Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE RECENTE EDIÇÃO DA REVISTA CARTA CAPITAL, QUE ABORDA O AVANÇO DA DESIGUALDADE ECONOMICA ENTRE AS NAÇÕES.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE RECENTE EDIÇÃO DA REVISTA CARTA CAPITAL, QUE ABORDA O AVANÇO DA DESIGUALDADE ECONOMICA ENTRE AS NAÇÕES.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2002 - Página 3205
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, PESQUISA, AUTORIA, ANGUS MADDISON, PROFESSOR UNIVERSITARIO, PAIS ESTRANGEIRO, PAISES BAIXOS, APRESENTAÇÃO, DADOS, AMPLIAÇÃO, DESEQUILIBRIO, PROGRESSO, ECONOMIA, PAIS, MUNDO.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESIGUALDADE REGIONAL, REDUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE ) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, recente edição da revista semanal CartaCapital aborda em profundidade o tema do avanço extraordinário da desigualdade econômica entre as nações, ao longo dos séculos. A matéria considera resultados produzidos pelas estatísticas econômicas de tempos já antigos, embora se possa alegar que até mesmo os números do crescimento do Produto Interno Bruto - PIB do País, no ano passado, suscitam dúvidas, contestações e revisões.

O autor, Antonio Luiz Costa, reporta-se às pesquisas de economista britânico e professor da Universidade de Groningen, na Holanda, realizadas a pedido da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), compreendendo o progresso do planeta do início da era cristã ao ano 2000, para a reflexão sobre os destinos da economia mundial e da ciência econômica.

Esse professor, Angus Maddison, considera existir a continuidade do progresso, descartando as reavaliações - para cima - das populações das Américas e da África no período que antecede a colonização, promovidas por escolas de historia demográfica. Opta pela estimativa tradicional de um milhão de habitantes para o Brasil de 1500, embora a maioria dos especialistas prefiram considerá-la entre 3,5 milhões e 8 milhões.

Para Maddison, apenas no princípio do século XIX foi possível contar com números sistematizados da produção agrícola e industrial da maioria dos países. Assim, em 1820 a renda per capita da Holanda, o país mais rico, era apenas 4,4 vezes superior à da África, o continente mais pobre, e acima da ostentada pela Inglaterra, a senhora do comércio mundial. Na América do Norte, a renda não ultrapassava o triplo da registrada no continente negro.

Na maior parte do mundo, variava de 30% a 60% acima da média africana. No Japão, “o governo absorvia grande parte do PIB e a burguesia era a camada social mais desprezada”. O futuro do país, alheio ao comércio internacional e ao rigor dos métodos econômicos, assentava-se em elevados padrões de educação, tecnologia agrícola, higiene, saúde e controle da natalidade.

Com o início da ordem liberal, em 1870, Maddison registra que a renda média dos países ocidentais era três vezes e meia superior à dos países periféricos, entre os quais a Rússia, com uma renda per capita duas vezes maior do que a da África. A da Argentina era maior que a da França, e o Japão e o Brasil estavam equiparados, em números estatísticos.

Registra, no que se refere aos dados qualitativos, que nas colônias britânicas o comércio era formalmente livre e que, após o motim indiano, que obrigara a estatização da administração colonial, em 1857, a apropriação direta da renda passou a ser mais moderada. Porém, a elite colonial permaneceu decidindo os investimentos e a compra de produtos britânicos, enquanto os nativos, que a imitavam, desprezavam os produtos locais e mesmo os das outras potências européias envolvidas na competição comercial.

Essas potências exploravam com maior rigor as suas colônias, vedando-lhes a importação de produtos de terceiros; obrigando-as a transferir grandes superávits comerciais para as metrópoles e a pagar o custo da administração colonial da repressão de seus próprios nativos.

A China era submetida às potências industriais, obrigada à abertura de seus portos à importação do ópio britânico e, com essa justificação, até mesmo a pagar o custo das guerras movidas contra ela. Em 1913, a renda média ocidental era 4,8 vezes superior à da periferia, com a Grã-Bretanha sendo superada pelos Estados Unidos, 8% mais rico, e pela Austrália, em percentual de 16% e com renda per capita 10,4 vezes superior à da China.

A Argentina, aparentando uma vitória da Teoria das Vantagens Comparativas, parecia incluída de forma definitiva no clube dos ricos, por força das exportações de carnes e cereais. Era mais rica do que a Alemanha, então a segunda potência industrial e militar do mundo, enquanto o Uruguai e o Chile colocavam-se na dianteira da Itália e da Espanha.

O Japão, a Rússia, o México, a África do Sul, a Colômbia e o Peru ostentavam renda duas a três vezes superior à da China, aparentando escapar da vala comum. E o Brasil, após 67 anos de Império e 24 de República Velha, estagnava-se no mesmo nível da Ásia colonial.

Em 1913, repetimos, nada nos números garantia que o Japão era e continuaria a ser uma potência, mas evidenciavam que o México e o Peru, dependentes, seriam cada vez mais pobres em termos relativos. Não se poderia antever o triste futuro da Argentina, se o PIB per capita era superior e ascendia mais velozmente do que o da Bélgica ou da Suécia.

Maddinson, com o seu ambicioso tratado, demonstra a insuficiência de análises econômicas quantitativas, como as que hoje pretendem decidir o futuro das nações, quando, desde Wall Street, ignoram as realidades sociais e estruturais.

De 1913 para 1950, período de turbulências que incluíram a Grande Depressão; duas guerras mundiais; as revoluções russa e chinesa; a queda do III Reich e do Império Britânico, Maddison salta para aquele último ano observando que os Estados Unidos, com renda per capita duas vezes maior do que a média da Europa Ocidental, haviam crescido mais do que a média mundial e superado as potências do Velho Mundo.

Na América Latina, muitos países haviam enriquecido e superavam países ibéricos, da Europa Oriental e o Japão. A Argentina o Chile, o Uruguai e a África do Sul apresentando menor crescimento, eram comparáveis aos europeus ocidentais mas distantes dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália.

Nesses 37 anos, o crescimento da renda per capita do Brasil sob o governo de Getúlio Vargas foi o maior entre os grandes países do mundo. Deixou de ser uma das nações independentes mais pobres, para ter uma renda próxima da média mundial - como tem ainda hoje.

A União Soviética de Stalin era o país com a segunda evolução mais rápida, apesar da revolução e das guerras mundiais. A Índia retrocedera e a situação da China, devastada por décadas de guerras civis e contra o Japão, era deprimente: em 1950, era superada pela maioria dos países africanos e apresentava-se 30% mais pobre do que no ano 1300.

O período de 1950 a 1973 é marcado pelo milagre japonês, que, em menos de uma geração, multiplicou a renda per capita por seis. A China recuperou algum terreno, ao passo que a Coréia do Sul e Taiwan revelaram crescimento acentuado, ainda que insuficiente para alcançar a média da América Latina. O Brasil, com menor avanço, ainda assim conseguiu quase igualar a média de outros países latino-americanos.

Por derradeiro, no período da ordem neoliberal, de 1973 a 1998, muitos países asiáticos desenvolveram-se acima da média mundial. A China superou uma fase de extrema marginalização e a Índia ganhou mais posições.

Na Europa Oriental e na América Latina, a renda per capita praticamente estacionou. No período, apesar da diminuição da explosão demográfica, o crescimento anual médio da renda per capita global manteve-se equiparado ao das décadas finais do século XIX e menos da metade do alcançado entre 1950 e 1973.

Ao finalizar seus brilhantes comentários à obra de Maddison, Antonio Luiz Costa expressa a convicção de que “se o aumento das desigualdades entre países tem sido uma constante nos últimos 500 anos”, nos sete derradeiros chegou a níveis sem precedentes. Isso porque “o crescimento econômico proporcionou muito a uns poucos, muito pouco à maioria e absolutamente nada a muitos”.

Em resumo, o estudo econométrico de CartaCapital, ao analisar as demonstrações estatísticas que espelham as grandezas econômicas, é enfático na demonstração da existência de contundente desigualdade de progresso entre as nações, ao longo dos séculos, descompasso que produz duros reflexos no bem-estar das populações, e que também ainda se repete entre regiões e estados brasileiros.

De fato, números do Censo 2000, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstram que o Sudeste chegou a 2000 com rendimento médio mensal de 945 reais, duas vezes mais do que os ganhos dos chefes de famílias nordestinos, que recebem 480 reais mensalmente. Os mesmos números denunciam que prossegue, infelizmente, a desigualdade econômica entre as regiões, em que pese a transição da recessão do começo dos anos 90 para a estabilização monetária da era do Real.

Estamos concluindo, Sr. Presidente, estas breves considerações, destacando que cerca de 9% da população brasileira, ou 15 milhões e 100 mil pessoas, ainda vive com tão-somente um dólar por dia, segundo estimativas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ONU/Pnud).

Esse quadro, conquanto seja revelador de que o problema da miséria em nosso País é determinado pela má distribuição de renda, e não pela falta de recursos, pode ser em grande parte superado por medidas que realmente mantenham o crescimento econômico e revertam o índice de indigência da população.

Por tudo isso, depoimentos relevantes, como o agora resumidamente comentado, servem à fundamentação de quantos, como nós, pregamos a necessidade de mais ações, prontas e eficazes, de combate à pobreza em todo o País.

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2002 - Página 3205