Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS AO PLANO APRESENTADO PELO PRESIDENTE GEORGE W. BUSH, DOS ESTADOS UNIDOS, COMO ALTERNATIVA AO PROTOCOLO DE KYOTO, QUE DISCIPLINA A EMISSÃO DOS GASES DE EFEITO ESTUFA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CRITICAS AO PLANO APRESENTADO PELO PRESIDENTE GEORGE W. BUSH, DOS ESTADOS UNIDOS, COMO ALTERNATIVA AO PROTOCOLO DE KYOTO, QUE DISCIPLINA A EMISSÃO DOS GASES DE EFEITO ESTUFA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2002 - Página 2931
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, INEFICACIA, PROPOSTA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REDUÇÃO, CRESCIMENTO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, ATMOSFERA, ALTERNATIVA, PROTOCOLO, AMBITO INTERNACIONAL, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA.
  • APREENSÃO, ALTERAÇÃO, CLIMA, MOTIVO, POLUIÇÃO, RISCOS, QUALIDADE DE VIDA, AMEAÇA, VIDA HUMANA, COMENTARIO, MOBILIZAÇÃO, PAIS, MUNDO, REGISTRO, POSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • ELOGIO, DECISÃO, GOVERNO BRASILEIRO, RATIFICAÇÃO, PROTOCOLO, CLIMA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o plano apresentado no mês passado pelo Presidente George W. Bush, em sua viagem à Ásia, como alternativa ao Protocolo de Kyoto, não convenceu a comunidade internacional, nem a maioria democrática do Senado americano, de que os Estados Unidos estão dispostos a reduzir efetivamente as emissões dos gases de efeito estufa.

Rigorosamente, o que o Presidente Bush apresentou não é uma proposta ou compromisso de redução das emissões americanas desses gases, mas uma desaceleração no crescimento dessas descargas.

Em artigo especial para o The New York Times, reproduzido pela Folha de S. Paulo, o economista Paul Krugman afirma que o governo americano oferece “uma ilusão de ambientalismo, anunciando políticas que soam impressionantes, mas são quase sem conteúdo”. “A administração Bush está claramente fora de compasso com o público”, afirma Paul Krugman, para acrescentar: “Sua indiferença em relação ao destino do planeta seria bem impopular se fosse percebida de maneira mais geral”.

Talvez, para a administração Bush, a tentativa de redução dessas descargas seja entendida como uma iniciativa sentimental, um delírio romântico de organizações que sonham preservar o ambiente e salvar o planeta. Só isso explicaria a relutância em participar, com maior empenho, de uma proposta que tem sido acatada por países de todos os quadrantes, com diversificados graus de desenvolvimento.

O fato, Sras e Srs. Senadores, é que as alterações climáticas ocasionadas pelo efeito estufa são mais do que comprovadas, e as perspectivas, se não forem revertidas, são de deterioração da qualidade de vida, quiçá, num prazo mais dilatado, de ameaça à sobrevivência.

A concentração de gás carbônico na atmosfera, bem como de outros gases que contribuem para o aquecimento global, aumentou assustadoramente à medida que se foi intensificando o uso de combustíveis fósseis. Estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) revelaram que, no último século, a temperatura média do planeta aumentou entre 0,3 e 0,6 grau centígrado.

Os estudos demonstraram também, numa visão prospectiva, que, mantidas as tendências atuais, chegaríamos ao ano 2100 com uma concentração de 700 partes por milhão de gases de efeito estufa na atmosfera - praticamente o dobro da que se registra atualmente. Esses números, Sr. Presidente, já são considerados conservadores, diante das pesquisas mais recentes, concluídas ou em andamento.

As conseqüências desse aquecimento seriam drásticas: degelo das calotas polares, com a conseqüente elevação do nível do mar, desvios nos padrões pluviométricos, com a ocorrência de secas e de enchentes e incremento do processo de desertificação. Seus reflexos deixam antever uma maior incidência de doenças epidêmicas e queda nos índices de produtividade agrícola.

Discutido exaustivamente em reuniões preparatórias e principalmente na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - a Rio-92 -, esse tema gerou um compromisso dos países que participaram da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima.

Nos termos dessa Convenção, os países desenvolvidos, sabidamente os maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, assumiriam a liderança na iniciativa de estabilizar, e em seguida reduzir, os níveis de concentração desses gases. A responsabilidade primeira dos países industrializados não isenta os países em desenvolvimento - entre eles o Brasil - de se empenharem em implementar programas com o objetivo de manter a normalidade das condições climáticas - afinal, prevê-se que em 2020 metade das emissões de gás carbônico na atmosfera será originada nas nações periféricas.

Desde a realização da Rio-92, Sras e Srs. Senadores, o efeito estufa vem sendo discutido e analisado periodicamente pelos países signatários da Convenção, ainda que as medidas efetivas visando à redução das descargas deixem muito a desejar.

Em 1997, na Terceira Conferência das Partes da Convenção do Clima, realizada em Kyoto, no Japão, as propostas de redução do efeito estufa, até então apresentadas genericamente, foram acompanhadas de metas, tomando-se por base o ano de 1990. O Protocolo de Kyoto estabeleceu, para os países desenvolvidos, um corte médio de 5,2% nas emissões de gases de efeito estufa, a ser executado até 2012.

A relutância dos Estados Unidos em acatar as medidas definidas em Kyoto tem sido justificada pelo Presidente Bush pela necessidade de crescimento da economia americana. Além de alegar os elevados custos econômicos para promover a regulação ambiental, Bush tem afirmado que o cumprimento das metas pode extinguir milhões de empregos em seu país.

O boicote americano ao Protocolo de Kyoto criou um impasse no âmbito da Convenção sobre Mudança Climática, pois os Estados Unidos, sozinhos, respondem por 25% de toda a emissão de gases de efeito estufa do planeta. Paralelamente a essa relutância americana, verifica-se que muitos países desenvolvidos não têm cumprido seus compromissos de forma integral, ainda que alguns tenham justificativas plausíveis para tanto. É o caso, por exemplo, da Alemanha, que teve sua programação prejudicada ao incorporar tecnologias ultrapassadas da ex-Alemanha Oriental, por ocasião da unificação.

Por sua vez, a Rússia e outros países do Leste europeu, ainda que não tenham se empenhado nessa questão, acabaram reduzindo essas emissões em conseqüência da depressão econômica por que vêm passando.

O isolacionismo americano, fonte de indignação internacional, acabou se acentuando quando o Japão, seu tradicional aliado nessa questão ambiental e quarto maior emissor mundial de gás carbônico, decidiu no ano passado ratificar os termos do Protocolo, transformando em lei os compromissos assumidos.

Nessas circunstâncias, e pressionado também pela opinião pública de seu país, Bush apresentou o que chama de “alternativa flexível” ao Protocolo de Kyoto.

Sua proposta consiste em reduzir a intensidade das emissões dos gases de efeito estufa em 18%. Sua falácia: vincular esse percentual ao PIB. Bush fixa uma redução dessas descargas de 183 para 151 toneladas para cada milhão de dólares do Produto Interno Bruto. Como, estima-se, a economia americana crescerá 30% até 2012, não haveria, nesse caso, redução real das emissões em relação ao ano de 1990, mas unicamente uma desaceleração nas emissões - o que nem exigiria maiores esforços, diante da expectativa de que o crescimento econômico venha a se concentrar no setor de serviços, o qual prescinde de maior queima de carbono.

Em recente editorial, o jornal Folha de S. Paulo, comentando a proposta do governo americano, ressalta que “enquanto Kyoto determina uma redução de fato, Bush procura introduzir um novo conceito, algo etéreo”. “O que o presidente propõe, portanto, não é uma redução, mas uma desaceleração na taxa de aumento das descargas de gases”, comenta o editorial, para lembrar: “Não faltaram vozes a classificar o pacote de Bush como mera propaganda enganosa”. 

Outros aspectos da proposta de Bush são criticados no exterior e em seu próprio país. No artigo já citado, o economista Paul Krugman comenta a pretendida criação de um fundo de 4 bilhões e 600 milhões de dólares, em cinco anos, para investimento em energias alternativas: “Isso é menos do que um centavo por dia por americano. Vocês realmente acham que isso é suficiente para produzir uma mudança radical na maneira como nós usamos a energia, ou que essa seja uma resposta apropriada a uma ameaça gigantesca contra o planeta?".

Como contraponto, Sras e Srs. Senadores, ao que a Folha de S. Paulo chamou no citado editorial de “Proposta Anticlimática”, quero parabenizar a disposição do Governo brasileiro de ratificar o Protocolo de Kyoto, conforme tem anunciado o Ministro Ronaldo Sardemberg.

Diante de atitudes como essa do Governo brasileiro, é possível até que o número de ratificações exigido para que o Protocolo entre em vigor (55 países que em seu conjunto representem pelo menos 55% das emissões) seja completado até setembro, quando se realizará a Conferência Rio+10, em Johanesburgo, África do Sul.

Até lá, Sras e Srs. Senadores, esperamos que os Estados Unidos possam rever sua posição na política ambiental, com a consciência de que os danos à atmosfera, se não forem contidos, acabarão por prejudicar a economia e a qualidade de vida dos Estados Unidos e de todo o planeta.

Esperamos, também, que outros países em desenvolvimento apresentem sua Comunicação Nacional, listando os procedimentos tomados para o cumprimento das metas da Convenção. Finalmente, fazemos votos para que países industrializados e em desenvolvimento, fraternalmente, conjuguem seus esforços para evitar o agravamento das condições climáticas, numa demonstração de apreço à natureza e de irmandade e entendimento entre os povos. 

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2002 - Página 2931