Discurso durante a 28ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

EQUIVOCOS NA POLITICA INDIGENISTA BRASILEIRA. REFERENCIAS AOS PROJETOS DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE RESERVA VAGAS NAS UNIVERSIDADES E ESTIPULA COTAS NOS CONCURSOS PUBLICOS PARA OS INDIOS. LOUVOR A INICIATIVA DO GOVERNO DE RORAIMA, QUE CRIOU A SECRETARIA DE ESTADO DO INDIO. COMENTARIOS SOBRE A MATERIA DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DO ULTIMO DIA 10 DE MARÇO, INTITULADA: "OS INDIOS INVISIVEIS." DESMONTE DA FUNAI E IMPORTANCIA DE SUA REESTRUTURAÇÃO.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Outros:
  • EQUIVOCOS NA POLITICA INDIGENISTA BRASILEIRA. REFERENCIAS AOS PROJETOS DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE RESERVA VAGAS NAS UNIVERSIDADES E ESTIPULA COTAS NOS CONCURSOS PUBLICOS PARA OS INDIOS. LOUVOR A INICIATIVA DO GOVERNO DE RORAIMA, QUE CRIOU A SECRETARIA DE ESTADO DO INDIO. COMENTARIOS SOBRE A MATERIA DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DO ULTIMO DIA 10 DE MARÇO, INTITULADA: "OS INDIOS INVISIVEIS." DESMONTE DA FUNAI E IMPORTANCIA DE SUA REESTRUTURAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2002 - Página 2956
Assunto
Outros
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AMPLIAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, AUSENCIA, MELHORIA, POLITICA INDIGENISTA.
  • NECESSIDADE, FUSÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TIÃO VIANA, SENADOR, DESTINAÇÃO, INDIO, PERCENTAGEM, VAGA, CONCURSO PUBLICO, UNIVERSIDADE FEDERAL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, NEUDO CAMPOS, GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRIAÇÃO, SECRETARIA, INDIO.
  • SUGESTÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ELEIÇÃO, INDIO, OCUPAÇÃO, VAGA, PRESIDENTE, DEFESA, DIREITOS, GRUPO INDIGENA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUMENTO, MIGRAÇÃO, INDIO, CIDADE, MOTIVO, AUSENCIA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), PREJUIZO, SAUDE, EDUCAÇÃO, GRUPO INDIGENA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema da Campanha da Fraternidade deste ano refere-se aos índios, principalmente à questão da demarcação das terras indígenas, e seu lema é: “Por uma terra sem males”.

Sr. Presidente, tenho procurado sempre analisar esse tema da tribuna da maneira mais isenta possível, embora seja difícil em virtude da forma como se estigmatizou o tema por alguns segmentos, especialmente pela própria Igreja Católica. Nesse particular, inicio o meu pronunciamento, lendo uma frase de um artigo do Frei Betto intitulado: Índio quer apoio. Essa matéria foi divulgada no Correio da Cidadania. Entre muitos fatos, Frei Betto registra:

A Igreja Católica é, hoje, consciente de sua relação ambígua com os índios no passado. Ao lado de defensores, como Anchieta e Vieira, havia missionários que favoreciam a exploração da mão-de-obra indígena através de uma catequização equivocada.

            Frei Betto refere-se ao passado. Entretanto, no meu entender, atualmente ainda há uma política indigenista equivocada. Existem 325 mil índios no Brasil.

O País já tem 11% de seu território demarcado para terras indígenas, acrescido de 40% para reservas ecológicas, parques ambientais etc.

Não sou contra a que se dêem terra aos índios - pelo contrário, sou favorável a essa medida. Deveria haver realmente uma definição clara em termos de demarcação, que fosse justa e antecedida de debate. Apresentei, inclusive, uma Proposta de Emenda à Constituição no sentido de que essas demarcações passem pelo exame do Senado Federal, que é a Casa que representa os Estados.

As referidas demarcações significam um seqüestro feito pela União, em relação aos Estados, de imensas áreas para destinar “aos índios”. Na verdade, entretanto, os índios continuam cada vez menos assistidos - como explica, por exemplo, esse artigo do Frei Beto que diz: Índio quer apoio.

            Nesta Casa, já apresentei, além dessa proposta que busca trazer ao Senado a análise da demarcação das terras indígenas, inúmeros outros projetos justamente objetivando uma ação positiva que resulte na valorização do índio. Ora, se, segundo a estatística da Funai, há 325 mil índios - o IBGE não consegue levantar essa população, porque a próprio Fundação cria obstáculos.

Fui autor, em 2000, do Projeto nº 135, que reserva 5% das vagas nas universidades federais para os índios.

Está em discussão no Senado um projeto que visa a estabelecer cotas para os negros, para os afrodescendentes. Então, nada mais justo que, se estamos discriminando, no bom sentido, de maneira positiva, para ajudar a eliminar a verdadeira discriminação racial, então que também discriminemos a favor dos índios, e não apenas na questão de dar terras, de demarcar terras, mas no sentido de fazer com que o índio efetivamente possua condições de evoluir socialmente. Muitos índios já têm curso superior, muitos outros já estão cursando faculdades - aqui quero inclusive fazer referência a outro projeto meu, que reserva 5% das vagas nos concursos públicos também para os índios. Então são propostas concretas que visam a dar uma condição efetiva de o índio se afirmar, de o índio não continuar sendo olhado como se fosse algo que tivesse que ficar isolado numa área, numa reserva, como numa espécie de zoológico.

Os índios não querem isso. Converso com muitos deles. A propósito, quero fazer um registro: o meu Estado, Roraima, que tem 7% da população formada por índios, tem hoje mais de 57% da sua área requerida para terras indígenas pela Funai, mas Roraima, em vez de ficar somente no discurso, na retórica de terra ou não-terra, foi mais além, criou a primeira Secretaria do Indio. O Governo do Estado criou a primeira Secretaria do Índio do Brasil. E Roraima não é o Estado que tem mais índios no Brasil, é o terceiro, conforme as estatísticas. O Secretário é um índio da etnia macuxi. Portanto, na verdade, esses é que são movimentos, gestos concretos de levar ao índio uma nova visão para que se integrem à sociedade pelo caminho de sua valorização pessoal.

Já questionei isso muitas vezes nesta Casa ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que disse que há uma dívida do Brasil para com os índios e os negros e que Sua Excelência começaria a pagar se nomeasse para Presidente da Funai um índio, a exemplo do que Roraima fez com sua Secretaria do Índio. Por quê? Ora, não se tem notícia de que uma associação feminina seja dirigida por um homem, não se tem notícia de que uma associação de negros seja dirigida por um branco e não tem sentido também que um órgão federal responsável pela política indigenista, portanto, da defesa dos direitos dos índios seja dirigido por um não-índio, uma pessoa que, a princípio, estaria sob suspeita para defender adequadamente os seus direitos.

Assim, esses projetos que tenho nesta Casa e há mais outro que apresentei em 2001 visando a aperfeiçoar aquele que cuida das vagas nos concursos públicos estabelecendo mais detalhes e mais normas.

O Senador Tião Viana, recentemente, apresentou um projeto que engloba vários dos pontos que previ nos meus projetos. Sei que também Sua Excelência é um homem que se preocupa efetivamente com tratar a causa indígena de maneira positiva e não daquela meio nebulosa que é apenas a briga por dar cada vez mais terra para os índios.

Nesse particular, Sr. Presidente, quero dizer aqui que vou procurar o Senador Tião Viana para que possamos, quem sabe, fazer uma fusão dos nossos projetos, a fim de mudarmos a forma como vem sendo discutida a questão indígena no País, para dar realmente ao índio o direito de escolher os seus caminhos, dizer o que quer, ter voz.

Quero registrar a iniciativa positiva do Governador de Roraima, Neudo Campos, em criar a Secretaria do Índio, que, como disse, é dirigida por um índio, exemplo que deveria estar sendo seguido pela Funai e que espero, um dia, venha a acontecer.

Não tenho de cabeça os números, mas V. Exªs podem verificar o seguinte: se há no Brasil 325 mil índios e 170 milhões de habitantes, a população indígena não representa sequer 1% da população brasileira; no entanto, 11% do território nacional destina-se a reservas indígenas. Contudo, Sr. Presidente, em decorrência dessa política equivocada de apenas brigar por reservas indígenas, pergunto: isso melhorou a condição de vida dos índios? Essa é a grande questão.

O ex-Ministro José Gregori, quando assumiu o Ministério da Justiça, disse que preferia conversar com os índios a conversar com os “procuradores dos índios”.

Li recentemente no jornal Correio Braziliense, na edição do dia 10 deste mês, uma matéria muito importante. Falando sobre o tema “Vida Brasileira”, o jornal publica a manchete “Os índios invisíveis”, em que relata: “Moradores das aldeias de todo o País migram para as cidades em busca de emprego e educação. Misturados na multidão, fazem bicos, trabalham no comércio e muitos conseguem estudar até chegar a um curso superior”. E cita o exemplo do índio Adilson Pankararu, que saiu de Pernambuco, reside em São Paulo, num prédio do conjunto Cingapura ocupado apenas por índios, e estuda Ciências Contábeis na PUC.

Sr. Presidente, solicito a transcrição da matéria na íntegra, como parte de meu pronunciamento, a fim de chamar a atenção para o assunto, neste momento em que a Campanha da Fraternidade é dedicada exclusivamente aos índios. Sugiro que analisemos o tema, pois o fato não ocorre apenas em São Paulo. Em minha cidade, Boa Vista, capital de Roraima, acredito que existam mais índios do que nas aldeias, o que se repete em todo o Brasil.

A matéria do Correio Braziliense menciona, por exemplo que “o velho pajé Sapaim mora há sete anos em Brasília. Ele é kamaiurá, de uma aldeia às margens do rio Xingu, em Mato Grosso. Ficou famoso em 1986 por tratar do naturalista Augusto Ruschi. Hoje vive em uma pensão na W3 Sul e cobra R$80 para espantar energias de maus espíritos em homem branco”.

Ora, Sr. Presidente, observe como a política indigenista adotada no Brasil - ou melhor, não adotada, já que não existe uma política indigenista adequada em nosso País - está levando os índios a morarem nos grandes centros, procurando sobreviver de uma forma ou de outra.

Eu gostaria de fazer outro registro importante. O Brasil todo conhece o cacique e ex-Deputado Federal Mário Juruna. Ele mora hoje no Distrito Federal, está doente, numa cadeira de rodas, e fica angustiado ao ver a questão indígena ser tratada dessa forma e principalmente por não ver a Funai cumprir seus objetivos. O próprio Governo tratou de desmantelar a Funai. Primeiro, tirou a educação indígena da Funai e passou-a para o Ministério da Educação. Poder-se-ia dizer que está no Ministério adequado. Depois, tirou a saúde indígena da Funai e passou-a para a Funasa. Depois, a Funasa terceirizou a saúde indígena para instituições não-governamentais, que, sem nenhum tipo de especialização, estão tratando dos índios por este Brasil afora.

Então, na verdade, o desmantelamento da Funai partiu do próprio Governo. Mas agora temos notícia de que o Governo nomeou uma comissão interministerial para reestruturá-la, para dar uma nova e talvez mais atual versão à Funai, que já foi Serviço de Proteção ao Índio e hoje é a Fundação Nacional do Índio.

Diante disso, quero marcar este meu pronunciamento chamando a atenção da Nação para o tema. Além disso, convido aqueles que de verdade querem fazer um trabalho em benefício dos índios para que leiam e analisem essa matéria do Correio Braziliense do dia 10 de março. Procurem visitar as aldeias indígenas - o que é uma dificuldade, pois, por incrível que pareça, é necessário autorização da Funai para visitas, talvez porque a instituição queira acobertar a situação precária em que vivem os índios.

No meu Estado, por exemplo, o que existe de educação, de saúde, de apoio à produção é feito pelo Governo do Estado. E agora será reforçado muito mais com a presença da Secretaria do Índio, que coordenará todas as ações voltadas para os diversos aspectos da vida do índio na atualidade.

Não defendo, por exemplo, a tese de que os índios devem retroceder ao tempo de Cabral, falando seus dialetos, mas também não defendo a extinção de suas culturas, desde que julguem o que elas têm de significado para eles. Contudo, não podem ser antropólogos ou indigenistas a ditarem aos índios o que fazer.

Quero registrar hoje, Sr. Presidente, esses meus projetos que estão na Casa desde 2000, mas que não têm alcançado andamento adequado. Agora, o Senador Tião Viana apresenta um projeto que abarca vários dos pontos por mim apresentados, além de mais alguns outros. Penso que se deve fazer uma fusão dessas idéias, apresentando-se, quem sabe, um projeto que efetivamente dê aos índios a condição de progredir, de sair do jugo de entidades que não só querem falar em nome deles, mas querem impor a eles como pensar e como agir.

Basta dizer - e é bom que o Frei Beto tenha dito que a Igreja Católica já cometeu vários equívocos - que a Igreja Católica, por exemplo, acabou com uma tradição dos índios, qual seja, o fato de que cada tribo tinha o seu cacique, o seu tuxaua, um sistema mais ou menos monárquico que passava de pai para filho ou de pai para familiares como costume. Entretanto, agora se implantou uma espécie de parlamentarismo nas comunidades indígenas: a comunidade se reúne e elege temporariamente um cacique ou um tuxaua, que pode ser destituído a qualquer momento, dependendo dessa reunião - aliás, esse termo “comunidade” foi introduzido pela Igreja Católica, porque existiam somente os termos aldeia, tribo ou maloca.

O que temos de fazer, portanto, é uma política sincera, voltada para o bem-estar do índio.

Finalizo repetindo o exemplo que dá o meu Estado de Roraima com a implantação da Secretaria do Índio - um gesto positivo do Governador Neudo Campos -, cujo titular, Orlando Justino, quero saudar. Trata-se do primeiro Secretário do Índio no Brasil. Muito em breve, espero ver um índio ocupando o cargo de Presidente da Funai, pois ele será capaz de saber o que os índios querem e de interpretar-lhes o pensamento.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2002 - Página 2956