Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o anúncio pelo médico italiano, Severino Antinori, da clonagem humana.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Considerações sobre o anúncio pelo médico italiano, Severino Antinori, da clonagem humana.
Aparteantes
Chico Sartori, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2002 - Página 4155
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • DEBATE, ANUNCIO, CIENTISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, PRODUÇÃO, CLONE, HOMEM, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, REPUDIO, COMUNIDADE, CIENCIAS, AMBITO INTERNACIONAL, FALTA, ETICA, EXPERIENCIA, GENETICA.
  • COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, BRASIL, REFERENCIA, EXPERIENCIA, GENETICA, REPRODUÇÃO HUMANA, APREENSÃO, DEMORA, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, OMISSÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à reflexão do Senado Federal um assunto que tem sido debatido por setores da comunidade científica brasileira, especialmente pela Sociedade Brasileira de Bioética, e que diz respeito ao anúncio feito há uma semana pelo cientista italiano já conhecido da Casa, já conhecido da comunidade científica internacional, o Dr. Severino Antinori, que informou à sociedade internacional que estaria em fase de conclusão um processo de clonagem humana, sendo que o instrumento científico que utilizou tem como base uma senhora que já estava no oitavo mês de gestação. Esse fato ocorreu em um país muçulmano não revelado.

Tive oportunidade de tratar desse assunto com o Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Dr. Volnei Garrafa, durante um debate na Rádio Senado, no dia de ontem. S. Sª informou-me que, num encontro, o Presidente da Sociedade Italiana de Bioética, Dr. Giovanni Berlinguer, apontou o repúdio da comunidade científica internacional, de modo especial da italiana, àquele fato, dizendo que era uma inconseqüência e mostrando o descrédito científico que tem o Sr. Severino Antinori em seu país.

Estamos à mercê de uma pessoa que, de modo irresponsável e inconseqüente, procede à clonagem de um ser humano sem medir as conseqüências, estabelecidas inclusive nos protocolos de bioética, de ética, e nas normas que definem esse tipo de procedimento ou experimento científico em qualquer país sério do Planeta.

Chega a nos causar perplexidade porque não se trata de uma simples experiência que está ocorrendo no outro lado do mundo. Estamos diante de alguém que fez, de modo precipitado, uma invasão no genoma humano; que adotou como prática, num procedimento vaidoso, muito mais do que científico, a alteração do gene humano, e isso é grave, Sr. Presidente.

Estamos diante de uma situação com conseqüências imprevisíveis e todos da comunidade científica sabem que, muitas vezes, as aberrações, as anomalias e os agravantes genéticos de uma manipulação equivocada podem não se dar de modo imediato, podem não ocorrer no momento do nascimento de uma criança, mas gerações depois, e, nesse caso, já teríamos perdido o controle da situação.

O tema é de enorme gravidade e o Senado Federal já teve oportunidade de cumprir o seu papel institucional, alertando a comunidade científica nacional e internacional de que é contrário a esse procedimento, no presente momento, já que as conseqüências científicas não estão bem mensuradas, e estabeleceu um repúdio à prática da clonagem humana.

Em seguida a um projeto de lei do Senador Lúcio Alcântara, de janeiro de 1999, com substitutivo do Senador Roberto Requião, de março de 2000, eu tive o prazer, como representante da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, de também apresentar um substitutivo, com o seguinte conteúdo em relação à clonagem humana:

Art. 8º - São vedados, na atividade com humanos, os experimentos de clonagem radical através de qualquer técnica de geneticonologia.

E ainda:

Art. 25 - (...)

III - é vedado realizar experimentos de clonagem humana radical através de qualquer técnica que tenha como prática fins genéticos.

            O Senador Marco Maciel, em 1977, apresentou um projeto de lei, que foi aprovado, proibindo terminantemente a manipulação genética com células humanas. Isso passou por uma revisão, por ajustes, já que temos, diante do interesse científico, principalmente dos geneticistas deste País, a possibilidade de estudos genéticos com células-tronco e células trote potenciais que venham trazer benefícios em relação às principais doenças que estão atingindo, de modo degenerativo, o ser humano, como o mal de Alzheimer, o mal de Parkinson, os traumas de medula óssea, que levam à tetraplegia e à paraplegia dos vitimados por tantos acidentes neste País.

Trata-se de um tema que envolve uma revisão atualizada e bem contemporânea de como devemos proceder em relação a essa matéria.

O substitutivo que apresentei tenta ajustar a compreensão e permitir alguns estudos com células embrionárias, desde que não tenha havido, no caso, a fixação no útero, quando de uma técnica de reprodução assistida, e, ao mesmo tempo, tenta ficar atualizado em relação às decisões nessa matéria nos diversos países, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Espanha, Canadá e Austrália.

Infelizmente, o nosso País não decidiu como legislar o tema. O Congresso Nacional tem essa matéria retida em sua pauta, devolvida que foi à Comissão de Assuntos Sociais para uma revisão, e, até o momento, ela não foi votada e não chegou ao Plenário, novamente, para depois se dirigir à Câmara dos Deputados.

O Senador Geraldo Althoff, Relator, prometeu o máximo de sensibilidade e empenho em relação ao tema, para que ele possa ser apreciado de modo efetivo no plenário do Senado Federal ou na Comissão de Assuntos Sociais - por ser terminativo -, e enviado à Câmara dos Deputados, onde há matérias que têm alguma similaridade mas que não chegam ao Senado Federal, ficando a dívida da não legislação.

Por sua vez, o Ministério da Saúde, instância responsável por normas e portarias que poderiam controlar e estabelecer critérios claros para esse tipo de atuação científica, infelizmente, não opina, não normatiza e não lança uma portaria estabelecendo critérios éticos e científicos para a matéria. Quando nos dirigimos ao Ministério da Agricultura, que em relação à saúde animal teria suas responsabilidades, a omissão é semelhante. Quando vamos ao Ministério da Ciência e Tecnologia, encontramos uma portaria quase caduca em relação a essa matéria. Infelizmente, existe uma dívida clara das autoridades e das instituições federais deste País, que não querem normatizar.

Por sua vez, o governo americano foi claro: decidiu, de modo enfático, que é proibida a prática de clonagem humana naquele país. A Organização Mundial de Saúde foi clara: afirmou que é proibida a prática de clonagem humana, que ela não é recomendável e é condenável em todos os aspectos. Infelizmente, o Governo brasileiro não opina e não age nessa matéria.

O meu projeto de lei está aguardando apenas um parecer do Senador Geraldo Althoff na Comissão de Assuntos Sociais. Ele aborda claramente o tema da reprodução assistida e já legisla sobre a clonagem humana.

O Senador Sebastião Rocha nos dá o prazer de apresentar um projeto que, além da proibição da clonagem humana, aborda toda a manipulação com engenharia genética, tentando regulamentar esse tipo de atividade. Trata-se de um projeto que pode contribuir, sem dúvida alguma, para esse debate, mas, infelizmente, há morosidade. Esse não é um assunto tratado como prioridade no Congresso Nacional.

Só tenho a lamentar, porque as conseqüências são imprevisíveis. Se existe um lamento universal em relação ao que os carrascos nazistas fizeram com seus experimentos médicos e que redundaram numa corte internacional que julgou aquelas práticas, deveríamos estar muito mais preocupados com a precipitação e os riscos que essa prática adotada pelo Sr. Severino Antinori podem causar à comunidade internacional e, mais ainda, à espécie humana.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) - Senador Tião Viana, V. Exª me concede um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte, com muito prazer, ao Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) - Senador Tião Viana, agradeço o aparte que V. Exª me concede. Cumprimento-o e congratulo-me com o pronunciamento que faz. Considero-o muito oportuno, haja vista as matérias veiculadas pela imprensa, às quais V. Exª se referiu, de que o cientista italiano Severino Antinori já teria clonado um ser humano. O Brasil precisa tratar essa matéria com seriedade e até com serenidade, mas, sobretudo, com muita responsabilidade. V. Exª tem razão quando diz que o Congresso Nacional está negligenciando o tratamento dessa questão, porque não é por falta de projetos sobre a matéria que o assunto não tem conclusão no Senado Federal. V. Exª tem tratado dessa matéria em diversos projetos e, inclusive, no relatório que apresentou sobre a reprodução humana, faz referências a uma alternativa para as necessidades da ciência, que seriam as células-tronco. Como médicos, temos que concordar que não podemos cercear o avanço da ciência e da tecnologia, mas temos a obrigação de aproveitar e regulamentar todas as possibilidades que a ciência tem de melhorar a qualidade de vida e oferecer respostas aos grandes problemas da humanidade. A ciência tem sido muito produtiva nisso. Espero que o meu projeto, que está na pauta da reunião de amanhã da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, seja votado. Como V. Exª mencionou, trata-se de um projeto que busca definir regras mais objetivas para o tratamento da questão. É um projeto duro, que faz um corte radical na questão da clonagem. O relatório do eminente Relator, Senador Leomar Quintanilha, estabelece até a proibição da clonagem terapêutica. Temos de enfrentar e discutir o assunto. Particularmente, tenho a tendência a aceitar a clonagem terapêutica, mas sou radicalmente contrário à clonagem de embriões, porque interfere nas relações da humanidade, na questão ética, na questão moral. Não podemos, de forma alguma, concordar com isso. O Brasil tem que ser mais taxativo e direto no tratamento da questão. O Congresso Nacional, lamentavelmente, está sendo negligente e, quiçá, omisso. Muito obrigado, Senador Tião Viana.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte do nobre Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Chico Sartori (Bloco/PSDB - RO) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao Senador Chico Sartori.

O Sr. Chico Sartori (Bloco/PSDB - RO) - Senador Tião Viana, eu estava ouvindo o pronunciamento de V. Exª. Como diz o Senador Sebastião Rocha, no Brasil temos dificuldades. Vemos pessoas passando fome e vemos até crianças morrendo de fome. No mundo inteiro há uma miséria enorme. Não há condição de oferecer tratamento para essas pessoas e, no entanto, temos agora a clonagem. Nobre Senador, eu não sei onde isso vai chegar se a moda pegar! A situação já é bastante difícil. Penso que deveríamos pensar em como produzir mais. Deveria haver, sim, a clonagem de produtos, de mercadoria, de comida. Quando a pessoa se sentasse à mesa a clonagem produziria, de um prato de comida, dois pratos de comida. Essa, sim, seria uma clonagem que deveria ser trabalhada. Mas clonagem de seres humanos, para se ter mais despesa ainda! A situação é difícil no mundo inteiro, quanto mais aqui no Brasil. Agradeço a oportunidade, meu caro Senador Tião Viana, vizinho de terras - o Estado de Rondônia e o Estado do Acre.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Chico Sartori.

Sr. Presidente, concluo lembrando que o mundo inteiro ainda age como criança em relação ao desenvolvimento científico.

Na reprodução humana, tivemos o primeiro bebê, fruto de experimento, em 1978, na Inglaterra. No Brasil, obtivemos com êxito 8 mil crianças nascidas pela técnica de reprodução humana. Mas, lamentavelmente, não temos normas legais bem estabelecidas a respeito do tema.

Sr. Presidente, trata-se de assunto delicado. O Governo americano assumiu uma posição clara. A Organização Mundial de Saúde, da mesma forma, cumpriu o seu papel. E nós temos essa dívida. Estamos assistindo uma novela de grande audiência que trata com uma visão colorida a clonagem humana.

Sabemos que para fazer a ovelha Dolly, primeiro animal clonado neste planeta com pleno êxito, houve 277 fracassos na manipulação genética, com grandes aberrações nos antecedentes genéticos manipulados, e conseqüências imprevisíveis, porque, muitas vezes, as doenças genéticas ficam instaladas, presentes, e só se desencadeiam após gerações.

Estamos diante de um momento inusitado para o mundo científico. O Projeto Genoma é ousado, tem como horizonte o benefício da espécie humana. Mas não podemos cometer o erro e a irresponsabiliade da omissão diante da vaidade de meia dúzia de cientistas inconseqüentes, que não seguem as boas normas da pesquisa orientada e da ética médica.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2002 - Página 4155