Discurso durante a 32ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE TRANSPLANTADORA NO BRASIL, NO PERIODO DE 1994 A 2000, E SUA RELAÇÃO COM A REGULAMENTAÇÃO DO SETOR POR MEIO DE LEIS FEDERAIS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE TRANSPLANTADORA NO BRASIL, NO PERIODO DE 1994 A 2000, E SUA RELAÇÃO COM A REGULAMENTAÇÃO DO SETOR POR MEIO DE LEIS FEDERAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2002 - Página 3553
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, ATIVIDADE, TRANSPLANTE, ORGÃO HUMANO, MOTIVO, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REVOGAÇÃO, PRESUNÇÃO, CONSENTIMENTO, DOAÇÃO, TRANSFERENCIA, DECISÃO, PARENTE.
  • DEMONSTRAÇÃO, CRESCIMENTO, QUANTIDADE, TRANSPLANTE, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, AUMENTO, CAPACIDADE, HOSPITAL, EXPECTATIVA, AMPLIAÇÃO, DOADOR, ORGÃO HUMANO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, faço, desta Tribuna, um apanhado a propósito da evolução da atividade transplantadora no Brasil, no período de 1994 a 2000, como também sua relação com a regulamentação do setor por meio de leis federais.

Um número grande de fatores interfere na atividade transplantadora, de tal forma que é, na prática, muito difícil estabelecer uma relação causal entre a legislação e a produtividade do setor.

A Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, foi proposta como alternativa à legislação em vigor (Lei nº 8.489, de 18 de novembro de 1992), considerada inadequada por não ter alterado significativamente a situação, quer dos serviços que realizam transplantes, tese que - pelo menos no que diz respeito ao incremento do número de transplantes - parece comprovar-se com os dados a seguir apresentados.

Para o combativo Senador Darcy Ribeiro, autor de um dos projetos que deu origem à Lei e defensor da doação presumida, a Lei nº 8489, de 18 de novembro de 1992, tratava-se de “uma lei assassina”. Fui o autor do substitutivo que originou o texto aprovado, acreditando que vigorava no Brasil uma lei que matava gente todos os dias.

 

Gráfico 1 - Número de transplantes de órgãos e tecidos realizados no Brasil no período de 1995 a 2000.

            Esse incremento na atividade transplantadora após a Nova Lei pode dever-se ao fato de que ela obrigou a um rearranjo institucional, à revisão de políticas e de formas e à implementação de ações coerentes por parte do Sistema Único de Saúde

Após sua entrada em vigor, foi criada e estruturada, no Ministério da Saúde, uma Coordenação do Sistema Nacional de Transplantes, um grupo técnico assessor e uma ‘Central Nacional’; foi editado um novo regulamento técnico; foi instituída uma Câmara de Compensação de Procedimentos Hospitalares de Alta Complexidade e foram definidos os preços com que o Sistema Único de Saúde remunerará as várias etapas da procura de órgãos; foram também destinados novos recursos para a área e feitos investimentos em treinamento de pessoal, inclusive com a celebração de acordos de cooperação técnica internacional.

Com um ano de vigência, o impacto da nova Lei sobre a situação dos transplantes no País já era considerado promissor pela Associação Brasileira de Transplantes1.

            Tabela 1 - Número de transplantes de órgãos e tecidos realizados no Brasil no período de 1994 a 2000, segundo o órgão ou tecido transplantado

            
Órgão / tecido 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Rim 1.404 1.530 1.452 1.502 1.578 2.050 2.383
Fígado 27 70 119 152 165 269 331
Coração 58 46 69 58 48 94 96
Pulmão 3 11 6 1 5 9 20
Rim + pâncreas - - - - - 1 17
Pâncreas - - - - - 4 4
Total órgãos 1.492 1.657 1.646 1.713 1.796 2.427 2.851
Córnea ... 2.206 1.870 1.819 2.077 2.349 3.217
Esclera ... 29 35 46 53 42 79
Medula 307 242 261 354 373 494 569
Total tecidos ... 2.477 2.166 2.219 2.503 2.885 3.865

Fonte: Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde

Persistia, no entanto, a divergência sobre um dos dispositivos da nova Lei: a adoção do princípio do consentimento presumido, justificada como a forma que melhor propiciaria o aumento do número de doadores.

Sua proposição tinha por origem a avaliação de que a falta de doadores consistia numa das causas da baixa produtividade da atividade transplantadora em nosso País. A oposição à nova lei considerava, no entanto, que o pequeno número de transplantes realizados no nosso país devia-se não à falta de doadores, mas a problemas estruturais e conjunturais do sistema de saúde2. Segundo esse grupo de opinião, as razões principais do baixo número de transplantes realizados no País eram o pequeno número de instituições e estabelecimentos de saúde envolvidos e o insuficiente desenvolvimento do sistema público de saúde e não a insuficiência de doadores, considerada menos relevante nesse quadro.

Ainda não foi efetivamente mensurado se a adoção da doação presumida propiciou, como se pretendia, um aumento no número de doadores.3

O princípio da doação presumida foi revogado por Medida Provisória em outubro de 19984 e, mais tarde, na sua conversão, acabou-se com a possibilidade de a pessoa fazer a doação post mortem de seus órgãos, transferindo a decisão totalmente para alguns parentes do morto.

A partir dos dados atualmente disponíveis, é impossível determinar se o significativo incremento da atividade transplantadora após a entrada em vigor da Medida Provisória que revogou o princípio da doação presumida se deve ao aumento da oferta de doadores ou à ampliação e consolidação do efeito indutor da Nova Lei sobre o desenvolvimento do setor, acima descrito.

A análise desses dados permite fazer apenas algumas associações temporais, entre as quais estão:

a) Produtividade estagnada da atividade transplantadora nos últimos três anos de vigência da Lei nº 8.489, de 18 de novembro de 1992 (período de 1995 e 1996).

Nos anos de 1995 e 1996, o número de transplantes de órgãos manteve-se em torno de 1.650/ano, e o de tecidos, entre 2.500 e 2.200, ambos com tendência decrescente, mais evidente no caso dos transplantes de tecidos.

O número de rins transplantados - que, nesse período, correspondia a 88 % do total de órgãos transplantados - foi decrescente nos anos de 1995 e 1996, mostrando uma discreta recuperação (3,4% de crescimento em relação ao ano anterior) em 1997, o mesmo acontecendo com os transplantes de córnea, cujo número decresceu até 1997.

Gráfico 2 - Número de transplantes de rim realizados no Brasil no período de 1994 a 2000.

            Gráfico 3 - Número de transplantes de córnea realizados no Brasil no período de 1995 a 2000.

O número de transplantes de fígado, coração, esclera e medula, no entanto, mantiveram crescimentos da ordem de, respectivamente, 70,0%; 50,0%; 20,7% e 20,2%.

b) Aumento significativo da atividade transplantadora nos três anos seguintes à entrada em vigor da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (período de 1998 a 2000), em relação ao período anterior (período de 1995 a 1997)

A partir de 1997 - e, de forma mais evidente, a partir de 1998 -, observa-se um aumento significativo da atividade transplantadora no País. No total, realizaram-se, em 1998, 1.796 transplantes de órgãos (contra 1.713 no ano anterior e uma média de 1.672 nos três anos anteriores) e 2.503 transplantes de tecidos (contra 2.219 no ano anterior e 2.287 como média nos últimos três anos).

Comparavelmente ao período 95-96, realizaram-se, de 1998 a 2000, 42,9% mais transplantes de órgãos e 32,9% mais transplantes de tecidos, por ano.

            Gráfico 4 - Número de transplantes de órgãos (exceto rim) realizados no Brasil no período de 1994 a 2000.

O número de transplantes de rim realizados foi 34,3% maior no último período em relação ao primeiro; em relação aos transplantes de córnea, esse aumento foi da ordem de 51,3%.

Os transplantes de fígado foram os que tiveram o maior aumento (171,3%), mostrando um crescimento constante desde 1984. Os transplantes de coração e pulmão tiveram um comportamento similar: queda até 1997; retomada do crescimento em 1985, mas mantendo-se em níveis similares ao de 1995; crescimento da ordem de 32,9% (pulmão) a 38,6% (coração) no último período.

Os transplantes de medula também tiveram crescimento significativo (90,8%), quando se comparam os números de 1998 a 2000 com os de 1994 a 1996.

Gráfico 5 - Número de transplantes de medula realizados no Brasil no período de 1994 a 2000.

c) Grande aumento da atividade transplantadora nos dois anos seguintes à entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.718, de 6 de outubro de 1998 (período de 1999 e 2000), em relação aos anos de 1997 e 1998

Os últimos anos do período analisado (1999 e 2000) mostram um grande aumento da atividade transplantadora no País, quando comparada com o período anterior (1998 e 1997). O número de transplantes de órgãos cresceu 50,3% e o de tecidos, 42,9%.

Os transplantes de pulmão cresceram em 383,3%, passando de 5 por ano, em 1998, para 20, em 2000. Os transplantes de coração e de pulmão também tiveram um incremento significativo - em torno de 80% - no período de 99/2000, em relação ao 97/98. Os transplantes de rim, córnea e medula cresceram acima de 40%.

Quando se compara o crescimento anual, no entanto, verifica-se que, no último ano analisado, esse crescimento não se mantém (ver tabela abaixo). Esse fato talvez demonstre que se atingiu um patamar de desenvolvimento institucional e do setor, a partir do qual ou novos investimentos se farão necessários, ou a oferta de doadores passará a ser crítica.

            Tabela 2 - Crescimento anual (%) do número de transplantes, no período de 1994 a 2000.

Transplante 95/94 96/95 97/96 98/97 99/98 00/99
Fígado 159,2 70,0 27,7 8,5 63,0 23,0
Rim 9,0 - 5,1 3,4 5,0 29,9 16,2
Medula - 21,2 20,2 35,6 5,4 32,4 15,2
Córnea - 21,2 7,8 35,6 5,4 32,4 15,2

O novo ordenamento legal instituído pela Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, teve impacto significativo sobre a atividade transplantadora em nosso País, pelo menos quando medida pelo número de transplantes realizados.

Não é possível estabelecer, com os dados atualmente disponíveis, se o crescimento da atividade transplantadora no período posterior à entrada em vigor da Nova Lei de Transplantes se deveu ao efeito indutor do novo ordenamento legal sobre o desenvolvimento do setor ou se foi sobre a oferta de doadores, determinada pela adoção e posterior revogação do princípio da doação presumida.

De qualquer forma, os dados parecem indicar que nos encontramos em um novo patamar de desenvolvimento e produtividade da atividade transplantadora em nosso País, e que, a curto ou médio prazo, ou novos investimentos se farão necessários ou a oferta de doadores se mostrará como fator crítico.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


1 Bons ventos para os transplantes no Brasil? (editorial) Boletim da Associação de Transplantes de Órgãos, a.1, n.3, p. 3-4, Jul/Set, 1998.


2 COELHO, V. S. R. P. Doação presumida e transplante de órgãos no Brasil. Novos Estudos Cebrap, n. 48, p. 161-75, Jul.1997; PESTANA et al. Estimativa do número de potenciais doadores de órgãos na cidade de São Paulo. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 38, n. 2, p. 97-100, 1992.


3 O principal argumento do Ministério da Saúde para promover a alteração do art. 4º da Lei de Transplantes consistiu, exatamente, numa afirmação - nunca comprovada com dados - de que o número de doadores tinha-se reduzido após a entrada em vigor da Lei.


4 Medida Provisória nº 1718, de 6 de outubro de 1998.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2002 - Página 3553