Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DE LUTA PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EXPECTATIVA DE APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADOR JOSE SARNEY, QUE ESTABELECE QUOTAS PARA INGRESSO DA POPULAÇÃO NEGRA NAS UNIVERSIDADES E CONCURSOS PUBLICOS, DO QUAL S.EXA. E RELATOR.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DE LUTA PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EXPECTATIVA DE APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADOR JOSE SARNEY, QUE ESTABELECE QUOTAS PARA INGRESSO DA POPULAÇÃO NEGRA NAS UNIVERSIDADES E CONCURSOS PUBLICOS, DO QUAL S.EXA. E RELATOR.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2002 - Página 2837
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, LUTA, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • REGISTRO, CONCLUSÃO, RELATORIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, JOSE SARNEY, SENADOR, APRESENTAÇÃO, ORADOR, SUBSTITUTIVO, DEFINIÇÃO, PROVIDENCIA, BENEFICIO, COMBATE, EXCLUSÃO, NEGRO, DESIGUALDADE SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, RESERVA, VAGA, ENSINO SUPERIOR, EMPREGO, SERVIÇO PUBLICO, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, PARTIDO POLITICO, EXPECTATIVA, URGENCIA, TRAMITAÇÃO, APROVAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DETALHAMENTO, RELATORIO, AUTORIA, ORADOR, PROJETO DE LEI, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, BRASIL.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, no mundo todo se comemora o Dia de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

Dizem que a África é o berço da Humanidade. Eu diria que a África é a pátria-mãe da Humanidade. E que o Brasil e os brasileiros muito devem à África e ao povo africano.

Sr. Presidente, faço esta homenagem, nesta tarde, em meu nome e em nome do meu Estado, o Amapá, e também na condição de Relator do Projeto do eminente Senador José Sarney, a quem cumprimento neste momento pela iniciativa de apresentar o projeto que estabelece quotas para ingresso da população negra nas universidades e nos concursos públicos.

Como Relator desta matéria, já informei ao Plenário que concluí o meu relatório e o apresentei na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. Eu estava num esforço para que este projeto pudesse ser votado no dia de ontem, quarta-feira, exatamente às vésperas do dia de hoje, que é o Dia de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Infelizmente, uma audiência pública, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, inviabilizou a votação deste importante projeto para o Brasil e para os brasileiros.

Em substituição ao Projeto do Senador José Sarney, apresento um substitutivo, que estabelece o princípio das ações afirmativas para a população brasileira afro-descendente, modificando a nomenclatura apresentada pelo eminente Senador José Sarney, que prevê quotas para a população negra no Brasil. O projeto, além de estabelecer ações afirmativas nas áreas do ensino e do emprego público, avança também na área da política, quando prevê que os partidos deverão criar mecanismos para facilitar a participação de afro-descendentes.

Campanhas educativas, por intermédio dos governos, sobretudo o Federal, para que o povo brasileiro assimile as idéias das ações afirmativas e possa também o Governo, por meio do Poder Executivo, contribuir para a reversão dos índices que entristecem a todos nós, que nos envergonham a todos, os índices da desigualdade entre a população afro-descendente ou população negra e o restante da população brasileira.

É bom que se diga que a população brasileira afro-descendente representa hoje, no contingente de brasileiros, aproximadamente de 45% a 48%, segundo dados do Ipea.

E as desvantagens, as desigualdades sociais e raciais estão permanentemente presentes no dia-a-dia, seja na hora que a jovem ou o jovem negro busca um emprego num shopping, ou numa indústria, ou num comércio de qualquer natureza, ou numa empresa de qualquer natureza, pela sua cor, não é raro os casos em que esses jovens são discriminados. Essa discriminação, embora velada, embora não se possa dizer que no Brasil tenhamos ódio racial, mas a discriminação está expressa nos índices oficiais do Governo, quer seja na área, por exemplo, do Ensino Superior, onde apenas 2% do contingente universitários, ou do número de universitários são negros. De toda a população negra, somente 5% alcançam a universidade. Esses índices se repetem quando se fala de moradia, quando se fala de mortalidade infantil, quando se fala de salário, quando se fala numa comparação de gênero, por exemplo, entre a mulher branca e a mulher negra.

Então, o Projeto do Senador José Sarney, por mim relatado, tem esta virtude, tem este condão de ser um marco na história do Brasil, para que, daqui por diante, a partir da aprovação deste projeto - e espero que ele tenha uma tramitação rápida na Câmara dos Deputados, já que não foi tão rápido aqui no Senado, pois tramita nesta Casa desde 1999, embora eu tenha assumido a relatoria somente em abril do ano passado -, este projeto possa, de fato, delimitar a fase anterior a ele, no qual, como eu disse, embora sem o ódio racial evidente, os índices atestam os níveis de desigualdades raciais e sociais gritantes entre a população negra afro-descendente e a população branca.

Sr. Presidente, a expectativa que tenho é que nos próximos quinze dias, passada a Semana Santa, possamos votar definitivamente esse projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Será uma luz no fim do túnel para que as eqüidades raciais e sociais possam estar mais próximas no contexto de nossa população. Há inúmeras modificações no contexto da legislação brasileira, a partir desta lei. Lamentavelmente, em virtude da extensão da pauta, não terei tempo suficiente para detalhar um pouco mais o meu relatório e também discutir um pouco mais essa questão das profundas desigualdades raciais e sociais que demarcam bem as diferenças entre a população negra e o restante da população brasileira.

Sr. Presidente, concluo pedindo a V. Exª a transcrição nos Anais da Casa, na íntegra, do meu pronunciamento.

Muito obrigado.

 

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     SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR SEBASTIÃO ROCHA:

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O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT - AP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minha presença na tribuna do Senado Federal, nesta oportunidade, tem como objetivo prestar homenagens à população afro-descendente de todo mundo, particularmente à população brasileira afro-descendente. O mundo todo já acordou para a necessidade de justiça que precisamos ter para com estes povos, reparando os danos causados ao longo de vários séculos, com a escravidão. Hoje, 21 de março, comemora-se o Dia da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, mais uma data que nos convida a repensar sobre esta questão.

E o Congresso Nacional não pode se esquivar deste convite. E por este motivo gostaria de parabenizar o Excelentíssimo Senador José Sarney, pela iniciativa do Projeto de Lei do Senado nº 650, de 1999, o qual tive a honra de ser o Relator. Este projeto visa instituir ações afirmativas em prol da população brasileira afro-descendente. Como Relator, tive a oportunidade de estar em contato com várias organizações, governamentais e não-governamentais que se debruçam sobre a questão, o que me permitiu ir mais além em meu voto, apresentando um substitutivo, no último dia 13 à Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, que vai além da instituição de cotas de vinte por cento para acesso aos cargos e empregos públicos, universidades públicas e privadas e para o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Este substitutivo prevê esforços em conjunto com o Poder Executivo para desenvolver campanhas educativas e informativas; para rever o conteúdo dos livros didáticos; para promover mecanismos de incentivo para a participação dos afro-descendentes no cenário político nacional; e, para estabelecer planos de inclusão desta população em empresas privadas que se disponham a participar de processos de licitação, com a alteração da Lei nº 8.666/93. Outra previsão do projeto consiste na forma de acesso. Para acesso às ações, prevalece o princípio da autodeclaração, sendo considerados beneficiários os afro-descendentes de cor preta ou parda. E para garantir a padronização do recorte racial, a inscrição da cor e das características étnico-culturais nos assentos de nascimento, com a alteração da Lei nº 6.015/73, que regulamenta os registros públicos. Também está sendo prevista a averbação gratuita dos documentos de identificação dos candidatos e a análise da situação socioeconômica dos afro-descendentes nos censos e pesquisas estatísticas.

E se foi possível chegar a estas ações, a meu ver, mais efetivas, não posso esquecer da colaboração de várias organizações: O IBGE, nas pessoas do Senhor Sérgio Besserman Viana, presidente do instituo e da Senhora Ana Saboia; o Conselho Nacional de Defesa da Mulher, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, na pessoa da Senhora Wânia Sant’Anna; o IPEA, na pessoa do Senhor Ricardo Henriques; a Fundação Cultural Palmares, e seu presidente Senhor Carlos Moura; o MEC; a Senhora Cleide de Oliveira Lemos, consultora legislativa do Senado; e tantas outras organizações com as quais estive em contato, como o Escritório Nacional Zumbi dos Palmares; o Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdade, a Comunidade Bahá’I e o Instituto Axé Ilê Obá.

Também não posso esquecer da valiosa contribuição prestada pelos Excelentíssimo Senhores, Senador Geraldo Cândido, Senador Eduardo Suplicy, Senador Francelino Pereira e Senador Jefferson Péres, que apresentaram propostas e emendas importantes para que o projeto alcançasse a plenitude no atendimento e na melhoria das condições de vida da população negra no Brasil. Uma população que, conforme já afirmei nesta tribuna, e de acordo com os números do IBGE, representam 48% da população brasileira. Contudo, infelizmente, a sociedade brasileira, sob um racismo velado, não cria oportunidades para a integração dos afro-descendentes. Enquanto um homem branco recebe, em média, 6,3 salários mínimos e uma mulher branca, 3,6 mínimos, o homem negro recebe 2,9 salários e a mulher negra, 1,7. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, essa mesma sociedade que não se diz racista tem 79% das mulheres negras ocupando atividades manuais. Essa mesma sociedade que se diz igualitária marginaliza a população brasileira afro-descendente à condições de pobreza, vetando o acesso desta população à saúde, à educação, destinando-a à cargos para servir os 52% restantes da população brasileira, que é composta de índios, europeus e asiáticos, e com altíssimos índices de miscigenação. E isso tanto é verdade que estatísticas sobre a violência e sobre a mortalidade no Brasil apontam os afro-descendentes como as maiores vítimas, mesmo quando atores. As estatísticas são tão alarmantes que, tornou-se obrigatória a inscrição da cor nas certidões de óbito, desta forma, o brasileiro nasce sem cor, mas morre com cor.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, eu pergunto, será que, como representantes do povo, podemos esquecer 48% da população brasileira? Será que podemos continuar nos esquivando da responsabilidade de a eles fornecer condições dignas de vida e a integração com a sociedade, de forma justa? Por diversas ouvi que cotas são políticas discriminatórias. Mas é preciso entender que existe discriminação e discriminação. Uma é negativa e prejudica a participação deste segmento na sociedade. A outra é positiva. Reconhece que existe um setor, carente, que precisa ser atendido. As cotas são uma discriminação positiva, uma ação positiva. O objetivo não é privilegiar qualquer segmento, mas, sim, dar condições justas de competição, porque os demais setores estão viciados e precisamos tomar atitudes mais urgentes. Para que a educação em suas bases atende para a realidade de que crianças brancas tema mais acesso à educação do que as crianças negras e realize as reformas necessárias para modificar tal realidade; para que a saúde perceba que a população afro-descendente tem carências específicas, como a anemia falciforme que não é tratada da forma adequada, principalmente pela saúde pública.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, espero que neste dia de luta possamos refletir sobre todas estas questões e outras tantas sobre as quais poderia passar horas falando a respeito. Atentemos que é uma obrigação da sociedade reparar os danos que nós mesmo causamos, ao aceitarmos a escravidão no passado e ao aceitarmos as políticas excludentes do presente. Relembremos Rui Barbosa e tratemos com igualdade os iguais e com desigualdade os desiguais, à medida que se desigualam. Pensemos nas contribuições culturais do africanos à realidade brasileira, que nos presenteou com um povo forte, que não foge á luta e é belo por natureza. Mostremos ao mundo que estamos lutando em busca da promoção da igualdade e aplicando ações afirmativas, não só nas Conferências mundiais, mas também nas ações do nosso dia-a-dia. À sociedade e primordialmente ao Estado, cabe a tarefa da promoção dos homens e das mulheres, de realizar ações voltadas para uma crescente melhoria da qualidade de vida, estando sempre a serviço da comunidade, conscientizando a todos os indivíduos de participação de cada um nesta melhoria.

Façamos jus a este 21 de março, Dia da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, e lutemos. Convoco aqui não só os Excelentíssimos Senadores, mas a sociedade como um todo a movimentar-se em prol de um Brasil sem preconceito, sem discriminação. Aos que já estão nesta luta, meus parabéns! Aos que estão acordando para ela, meus parabéns! Contem com o meu apoio, e com certeza com o apoio desta Casa. Aos que ainda não perceberam a realidade, atitude! Aos negros, aos afro-descendentes, reafirmo minhas homenagens por todas as conquistas e por esta data.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2002 - Página 2837