Discurso durante a 28ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO INTELECTUAL PARAIBANO ODILON RIBEIRO COUTINHO.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO INTELECTUAL PARAIBANO ODILON RIBEIRO COUTINHO.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2002 - Página 2976
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ODILON RIBEIRO COUTINHO, INTELECTUAL, POLITICO, ESTADO DA PARAIBA (PB).

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (Bloco/PSDB - PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não são muitas as pessoas cheias de vibração, de energia e com posições políticas firmes que alcançam uma posição de unanimidade entre seus contemporâneos. Quando se vê alguém que se destaca intelectualmente, vêm logo as acusações de exibicionismo, de falta de modéstia. Se é alguém que se projeta na política com idéias próprias que contrariam o coro dos contentes, vem logo a censura dos que não suportam a contestação ou a originalidade. Se é alguém que se destaca pela riqueza material, não sobram críticas a tal condição.

Parece incrível, pois, que um cidadão tenha alcançado grande notoriedade sendo, simultaneamente, um intelectual brilhante, um político original e independente e, ao mesmo tempo, um abastado industrial. Quem ainda não sabe de quem estou falando e está curioso, garanto, logo saberá quem foi essa pessoa tão especial.

Homenageio hoje, com uma ponta de saudade, a perda de um ilustre conterrâneo das vastas terras da nação nordestina: Odilon Ribeiro Coutinho. Paraibano de nascimento, potiguar por opção política e pernambucano por paixão intelectual; mas, sobretudo, nordestino por vocação.

A inesperada morte de Odilon Ribeiro Coutinho atingiu-o no pleno exercício de suas atividades empresariais e culturais. Isso foi em sete de julho de 2000 - um ano e oito meses atrás -, mas até hoje nos mobilizam os mais profundos sentimentos de pesar. E é na tentativa de nos desfazermos dessa pena que, em ocasiões como esta, cultuamos sua memória.

Para quem não teve o privilégio de conviver de algum modo com ele - e aqui muitos o tiveram - posso afirmar que Odilon Ribeiro Coutinho era uma espécie de D. Quixote bastante pitoresco: em vez de combater supostos moinhos de vento, incumbia-se de criar pés de vento para soprar moinhos em todos os recantos que passasse. E insuflou muitos projetos nas áreas de cultura, literatura e folclore deste País. Mas não apenas na área cultural fazia mover moinhos: na política, contrariou tudo o que se espera de um filho de usineiros e herdeiro de ricas terras em um Nordeste senhorial: desde seus tempos de estudante, na década de 40, sob a ditadura Vargas, alinhou-se às forças progressistas, lutando pelas liberdades democráticas.

Ao lado de Gilberto Freyre, não apenas ajudou a projetar uma visão de Brasil, nascida das profundas análises sociológicas, antropológicas e históricas, mas soube manter vivo um centro de pesquisas científicas que, mais que um moinho, é uma verdadeira usina de produção acadêmica. Refiro-me, é claro, à Fundação Joaquim Nabuco, cujo conselho diretor presidia, antes de morrer de parada cardíaca.

Com certeza, o espaço de que disponho hoje é pouco para listar todas as qualidades desse intelectual paraibano, que era, no dizer do jornalista Gonzaga Rodrigues, um usineiro diletante. Mas, por amor da memória de pessoas como ele - tão necessárias nesse Brasil de hoje -, relembro a trajetória de Odilon Ribeiro Coutinho.

Ao se formar em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito do Recife, em 1947, Odilon Ribeiro Coutinho já havia construído uma trajetória notável para um jovem naqueles sombrios tempos de ditadura, recentemente encerrados. Ainda em 1944 havia sido eleito para o Diretório Acadêmico daquela Faculdade de Direito e pouco tempo depois para presidente da União dos Estudantes de Pernambuco. Em 1945, estava ao lado do acadêmico Demócrito de Souza Filho, assassinado pela truculenta polícia de Agamenon Magalhães. Por causa de suas atividades, foi encarcerado várias vezes, sem que isso arrefecesse seu espírito libertário.

Uma vez graduado, intercala períodos de viagens de formação (à Europa, aos Estados Unidos e à América Latina), com passagens pela direção dos negócios da família, na Usina São João.

Além da militância intelectual, seu desejo de contribuir para um mundo melhor o faz ingressar na política, vindo a se eleger, em 1962, deputado federal pelo Rio Grande do Norte.

Fundador do Movimento Democrático Brasileiro, em 1965, sofre todas as vicissitudes de uma nova ditadura. Entre os episódios mais marcantes, destacamos sua presença neste edifício, no momento em que tanques cercaram o Congresso Nacional, quando o regime lhe determinou o fechamento.

Encerrado aquele mandato em tempos tão difíceis para uma personalidade libertária como a dele, não mais voltaria a ocupar qualquer cargo eletivo; porém isso não o impediria de atuar na política partidária, muitas vezes de maneira solitária, quando eram poucas as vozes que ousavam desafiar o regime.

Em meio a conferências de natureza sociológica, literárias e históricas, mantinha ativo seus ideais políticos, como o prova o fato de ter sido um dos fundadores - ao lado de Fernando Henrique e de Mário Covas - do PSDB.

Entre a aquisição de um livro e outro (que geraram, ao longo de sua vida, um riquíssimo acervo bibliográfico), participava de conselhos de entidades culturais, de conselhos de cultura, atuava como mecenas, protetor das artes, dos artistas. Mas, principalmente, trazia um clima de paz, de harmonia e de alegria a todos os ambientes que freqüentasse. Já se chegou a dizer dele que seria um escritor sem livros. Mas isso não é verdade. O problema é que sua generosidade era maior do que o desejo de perpetuar suas idéias - corajosas, originais e bem elaboradas - em livros convencionais. Talvez lhe desse mais prazer ajudar um amigo a publicar um livro; talvez lhe fosse mais interessante ver estampado nos rostos de seus ouvintes a admiração pelas suas palavras, que jorravam com graça e eloqüência incomuns. Por isso, amava tanto conversar, fazer palestras, interagir com o público. Talvez a grande obra de Odilon Ribeiro Coutinho resida mais na memória de quem teve a satisfação de ouvi-lo: eram histórias interessantíssimas (sobre Gilberto Freyre, por exemplo), que despertavam em todos uma admiração profunda. Mas não apenas histórias: também a defesa brilhante de idéias sobre este nosso Brasil.

Sua morte prematura deixou-nos a todos que, de algum modo, nos beneficiamos de sua sabedoria numa espécie de orfandade intelectual e afetiva, pois nele guardávamos uma grande referência não apenas no campo das ciências, mas da convivência com um espírito amoroso.

Passados mais de um ano e meio de sua morte, sucedem-se ainda os atos de homenagem a ele; atos que perdurarão por muitos e muitos anos. A essas homenagens volto a me associar hoje, como o fiz em outras ocasiões, fazendo um apelo para que a imprensa, as enciclopédias, as academias, os centros de pesquisa mantenham acesa essa chama intelectual e crítica que lhe era própria.

Aos meus pares nesta Casa, que privaram da convivência do saudoso Odilon Ribeiro Coutinho, conclamo para que mantenhamos firmes os mesmos propósitos que animaram sua vida: a fé na construção de um Brasil solidário, de uma nacionalidade brasileira consistente e de um mundo em que a inteligência, aliada à generosidade, nos traga a cada dia a razão de viver e lutar.

Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2002 - Página 2976