Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem póstuma a José Bonifácio Câmara, bibliófilo cearense

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem póstuma a José Bonifácio Câmara, bibliófilo cearense
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2002 - Página 4100
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOSE BONIFACIO CAMARA, FUNCIONARIO PUBLICO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, CRIAÇÃO, BIBLIOTECA, ASSUNTO, ESTADO DO CEARA (CE).

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é novidade para ninguém o apreço que dedico aos livros. Um afeto que tem me conduzido a cultivar muitas amizades. Um bem-querer que me alimenta intelectual e espiritualmente desde muito cedo. Embora não seja propriamente um bibliófilo, no sentido estrito do termo, considero-me, sim, um seduzido por livros, no sentido mais comum da palavra.

Mas esse mesmo sentimento tem levado algumas pessoas a dedicarem-se de maneira extremamente apaixonada aos livros. Um desses amigos, este sim, bibliófilo assumido, foi José Bonifácio Câmara.

            Oh! Bendito o que semeia

            Livros... livros à mão cheia...

            E manda o povo pensar!

Esses versos de Castro Alves, parecem feitos para José Bonifácio, notável membro da Família Câmara, do clã que o mestre Luis da Câmara Cascudo afirmava serem todos parentes, descendentes dos três irmãos que vieram para o Brasil no início da colonização e que se fixaram em Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.

José Bonifácio, que nasceu a 9 de maio de 1921, em Maranguape, no Ceará, na mesma cidade do historiador Capistrano de Abreu e do comediante Chico Anísio, descendia do patriarca Miguel Alves de Melo Câmara, de Quixeramobim, também no Ceará, vindo do Rio Grande do Norte. Era neto do magistrado e professor da Faculdade de Direito do Ceará, José Bonifácio da Silva Câmara, de quem herdou o nome. Filho de José Bonifácio Câmara Júnior e de Joaquina Montenegro Ferreira Gomes.

Em um apartamento no Bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, José Bonifácio Câmara construiu a mais completa biblioteca sobre autores e assuntos do Ceará. São mais de 6.000 títulos, sobre os mais diversos assuntos e autores. Ali é possível encontrar alguns raríssimos - talvez únicos - exemplares literários, como o primeiro livro de Juvenal Galeno, Prelúdios Poéticos, editado em 1856, no Rio de Janeiro. Também se encontra o livro Memória sobre a Criação do Gado Lanígero na Capitania do Ceará, do naturalista João da Silva Feijó, publicado pela Impressão Régia, em 1811. Acham-se naquela biblioteca, ainda, muitos livros do movimento literário cearense Padaria Espiritual. É possível encontrar, do mesmo modo, os relatórios de todos os Presidentes da Província do Ceará, os Ensaios de Raja Gabaglia sobre o Porto de Fortaleza, de 1860, e sobre a Questão das Secas, de 1861. Vê-se as primeiras edições de livros como O Quinze, da nossa iluminada Rachel de Queiroz.

Nem tudo é perfeito. José Bonifácio procurou em vão durante mais de 40 anos um exemplar de Os Pescadores da Taíba, poesia de Álvaro Martins, editado pelo Centro Literário, em 1895, que ele vira apenas uma vez nas mãos do advogado cearense Hélio Leal e que pertencia à biblioteca do Comendador Luís Sucupira.

Guardamos com carinho uma cópia desta raríssima obra, único exemplar conhecido, encontrado pelo bibliófilo cearense Jorge Brito, no Arquivo Público Jordão Emerenciano, de Pernambuco.

Tinha o nosso José Bonifácio 81 anos, quando faleceu na manhã do dia 12 de fevereiro deste ano, no mesmo apartamento onde guardava suas preciosidades, no bairro do Flamengo, local de sua residência há mais de 50 anos, na cidade do Rio de Janeiro. Deixou como legado, além de uma digna família - a viúva Dona Terezinha de Jesus Monte Coelho Câmara, os filhos Zilda Benvinda, José Bonifácio Neto, Fernando Coelho Câmara, Sílvia Coelho Câmara, Vera Lúcia Coelho Câmara e os netos Rodrigo, Breno e Mário -; e esse precioso tesouro da cultura nacional, que é a Cearense, como era chamada sua biblioteca.

Segundo depoimentos que deixou, o leitor nascera no ainda menino de curso primário, feito entre 1928 e 1931, no Grupo Escolar de Maranguape e no Colégio Castelo Branco. Mas seu caso de amor pelos livros teve início quando mudou, na década de 50, do Ceará para o Rio de Janeiro. Entre uma visita e outra aos sebos, foi recolhendo as edições antigas de livros do Ceará, de autores cearenses ou sobre o Ceará. A biblioteca foi ganhando força à medida em que ele passava a ser conhecido como colecionador de obras dessa natureza. Com presentes de amigos, visitas a sebos de São Paulo e outras aventuras, foi aumentando o seu tesouro literário e cultural.

E seu acervo passou, a partir de certo tempo, a ser consultado por estudiosos de todo o País, em busca de informações sobre o Ceará. Pesquisadores de diversas procedências recorriam - e eram atendidos com todo o prazer - a José Bonifácio para obter informações que só podiam ser encontradas em sua biblioteca.

Integrante em 1944 da primeira turma do Curso de Preparação de Oficiais de Reserva do Exército (CPOR), cumpriu várias missões de guerra como segundo tenente. Diplomado nesse mesmo ano pela Faculdade Direito do Ceará, José Bonifácio dedicou-se profissionalmente ao serviço público. Trabalhou no sistema de seguridade (Instituto dos Marítimos, Previdência Social) e foi Chefe de Gabinete de Paulo Cabral de Araújo, quando este foi Prefeito de Fortaleza (1951-1955); Chefe de Gabinete do ex-Ministro Armando Falcão, por duas vezes, entre 1959 e 1960 e de 1975 e 1979. Mas exerceu também algumas importantes missões, como a de Delegado do Brasil à Assembléia Geral da Organização Internacional do Trabalho em Genebra (1966).

Além dessa carreira notável como servidor público, atuou na área de comunicação social, como diretor das rádios Pernambuco e Tamandaré, em Recife; e também das rádios Mineira e Guarani, em Belo Horizonte.

Entretanto, nenhuma dessas contribuições foi tão notável quanto aquela que, paciente e apaixonadamente, ele deu à memória literária brasileira. Não contente com esse ofício de colecionador, José Bonifácio Câmara militou como animador cultural: sócio honorário da Academia Cearense de Letras, sócio-benemérito do Instituto do Ceará, sócio-correspondente da Academia Sobralense de Estudos e Letras; e, também, membro efetivo da Academia Cearense de Ciências, Letras e Artes do Rio de Janeiro e da Federação das Academias de Letras do Brasil. Em todas deixou sua marca como escritor.

No final dos anos 30 escreveu artigos sobre literatura e temas sociais para as revistas Terra da Luz e Mocidade, de Fortaleza. Exerceu, em 1947, a crítica de teatro no Jornal José, que tinha à frente o poeta Antônio Girão Barroso.

Da mesma forma como pôs sua coleção de raridades à disposição de quem precisava, José Bonifácio dividiu com os leitores parte da sua experiência como intelectual e bibliófilo no livro Personas (Notas de um Bibliófilo Cearense), apresentado por Sânzio de Azevedo e editado pela Universidade Federal do Ceará, em 1999, na Coleção Alagadiço Novo, volume 223, que fala entre outras coisas dos 100 anos de Demócrito Rocha, de Herman Lima, de Waldemar Falcão, Martins D’Alvarez, Nertan Macedo, Rachel de Queiroz, João Clímaco Bezerra, Edigar de Alencar, Rubens Falcão, Paulo Cabral de Araújo, além da entrevista concedida ao Jornal Diário do Nordeste, de Fortaleza, alguns trabalhos de escritores cearenses e a respeito do autor e de sua riquíssima biblioteca.

José Bonifácio foi agraciado em 1996 com o troféu Sereia de Ouro, conferido pelo Sistema Verdes Mares de Comunicação, do Grupo Edson Queiroz, a personalidades que com trabalho e dedicação, ajudam a construir um melhor tempo para o Ceará.

Seu falecimento, com certeza, deixa-nos órfãos, pois todos nos sentíamos em casa em seu território sagrado de livros. Mas sua obra perdurará. A biblioteca que ele nos lega, e que segundo sua vontade, a família consultará a Paulo Cabral de Araújo, a Armando Falcão e a Sânzio de Azevedo, sobre o destino dos mais de 6.000 volumes, que almejamos seja o Ceará, onde à espera deles estarão literatos, professores e pesquisadores que queiram se debruçar sobre o universo científico, cultural e literário da nossa terra.

A esse cearense notável, os nossos agradecimentos por esse tesouro memorável. Só lamentamos que espíritos como o dele sejam tão raros. Lamentamos, mais ainda, que os livros neste País sejam, cada vez mais, artigos a que muito poucos têm acesso. E, já que a memória bibliográfica brasileira não pode ficar dependente da iniciativa de mentes brilhantes como a de José Bonifácio Câmara, que o Poder Público tenha como política permanente a montagem e a manutenção de bibliotecas públicas municipais. Só assim nosso patrimônio literário, técnico e científico se tornará acessível aos brasileiros desta e de muitas outras gerações.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2002 - Página 4100