Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da crise no ensino do terceiro grau no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Análise da crise no ensino do terceiro grau no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2002 - Página 4102
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DADOS, INVESTIMENTO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, BRASIL, EDUCAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, MAIORIA, GASTOS PUBLICOS, FOLHA DE PAGAMENTO, PROFESSOR, SERVIDOR, APOSENTADO, PENSIONISTA, SUPERIORIDADE, NUMERO, PROFESSOR UNIVERSITARIO, DESEQUILIBRIO, AUSENCIA, TRABALHO, AULA.
  • APREENSÃO, CONCENTRAÇÃO, RECURSOS, ENSINO SUPERIOR, SETOR PUBLICO, QUESTIONAMENTO, EFICACIA, QUALIDADE, EXCESSO, NUMERO, ALUNO, CURSO DE POS-GRADUAÇÃO, DESVINCULAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, INDUSTRIA, DEFESA, MELHORIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, SETOR, INCENTIVO, UNIVERSIDADE PARTICULAR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há muito que se ouve a existência de uma crise no ensino de terceiro grau no Brasil. Afinal, de que crise estamos a falar? Por quais problemas, de fato, a universidade pública brasileira transita? Seriam tais gargalos de ordem meramente conjuntural, ou estariam fincados numa ordem perversamente estrutural? Sem dúvida, trata-se de indagações para cujas respostas se exige um juízo mais distanciado da arena política e administrativa, mas não o suficiente para apagarmos sua incondicional influência.

Nesse contexto, proponho uma discussão que privilegie a questão da qualidade da gerência financeira das universidades públicas como ponto de partida para uma avaliação mais isenta das mesmas. À luz de recente e intrigante matéria publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo sobre o assunto, caberia, de antemão, afirmar que o Brasil investe quantidade nada desprezível de recursos do Erário no ensino público. Corresponde a nada menos que 5,1% do Produto Interno Bruto do País. De acordo com dados colhidos junto à Unesco, para os mesmos propósitos, os norte-americanos gastam 5,4%, os alemães 4,8% e o Japão 3,6%, respectivamente.

Em termos menos abstratos, o Governo Federal investiu, no exercício de 2000, quase 16 bilhões de reais em educação. Desse total, 47% foi destinado ao ensino universitário, traduzindo-se numa cifra real de quase 8 bilhões. No entanto, em vez de aplicação no ensino, a maior parte dos gastos tem sido canalizada para o suprimento da folha de pagamentos, de professores a funcionários. Em outras palavras, quase 7 bilhões de reais são reservados para pagamento de salários de professores, servidores, aposentados e pensionistas. A situação agrava-se quando se sabe que muitos professores e funcionários têm requerido aposentadorias precoces com salário integral.

Disso resulta um enxugamento abrupto de verbas, acompanhado de um esvaziamento paralelo de docentes e servidores administrativos das universidades. Isso, todavia, não vem a comprometer o baixo grau de correlação entre número de alunos e de professores que predomina nas federais brasileiras. Enquanto a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) registra a média de 18 alunos por professor, a média brasileira gira em torno de 11 alunos. Outra discrepância é verificada na relação entre número de funcionários por professor. No Brasil, a média é de 1,4, ao passo que, na OCDE, a relação se inverte, compreendendo 4 professores por funcionário.

No que tange aos salários, a incompatibilidade constatada se realiza na proporção quase totalmente inversa entre os valores remunerativos e a correspondente expectativa de produtividade. Somadas, as distorções salariais custam quase 700 milhões de reais por ano aos cofres públicos, revirando às avessas os critérios de remuneração. Para arcar com os altos salários e aposentadorias, o sistema remunera mal uma minoria: 30% dos docentes das federais recebiam menos que 3 mil reais em agosto de 2001.

Mais grave que isso, em geral, os professores que ganham mais coincidem com aqueles que menos tempo permanecem em sala de aula. São identificados com aqueles que já se encontram no topo da carreira, titulares-doutores, cuja ocupação preferencial consiste em orientar pesquisas na pós-graduação. Tendem a empregar tempo e prestígio acumulado na prestação de serviços de consultoria ao mercado privado. Apesar das iniciativas do Governo em corrigir tais distorções, a resistência corporativista das universidades públicas tem, até o momento, predominado.

Para se ter uma ligeira idéia dos absurdos, as universidades públicas brasileiras absorvem 26% dos gastos com educação nos três níveis da esfera administrativa do País. Isso eqüivale a dizer que a fatia dos recursos públicos destinada ao terceiro grau supera qualquer indicador minimamente razoável de proporcionalidade. Quando se compara tal índice com outros apresentados por países ditos desenvolvidos, o descalabro se torna ainda mais perverso. Por exemplo, nos Estados Unidos, a maior potência do planeta, a mesma fatia corresponde a 25%, na Grã-Bretanha, a 24%, e na Alemanha, a 22%.

Segundo o pensador social, Simon Schwartsman, há um contraste constrangedor entre o custo do ensino superior e a ineficiência de seu produto, em termos de quantidade de alunos atendidos e de qualidade docente oferecida. Na mesma linha de raciocínio, a antropóloga e ex-diretora do MEC, Eunice Durham, confirma que a deficiência básica do modelo vigente reside, sobretudo, no fato de que a distribuição de recursos não se coaduna com os vetores verdadeiramente produtivos da universidade. Sem dúvida, com salários garantidos e independentes de produtividade, professores universitários acabam por ministrar cursos com uma relação custo-benefício extremamente desvantajosa.

Outro problema de enorme gravidade é a questão da evasão no ensino superior. O Brasil não dispõe de mecanismos para preencher vagas deixadas pelos alunos que desistem dos cursos, o que proporciona a existência de uma espécie de obsolescência perversa de posições dentro da universidade. Isso se aplica não somente ao caso dos discentes, mas também à comunidade docente, cuja caracterização de fuga é representada pela ausência dos mesmos da sala de aula, como bem testemunha Luiz Serpa, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia: “Nas universidades públicas, metade não trabalha. Quem trabalha tem que dar conta do recado”.

Outro sintoma da crise tem sido o recente inchaço da pós-graduação, em detrimento dos cursos de graduação. Na USP, os cursos de pós-graduação reúnem, atualmente, 23 mil alunos, para a orientação e o atendimento dos quais nada menos que 4 mil professores são mobilizados. Tal número contrasta, em termos proporcionais, com o número de alunos na graduação, que não ultrapassa a faixa dos 42 mil. Não é somente o retorno intelectual da pós-graduação que agrada nove entre dez professores universitários, mas também a disponibilidade de recursos para pesquisa, viagens e carreira.

Do lado da iniciativa privada, a perspectiva não nos parece assaz alvissareira, já que as universidades públicas dominam praticamente todo o setor de pesquisa e desenvolvimento. Na avaliação dos diretores da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), menos de 5% dos resultados dos projetos financiados pelas agências estatais de fomento à pesquisa lhes interessam. Na verdade, seria mais fácil se os cientistas fossem empregados diretamente nos conglomerados industriais e não nas universidades. Não por acaso, enquanto os Estados Unidos empregam 13% de seus cientistas nas universidades, o Brasil emprega 73%.

Em suma, se o Estado não consegue investir o que precisa para alcançar um padrão excelente de gerenciamento no ensino superior, nem consegue pagar salários mais justos para uma porção significativa de docentes, o Brasil precisaria, então, de qualificar melhor as universidades privadas, aumentando o crédito educativo, estendendo as bolsas de estudo e incentivando maior envolvimento do setor industrial nas pesquisas. Além disso, nunca é demais reiterar que, apesar da eterna falta de verbas para a educação, sempre haverá espaço danoso para o desperdício, contra o qual se exige, incondicionalmente, uso racional dos custos.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2002 - Página 4102