Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A OCUPAÇÃO DA FAZENDA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A OCUPAÇÃO DA FAZENDA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.
Aparteantes
Geraldo Cândido, Marina Silva, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2002 - Página 3090
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, APOIO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, DEFESA, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, OPOSIÇÃO, POLITICA AGRICOLA, EFEITO, EXODO RURAL, RECOMENDAÇÃO, ORADOR, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, REIVINDICAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL.
  • COMENTARIO, INVASÃO, SEM-TERRA, PROPRIEDADE RURAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPINIÃO, ORADOR, DESRESPEITO, AUTORIDADE, QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, NEGLIGENCIA, IMPEDIMENTO, OCUPAÇÃO, CRITICA, TRATAMENTO, POLICIA, REPRESSÃO, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, AMBITO INTERNACIONAL, DENUNCIA, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, REGIÃO AMAZONICA, GRAVIDADE, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL, JUSTIFICAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti, Srªs e Srs. Senadores, nesses últimos dias, a ocupação pelo MST de uma fazenda em Buritis, pertencente à família do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e outros fatos que se sucederam àquela ocupação ocorrida no final de semana, vêm prendendo a atenção da opinião pública. Ontem, inclusive, aqui se pronunciaram os Senadores Artur da Távola, Líder do Governo, e Pedro Simon, que observou que não havia Senadores do PT em plenário, incluindo este que aqui fala, como Líder do PT. Mas em razão de inúmeros compromissos que nós sete tivemos, em diversos lugares do País, impediram-nos, infelizmente, de estar aqui de pronto, fazendo observações sobre o que foi dito por S. Exªs.

Gostaria, em primeiro lugar, de dizer como nós do Partido dos Trabalhadores temos sido solidários a tantas ações do MST, sobretudo, a sua causa, além da necessidade de se realizar a reforma agrária no País com muito maior velocidade do que tem sido feita até hoje nesses 7 anos e 3 meses; uma reforma agrária que permita que o número de famílias assentadas possa superar em muito o número de famílias que têm sido expulsas do campo por uma política agrícola nem sempre a mais adequada.

Enquanto houver condições de trabalho no campo, nas mais diversas regiões do País, que por vezes relembram o regime de escravidão; enquanto houver pessoas vivendo no campo em situação de miséria e de pobreza; enquanto houver pessoas que se vêem humilhadas, como as descritas na reportagem publicada ontem no The New York Times sobre o trabalho em regime de escravidão na Amazônia, que não diferem muito das que freqüentemente existem em outros lugares do País, conforme constatado pelo próprio Ministério do Trabalho e pelos Procuradores da área trabalhista; enquanto houver tais condições, temos de compreender as razões do movimento social.

Nós do Partido dos Trabalhadores temos feito, sim, muitas vezes recomendações ao MST porque somos seus amigos sinceros. Eu próprio tenho sido convidado a dar aulas em cursos que o MST tem promovido, juntamente com a Unicamp, para centenas de jovens. Fui convidado em julho de 1999, em julho de 2000 e em 29 de janeiro deste ano, pela terceira vez. As recomendações que formulei foram aquelas que estão no meu ideário, de que será cada vez mais importante que o MST use de táticas e ações políticas que sobretudo sejam caracterizadas pela não-violência. Dessa maneira, irão granjear o respeito cada vez maior pela causa da reforma agrária, pela causa da justiça.

Não é à toa que o MST, em seus seminários, recorda o Livro do Êxodo, que fala da luta pela terra prometida, que fala de Tzedaka, expressão em hebraico que quer dizer justiça social, justiça na sociedade. Também tenho recomendado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra que procure sempre realizar suas ações por meios que granjeiem maior simpatia da opinião pública.

Quando nós, do Partido dos Trabalhadores, soubemos, nesse fim de semana, que algumas centenas de trabalhadores haviam adentrado a fazenda dos filhos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em Buritis, tendo inclusive ocupado a sede, nossa primeira reação foi pensar que isso não seria um procedimento adequado. Sobretudo quando alguns daqueles trabalhadores ocuparam a sala de visitas, a sala de estar, o quarto do Presidente e da Srª Ruth Cardoso, mexendo, tocando nas suas roupas íntimas, vimos que isso não era algo adequado e respeitoso. Quando resolveram também ali dançar, utilizando as bebidas que encontraram na adega da fazenda, esse também não foi um procedimento que, no meu entender, pudesse granjear maior simpatia.

Mas, precisamos observar que algo estranho ocorreu. As informações, cada vez mais precisas, que vêm à tona, sejam da própria Agência Brasileira de Inteligência, da Polícia Federal, sejam dos órgãos de segurança da Polícia Estadual do Governo de Minas Gerais, do Governo Itamar Franco, todas indicam que o Governo Federal tinha possibilidade de conhecer de antemão aquela ocupação que estava por acontecer, e que não foi feita de uma hora para outra. Há outro detalhe: também aquela centena de trabalhadores que ocupou a sede da fazenda em Buritis antes solicitara do Ministro do Desenvolvimento Agrário e do Incra um diálogo a respeito das reivindicações que o Movimento propunha. Então, fica a pergunta: por que será que o Governo não agiu com maior celeridade? Tratava-se, afinal, da fazenda que já tinha sido objeto de ação organizada do MST. Então, o Governo já havia sido alertado de que isso poderia acontecer.

Causou, também, estranheza o fato de os Procuradores do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário terem dialogado com os trabalhadores e lideranças do MST na fazenda, assegurando-lhes que, se saíssem pacificamente, não haveria qualquer reação no sentido da prisão dos líderes, tendo a polícia agido de maneira inteiramente diferente do que foi expresso tanto pela Srª Maria quanto pelo Sr. Gercino. Os membros da coordenação nacional do MST proclamam que não conseguem mais acreditar nas palavras do Ministro do Desenvolvimento Agrário ou dos representantes do Governo Fernando Henrique Cardoso e mostram as razões disso ao longo da história desses últimos anos. Eles têm tido preocupação de não ver seus sentimentos e anseios considerados adequadamente. As desigualdades socioeconômicas estão sendo uma característica persistente da sociedade brasileira nas últimas décadas. Esse é o diagnóstico feito, por exemplo, pelo próprio Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Todos os estudos realizados por Roberto Martins e os economistas sobre a desigualdade socioeconômica, e o próprio Presidente da República quando realizou um balanço de seu Governo, reconheceu que o problema da pobreza e da desigualdade continuam extremamente graves, portanto as suas ações têm sido insuficientes.

            Mas se quiserem, Sr. Presidente, saber o que nós, do Partido dos Trabalhadores, temos recomendado ao MST - eu aqui gostaria de inclusive dar como exemplo que nas aulas que ministrei ao MST tive a preocupação de dar de presente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra a tradução que eu próprio fiz do discurso de Martin Luther King, Jr., “Eu tenho um sonho”, onde expressa palavras que fazem muito sentido no momento que estamos presenciando.

Naquele pronunciamento de 28 de agosto de 1963, eu recordarei um pouco o que estava acontecendo à época: muitos dos membros dos movimentos negros pela libertação achavam que não havia mais como esperar, porque aos negros era negado o direito de estarem freqüentando os mesmos restaurantes, os mesmos hotéis, hospitais, ônibus, banheiros que os brancos. Em muitos dos Estados do Sul eles não podiam sequer votar.

Então, movimentos como o dos Panteras Negras disseram que não havia mais como esperar, senão realizar ações mais para além da desobediência civil, mas inclusive ações como os distúrbios que começaram a significar o quebra-quebra dos bairros e os incêndios nos bairros de Los Angeles, como o de Watts, Detroit, Chicago entre outras cidades.

Foi então que Martin Luther King Jr. começou a conclamar os seus compatriotas a realizarem ações pacíficas. Passaram, então, a realizar marchas após marchas até que ele conclamou todos a irem a Washington - foi, inclusive, diante do monumento de Washington - DC que se realizou aquela manifestação. Antes, porém, ele foi chamado pelo Presidente John Kennedy, que estava preocupado e indagou de Martin Luther King Jr. se não poderiam adiar a manifestação, pois temia que ocorresse um quebra-quebra na capital dos Estados Unidos. Martin Luther King Jr. expressou que poderiam estar seguros de que a manifestação seria pacífica.

Naquele dia, prezados Senadores Tião Viana e Geraldo Cândido, vejam as palavras que Luther King disse a seus compatriotas e membros de todos os movimentos:

Nós também viemos a esse lugar sagrado para recordar à América a intensa urgência do momento. Esse não é o tempo de nos darmos ao luxo de nos acalmar ou de tomar a droga tranquilizadora do gradualismo.

            Como por vezes nós estamos aqui a ouvir de Senadores que precisamos estar aguardando. Aguardando o quê? Ficar nesse passo de lesma que caracteriza a ação do Governo Fernando Henrique Cardoso? Se o Presidente a toda hora recorda esse pronunciamento de Martin Luther King Jr., eu espero somente que ele recorde também estas palavras:

Agora é a hora de tornarmos reais as promessas da democracia. É a hora de levantarmos do vale escuro e desolado da segregação para o caminho iluminado de sol da justiça.

            É claro que ele também disse palavras como as que eu recomendei, e tenho recomendado, ao MST, como as que aqui falo:

Mas há algo que eu preciso falar para o meu povo, que está no limiar caloroso que nos leva para o Palácio da Justiça. No processo de ganhar nosso lugar de direito, nós não podemos ser culpados de ações erradas. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio. Precisamos sempre conduzir nossa luta no plano alto da dignidade e da disciplina. Não podemos deixar nosso protesto criativo degenerar-se em violência física. Todas as vezes e a cada vez nós precisamos alcançar as alturas majestosas e confrontar a força física com a força da alma.

Sim, recomendamos ao MST que não use a violência física, mas também precisamos recomendar ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que não dê ordens à sua Polícia Federal, aos membros do Exército, à Polícia Rodoviária e a todos aqueles que agiram ali em Buritis com uma forma de ação que também não está de acordo com a Constituição e a lei.

Não é à toa que o Presidente do Supremo Tribunal Federal avaliou que não haveria razão para humilhar os trabalhadores rurais sem-terra. O Juiz Nicolau dos Santos Neto não foi colocado deitado na lama, algemado como o foram os trabalhadores rurais sem terra, porque ainda que tivessem realizado uma operação abusiva não precisariam serem tratados daquela maneira. E é de estranhar que os procuradores do próprio Incra, tão valorizados pelas palavras do próprio Ministro Raul Jungmann, tivessem sido inteiramente desautorizados porque, no próprio diálogo com o MST, depois eles viram que a sua palavra não foi honrada e eles estavam falando em nome do Incra, em nome do Ministério do desenvolvimento agrário. E seria importante que o Presidente Fernando Henrique Cardoso viesse a ter agora também a atitude de estar compreendendo essas ações. Como a fazenda é dele, a queixa é de responsabilidade dele e dos seus filhos, mas precisa ter a compreensão como sociólogo que é, como estudioso que é das disparidades de renda e de riqueza que Sua Excelência não soube, até agora, resolver adequadamente, porque os seus programas sociais são, em verdade, “chinfrins” diante da dimensão do problema, porque o seu Governo costuma dar maior prioridade às exigências dos grandes credores da dívida pública externa e interna brasileira, em detrimento da resolução dos problemas sociais.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita satisfação, eminente Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Eduardo Suplicy, cumprimento V. Exª por pronunciamento que retrata o sentimento ético do Partido dos Trabalhadores, a responsabilidade política que tem o PT na condução dos debates sobre os grandes temas e problemas sociais brasileiros. Agora especificamente estamos diante da reflexão que V. Exª faz sobre a invasão ocorrida na fazenda do Presidente da República pelo MST.

Eu, do mesmo modo que V. Exª, considero a Constituição Federal a referência disciplinar da Nação. A nossa Carta, que estabelece claramente o comportamento social e disciplinar esperado, é fruto de grande debate do Parlamento brasileiro. Deve, pois, ser considerada sempre como um instrumento necessário à sustentação da democracia. A democracia está calcada em princípios fundamentais, como solidariedade, cidadania e busca do bem comum. Mas, lamentavelmente, há grande disparidade nesses aspectos. O Brasil tem várias faces; e a face dos excluídos é sombria e não consta da ordem do dia do grande debate político brasileiro. As autoridades de Estado não têm em sua rotina ouvir o sofrimento do povo brasileiro e se empenhar mais por um Brasil diferente. Se houvesse mais dedicação e solidariedade, teríamos um outro Estado. Infelizmente, estamos alheios à Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, que remonta há mais de 50 anos. Lamentavelmente, não temos respeitado a dignidade humana neste País. Os excluídos demonstram isso. Nunca gostaríamos de ver a fazenda produtiva do Presidente da República ser invadida e sua intimidade devassada. É claro que somos contrários ao que ocorreu. Trata-se de uma área produtiva e que merece o respeito e a consideração de todos. Lamentavelmente, não pudemos evitar essa atitude. Entendo que é preciso ter, ao mesmo tempo, devoção à Constituição Federal e respeito ao injustificável sofrimento humano que vigora neste País. Se olharmos para o lado, saberemos que, entre os irmãos africanos, 35 mil crianças morrem todos os dias de fome ou de doença evitável. Isso nos aflige; isso dói muito em nós. No nosso País, isso ocorre também. Então, temos de acelerar as transformações. E é para isto que o pronunciamento de V.Exª aponta: o equilíbrio entre o respeito à Constituição Federal e à preservação de sua autoridade da Constituição Federal e, ao mesmo tempo, a necessidade inadiável de mudarmos a face social deste País. A dívida social nos deixa muito indignados e nos faz sofrer muito. Temos de romper esse ciclo. Não podemos permitir a manutenção de um Brasil que se distancia cada vez mais do povo, daqueles que passam fome e não têm oportunidade ao direito mais sagrado na vida. Deve-se respeitar o direito à propriedade, mas deve-se respeitar também o sagrado direito ao trabalho. No Estado de V. Exª, há mais de 1,6 milhão desempregados. Isso afronta a dignidade do povo brasileiro. Devemos respeito ao Presidente da República, à Constituição Brasileira, mas devemos respeito sagrado ao sofrimento do povo brasileiro.

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Eduardo Suplicy, antes que V. Exª conceda mais algum aparte, faço um apelo - já que restam poucos minutos para o término da sessão e ainda há dois oradores inscritos - para que os aparteantes sejam breves e que V. Exª conclua o seu pronunciamento, que já ultrapassou o tempo regimental.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ouvirei os Senadores que já sinalizaram pedindo aparte e, depois, farei a conclusão com brevidade.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me concede um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Tem o aparte V. Exª.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, parabenizo-o pela sua oportuna manifestação na tarde de hoje. V. Exª expressou, de forma correta, o nosso pensamento e a nossa indignação em relação aos fatos ocorridos na Fazenda Buritis. Houve, de fato, um exagero por parte dos ocupantes da fazenda ao invadir um local produtivo e a intimidade do Presidente. Com isso, não concordamos. Entretanto, também não concordamos com as ações violentas a que assistimos pela televisão: pessoas amarradas, com as mãos para trás e o rosto no chão - uma cena de violência inominável. Lembramos cena parecida ocorrida no dia 25 de abril, em Porto Seguro. Estávamos lá e vimos um índio ajoelhado no chão diante de policiais armados até os dentes - uma cena que nos chocou profundamente. Cenas desse tipo agridem a nossa dignidade. Falta respeito aos direitos humanos neste País. Podemos citar, no Rio de Janeiro, uma região muito bonita, a Restinga da Marambaia, onde uma comunidade constituída de remanescentes de quilombos está sendo vítima de uma ação de expulsão por parte da Marinha e do Exército, por se tratar do local onde o Presidente Fernando Henrique Cardoso vai passar seus finais de semana. Não existe respeito pela comunidade remanescente de quilombos. Nativos que lá habitam há muitos anos e estão sendo expulsos da área por ação do Exército e da Marinha. Estamos trabalhando junto ao Ministério Público para evitar essas violências. Pois, companheiro Eduardo Suplicy, não podemos nos calar diante desse tipo de violência contra comunidades remanescentes de quilombos, contra trabalhadores rurais, contra trabalhadores de um modo geral. Se houve exagero da parte dos trabalhadores, por outro lado, o Governo, as autoridades não poderiam ter cometido tal violência, principalmente porque tinha havido um acordo que foi descumprido, o que demonstra o mau-caratismo dessas pessoas. São pessoas de mau caráter aqueles que não cumprem acordo e praticam ações violentas contra trabalhadores. Quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento, Senador. Muito obrigado pelo aparte.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não. Depois comentarei a reflexão dos três companheiros.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Muito rapidamente, Senador Eduardo Suplicy, quero me somar ao discurso de V. Exª simplesmente registrando que o uso da força e o cumprimento da “justiça” só acontece para aqueles que são completamente desprovidos dos mecanismos de defesa que a lei propicia na lei e que não podem ser acessados pelos excluídos. Foi muito feliz a fala do Senador Tião Viana - ou foi V. Exª - quando disse que o Juiz Nicolau dos Santos Neto, o próprio Senador Jader Barbalho e tantos outros não sofreram as humilhações por que passaram os sem-terra.

Podemos, sim, ter uma visão crítica. Não concordamos com o que fizeram os sem-terra, mas temos que deixar bem claro que essas pessoas, embora tenham utilizado um método equivocado, buscam um direito: o direito à terra e à vida. Mas aqueles que causaram um mal muito grande a esta Nação, pelo desvio do dinheiro público, dinheiro que poderia ser utilizado para fins de reforma agrária, não sofrem com a voracidade do cumprimento da lei. Observamos muitas vezes a utilização de todas as atenuantes para que eles não passem pelos constrangimentos e humilhações a que foram submetidos os sem-terra.

Na verdade, os sem-terra só foram submetidos àquele tratamento por não terem a estrutura de poder e não pertencerem às castas daqueles que são protegidos pelas brechas que a lei concede aos incluídos.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado Senadora Marina Silva, Senador Geraldo Cândido e Senador Tião Viana, pelas reflexões que complementam e enriquecem o meu pronunciamento.

V. Exªs, que são da Amazônia, certamente leram, ontem, as divulgações do The New York Times, mostrando as condições de trabalho escravo na Amazônia; tipicamente trabalhadores que, por muitos anos, estiveram em áreas de corte do mogno, de florestas, e que trabalham, por longo tempo, sem receber qualquer remuneração. Alguns membros do Governo, como o Ministro Raul Jungmann, pensavam que tal fato não mais ocorria no Brasil, mas foi o próprio Ministério do Trabalho, por meio de seus Procuradores e técnicos, quem fez essa constatação.

Participei de uma Comissão de Deputados e Senadores que observou situação semelhante nos anos 90, na região de Rio Maria, sul do Pará.

Na medida em que situações como essa realmente forem extintas no Brasil, não haverá mais razões para a força de um movimento social como o do MST, mas enquanto perdurarem condições problemáticas tão fortes para os trabalhadores rurais, enquanto não tiverem acesso à terra, sua razão de existir como movimento social continuará, ainda que possam seus membros, por um momento ou outro, realizar ações abusivas.

Precisamos dizer a eles com franqueza dos abusos cometidos.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2002 - Página 3090