Pronunciamento de Geraldo Cândido em 21/03/2002
Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- Autor
- Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
- HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/03/2002 - Página 2844
- Assunto
- Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, LUTA, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, IMPORTANCIA, DEBATE, PROBLEMA, AVALIAÇÃO, PROVIDENCIA, PROPOSTA, SOLUÇÃO, REGISTRO, INFERIORIDADE, SITUAÇÃO, NEGRO, BRASIL, IMPUNIDADE, ESPECIFICAÇÃO, DECLARAÇÃO, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF).
- COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, COMPENSAÇÃO, DESEQUILIBRIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL, NEGRO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PROCESSO, TITULARIDADE, TERRAS, DESCENDENTE, ESCRAVO.
- DENUNCIA, ILEGALIDADE, ATUAÇÃO, MARINHA, PERSEGUIÇÃO, COMUNIDADE, ILHA DE MARAMBAIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DESCENDENTE, ESCRAVATURA, EXPECTATIVA, PROCESSO, MINISTERIO PUBLICO, GARANTIA, DIREITOS, NEGRO, REGIÃO.
O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia 21 de março é um dia para avaliar avanços e preparar ações. O Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial homenageia 69 pessoas negras que foram mortas em Sharpeville na África do Sul enquanto protestavam pacificamente contra leis discriminatórias que as obrigavam a portar passaportes dentro de seu próprio país e obrigava o ensino de uma só língua nas escolas sul-africanas, a da minoria branca. Um dia importante principalmente para os negros, porque nos lembra que se um regime tão forte e opressor quanto o Apartheid pôde ser vencido, temos forças para derrubar a discriminação em qualquer lugar.
Este é um dia para reafirmar a humanidade como uma só família, para celebrar as muitas medidas que o mundo tomou para eliminar o ódio racial. Mas também é um dia de reflexão sobre o que ainda falta combater, e o muito que há para fazer. No Brasil, nós negros somos mais pobres, menos escolarizados, mais expostos à violência, somos os que mais contraem AIDS, a maioria dos desempregados, enfim, campeões em todas as mazelas que nosso país tristemente apresenta.
Também sofremos uma discriminação que, de modo difuso e reincidente, nos desqualifica, estigmatiza e ridiculariza, nos meios de comunicação e no comportamento comum do dia-a-dia. Somos apelidados, xingados, não nos dão empregos, nos pagam menos. Apesar de leis que qualificam a discriminação e o racismo como crime, quase não há condenações, e por quê? Quando em 31 de janeiro o governador do Distrito Federal Joaquim Roriz incitou a população a vaiar o aposentado Marinaldo Nascimento, o chamou de “crioulo petista” e nada aconteceu. O governador desculpou-se, dizendo que estava usando a linguagem do povo.
Quem conhece o desrespeito do governador por meu partido em Brasília, não pode acreditar que ele estava dizendo crioulo apenas para constatar que Marinaldo era negro, era uma tentativa de desqualificá-lo porque ele estava protestando contra o governo. Mesmo com leis que tentam coibir o racismo, vemos vexames como esse de um governador que, não sabendo responder a críticas, discrimina seus opositores.
Somente agora o país está discutindo uma reserva de vagas para negros em universidades, grandes contratações, concursos públicos e eleições. Como forma de corrigir as distorções existentes, podemos separar cotas raciais, que proporcionam maior participação dos negros em todos os aspectos da vida brasileira. Mas bastam essas medidas? Por enquanto o debate está limitado às universidades que começam por si mesmas a discussão dentro de seus colegiados. Embora o Senado tenha um projeto pronto para votação que estabelece cotas para afro-descendentes.
Nesta Casa, tramita também um projeto de minha autoria que estabelece um fundo constitucional para a promoção da cidadania dos afro-descendentes, que deve implementar ações afirmativas tentando corrigir as distorções. Para que em vez de cotas, por exemplo, nossos jovens negros possam concorrer em igualdade de condições por vagas em universidades públicas.
Vamos observar apenas um dos dados do último relatório sobre a questão racial do IPEA: dos 23 milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza, 70% são negros. São 16 milhões de negros na situação que se define como indigência ou miséria, que não conseguem sequer seu sustento diário, sobrevivendo de maneira primitiva e precária. Dos 10% mais ricos, por outro lado, os negros são apenas 15%. Falar sobre a eliminação da discriminação racial no Brasil, Senhores Senadores, é falar sobre o fim dessas desigualdades sociais. Ali está a raiz de todas as mazelas que atingem tanto negros quanto brancos, historicamente mais os negros.
Falar sobre discriminação racial no Brasil é falar sobre 300 anos de escravidão negra em nosso território. A origem da desigualdade ainda mais desigual para os negros brasileiros é sua condição escrava. E gostaria de chamar a atenção dos Senhores Senadores para um fato ligado diretamente a este período vergonhoso de nossa história.
Essa semana demos um passo importante no resgate da dívida que o país tem com seus negros, aprovando na Comissão de Assuntos Sociais desta Casa um projeto que tive a honra de relatar e que regulamenta os processos de titulação de propriedade das terras para os remanescentes de quilombos. Desde 1995 este projeto tramita no Congresso, enquanto os descendentes de escravos continuam desprotegidos. Sete anos é muito tempo para um país que se diz comprometido com o fim da discriminação e do racismo. E enquanto isso, as comunidades remanescentes aguardavam desprotegidas.
Na última semana, veio à tona mais um desrespeito aos direitos de descendentes de escravos. O Ministério Público Federal denunciou a Marinha Brasileira que há mais de um ano vem despejando judicialmente moradores da Ilha de Marambaia, uma comunidade de pescadores negros remanescentes do comércio de escravos na região. Desde 1971, a Marinha passou a administrar a ilha e a perseguir seus moradores. Eles não podem mais cultivar hortas de subsistência, nem reformar ou construir casas sem autorização.
O Ministério Público exigiu que a Fundação Palmares, braço governamental para a questão dos quilombos, inicie imediatamente a identificação dos descendentes de escravos e a titulação das terras ocupadas pela comunidade negra da ilha. Embora a Fundação já tenha identificado 743 comunidades remanescentes de quilombos, a instituição titulou apenas 29, somente duas no estado do Rio de Janeiro e, mesmo com os pareceres favoráveis, Marambaia está no final de uma lista extensa e burocrática.
O antropólogo Fábio Mota, da Universidade Federal Fluminense, estudou a região e afirma com convicção que as famílias residentes em Marambaia são descendentes de escravos. Mesma opinião do antropólogo José Maurício Arruti, coordenador do projeto Egbé - Territórios Negros, para quem não restam dúvidas de que a comunidade é remanescente de quilombo. Desde 1999, a Fundação Palmares já havia recebido um pedido de laudo sobre a comunidade residente em Marambaia, e mesmo assim não há sequer previsão para que o trabalho seja concluído.
Mas pior que a morosidade do Governo Federal em garantir os direitos dessa comunidade é o papel da Marinha, que além de perseguir os moradores começou a expulsá-los, com o argumento de que a ilha seria de propriedade da União. Ora, a União, que inclui a Marinha, “reconhece a propriedade definitiva aos remanescente das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras”, e aqui cito parte do texto do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 88.
Se não bastasse a dúvida levantada por movimentos populares, duas leis estaduais reconhecem o direito da comunidade negra de Marambaia sobre suas terras, reconhecidos não como quilombolas, mas como pescadores tradicionais pelas leis fluminenses. A Marinha ignorou não apenas a dignidade dessa comunidade, mas feriu leis.
Esse fato nos faz lembrar da figura histórica do negro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, que exigiu que a constituição de 1889 fosse cumprida, e os castigos corporais fossem abolidos das práticas de Marinha Brasileira. 22 anos depois da abolição da escravidão, a Marinha ainda conservava o pensamento escravocrata, querendo punir no tronco a maioria negra de seus marujos.
Vamos esperar que a Marinha tenha se modernizado. E que o processo movido pelo Ministério Publico garanta os direitos dos quilombolas de meu estado. Mas vamos também ser vigilantes, para garantir que a constituição se cumpra, para conceder verbas para o processo de titulação, e cobrar maior rapidez da Fundação Palmares nos processos que já iniciou.