Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE AS CAUSAS DO AVANÇO DA EPIDEMIA DE DENGUE NO PAIS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • REFLEXÕES SOBRE AS CAUSAS DO AVANÇO DA EPIDEMIA DE DENGUE NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2002 - Página 3156
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, EPIDEMIA, AMBITO NACIONAL, DOENÇA TRANSMISSIVEL, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PEDRO LUIZ TAVIL, PROFESSOR, MEDICINA, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), ESCLARECIMENTOS, CARACTERISTICA, DOENÇA, NECESSIDADE, COMBATE, AEDES AEGYPTI.
  • APREENSÃO, REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, CONTROLE, ENDEMIA, VERBA, SANEAMENTO BASICO, EXPECTATIVA, RESPONSABILIDADE, ESTADO.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago ao plenário do Senado Federal uma reflexão a respeito dessa epidemia que vem agredindo a sociedade brasileira, a epidemia de dengue, com a qual estamos convivendo e que, na verdade, já se tornou uma endemia nacional.

Coincidentemente, a imprensa dela começa a se esquecer. Mas não deveria fazê-lo. Temos o conhecimento técnico, que impõe a observação das autoridades da saúde, de que a epidemia de dengue decresce quando se encerra o período chuvoso e quente, e depois volta a crescer. Estamos vivendo um momento de involução do número de casos de dengue, pois o período chuvoso está se encerrando, mas seguramente ele voltará a subir.

Se olharmos a evolução histórica dessa epidemia no Brasil, vamos ver que, desde a entrada do mosquito Aedes aegypti, transmissor do dengue, em 1976, através do porto de Salvador, na Bahia, vamos constatar que mais de quatro mil Municípios estão contaminados pelo Aedes aegypti.

Poderíamos ter combatido o problema na raiz se o governo militar de então não o tivesse considerado como de segurança nacional, sufocando as devidas informações de saúde pública e impedindo uma ação de controle da entrada desse vetor transmissor da doença no nosso País.

Trata-se de uma situação grave. O Rio de Janeiro registrou mais de 39 casos de dengue hemorrágico com óbito. Isto é assustador!

Há várias experiências pelo mundo afora que apontam para a gravidade crescente dessa doença nos países tropicais. Cuba e Venezuela são exemplos de países vitimados por fortes epidemias de dengue hemorrágico. No Brasil, já há atualmente os dengues dos tipos 1, 2 e 3; e é certa a chegada do vírus do dengue tipo 4, o que gerará, seguramente, mais problemas de saúde pública.

            As autoridades teimam em polarizar o debate sobre o culpado: se é a Funasa, o Ministério da Saúde ou o Governador do Rio de Janeiro. Esse é um debate pequeno; esse não é um debate proveniente de uma autoridade sanitária, de quem conhece saúde pública ou de quem esteja de fato preocupado em mudar os rumos dessa epidemia no Brasil.

Aproveito a oportunidade para fazer a leitura de um admirável, lúcido e competente artigo de um professor da Universidade de Brasília, o Professor Pedro Luiz Tauil, da área de Epidemiologia e Medicina Social, que afirma o seguinte:

O Brasil vive este ano um aumento da ocorrência de dengue em vários estados, particularmente no Rio de Janeiro. O controle desta doença é um dos grandes desafios da ciência moderna. Várias perguntas podem nos atormentar. Por que o dengue ressurgiu no Brasil após 60 anos sem a doença? É possível seu controle?

Vale lembrar que houve dengue no País em 1923; e, 60 anos depois, começou a reaparecer.

Para responder a estas e outras perguntas, é necessário que sejam feitas antes algumas considerações sobre a doença e sua transmissão.

O dengue é uma doença viral aguda transmitida pela picada de um inseto. Não é, portanto uma doença contagiosa. O principal mosquito transmissor é o Aedes aegypti. Atualmente, o dengue é a doença viral transmitida por mosquito mais importante no mundo. Já é endêmica em muitos países, isto é, ocorre todos os anos e não apenas esporadicamente. O vírus apresenta-se sob quatro diferentes tipos: DEN-1, 2, 3 e 4. A doença pode manifestar-se de forma benigna, quase sem sintomas, ou apenas com febre, dores na cabeça, nos músculos e nas articulações. Porém, pode apresentar formas mais graves, com hemorragias e até alterações que levam ao choque e à morte. Há vários fatores de risco que podem produzir casos graves, nem todos ainda suficientemente conhecidos. Sabe-se que um deles é a infecção repetida por diferentes tipos de vírus. Quando uma pessoa adquire um tipo de vírus, ela fica posteriormente protegida contra aquele tipo e não contra os outros. A doença pode passar despercebida ou com sintomas muito leves e, portanto, o número de casos registrados é sempre menor do que o realmente ocorrido, pois muitas pessoas não procuram assistência médica. Uma característica importante do dengue é a sua sazonalidade, isto é, sua incidência é maior nos meses quentes e chuvosos, quando há um aumento da densidade do mosquito vetor.

Como não existe ainda uma vacina eficaz para prevenir a infecção, embora estejam em andamento pesquisas nesse sentido, nem um tratamento antiviral específico, o mosquito é atualmente o único elo vulnerável do ciclo de transmissão da doença.

O Brasil e mais 17 países das Américas, nas décadas de 1950 e 1960, eliminaram o Aedes aegypti de seus territórios, após uma gigantesca campanha continental. Infelizmente, a partir daqueles países que não tiveram êxito nessa campanha, o mosquito voltou a infestar todos os países do continente americano, com exceção do Canadá e do Chile. Desde 1976, o Brasil foi reinfestado a partir do porto de Salvador, na Bahia. Atualmente, cerca de quatro mil municípios, em todos os estados, e o Distrito Federal registram a presença do Aedes aegypti, apresentando receptividade para a transmissão do dengue. E desta vez parece que veio para ficar, pois vários fatores têm favorecido sua proliferação e dificultado o seu controle. O fluxo rural-urbano intensificou-se nas últimas décadas a tal ponto que as cidades incharam. Hoje, em torno de 80% da população brasileira vive em cidades. Constata-se que 20% a 25% da população urbana de grandes e médias cidades vive em invasões, favelas, mocambos ou cortiços, onde há precariedade de saneamento básico e habitação. A necessidade de armazenamento de água em reservatórios improvisados e a falta de coleta regular de lixo contribuem para a proliferação do mosquito. Este coloca seus ovos preferencialmente em depósitos artificiais de água. Por sua vez, o sistema industrial moderno privilegia embalagens descartáveis, como garrafas, latas, plásticos e isopor. Quando não adequadamente descartadas, essas embalagens acumulam água de chuva e constituem-se em criadouros do mosquito. O aumento do número de veículos a motor gera ainda um volume muito grande de pneus usados, os quais, expostos às intempéries do tempo, são também locais preferenciais de postura de ovos dos insetos vetores. Depósitos de ferro-velho, vasos de água em cemitérios, recipientes em terrenos baldios ou em fundos de quintal, hábitos de cultivar plantas aquáticas ou que permitam o acúmulo de água, como as bromélias, e uso de pratos com água embaixo de xaxins são mais algumas situações favorecedoras do aumento do número e da distribuição do Aedes aegypti.

Do ponto de vista do vírus, pode-se dizer que os tempos modernos trouxeram uma grande facilidade de locomoção. Os meios de transporte cresceram em intensidade e velocidade. Portadores de vírus podem trazê-lo de regiões remotas e introduzi-lo numa área infestada pelo mosquito, desencadeando a transmissão do dengue. A cidade do Rio de Janeiro, nesse aspecto, apresenta uma alta vulnerabilidade, pois é a que recebe maior fluxo de turistas entre as cidades brasileiras. Não foi por acaso que os tipos de vírus 1,2 e 3 foram registrados primeiramente naquela cidade, a partir de 1986.

Assim, o dengue ressurge no Brasil em decorrência de todos esses fatores que contribuíram para a entrada e proliferação do seu principal mosquito-transmissor e da presença de portadores do vírus provenientes de diferentes partes do mundo.

Nas Américas, já ocorreram duas grandes epidemias de dengue hemorrágico. A primeira, em Cuba, em 1981; e a segunda, na Venezuela, em 1990 e 1991. Em ambas, o estabelecimento de um plano de atendimento médico-hospitalar bem definido e organizado conseguiu manter baixo o número de óbitos. No ano passado, a cidade de Manaus enfrentou uma epidemia de dengue hemorrágico e também estabeleceu um plano de atendimento de todos os casos com manifestações de febre e hemorragias, resultando em apenas um óbito, entre 58 casos de dengue grave. Esses exemplos permitem perceber que o primeiro objetivo de controle de uma doença, qual seja, o de reduzir a sua mortalidade, pode ser alcançado por meio da elaboração e execução de um plano de atendimento médico-hospitalar hierarquizado, com pessoal treinado, disponibilidade de leitos e insumos, para diagnósticos e conduta adequada em função da gravidade dos casos. Esse atendimento vai desde o nível ambulatorial até a internação em unidades de terapia intensiva.

Um segundo objetivo possível no controle do dengue é a redução das dimensões e da gravidade de uma epidemia, por meio de um sistema de detecção precoce de surtos localizados da doença e rápido combate ao Aedes aegypti, naquele local, com aplicação de inseticidas, larvicidas e eliminação de seus criadouros. O sucesso dessas medidas depende da atenção de todos os profissionais de saúde na suspeita e notificação precoce de casos de dengue sempre que estiverem de um surto de doença febril de causa desconhecida. Depende ainda de uma rápida ação dos serviços de saúde para esclarecimento do diagnóstico e, se for o acaso, aplicação imediata das medidas de combate ao mosquito. Sempre que houver um risco de entrada de um novo tipo de vírus, é preciso redobrar as medidas de apoio laboratorial para sua detecção precoce.

É possível prevenir as epidemias de dengue, mesmo as de pequena dimensão? Teoricamente, sim. Com os conhecimentos e tecnologias atualmente disponíveis, somente por meio de uma drástica redução da densidade de infestação pelo Aedes aegypti e sua manutenção em níveis constantemente baixos, uma vez que sua eliminação, como ocorrida no passado, parece extremamente complexa em virtude das características biológicas de sobrevivência do mosquito e das condições de vida moderna nas nossas cidades. A redução dos índices de infestação pelo mosquito e sua manutenção em níveis baixos é uma tarefa que transcende o setor saúde, envolvendo macropolíticas sociais e econômicas, de ocupação do solo urbano, de política habitacional e de saneamento básico. As três esferas de Governo e a própria sociedade têm um papel nessa complexa e árdua missão, que, em última análise, consiste na luta pela melhoria das condições de vida de nossa população, com redução da miséria e das injustiças sociais.

Entendo que esse artigo do Professor Pedro Luiz Tauil é um dos mais belos e claros já publicados sobre a matéria, com forte sustentação científica. Seu pensamento vai ao encontro dos anseios da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

Na gestão do Ministro Adib Jatene, houve o lançamento do PEA - Programa de Erradicação do Aedes aegypti, assinado por notáveis cientistas, como o Professor Aluízio Prata, a Professora Evanize Macedo e outros membros da Academia Médica Brasileira. Infelizmente, Sr. Presidente, aquilo que era um plano para a erradicação do mosquito transmissor tornou-se uma derrota da sociedade brasileira.

Devemos entender a responsabilidade do Município, do Estado e da União, que é uma responsabilidade comum. Lamentavelmente, temos uma briga política ou de números entre o Governo Federal e alguns governos estaduais.

Em alguns Estados, há o mérito do avanço. No Estado do Acre, avançamos muito no controle dessa doença, porque fizemos com seriedade a pactuação e o estabelecimento de metas, mas ainda somos vulneráveis. Estamos sujeitos a novas epidemias porque tivemos a entrada de poucos tipos de vírus da dengue. Os outros estão circulando e entrarão, sem dúvida alguma. Mas, se tratássemos com a devida seriedade o investimento, a pactuação e o cumprimento de metas, o resultado seria outro. Lamentavelmente, a União mandou como mensagem ao Congresso Nacional, na sua proposta orçamentária, uma redução de R$869 milhões para o controle das endemias.

De um lado, temos técnicos de altíssima qualidade na Fundação Nacional de Saúde, que é muito bem dirigida. De outro lado, temos o Poder Executivo descumprindo as suas responsabilidades e reduzindo a verba para o controle de endemias em R$869 milhões. Para o saneamento básico, que deveria ser o grande alvo para a União melhorar a qualidade de vida nas cidades, houve uma redução de verbas de R$1,2 bilhão no Orçamento de 2001/2002.

Então, com esta tragédia, que é a economia de investimento no que é necessário para o pagamento de juros da dívida, os recursos do Ministério da Saúde podem sofrer um corte de até R$3 bilhões neste ano, com o descumprimento efetivo da Proposta de Emenda Constitucional nº 29, o que traz uma preocupação muito maior.

Sinceramente, espero que as autoridades de Estado não tratem a epidemia de dengue no País e o aumento de mortalidade que a partir dela venha a ocorrer como uma fatalidade, um produto do determinismo histórico. A responsabilidade será cobrada dos pontos de vistas político e jurídico e dos profissionais de saúde pública. Espero que o Ministério da Saúde esteja à altura dessa responsabilidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2002 - Página 3156