Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do Relatório do UNICEF intitulado "Situação Mundial da Infância 2002", por ocasião do transcurso, hoje, do Dia da Infância.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Análise do Relatório do UNICEF intitulado "Situação Mundial da Infância 2002", por ocasião do transcurso, hoje, do Dia da Infância.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2002 - Página 2840
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, SITUAÇÃO, INFANCIA, BRASIL, MUNDO, COMENTARIO, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), CONCLAMAÇÃO, LIDERANÇA, SOCIEDADE CIVIL, ATUAÇÃO, BENEFICIO, CRIANÇA, COLABORAÇÃO, GOVERNO, POLITICA SOCIAL, REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), AVALIAÇÃO, PROVIDENCIA, PERIODO.

O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, proponho a todos os que me ouvem neste momento fazermos uma pausa no corre-corre de hoje, na sucessão interminável dos afazeres diários, na lista dos compromissos registrados na agenda, para abrirmos um pequeno espaço - pequeno mesmo, não mais do que 10 minutos! -, em que iremos tratar de um assunto da mais alta relevância, do qual depende o sucesso das novas gerações. Mais ainda: do qual dependem os caminhos da humanidade no futuro. O assunto de que quero tratar é a criança, a situação da infância no mundo, tal como se apresenta hoje. O transcurso do Dia da Infância, que se comemora no dia 21 de março, nada mais é do que um mero pretexto de oportunidade, já que o tema infância é da ordem de máxima gravidade, e não pode se conter nas homenagens de um único dia no ano.

Proponho que pensemos juntos sobre a situação das crianças na face da Terra e tentemos descobrir, cada um de nós, não importa onde e quando, uma forma de nos engajarmos em favor da criança, de seu direito sagrado de crescer em paz, de desenvolver integralmente suas capacidades, de tornar-se um adulto preparado para os mais diversos embates da vida.

Digo isso, Senhores, motivado pela leitura de um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o UNICEF, intitulado “Situação Mundial da Infância 2002”. Tal documento destaca como palavra de ordem a “liderança”. Ele conclama as lideranças de todos os continentes e de todos os setores da sociedade para se engajarem em ações em prol da criança. Enfatiza a necessidade de proporcionar às crianças o melhor começo de vida possível. Além disso, o relatório fornece exemplos de como as pessoas podem demonstrar seu compromisso para com o bem-estar da criança.

De certa forma, pretendo fazer de meu pronunciamento também uma conclamação. Uma conclamação a todos os que estiverem me ouvindo e, particularmente, às lideranças que assomam nos quatro cantos de nosso País. Uma conclamação para que busquem uma forma de também se comprometerem com o direito da criança de crescer com saúde, paz e dignidade.

Não podemos esperar que os governos, os mandatários, os poderes constituídos possam, apenas em seu âmbito de ação, fazer valer os direitos das crianças. É evidente que políticas públicas bem planejadas e orientadas são ferramentas essenciais para reunir recursos e alavancar ações visando o bem-estar da criança. Mas sem o empenho generalizado da sociedade, de suas organizações e de cada pessoa em particular, não conseguiremos dar às crianças a qualidade de vida necessária ao seu desenvolvimento integral.

Basta dar uma olhada à nossa volta para vermos quanto tem de ser feito pela criança. Quantos meninos e meninas não vão à escola? Quantos estão doentes? Quantos vivem nas ruas, pedindo aqui e acolá? Quantos já se iniciaram no mundo da criminalidade? Quantos já se envolveram com drogas? Quantas meninas já se prostituíram, sequer chegadas à puberdade?

Pelo mundo todo, há também muito a fazer. Já transcorreu mais de uma década da realização da Cúpula Mundial pela Criança, de 1990. Muitos de nós esperávamos que esse período de tempo fosse suficiente para alterar substancialmente a situação da criança. Queríamos vê-la entrar no novo milênio ostentando as conquistas e os avanços com passo seguro e face erguida. Mas muitas cruzaram o umbral da nova época cabisbaixas e com andar hesitante... O progresso foi desigual.

Às evidências de realizações vitoriosas, somam-se fracassos desanimadores. Parece que a distribuição do progresso no universo infantil acompanhou a tirania dos países ricos e suas grandes corporações financeiras: sangram os países pobres com dívidas monstruosas para que as crianças do lado rico tenham o luxo e o supérfluo!

Vou fazer um balanço rápido da situação mundial da infância, Senhor Presidente! Veremos que, na última década, os resultados foram diversos. Os dados constam do relatório mencionado, em palavras do senhor Kofi Annan, Secretário-Geral das Nações Unidas.

“Hoje, 3 milhões de crianças menores de 5 anos deixam de morrer a cada ano, graças, em grande parte, aos programas de imunização e esforços empreendidos pelas famílias e comunidades. Nos países em desenvolvimento, 28 milhões de crianças até os 5 anos deixaram de sofrer os efeitos debilitantes da desnutrição. Em mais de 175 países, a poliomielite foi erradicada. Em 104, o tétano neonatal foi eliminado. Ainda assim, a despeito desses progressos, mais de 10 milhões de crianças ainda morrem por falta de prevenção de doenças, aproximadamente 600 milhões ainda vivem na pobreza e mais de 100 milhões - a maioria delas meninas - estão fora das escolas.”

A Cúpula Mundial refletiu as esperanças do mundo para as crianças. Foi estabelecido um grande contingente de medidas a serem implementadas até o ano 2000. Eram metas ambiciosas visando reduzir a mortalidade infantil, aumentar a cobertura imunológica, fornecer educação básica, universalizar o acesso à água potável, entre outras. O mundo passou a ver as ações dirigidas à sobrevivência, o desenvolvimento, a proteção e a educação infantis não mais como objeto de caridade, mas como uma imposição legal, ratificada por líderes governamentais do mundo todo. A causa da criança, talvez pela primeira vez na história da humanidade, encontrava-se no centro da pauta mundial.

Onze anos depois, estamos nós a nos perguntar: as metas foram atingidas? A situação das crianças melhorou? As promessas foram cumpridas? Vamos fazer uma projeção para termos as respostas a tais indagações. Tomemos o grupo das crianças nascidas em 1990, ano da Cúpula Mundial pela Criança. Vamos reduzi-lo proporcionalmente a um grupo de 100 crianças, para tornar a visualização mais compreensível. Como serão essas crianças e o que terão vivido nos últimos 10 anos? Os dados constam do relatório do Unicef Situação Mundial da Infância 2000.

Dessas 100 crianças, 55 teriam nascido na Ásia, sendo 19 na Índia e 18 na China. Oito teriam nascido na América Latina e Caribe, sete no Oriente Médio e Norte da África, 16 nos países africanos ao sul do Saara, seis na ECO/CEI e Estados Bálticos e oito em países industrializados. Trinta e três dessas crianças não teriam sido sequer registradas no momento do nascimento: como resultado, oficialmente elas não existiriam nem possuiriam nacionalidade reconhecida. Sem um documento oficial provando idade e identidade, muitos não teriam qualquer acesso a sistema de saúde ou escola.

Cerca de 32 crianças menores de 5 anos sofreriam de desnutrição e 27 não teriam sido vacinadas contra quaisquer doenças. Nove morreriam antes dos 5 anos. Das 91 crianças remanescentes, 18 não freqüentariam a escola; dessas, 11 seriam meninas. Dezoito não teriam acesso à água portável e 39 viveriam sem saneamento básico.”

Vejam por que disse anteriormente que muitos de nós nos frustramos ao esperar mais do que aconteceu nesses últimos 10 ou 11 anos. A diferença entre as experiências de vida e condições de sobrevivência desse grupo de 100 crianças, comparado com um grupo de crianças que estavam com 11 anos em 1990 não é tão grande quando esperava a comunidade internacional, ao se reunir na Cúpula e firmar tantas metas ambiciosas!

Não quero dizer com isso que o trabalho da Cúpula fracassou. Ou que foi em vão. Muita coisa melhorou, como relatei em passagem anterior. O que se deve aproveitar desse balanço é que os esforços em prol do bem-estar das crianças não podem ser abandonados. Sequer arrefecidos. Há muito por fazer.

É por isso que, secundando o chamamento do UNICEF às lideranças do mundo todo, faço aqui minha modesta, porém firme e sincera conclamação aos líderes de meu País e a todos os que puderem das minhas palavras tomar conhecimento. A infância ainda está no centro da pauta mundial. Ainda está no centro da pauta nacional. Ainda deve constar da agenda dos mais graves assuntos de nosso País.

É banal e corriqueira, mas vale a pena repetir a idéia mais uma vez, dada sua força de verdade. Somos responsáveis pela geração que vai nos suceder amanhã. Se não cuidarmos da infância hoje, a história nos cobrará mais adiante o que deixamos de fazer agora. Aliás, não precisaremos esperar que a inquisição nos venha dos livros de história. Nossos filhos e netos mesmos serão os primeiros a nos inquirir acerca de nossa omissão ou de nossa conivência com a situação injusta das crianças de hoje!

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2002 - Página 2840