ele não acoberte o seu genro e que sua irmã, se quer preservar a sua candidatura, se afaste dele.

            Não quero entrar nesse terreno. Sou obrigado a aludir ao fato, porque é notório. Ele não vem das maquinações que a capacidade literária de excelente romancista, aliás, do Senador José Sarney fez esta Casa supor nesta tarde de hoje; ele veio do irmão de Ricardo Murad e do irmão de Roseana Sarney.

            Por que não quero entrar nessa situação? Porque avalio em profundidade o que esse homem deve estar a sofrer e o que lhe custou de amor paternal e de brio vir a esta tribuna para a magnífica, porém insubsistente defesa que fez de sua posição. Custa-lhe como pai, custa-lhe como alguém que vê dentro da família um tipo de desagregação, de quem sabe que seu genro está deprimido e acautela com carinho, com amor, com verdade, que merece o nosso respeito, essa situação. Não desejo entrar nela, mas ela faz parte dos fatos que cercam todo esse episódio.

            A que estamos a assistir no plano político? Estamos a assistir no plano político a algo extremamente interessante. A meu juízo, a vítima desse episódio, muito mais do que a Governadora Roseana Sarney, é o Partido da Frente Liberal. Repito: o Partido da Frente Liberal é a vítima desse episódio e não a Governadora Roseana Sarney, porque o PFL, por lealdade à sua candidata e pelo hábito de não abandonar companheiros no meio da marcha, corre o risco de isolamento político e de ficar sem candidato. No entanto, em momento algum, deixou de defendê-la, nem quando ela impôs ao Partido da Frente Liberal: “ou eu candidata ou todos fora do Governo”, ou seja, o PFL na Oposição. Imposição essa que o PFL absorveu por lealdade, o mesmo PFL, que, em sete anos, sempre teve com o Governo que ora represento a mesma postura de lealdade, viu-se obrigado, porque não havia outra alternativa, a manter algo que sabe ser periculoso, complexo e difícil para seu futuro político, em nome de uma lealdade política. Ele é a grande vítima.

            O PFL, portanto, está a nos dar uma demonstração de lealdade. Composto de homens lúcidos, que sabem da dificuldade em que estão envolvidos - não por culpa deles -, no entanto têm mantido aquilo que é a regra um da atividade política: a lealdade.

            Ele é a vítima, e não Roseana Sarney. Mais cedo ou mais tarde isso ficará claro, se é que já não está para os seus principais pensadores, para os homens lúcidos que caracterizam o pensamento do PFL.

            Quando hoje, diante de uma possibilidade de aliança para se continuar a pavimentar o caminho do avanço brasileiro pelo Centro, unem-se o PMDB e o PSDB, o risco de não termos o PFL é o risco de termos uma aliança partida, exatamente no momento em que ela poderia consolidar-se em um novo Governo, dando os passos da governabilidade para que ela pudesse ser completa.

            É uma conseqüência política que, no momento, está debaixo do pano, guardada em sigilo e honradez pelo PFL, mas que o PFL não pode desconhecer. Ele, e não Roseana Sarney, é a vítima dessa situação.

            Vejamos o caso de Roseana: é ela uma pessoa deplorável, alguém que já está julgada? Absolutamente não. Há um processo no qual ela terá plena defesa. Ela é uma pessoa com características positivas inegáveis como governadora. Tem os seus méritos. Fez um governo que é aplaudido pela população. Por que temer? Por que vem o Senador Sarney, como se ela já estivesse julgada pela Justiça, dizer da injustiça desse julgamento? Há aí, sim, o aspecto profundamente negativo do discurso de S. Exª.

            Trata-se daquela velha prática da política brasileira de jogar sobre os outros as culpas que cabem a alguns. Aquela velha tendência do espírito humano: culpado, o outro. E numa articulação - admito que bem urdida do ponto de vista da comunicação - foi tentado, mas não conseguido, fazer com que a contra-informação viesse a ser mais forte do que a informação.

            Qual é a informação? Está sintetizada em 1milhão e 340 mil reais em cima de uma mesa. A contra-informação: somos vítimas de um Governo terrível, somos vítimas de um Governo tenaz, somos vítimas de um Governo solerte.

            Que ato, até agora, da Presidência da República pode ser inquinado de ato lesivo à democracia, às liberdades democráticas, como assinalou ao final de seu discurso o Senador Sarney? Nenhum. Até porque esse discurso do Sr. Senador Sarney teria muito mais cabimento nos anos da ditadura, quando estávamos nós a lutar contra isso, do que hoje, quando o País goza de uma liberdade plena, ocasião em que o discurso não veio. Ao contrário. Não há, portanto, nesse discurso a mesma qualidade, o mesmo vigor, o mesmo valor do amor paternal, que respeito e admiro, embora admire-lhe no discurso a qualidade literária. Mas a qualidade política não, nem as condições de análise necessárias à compreensão do que ocorre no Brasil de nossos dias. O Brasil de nossos dias aos poucos, pelo andamento da democracia, pelo desenvolvimento do País, faz com que as grandes oligarquias estaduais, uma a uma, por razões diversas, gradativamente tombem diante da opinião pública brasileira. Até porque o País já não agüenta mais oligarquias políticas, que se mantiveram exatamente nos anos da ditadura, conseguindo benefícios ligados a emissoras de rádio, a emissoras de televisão, a contatos empresariais que lhes deram uma posição de elite permanentemente e de domínio completo da política em seus Estados.

            O novo Brasil é, sim, um Brasil libertário e o que está por dentro e por detrás desse fenômeno é o fim de um ciclo das oligarquias estaduais, que vão sendo gradativamente vencidas, ou pela sua onipotência, ou pelos seus próprios erros, ou pela História, que é implacável e caminha na direção de uma politização mais madura em um País que já tem alguns anos de trilho nessa mesma democracia.

            Curiosa e paradoxalmente, para que não me acoimem de injusto, o próprio Senador José Sarney ajudou, como Presidente, esta mesma democratização, talvez até purgando-se de não havê-lo feito antes. Mas não pode, de maneira nenhuma, dizer que o Presidente da República está por trás maquinando, e nem tem condições de dar à Nação essa lição de liberdade, de democracia, até porque não lhe faltam méritos, nem sinceridade, mas lhe falta história para tanto. Falta-lhe história para falar de homens que vieram do exílio, da luta política, da prisão, do opróbrio, da tortura. Esses, sim, têm história suficiente para falar em tempos de democracia.

            O Brasil hoje é respeitado interna e externamente exatamente pela capacidade que tem o País e sua direção de levar adiante os propósitos democráticos. Diga-se o que se quiser do Presidente Fernando Henrique, mas não se diga que Sua Excelência maquina por trás, cria essas condições, porque não é do seu feitio. O mais - até pensei que seria pior - foi uma série de pequenas e absolutamente irrelevantes acusações ao candidato José Serra.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Permite-me um aparte, ilustre Senador?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Senador, por gentileza, queira compreender-me. Também tive muita vontade de apartear o Senador José Sarney e aguardei o momento oportuno com toda a paciência. Solicito a V. Exª que aja da mesma forma.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Mas V. Exª não pediu, e eu estou pedindo.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Mas, por respeito ao orador...

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Eu estou ouvindo.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Mas, V. Exª será atendido.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Eu estou ouvindo que V. Exª está entrando em contradições. Eu gostaria de alertá-lo e, inclusive, ser útil ao discurso de V. Exª.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Pois, não. Mas peço a V. Exª que aguarde um momento. Com muito prazer, eu lhe darei a palavra depois.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Pois, não.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - O Presidente José Sarney citou algumas ações contra o candidato José Serra. Uma delas está em minhas mãos e é muito interessante. Trata-se de uma ação popular, isto é, feita por pessoas do povo. S. Exª deu o número que eu repetirei: é a Ação nº 9400118996, de ressarcimento de danos ao Erário, e corre na 7ª Vara. S. Exª citou esse fato. Sabem por quê? Essa ação popular pede que algumas pessoas devolvam valores ao Erário, por haverem faltado a algumas sessões do Senado - ressarcimento de danos ao Erário, falta de Parlamentares. Interessante. Nessa mesma ação, que pode ser proposta por qualquer pessoa contra qualquer parlamentar, se é que ela tem alguma importância - e ela não tem nenhuma - também o próprio Presidente José Sarney é réu.

            Isso é o que se tem contra José Serra. O que foi mais apresentado contra ele? Recortes de jornal, da Carta Capital - a matéria da revista Carta Capital foi desmentida à saciedade há mais de ano -, artigos do Sr. Janio de Freitas. Ah! Senhores e Senhoras, se trouxesse eu aqui o que se disse de maldade contra o Presidente José Sarney, por exemplo, na construção da estrada de ferro Transnordestina! O que se disse naquela ocasião! Como é fácil, na vida política, juntar-se! Já vimos aqui nesta Casa especialistas em dossiês. Como é fácil, no volume de informações díspares, desconexas, apresentar-se acusações. De repente, José Serra passou a ser uma espécie de homem mais poderoso do Brasil, capaz de mover forças sobre-humanas para fazer mal à Srª Roseana Sarney.

            José Serra moveu, sim, forças sobre-humanas. Pela primeira vez, aliás, pela segunda, porque o Ministro Jamil Haddad também o fizera, alguém enfrentou laboratório farmacêutico neste País. Pela primeira vez, aí sim pela primeira vez, enfrentaram-se os planos de saúde, criando-se uma agência especial para os regular. Pela primeira vez, investiu-se concreta e diretamente nos remédios genéricos. Os índices da saúde no Brasil, hoje, saíram de resultados baixíssimos para resultados alvissareiros, em começos de alteração fundamental do processo de saúde, sobretudo pela aplicação da saúde preventiva. Isso sim, precisa de esforço sobre-humano. Isso sim, senhoras e senhores, precisa de cuidados de quem faz. E foi exatamente por esse cuidado que o Ministério da Saúde contratou uma firma para investigar o que estava grampeado em si mesmo e não para grampear os demais, porque, se formos falar em vítimas de grampo, em todos os sentidos da palavra, desde rapaz, José Serra é grampeado, perseguido e preso. Sua história é uma história de muito mais denúncias do que a história de vida do próprio Senador José Sarney, que sempre foi uma pessoa que se manteve incólume, ao longo de todos esses atribulados anos da vida brasileira, porque, construindo uma oligarquia, representou as própria forças que até hoje dominam parte fundamental e significativa da política brasileira.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Concederei com prazer.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Srs. Senadores, tendo em vista o Regimento Interno da Casa, devo alertar que o orador está falando como Líder.

            Senador Artur da Távola, aproveito para lembrar-lhe da limitação de tempo que temos. Sei que o Presidente José Sarney também ultrapassou o tempo, mas, proporcionalmente, a Mesa está regulamentando. Por isso, solicito a V. Exª que conclua.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Sr. Presidente, solicito a V. Exª que retire o proporcionalmente, pois não é o caso. Se ele tem mais direito do que eu, a proporção é um pouco injusta. Pode ser que a representatividade de S. Exª...

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - O tempo destinado ao Líder é cinco minutos e ao orador, vinte. É somente uma questão de tempo mesmo.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Essas foram, concretamente, as acusações com as quais se ameaçava a incolumidade da candidatura José Serra. Saiu da montanha um pequeno rato, com acusações soltas, levianas, sem nenhuma prova ou argumento. Não há nada concreto como um bolo de dinheiro sobre a mesa; nada dessa ordem. Não veio por mandado judicial.

            Assisti, daquela cadeira, à tentativa de um homem inteligente, de alto talento - numa defesa linda do ponto de vista da paternidade -, tentar, no último momento, jogar lama sobre pessoas que, como ele, estão na vida pública, nesse afã terrível de uma defesa de algo que já está a se tornar indefensável, haja vista que se refere a atos concretos oriundos de mandado judicial, sem nenhuma interferência do Poder Executivo. Essa é a verdade que deve ser dita, pois há fatos concretos. As seis versões dadas pelo Sr. Murad a respeito do dinheiro encontrado revelam a existência de algo absolutamente complexo ou, pelo menos, suspeito.

            As declarações do Sr. Deputado José Sarney Filho, confirmando que tivera esse diálogo com o pai, não são, evidentemente, uma fantasia.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Isso é baixaria de V. Exª, Senador Artur da Távola, querer trazer a palavra do Sarney Filho, que é irmão da Governadora do Maranhão e filho do Senador José Sarney. Se fosse V. Exª, com a competência que tem, não chegaria a esse ponto.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet. Fazendo soar a campainha.) - Srs. Senadores, mais uma vez, a Mesa esclarece ao Plenário que o orador que está na tribuna fala como Líder.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Há várias formas de baixaria, Senador. Estou citando um fato presente na imprensa do dia de hoje, sem ofensa a ninguém, porque entendo que ele agiu no melhor da sua consciência.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Mas isso não é verdadeiro.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Então, quando a nota sair, serei o primeiro...

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - V. Exª se pegar nisso é baixaria.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Não, Exª.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - V. Exª não quer ouvir a verdade.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Senador, quero ouvir V. Exª com o maior interesse e prazer.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet. Fazendo soar a campainha.) - Srs. Senadores, por gentileza, o orador está na tribuna falando como Líder, e, na qualidade de Líder, não pode ser aparteado.

            Senador Artur da Távola, por favor, quando V. Exª puder concluir, a Mesa agradece.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Para concluir, Sr. Presidente, trago a esta Casa a certeza de que, se assistimos a uma bela peça oratória, não assistimos a uma peça efetivamente convincente. Olho a agonia das oligarquias estaduais brasileiras como algo que é uma marca na política brasileira, mas que vai sendo um sinal de uma aurora de novos tempos. Os partidos políticos no Brasil, com exceção de pouquíssimos, se transformaram em partidos de cúpula, e as cúpulas partidárias brasileiras são dominadas, via de regra, por oligarquias. A política brasileira está aquém, nesse particular, de avanços que a própria vida pública brasileira já teve. O que se assiste é a dificuldade que tem uma dessas oligarquias quando vê o sonho de sua permanência ameaçado por fatos incontestáveis já absorvidos pela Nação.

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Mas quando V. Exª estava atrás de Roseana Sarney para apoiar o Serra, inclusive oferecendo a Vice-Presidência da República, não se portava dessa maneira, e hoje chama de oligarquia. Oligarquia porque não está do lado do Governo, aí é oligarquia. Se amanhã o Lula passar para o lado do Governo, ele é o melhor homem do mundo.

            (O Sr. Presidente Ramez Tebet faz soar a campainha.)

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - A exaltação de V. Exª, nobre Senador...

            O Sr. João Alberto Souza (PMDB - MA) - Porque V. Exª se nega ao debate.

            O SR. ARTUR DA TAVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - A exaltação de V. Exª mostra em quanto, embora para mim seja doloroso, as minhas palavras têm razão de ser, mas concedo a palavra a V. Exª.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - A Mesa é altamente democrática. Mas vamos respeitar um pouco o Regimento Interno.

            Nesta sessão ouvimos o pronunciamento de um ex-Presidente da República e estamos ouvindo agora o Líder do Governo. Os prazos estão ultrapassados, como é de praxe na Casa, e S. Exª está falando como Líder.

            Encontrarei uma oportunidade, Senador, para lhe conceder a palavra, sob pena de a Mesa perder a autoridade quando está dizendo que não é permitido aparte nesta hora.

            Pediria, Senador Artur da Távola, que V. Exª socorresse a Presidência da Casa.

            O SR. ARTUR DA TAVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Sr. Presidente, com muito prazer.

            Já concluí. Apenas fiquei pessoalmente instado a não parecer que estava negando a palavra ao Senador João Alberto Souza, o que não faria de maneira nenhuma. Porém, acato o que V. Exª determina. O que eu tinha a dizer a esta Casa já foi dito.

            Muito obrigado. (Palmas.)


            Modelo15/2/249:31



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2002 - Página 2647