Discurso durante a 28ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O EPISODIO DA INVASÃO DA FAZENDA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, EM MINAS GERAIS, PELOS INTEGRANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O EPISODIO DA INVASÃO DA FAZENDA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, EM MINAS GERAIS, PELOS INTEGRANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Arlindo Porto, Artur da Tavola.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2002 - Página 2970
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), CRITICA, ATUAÇÃO, MEMBROS, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REPUDIO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, PRISÃO, RESPONSAVEL, DESCUMPRIMENTO, ACORDO, PRESIDENTE, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, VIOLENCIA, PRISÃO, RESPONSAVEL, INVASÃO, COMENTARIO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, PRESIDENTE DA REPUBLICA, UTILIZAÇÃO, AERONAVE, EXERCITO, DESOCUPAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL.
  • REPUDIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ACUSAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARTICIPAÇÃO, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvi atentamente o pronunciamento do Líder do Governo. Quero felicitá-lo pela coragem e pelos termos do pronunciamento. Não há dúvida nenhuma de que ter um Líder do Governo como S. Exª é algo altamente positivo. Eu diria que, atualmente, o que o Governo tem de mais importante é o seu Líder aqui no Senado, porque o mesmo tem o respeito, a credibilidade, o passado, o presente, a biografia e é um homem cuja dignidade precisamos reconhecer, além da cultura extraordinária e da fórmula competente pela qual ele se pronuncia da tribuna.

Às vezes, prefiro assistir o pronunciamento de S. Exª em casa, pela televisão, porque ele parece estar convencendo, com uma lógica fantástica. E quando vamos analisar - a minha mulher, às vezes, assiste ao meu lado - concluímos que ele tem razão. E quando ele está respondendo a mim, a minha mulher diz: "Mas ele tem razão!" E eu replico: Até tu, minha filha!

Eu o felicito, principalmente por estar aqui, nesta segunda-feira. E eu estranho, porque é a primeira vez que participo de uma sessão sem a presença de um Senador do PT. E olha que não estamos naquela época em que havia apenas o Senador Eduardo Suplicy, que sempre estava presente. Não me lembro de nenhuma reunião importante, feita no Congresso, em que o Senador Eduardo Suplicy, quando único Senador do PT, não estivesse. Agora, temos um número enorme, muito grande, de Senadores do PT e nenhum está aqui.

Eu não pensava em assumir a Tribuna. Imaginei que haveria aqui um debate muito bonito, em que o PT exporia o seu pensamento, bem como os representantes do Governo. Mas ouvi um monólogo brilhante do Senador Artur da Távola; e os nossos amigos da oposição, principalmente os do PT, aqui não se encontram.

Meu amigo Artur da Távola, acho que essa manchete do Correio Braziliense é muito importante: Por que todos perderam?

E tomara que o Senador José Sarney não esteja me assistindo. Penso que está na época de S. Exª tomar providências enérgicas. Ele já disse que se dirigirá à ONU para pedir a presença de observadores nas nossas eleições, a fim de ver se há ou não imparcialidade.

Esta fotografia, que provavelmente está rodando o mundo, deve estar causando um desgaste tremendo para o nosso Governo. Não tenho dúvida alguma de que perdeu o Movimento dos Sem-Terra. Assino embaixo do que disse o Líder do Governo a respeito desse tipo de manifestação numa hora como esta, em que temos um Governo democrático.

Além de estar fazendo muito pela reforma agrária, o Governo veicula bela publicidade do que empreende. Jamais houve publicidade tão intensa do Governo como um todo, mais especificamente em relação à reforma agrária. Em meio a uma propaganda bonita, mostrando os assentamentos - esta é a primeira vez que vejo uma propaganda institucional do Ministério da Reforma Agrária -, sem mais nem menos, resolveram invadir a fazenda do Presidente. A troco de quê? Qual é o objetivo? Qual é a razão? Qual é o significado?

É claro que tais atitudes fazem o Movimento dos Sem-Terra perder credibilidade perante a sociedade, que vê no movimento um grupo organizado, admira a fórmula, a dedicação e o sacrifício com que buscam a reforma agrária. De repente, vê-se um sentido de provocação.

Perdeu o Movimento dos Sem-Terra; perdeu ao serem vistos nas redes de televisão, como a Globo e outras, bebendo sentados na cama do Presidente da República, praticando uma série de atos, como se fosse algo de excepcional. Só acho, meu Líder, que a imprensa exagerou ao noticiar que tomaram uísques e vinhos finos. V. Exª e eu sabemos que o Presidente é mão fechada. O vinho deve ser nacional, proveniente do Rio Grande do Sul. Não concordo com a informação de que o vinho e o uísque eram muito finos. Exagerou a imprensa, porque, se essas bebidas pertenciam ao Fernando Henrique Cardoso, ao que sabemos, provavelmente era um vinho do Rio Grande do Sul - nem sei se era o melhor Valduga - e o uísque talvez fosse de Flores da Cunha. De qualquer modo, mostrou-se uma cena em que eles beberam uísque na cama do Presidente, pegaram o telefone e adonaram-se do que estava ali.

Ficou muito mal para ele. Ficou mal para o PT. Considerei brilhante a declaração do Presidente do PT que, de saída, não aceitou a situação. Antes de dizer que ficou mal para o PT, ficou mal para o Ministro da Justiça. O nosso Ministro da Justiça sempre foi um homem de idéia, um homem lutador, que não ficou no PMDB, pois foi lutar fora, inclusive participando de conflitos armados. Porém, assume o Ministério da Justiça e toma algumas atitudes que nos estranham. Na minha opinião, a decisão com relação ao episódio do Maranhão não está bem explicada. Sua declaração grosseira em relação aos envolvidos também não ficou bem esclarecida. De repente, ele disse: “É o braço armado do PT”. Informaram-me que Fernando Henrique Cardoso puxou as orelhas do Ministro da Justiça - e o fez com destreza -, tanto que, depois, ele praticamente pediu desculpas.

Gostei da nota do PT, porque o fato realmente foi elucidado. Ele entrou mal, mas o Presidente obrigou-o a sair bem.

O PT, entretanto, ao longo do tempo, vem olhando com simpatia essa questão. Não tem condições, autoridade ou força. Mas, na verdade, esses fatos ocorrem. Sei disso, porque fui Governador e como sofri essa situação! Na frente de tudo estava o comando do PT, que perdeu.

Não sei se haverá agora o que aconteceu naquela eleição em que Lula era candidato, quando seqüestraram o Sr. Abílio Diniz, do grupo Pão de Açúcar. Depois, foram fotografadas até pessoas usando camisas do PT como sendo aqueles que tinham realizado o ato.

O PT perdeu, mas o Governo também - está escrito. Não quero dizer nada. Até tenho respeito pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas por que um homem pobre como ele tem que possuir terras em meio a essa confusão? Inicialmente, ele passou essas terras para o nome do filho, a fim de se ver livre do problema sob a alegação de que não lhe pertenciam mais. Além disso, apesar de ser propriedade de seus filhos, utiliza o Exército e aviões para defendê-la.

O Sr. Ministro ou um Senador da República têm direito à mesma medida? Em que documento está escrito que terra de filho de Presidente é patrimônio público? A Constituição deixa clara essa questão. Foi um erro absurdo a invasão. Mas o Presidente poderia ter agido de outra forma.

Se fosse eu, já teria vendido aquele sítio, que causa um grande azar.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com o maior prazer, Excelência.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senador, se V. Exª fosse Presidente da República...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Eu já teria vendido aquele sítio. Eta sitiozinho que dá um azar danado! Eu já teria vendido.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Se a sua casa fosse invadida, já que V. Exª vendeu o sitiozinho lá por Caxias do Sul, que aliás tem uns sítios muito bonitos...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Mas não meu.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Eu sei, eu sei.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Dos seus ascendentes lá na região.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Se V. Exª tivesse a sua casa particular e alguém, por implicância de alguma ordem política ou por qualquer movimento dessa ordem, invadisse, não trataria V. Exª de colocar ali a defesa para sua propriedade privada? A incolumidade que está pretendida é a do Presidente da República, que é uma instituição.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sinceramente eu não acho. Com todo o respeito, eu não aceito.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Por que, Sr. Senador, nos edifícios onde moramos existe um guarda municipal permanente? Será um privilégio brutal? Ou será um mínimo - aliás, no caso, é mínimo mesmo - de segurança para uma autoridade da República? Isso existe em qualquer país, em qualquer povo; e nisso não há nenhum gesto de soberba, de exagero. V. Exª está conduzindo o discurso de maneira muito brilhante - como sempre, aliás - mas esse é um pequeno detalhe que escapa ao resto do discurso político que V. Exª está fazendo - e muito bem-feito, por sinal. Mas nenhum Presidente da República em nenhum país do mundo está protegido na sua pessoa individual; está protegido na figura do cargo. O Papa, que é chefe de Estado também, mas é um chefe religioso, viaja num carro blindado. Isso não significa que todos os padres que já foram assassinados ao longo da História não tiveram carro blindado para se defender. Nesse ponto, V. Exª poderia ser mais tolerante, porque V. Exª tem argumentos mais poderosos do que esse, sempre em sua profunda inteligência.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Eu chegarei lá. Mas o que quero dizer a V. Exª é que não sei se não foi um exagero colocar tropas do Exército, aviões da FAB nessa operação. A Polícia Federal? Está bem.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Porque o Governo do Estado não tomou essa providência, Senador.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Concordo com V. Exª, mas dessa vez não foi nem solicitado.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Então, como não toma providência, há uma provocação direta.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com relação à Polícia Federal, tudo bem. Mas aviões - é o mesmo que fazer uma operação de guerra! - fazerem rasantes na fazenda e as tropas do Exército ali chegarem... E o mais grave: o Ouvidor do Incra é um homem que tem história, que tem biografia, foi presidente do Tribunal de Justiça do Acre e denunciou o célebre Deputado que serrava as crianças. Denunciou, provou e, depois de se aposentar, veio novamente aqui à Comissão da Câmara dos Deputados e forçou, apesar de ser ameaçado de morte, a cassação daquele Deputado.

Esse é o homem que é Ouvidor do Incra e que fez um acordo com as pessoas. Conseguiu um entendimento. Não se trata de um joão pedro qualquer, mas do presidente do Incra, uma pessoa famosa pela sua história, pelo seu passado e por sua biografia. E fez o acordo seguinte: “Vocês saem daqui, vão embora e encerramos o assunto. Ninguém vai ser preso e nada acontecerá”.

Aceitaram. Em ordem, saíram! Em ordem, pegaram os ônibus! Em ordem, retiraram-se! Não houve nenhum incidente! Não houve absolutamente nada! Não houve um fato! Revistaram as pessoas antes de entrarem nos ônibus, e não se teve notícia de alguém ter levado uma garrafa de uísque ou um cinzeiro no bolso.

Já tinham quase todos saído! Já estavam quase todos no ônibus, quando a Polícia Federal pegou os quinze restantes e os prendeu, e os algemou, e os lançou no chão com a cara na terra barrenta. O gesto foi tão absurdo que o ouvidor e sua colega renunciaram no ato, pois foram desautorizados.

Haver-se-á de dizer: mas eles não tinham a autoridade do Ministro da Reforma Agrária? Responde o General, tranqüilo, sentado aqui, em seu gabinete do Palácio: “Eu não sabia de nada.”

Mas, na verdade, o homem que estava lá, o homem que enfrentou a situação, o homem que entrou na fazenda e conversou com as pessoas fez um acordo: “Saiam, e não acontecerá nada!”.

Não só aconteceu, como algemaram as pessoas, deitaram-nas com a cara no chão molhado! Eis a foto, esta foto está percorrendo o mundo hoje. Esta foto do Governo Fernando Henrique está percorrendo o mundo inteiro hoje, pela incompetência das pessoas que não quiseram aceitar o acordo feito pelo ouvidor. Não aceitaram o acordo feito pelo ouvidor!

“A lei é para ser cumprida!” Espera lá um pouquinho! V. Exª, como eu, foi Governador de Estado. “A lei é para ser cumprida!” Não cumpri uma decisão judicial que recebi, dizendo: “O senhor tem vinte e quatro horas para tirar as pessoas de dentro da fazenda”. Não cumpro, porque quem vai é a Brigada Militar e o Comandante da Brigada sou eu”. Levei dois, três, quatro, cinco dias negociando até que eles saíssem, e saíram pacificamente. Porque se eu atendesse à ordem judicial, muitos morreriam.

E o Governo cansou de fazer isso. O Governo cansou de fazer o entendimento mesmo onde o delito aconteceu. Há o entendimento e, acima do delito, a boa causa da justiça.

Repito, o ouvidor é homem de biografia, de história. Ele não cresceu sendo Ouvidor do Incra. O Incra é que cresceu tendo-o como Ouvidor. E esse homem foi desautorizado.

“Se fez, não deveria ter feito” - disse o General aqui em seu gabinete. General esse que deve ser responsabilizado, porque diz ele que há vinte dias sabia que tinha gente rondando a fazenda. Por que não cuidou? Criou uma seção da Abin ali na cidade onde está a fazenda do Presidente. Para quê? Especificamente para cuidar da fazenda do Presidente. Pois se havia uma entidade ali, especificamente para cuidar da fazenda do Presidente, o que estava fazendo aquela gente? As pessoas levaram horas, horas para chegar à fazenda. Mulheres, crianças atravessaram quilômetros de estrada, por duas, três horas caminhando. Passaram em frente à cidade, passaram em frente à Abin. Mas nada fizeram; deixaram que as coisas acontecessem.

Reparem que havia uma agência na cidade especificamente para cuidar da fazenda do Presidente. Não cuidaram. Houve a absurda, a estúpida, a ridícula invasão. Veio uma pessoa de bom senso, o Ouvidor do Incra, e disse-lhes:

- “Olha, meus amigos, está aí o Exército. Aqui tem aviões da FAB voando por cima de vocês. O que vocês querem que aconteça aqui? Uma carnificina? Onde vocês querem chegar? Vamos fazer um entendimento, vamos parar com isso. Peguem suas crianças, suas mulheres e vão embora. Concordam? Vão embora.

- Não acontece nada?

- Não acontece nada. Vão embora”.

Espera um pouco! Ele tinha dito que se o acordo fosse cumprido, nada aconteceria e que ninguém seria preso.

Foi a primeira vez que isso aconteceu? Não. Sempre acontece. Em qualquer entendimento que se faça para o afastamento pacífico das pessoas que invadiram uma propriedade, a primeira condição é que ninguém seja preso. Isso é o normal. Isso eu cansei de fazer no Rio Grande do Sul, e qualquer Governador dirá que fez o mesmo no seu Estado. Está ali um grupo incendiário. Vai dar guerra, vai dar luta, vai dar morte; invadiram, estão cercados, o que vai acontecer? De repente, há um entendimento, entra um padre ou um bispo, alguém entra e faz o entendimento. Os invasores saem, vão embora. As tropas voltam para o seu quartel e nada mais acontece. Era para ser assim. O Ouvidor era para ser o herói da festa. Quando diz que todos perderam, o Ouvidor perdeu porque se demitiu, foi desautorizado. A manchete era para ser: O Ouvidor é o herói. Enquanto o General, Ministro, com a incompetência de seus auxiliares, que não viram nada, não fez nada, o Ouvidor foi lá e tranqüilamente conseguiu que todos eles saíssem e fossem embora.

Quando todos já estavam no ônibus, indo embora, vem a polícia e os prende, e havia o compromisso de não prendê-los. Primeiro, prendem; segundo, algemam; terceiro, fazem com que eles deitem de cabeça para baixo no barro. E eles cercados, olhando. Aqui está a fotografia que eu dedico ao General Ministro e ao Ministro da Justiça. A eles dedico esta fotografia, a que o mundo inteiro está assistindo. E mais do que mil palavras, mil discursos, vai pesar para o Presidente Fernando Henrique; ele, que era a vítima. A casa é a prorrogação do seu lar, sim, é verdade. E se invadirem o meu apartamento, que não é meu, é do Senado, mas moro nele, estão invadindo a minha casa. Mas ali é uma fazenda que não é do Presidente; é dos seus filhos. De vez em quando, veraneia lá, como, de vez em quando, descansa no sítio do nosso ex-Senador Pedro Piva; outra vez, na fazenda de não-sei-quem lá no Nordeste; outra vez, na fazenda de não-sei-quem no Mato Grosso. O Presidente gosta muito disso. O que sei é que a Páscoa Sua Excelência passará no Território de Fernando de Noronha. Mas se se decretar cada lugar a que o Presidente for como área de segurança, pelo amor de Deus...

            O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senador Pedro Simon, permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Ouço o aparte de V. Exª, Senador Artur da Távola.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Senador Pedro Simon, quando vejo V. Exª, fico encantado com a força do talento. Aliás, sou uma pessoa encantada com o talento humano. V. Exª é um orador extraordinário e traz para esta Casa momentos que o Senado nem sempre vive, os momentos dos grandes debates e dos grandes discursos. Veja como V. Exª é talentoso: primeiro, 25% do tema do discurso de V. Exª foi, com toda a lucidez, condenar o ato; 75% do tempo do discurso de V. Exª está sendo usado em tomar eventuais contradições existentes...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Só uma interrupção, Senador Artur da Távola, e já concederei a V. Exª o prosseguimento do aparte.

Quero apenas dar-lhe uma importante explicação: V. Exª usou 100% do tempo na defesa; com os meus 25%, são 125% de defesa, contra 75%. A defesa está muito maior.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Não, Senador Pedro Simon: levei 85% do meu tempo superando as questiúnculas que evidentemente existem em momentos de confusão, tentando levar à Casa, e ao País, se possível, uma visão concreta do que é o esforço brasileiro de reforma agrária. Não passei 100% do tempo defendendo, nem adotei aquela posição: Governo formidável contra Oposição injusta, de maneira alguma. V. Exª usa 25% do tempo condenando suavemente a invasão. Nos 75% restantes, em que vai pinçar os pormenores, algumas contradições inevitáveis em momentos difíceis, confusos e complexos, V. Exª solta seu talento dramático de maneira formidável. V. Exª descreveu o ato de um grupo ser algemado - exatamente para impedir a violência, algemas existem para isso - como se esse grupo tivesse sido dizimado, metralhado a sangue frio, pelas costas, tal a indignação que obtém, com seu discurso, levando todas as pessoas que acreditam em V. Exª, como eu, à idéia de que houve, no local, um massacre brutal, comandado pelas forças do Governo. Não há um ferido, não há uma pessoa ofendida gravemente. Há autoridade. V. Exª conhece o mundo e sabe o que fazem as polícias. No caso, nem foi a Polícia. A Polícia do Governador de Minas não estava presente, não deu qualquer cobertura.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Era a Polícia Federal, Senador.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Havia Polícia Federal. A polícia necessária seria a Polícia Militar. Em Minas Gerais, o Governador, infelizmente, não dá guarida, não dá a proteção necessária. De certa maneira, S. Exª se compraz, se delicia um pouco com o problema.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Dessa vez, não dá para afirmar. É a primeira vez que invadiram a Casa do Presidente e ninguém pediu auxílio ao Governador.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Nem deu tempo.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Mas não pediram.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Só quero fazer alusão ao talento de V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Fico emocionado.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - V. Exª é notável, porque conseguiu um tom que ficaria cabível diante do Holocausto na Segunda Guerra Mundial, para um fato pequenino.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Obrigado.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Controlado com eficácia, com segurança, com respeito humano, um fato que não deslustra o País. Claro, a fotografia pode correr o mundo, e virem as pessoas todas lá deitadas. As pessoas já pensam que o Brasil é bárbaro mesmo, e o Brasil não é; ao contrário, é um país muito menos bárbaro do que esses países que volta e meia nos acusam de barbaridade, até porque nunca fizemos guerras e destruições como eles fizeram.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É verdade.

Folha de S. Paulo:

PF prende 16 após acordo em Buritis”, Sem-terra deixam a fazenda de filho de Fernando Henrique, trato prévio, saída pacífica, mas Governo diz que a detenção é inegociável.

A saída foi tranqüila, eles não tinham, como geralmente têm, nem foice nem martelo, eles não tinham armas. Se tivesse havido uma carnificina, Senador, eu estaria aqui dizendo: morreram, houve vítimas. Não, não houve. Vítima, nenhuma; morte, nenhuma; violência com socos e bofetadas, pelo que sei, nenhuma.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Pronto!

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pronto! Queria ver V. Exª amarrado, algemado, de cabeça no chão, no barro, dizer pronto. Para nós é muito tranqüilo.

O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Passei por piores momentos, Senador.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Mas ficou mais bravo também.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador Pedro Simon, V. Exª me concede um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não, Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador Pedro Simon, em momento algum, V. Exª deixou qualquer margem de dúvida a respeito de como o cidadão deve se comportar no cumprimento às leis e à Constituição Federal, inclusive condenando a invasão feita em uma propriedade que, segundo decisão do próprio Supremo, poderia estar sendo guarnecida. Se o Governo tivesse sido mais previdente e em obediência à própria decisão do Supremo, talvez solicitado pelos próprios familiares do Presidente da República, os seguranças poderiam estar lá, tomando conta da fazenda, e não haveria essa invasão. No que diz respeito ao descumprimento à Constituição, por parte dos trabalhadores, igualmente aconteceu com o Governo ao adotar aquele ato degradante contra o pessoal do MST. Estamos vivendo em uma democracia.

Inciso III do art. 5º da Constituição: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Consideramos um tratamento desumano e degradante este de colocar trabalhadores deitados, com a cabeça enterrada na areia, com as mãos atrás das costas, algemados, em uma situação realmente humilhante. Nossa Constituição foi atingida em cheio por quem deveria obedecer: o Ministério da Justiça, a quem está subordinada a Polícia Federal.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Vejam esta frase: “É inconcebível a forma como se deu a prisão. Não se pode responder à violência com outra violência. A Polícia é para preservar a ordem, não para humilhar”. É de alguém do PT? Não; é do Ministro Marco Aurélio de Mello, Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Lerei de novo: “É inconcebível a forma como se deu a prisão. Não se pode responder à violência com outra violência. A Polícia é para preservar a ordem, não para humilhar”. Palavras do Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Lamento, novamente, pelo PT não estar aqui. Acho que é um erro do PT não estar aqui, talvez para não se misturar a este assunto. Felicito o Senador Artur da Távola por estar presente. S. Exª foi até além de fazer a sua parte. Normalmente, o Líder do Governo fica esperando para ver se alguém da Oposição fala; se não fala, S. Exª também não fala. O Líder do Governo não vem aqui para abrir os olhos. Não; S. Exª fica quieto. O Líder Artur da Távola achou que devia falar sobre as manchetes dos jornais e o fez. E fez muito bem.

Ninguém do PT respondeu, talvez porque ontem foi o dia em que o Partido fez o acordo para aceitar as alianças. E parece que o Partido dos Trabalhadores fará aliança com - quem diria - o Partido Liberal; por isso achou que não precisaria, não deveria estar aqui, pois teria de entrar em confronto, de saída, com o Senador Artur da Távola, que, na sua competência, haveria de perguntar: “Afinal, vocês estão a favor da invasão da terra, dos sem-terra, ou dos programas, dos princípios do Partido Liberal, seu novo aliado?”

Erraram os sem-terra. E que essa lição lhes sirva. Eles não podem ser prepotentes. Não devem sair por aí, apoiar candidatos e ter um destino político-partidário. Eles perdem a credibilidade com isso, porque, enquanto movimento, lutando, esforçando-se, trabalhando, buscando a reforma agrária, eles têm a solidariedade de toda a Nação. Quando querem transformar isso em um ato de política partidária, perdem o respeito.

Sinto que o Presidente da República, provavelmente, seja uma vítima disso. Um exemplo Sua Excelência deu quando puxou as orelhas do Ministro da Justiça. E fez muito bem. Não sei se não deve estar puxando as orelhas do Ministro General encarregado especificamente de sua segurança, que mostrou incompetência. O principal responsável pelo que aconteceu é esse setor, que montou uma agência na cidade e não viu nada. E olha que foram vários ônibus, crianças e mulheres, por quilômetros e quilômetros, atravessando a estrada. Muita gente viu; eles não viram nada.

Erraram o Ministro da Justiça e o Ministro do Serviço de Inteligência quando não aceitaram o acordo feito pelo Ouvidor. Eles não poderiam ter desmoralizado, humilhado o Ouvidor, como fizeram. E a renúncia do Ouvidor foi algo que repercutiu mal, muito mal, na opinião pública brasileira.

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não. Concedo o aparte a V. Exª, que vem de Minas Gerais.

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Senador Pedro Simon, cumprimento V. Exª pelo pronunciamento que faz, pela análise equilibrada, levantado os pontos conflitantes, ressaltando e não concordando com os excessos que tenham sido provocados, como também com o processo de invasão, porque V. Exª haverá de compreender que o direito de propriedade tem que ser preservado. Acompanhando de perto o pronunciamento de V. Exª, não poderia deixar de fazer alguns rápidos comentários. O primeiro é que assistimos a uma reação por parte da polícia, depois do dissabor que teve o Senhor Presidente de assistir à fazenda dos seus filhos ser invadida. Sem entrar no mérito - porque V. Exª já o fez - de haver ou não segurança, não concordo que deva haver segurança em uma propriedade para evitar que ela seja invadida. Propriedade de Presidente, de filho de Presidente, de qualquer um de nós é propriedade. Caberia ao Estado, no conjunto das suas ações, assegurar o direito à propriedade. É lamentável morarmos em um edifício e termos um porteiro para evitar que alguém invada nossa propriedade. Mas o que eu gostaria de enfatizar aqui não é apenas isso. Estou apenas devaneando um pouco para poder ressaltar um fato que quero deixar aqui como testemunho. A família de que vou falar agora deve estar pensando: “Por que foram tão ágeis para tirar os invasores da propriedade da família do Presidente e não tiveram a mesma agilidade, a mesma preocupação com a nossa?” Caro Senador, há quatros anos, um velho, pai de família, com mais de 80 anos de idade, teve a sua propriedade invadida, por cerca de 40 famílias. Vivia no campo, num Município do interior de Minas Gerais, com a sua velha esposa e dois de seus filhos, trabalhando na lavoura. Invadida foi a sua propriedade. Buscou os seus meios, e não conseguiu evitar a invasão. Sem o uso da força, que, muitas vezes, para quem tem mais de 80 anos, não permite um confronto direto com as pessoas, teve invadida a sua propriedade. Era a única coisa que ele tinha. Buscou a Justiça para obter a reintegração de posse. Como não tinha dinheiro para contratar um bom advogado, procurou a Justiça gratuita. Veio a resposta: “Não pode ser designado advogado para quem tem propriedade”. Conseqüentemente, ficou sem a propriedade. Passaram-se quatro anos e o velho, talvez por desgosto, morreu. Coube à viúva mudar da propriedade com seus filhos. E, para mais indignação, há uns quatro anos, um de seus filhos ficou 90 dias preso porque houve por bem dizer na cidade que perderam a fazenda, que não tinham direitos e nem acesso à Justiça porque eram pobres. Fico a imaginar: como pode ficar este nosso Brasil diante da realidade dessa fazenda protegida, assistida, que é desocupada, e da realidade de milhares de outras propriedades que foram e que continuam a ser invadidas a cada momento? Por que a agilidade e a eficiência do Incra não é a mesma para ambos os casos? Esse senhor de quem estou falando buscou o Incra para, quem sabe, negociar e receber a indenização pela sua propriedade. Sabe qual foi a resposta, Senador? “A sua propriedade é de pequeno porte. Como tal, não pode ser desapropriada e não pode ser indenizada”. A propriedade tem pouco mais de 200 hectares na região. Por isso ele fica sem a propriedade, sem o direito de um advogado da Justiça gratuita, sem o direito à indenização e morrendo, morrendo de desgosto, morrendo, quem sabe, com vergonha de ser brasileiro. Acredito que este é um assunto delicado, que merece a atenção de todos nós, a fim de que não ajamos apenas no momento da emoção. Cumprimento V. Exª pela maneira clara, límpida, transparente que coloca o assunto, que é delicado, mas que precisa ser discutido. Muito obrigado. Desculpe-me se me alonguei.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Nobre Senador, não poderia encerrar melhor esta matéria do que com um aparte de V. Exª, dado, como sempre, com muita competência e sabedoria. A fazenda que V. Exª cita é do “joão da silva”, uma das inúmeras propriedades que estão aí, ao bel-prazer. No entanto, o Presidente, em uma fazenda de seus filhos, coloca o Exército, a Polícia Federal, os aviões da FAB e faz o que fez. Havia uma agência de segurança na cidade que não funcionou e o que é pior, não cumpriu o acordo que deveria ter cumprido.

É raro vermos uma cobertura de imprensa tão feliz como a dos jornais e das televisões de hoje em relação ao episódio. Ela combate os invasores duramente: é um absurdo o que eles fizeram, é uma irresponsabilidade, não se pode colocar em risco a segurança de um país invadindo a fazenda dos filhos do Presidente da República. Ela combate o PT, porque o PT, ao longo do tempo, numa posição meio dúbia, na verdade, permitia isso tudo. E ela combate o Governo, porque o Governo não fez o que devia fazer. Ele não fez o que devia fazer nem antes, que era prevenir - lá, havia uma entidade para exatamente prevenir e não preveniu -, nem depois do fato ter acontecido, quando o Ouvidor foi à fazenda, conversou com os invasores, aceitou e acertou a retirada deles do local. Quando todos já tinham saído e se encontravam dentro do ônibus, indo embora, eles fazem o que fizeram com os quinze que sobraram, desmoralizando o Ouvidor. Eles disseram que não poderiam ter feito acordo, pois, se eles fizessem acordo, não o faziam em nome do Governo, porque, para o Governo, lei é para ser cumprida.

Oh, meu Deus, este Governo dizer que lei é para ser cumprida?! Só como piada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2002 - Página 2970