Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a política de cotas para negros nas universidades brasileiras.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. ENSINO SUPERIOR.:
  • Reflexão sobre a política de cotas para negros nas universidades brasileiras.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2002 - Página 3831
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, LEGISLAÇÃO, DEFINIÇÃO, COTA, VAGA, ALUNO, NEGRO, UNIVERSIDADE FEDERAL, POSSIBILIDADE, RISCOS, AUMENTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, COMENTARIO, DADOS, PESQUISA, REJEIÇÃO, PROPOSTA.
  • ANALISE, AUMENTO, ENSINO MEDIO, BRASIL, FALTA, VAGA, ENSINO SUPERIOR, ATENDIMENTO, DEMANDA, REGISTRO, EXAME VESTIBULAR, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, CONTROLE, QUALIDADE, ALUNO, INGRESSO, FACULDADE.
  • DEFESA, FINANCIAMENTO, CURSOS, PREPARAÇÃO, ALUNO, NEGRO, ENSINO MEDIO, OBJETIVO, APROVAÇÃO, EXAME VESTIBULAR, UNIVERSIDADE FEDERAL.
  • DEFESA, POLITICA SOCIAL, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que as piores injustiças podem ser cometidas, mesmo quando estamos cobertos de boas intenções. E quando se trata de tentativas de reparação por meio de leis, devemos parar para refletir bem sobre as conseqüências, pois, uma vez votada a lei, fica mais difícil reverter a decisão. Gostaria, hoje, de refletir um pouco acerca da política de cotas para negros nas universidades brasileiras.

Creio, Sras e Srs. Senadores, que uma política de cotas para negros na universidade pode, em vez de reparar defasagem histórica, gerar novas discriminações.

            Analisemos bem: a política de adoção de cotas parte do pressuposto de que os desiguais devem ser tratados desigualmente; como corolário de tal pressuposto, os defensores da política de cotas alegam a defasagem escolar entre negros e brancos: os primeiro teriam, em média, 2,2 anos a menos de escolaridade que os segundos.

Mas a verdade é que, em geral, os brasileiros - brancos e negros - têm, comparativamente, menos anos de escolaridade do que pessoas de outros países. Na África do Sul, por exemplo, negros têm, em média, 11 anos de escolaridade; já no Brasil, a média de escolaridade dos brancos é de apenas 6,6 anos.

Ora, Sras e Srs. Senadores, não é de hoje que existem desigualdades no Brasil. Além da desigualdade racial, existe, por exemplo, a desigualdade regional. É inegável a concentração de recursos no Sul e Sudeste do País, em detrimento do Norte e do Nordeste, por exemplo. Essa desigualdade, construída e alimentada ao longo de séculos, só poderá ser superada com políticas de investimento maciços nas regiões menos desenvolvidas: precisamos construir escolas, rodovias, postos de saúde, hospitais públicos; precisamos incentivar a implantação de indústrias; precisamos modernizar a agricultura, a fim de aumentar a produtividade. Medidas assim, ao longo de algumas décadas, poderão, com certeza, elevar o nível de desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas. Mas sem nenhum prejuízo daquelas regiões com razoável ou grande grau de desenvolvimento. Por quê? Porque o capital ali investido - inclusive o investido pelo Estado - continuará a ser reaplicado e renderá os dividendos produtivos próprios.

Obviamente, discordo da atual política de incentivo a investimentos, que continua a alimentar a concentração de riquezas no Centro-Sul. Em 2001, por exemplo, mais de 50% dos recursos do BNDES foram para a indústria paulista, reforçando a concentração do setor na região. Creio que contra esse tipo de perpetuação das diferenças, sim, deveríamos lutar.

Mas será que o mesmo raciocínio é válido para a política de cotas nas universidades?

Ora, Senhoras e Senhores, todos sabemos que o ideal seria que cada brasileiro que conclui o ensino secundário tivesse acesso automático ao ensino superior; e acesso ao ensino superior em uma universidade pública. Por que não? Ou, quando menos, se não for possível o ingresso em uma universidade pública, que o curso na faculdade privada seja de algum modo financiado.

Mas é isso que ocorre? Infelizmente, não. E por quê? Simplesmente porque não há vagas suficientes no sistema de ensino superior para abrigar todos aqueles que concluem o ensino médio. Ora, Senhoras e Senhores, o ensino médio tem crescido enormemente: em 1994, eram 4,5 milhões de alunos matriculados; mas esse número alcançou 8,4 milhões em 2001, um crescimento de 86%. Apenas 13% desses alunos estão nas escolas particulares, ou seja, a imensa maioria está nas escolas públicas: estaduais, municipais e federais. Esses números representam um avanço significativo, pois, em 1980, a rede privada de ensino médio respondia por 46% do total de alunos.

Agora vejamos as reais possibilidades de absorção de todo esse alunado pelo ensino superior. Embora nos últimos anos tenha havido um aumento de 43,1%, ainda não existem vagas suficientes para absorver todos os que concluem o antigo Segundo Grau. Esse crescimento não significa mais do que 3 milhões de alunos matriculados em cursos de graduação em 2002.

E, mesmo que a meta do governo federal seja, em uma década, passar a atender 30% da população entre 18 e 24 anos no ensino superior, estamos longe de chegar à universalização, ou seja, dispormos de vagas para todos os que estão em condições de cursar a universidade.

Mas precisamos levar em conta que as instituições privadas respondem por 65% do total de matrículas, contra 35% das universidades públicas. Isso significa que, além da barreira do vestibular, os concludentes do ensino médio precisam enfrentar, também, a barreira de natureza econômica: dispor de numerário para pagar a universidade.

Mas a barreira do vestibular continua a ser o grande filtro: são quase quatro candidatos para cada vaga. Podemos questionar esse sistema de escolha. Mas haverá outro mais apropriado? O vestibular, malgrado suas deficiências, estabelece um nível de competição que qualifica os candidatos segundo o seu desempenho - aferição de conhecimentos técnicos, práticos e científicos. Quer dizer: entram para a faculdade os que estão mais aptos do ponto de vista acadêmico.

Os defensores do sistema de cotas alegarão, neste caso, que os alunos negros - filhos de pais sem recursos -, por terem freqüentado escolas públicas estão menos preparados para passar no vestibular. Mas aí é que está a questão: mais do que um método de "eliminação" de candidatos, ele é um sistema de avaliação baseado no mérito; aqueles alunos mais bem preparados são os que passam. Mais do que "criar vagas" de maneira artificial, é preciso observar que tais vagas estão sendo preenchidas por quem terá condições de acompanhar o currículo escolar.

Se é necessário - e não nego que o seja - algum tipo de ajuste para aumentar o número de negros na universidade, esse ajuste precisa ser feito, portanto, antes do ingresso ao ensino superior.

Desse ponto de vista, não posso deixar de concordar com o Ministro Paulo Renato, que propõe o estabelecimento de “cursinhos pré-vestibulares” especificamente para negros. O Banco Mundial, por exemplo, já demonstrou interesse em financiar esse tipo de cursinho.

Se a defasagem dos alunos negros em relação aos outros está ligado à falta de preparação para o vestibular, pois que sejam compensados dessa defasagem nesse ponto: com o financiamento especial para desenvolverem os conhecimentos necessários ao ingresso na faculdade.

Apesar da nobreza da proposta de cotas, não creio que ela seja o mecanismo mais eficiente para suprir as deficiências alimentadas historicamente. Segundo especialistas em desigualdade social, não existem fórmulas mágicas para superar tais desigualdades. Elas constituem apenas paliativos para reduzir o abismo econômico entre as raças.

Além do que, se tais políticas de cotas não forem seguidas de políticas sociais que ampliam o acesso de negros ao mercado de trabalho, de nada adiantam.

Mas minha discordância não pára nesse ponto. Verificamos que, no seio da comunidade universitária, há muitas divergências sobre a adoção dessa política de cotas. Uma pesquisa do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) revelou que 57,4% dos entrevistados (alunos e professores) discordam da adoção de uma política de cotas. Entre os próprios universitários negros, metade deles rejeita a proposta.

Uma universitária, negra, de Brasília, declarou o seguinte:

“Me sentiria mal de pensar que as pessoas me olhariam como se só tivesse conseguido chegar na universidade por causa dessa ajuda.”

            Enfim, Senhoras e Senhores, não nego que haja uma defasagem na distribuição de vagas nas universidades. Creio, mesmo, que seja necessário mudar esse quadro por meio de alguma política compensatória. Mas a obrigação de determinar um número de vagas, a serem obrigatoriamente preenchidas por negros, traria mais dissabores que resultados positivos.

Por isso, creio que devemos pensar melhor antes de adotar uma política dessa natureza no Brasil.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2002 - Página 3831