Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE LEIS QUE IMPEÇAM A AÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTENCIA SOCIAL QUE FRAUDAM A PREVIDENCIA SOCIAL, AMPARADAS PELA FILANTROPIA.

Autor
Waldeck Ornelas (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Waldeck Vieira Ornelas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • NECESSIDADE DE LEIS QUE IMPEÇAM A AÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTENCIA SOCIAL QUE FRAUDAM A PREVIDENCIA SOCIAL, AMPARADAS PELA FILANTROPIA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2002 - Página 4169
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), TENTATIVA, COMBATE, IRREGULARIDADE, FRAUDE, INSTITUIÇÃO BENEFICENTE, PREJUIZO, PREVIDENCIA SOCIAL, DEFESA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OPOSIÇÃO, SUBSIDIOS, SETOR, IMUNIDADE TRIBUTARIA, ANALISE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ESTUDO, CONCORRENCIA DESLEAL, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ISENÇÃO FISCAL, ESPECIFICAÇÃO, ENSINO SUPERIOR.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, INSTITUIÇÃO BENEFICENTE, ENSINO SUPERIOR, DESTINAÇÃO, BOLSA DE ESTUDO, NEGRO, INDIO, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, DEMANDA, CREDITO EDUCATIVO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ASSISTENCIA SOCIAL, CONSELHO NACIONAL DE ASSISTENCIA SOCIAL (CNAS), REVISÃO, REGISTRO, CERTIFICADO, ENTIDADE, DESCENTRALIZAÇÃO, CONSELHO MUNICIPAL, COMBATE, MA-FE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. WALDECK ORNELAS (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde a minha passagem pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, tenho lutado tenazmente para moralizar a chamada filantropia em nosso País.

Recentemente, uma série de artigos dominicais na Folha de S.Paulo, assinados pelo jornalista Josias de Souza, veio mostrar, mais uma vez, à população brasileira em geral e, particularmente, também a esta Casa, ao Congresso Nacional, a necessidade imperiosa de se modificar o ordenamento legal no que diz respeito a uma questão: as distorções que se avolumam e se manifestam a cada dia em relação ao mau uso do conceito de filantropia na Constituição e na legislação brasileira.

Por que, quando Ministro, me manifestei contra isso? É uma questão de moralidade pública, mas é também uma questão de natureza institucional. É descabido que a Previdência Social tenha de praticar subsídios a outros setores, a outros segmentos, a outras atividades.

A previdência é um seguro do trabalhador. Nenhum trabalhador deve pagar mais do que vai receber. Nenhum trabalhador deve pagar por outro. Cada trabalhador deve receber exatamente aquilo para o que contribuiu. E os subsídios devem ser estabelecidos em lei, explicitados no orçamento fiscal e assumidos pelo Tesouro. Não pode e não deve a Previdência subsidiar outros setores.

Muito mais grave ainda é esse subsídio servir de instrumento para falcatruas e pilantragens, levando-se até à criação de um novo vocábulo no idioma Português, a “pilantropia”, fruto desse desvio que tem sido praticado em nosso País usando o nome da filantropia.

Os casos mais escandalosos vinham sendo combatidos um a um, mas se tratava de uma abordagem claramente insuficiente. Primeiro, porque o recurso às liminares tornava possível perpetuar os benefícios; segundo, porque é difícil e é muito exaustivo o trabalho que se tem para detectar, para descobrir, para buscar identificar onde a fraude se esconde em cada caso.

Há necessidade de se mudar o ordenamento legal e para tanto é preciso examinar com cuidado a imunidade fiscal a que se refere o art. 150, VI, c, da Constituição. Esse artigo veda a instituição, por parte dos entes federados, de impostos sobre o “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores e das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei” - faz-se referência ao disposto no art. 195, §7º da Constituição, que estabelece: "São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.

Veja-se, primeiramente, que o art. 150 da Constituição fala em instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos. A Constituição não fala no setor de saúde. De outro lado, observe-se que, ao estabelecer no capítulo tributário essa imunidade e ao tratar no capítulo da seguridade social da questão relativa às contribuições, quis o constituinte, exatamente, dar um tratamento separado, um tratamento distinto para esses casos. Não fora dessa forma, bastaria a regra do art. 150 do capítulo tributário para estar lá também contemplada, também embutida a isenção da contribuição patronal previdenciária.

Quanto à regulamentação: ao falar de assistência social, a lei inclui as instituições de educação e saúde. Aqui se ampliou, explicitamente e indevidamente, o que a Constituição estabeleceu: O conceito do art. 195 restringe-se, a meu ver, ao atendimento às crianças, aos jovens, aos portadores de deficiência e aos idosos feito geralmente por pequenas entidades comunitárias pelo Brasil afora. Não inclui o negócio de grande escala para importantes grupos econômicos em que se transmudou o conceito de filantropia em nosso País.

Elaboramos, quando no Ministério, uma medida provisória que se transformou na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, aprovada pelo Congresso - aliás, unanimemente -, mas que veio a ter a sua eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. O que se buscava era que o conceito de assistência social por meio da beneficência fosse uma prestação gratuita a quem dela necessitasse, e em caráter exclusivo. Nessa lei dava-se, além do mais, uma isenção proporcional àquelas entidades que não exercem a assistência social em caráter exclusivo, principalmente as dos segmentos da educação e da saúde.

Posteriormente, por meio da medida provisória que hoje tramita sob o nº 2.187-13, introduzimos novas mudanças, como a necessidade de que as entidades estivessem registradas antes no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social. Com isso, pretendíamos que, por meio de um mecanismo descentralizado, pudéssemos ter, no controle local, uma medida maior de eficácia e de efetividade no reconhecimento dessas entidades.

Do mesmo modo, modificamos a denominação “certificado de entidade de fins filantrópicos” para “entidade beneficente de assistência social”, buscando, assim, evitar o conflito de entendimento que a palavra “filantrópica” vem impondo a essa questão, levando a uma confusão de entendimento entre os diversos atores, os diversos agentes desse processo, inclusive em relação ao Judiciário e à sociedade.

No caso do setor educacional, preconizávamos uma política de bolsas integrais para pessoas carentes. É interessante assinalar que, aqui, termina-se estabelecendo uma concorrência desleal entre instituições de ensino superior, algumas com isenção, outras sem, mas todas praticando a mesma política de mensalidade, cobrando e competindo no mercado com os mesmos preços - eis aí um desafio para a Secretaria de Defesa Econômica do Ministério da Justiça. A esse propósito, gostaria de aproveitar esta oportunidade para fazer um apelo ao novo Ministro da Justiça no sentido de que, no seu programa de trabalho, inclua o exame dessa matéria pela Secretaria de Defesa Econômica do seu Ministério.

Ao ser aprovada a lei do Fies - Financiamento Educacional para o Ensino Superior, a Câmara dos Deputados incluiu uma emenda salutar. Essa emenda, de certo modo, criou condições para a moralização dessa prática nas escolas: fixou que a bolsa mínima tem que ser de, pelo menos, 50% do valor da mensalidade. Essa medida vem eliminar aquela prática pela qual uma redução, uma bonificação promocional de 5 ou 10% sobre todas as mensalidades passava a ser apresentada como um trabalho de beneficência, um trabalho de assistência social - só que não necessariamente a pessoas carentes, ou exatamente a pessoas não carentes. De outro lado, também são evitados aqueles casos em que uma bolsa parcial era oferecida a filhos de funcionários ou de professores como parte dos dissídios trabalhistas da própria categoria para depois ser imputada à Previdência Social a título de assistência.

Após o meu retorno ao Senado, apresentei o Projeto de Lei nº 212/2001, direcionando todas essas bolsas para os brasileiros afrodescendentes. Esse projeto foi aprovado recentemente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em caráter terminativo, depois de tramitar pela Comissão de Educação, onde sua abrangência foi ampliada para os brasileiros ameríndios, mediante sugestão do Senador Roberto Requião - sugestão acolhida por mim e pelo Relator, Senador Antonio Carlos Júnior. Com essa medida, cerca de R$800 milhões ao ano serão direcionados aos afrodescendentes e os ameríndios - é o dobro do valor atualmente estabelecido pela política de financiamento educacional.

Ainda agora recebi e-mail de um cidadão do Rio Grande do Norte fazendo-me sugestões, tendo em vista que, para apenas trinta mil novas vagas no Fies, apresentaram-se 217 mil candidatos. Assim, esse projeto de lei que apresentei vai desafogar, como efeito colateral, a demanda e a pressão sobre o Fies.

Mas me deparo com outro fato: os desdobramentos do título de filantropia. A Medida Provisória nº 2.178-36 prevê que Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE pode computar, como parte da rede municipal, os alunos matriculados em escolas qualificadas como entidades filantrópicas ou por elas mantidas. O Conselho Deliberativo do FNDE, por sua vez, estabelece como condição que essas entidades estejam registradas no Conselho Nacional de Assistência Social e cadastradas pelo censo escolar no ano anterior ao atendimento.

Não sei se isso ocorreu em anos anteriores, mas neste ano estamos vivendo uma situação paradoxal, da qual o Ministro Paulo Renato não tem conhecimento. Em um País onde existem 54 milhões de pobres, onde 34% da população está abaixo da linha de pobreza, em um País onde existem 22 milhões de indigentes, estamos dando merenda escolar para filhinhos de papai. Alunos de escolas de classe alta estão recebendo, porque têm certificado de filantropia, recursos para a merenda escolar, recursos que foram descentralizados, visto que o dinheiro hoje é repassado diretamente para as escolas. E os prefeitos sérios, os secretários de educação responsáveis estão vendo isso, questionando e obtendo a seguinte resposta: o repasse dos recursos é obrigatório. A entidade é que pode recusá-los.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, quem tem coragem de utilizar a filantropia indevidamente certamente não se recusará a receber os recursos da merenda escolar que são remetidos de Brasília.

A burocracia, portanto, age cegamente: assume que os certificados servem de referência, desconhecendo os casos escandalosos dos jatinhos, das mercedes, das residências de reitores, que têm sido noticiados com freqüência pelos jornais.

Por conseguinte, trago esta denúncia à tribuna para que o MEC reveja imediatamente essa situação e não se continue cometendo - involuntariamente, repito - essa grave distorção, esse desperdício dos recursos públicos, que, ao invés de irem para os carentes, vão para pessoas que deles não necessitam.

E o pior em todo esse imbróglio é que as entidades sérias, as entidades efetivamente beneficentes de assistência social ficam com a sua imagem contaminada pela existência desses casos de “pilantropia”.

Para corrigir isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tomei uma outra iniciativa, apresentando a esta Casa o Projeto de Lei nº 64, de 2002, pois é preciso continuar a ação moralizadora. Estou propondo algumas modificações fundamentais na Lei de Assistência Social.

A primeira é retirar do Conselho Nacional de Assistência Social a competência para a concessão do Certificado de Beneficência. Fica o Conselho concedendo o registro, mas não o certificado, instrumento que gera a isenção. A competência para a concessão do certificado é transferida para o Ministro de Estado, que também não concederá por contra própria, mas ouvindo o Conselho Nacional de Assistência Social, a Secretaria de Estado de Assistência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social. Também a Presidência do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS - passa a ser exercida pelo Ministro de Estado, como um dos nove representantes do setor público, substituído pelo seu Secretário Executivo, como suplente, e com direito a voto de qualidade no Conselho.

Determina-se, por outro lado, a revisão de todos os registros e certificados existentes, o que deve ser feito no prazo de um ano, ouvidos os Conselhos Municipais de Assistência Social, de forma coerente com a regra de que primeiro essas entidades têm que ter seu registro no Município, no local onde as pessoas podem conferir de perto o papel que exercem, se efetivamente existem, se funcionam de fato e se atendem as pessoas carentes; ouvida a Secretaria de Estado de Assistência Social, que executa a política federal de assistência social e sabe quais as entidades que efetivamente prestam atendimento a carentes em nosso País; e, finalmente, o Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, que tem o cadastro das empresas e das entidades, podendo acompanhar as suas vidas funcionais e avaliar adequadamente o papel social e econômico que cada instituição apresenta de fato.

É para esta medida moralizadora que venho hoje a esta tribuna pedir o apoio das Srªs e dos Srs. Senadores, certo de que estou cumprindo o meu papel e o meu dever de zelar para que o dinheiro público seja tratado com seriedade e com critério, sobretudo para que a Previdência Social do nosso País não continue sendo sangrada em torno de mais de R$2 bilhões a cada ano, conforme está demonstrado nos anexos do Orçamento da União, no capítulo das renúncias fiscais, em prejuízo do trabalhador brasileiro.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2002 - Página 4169