Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apoio à permanência do Embaixador José Maurício Bustani na Presidência da Organização para a Proscrição das Armas Químicas - OPAQ, da Organização das Nações Unidas - ONU.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Apoio à permanência do Embaixador José Maurício Bustani na Presidência da Organização para a Proscrição das Armas Químicas - OPAQ, da Organização das Nações Unidas - ONU.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Pedro Simon, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2002 - Página 4228
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GESTÃO, SENADO, SOLIDARIEDADE, PERMANENCIA, JOSE MAURICIO BUSTANI, PRESIDENCIA, ORGÃO ESPECIAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONDENAÇÃO, ARMA, ENGENHARIA QUIMICA, CRITICA, DEMORA, ITAMARATI (MRE), PROVIDENCIA, DEFESA, AUTORIDADE, ACUSAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, REUNIÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES, EMBAIXADOR, DEFESA, ADMINISTRAÇÃO, JOSE MAURICIO BUSTANI, PRESIDENCIA, ORGÃO ESPECIAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONDENAÇÃO, ARMA, ENGENHARIA QUIMICA.
  • APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, REMESSA, DISCURSO, ORADOR, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, PRESIDENTE, COMISSÃO ESPECIAL, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OPORTUNIDADE, VISITA OFICIAL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, OBJETIVO, DEBATE, ASSUNTO, AUDIENCIA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA.
  • SUGESTÃO, ENCAMINHAMENTO, DISCURSO, ORADOR, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), OPORTUNIDADE, ENCONTRO, PAIS ESTRANGEIRO, COSTA RICA.
  • EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, PAZ, ORIENTE MEDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 22 de março, o Senador Pedro Simon apresentou um requerimento à Casa propondo que o Governo brasileiro desse todo o respaldo ao Embaixador José Maurício Bustani, Diretor-Geral da Organização para a Proscrição de Armas Químicas (OPAQ), órgão das Nações Unidas, que estava prestes a ser excluído de suas funções por determinação do governo dos Estados Unidos.

O requerimento foi aprovado naquele mesmo dia e, até o final daquela tarde, encaminhado ao Itamaraty. Esperava-se que o Ministro Celso Lafer tomasse as providências necessárias para que o Governo brasileiro pudesse ter o respaldo do maior número possível de nações no ato de se solidarizar com o Embaixador Bustani, em função de sua gestão tão adequada, eficaz, que honra o Brasil, à frente da Organização para a Proibição de Armas Químicas.

            O jornalista Ricardo Boechat informa hoje que somente anteontem o Itamaraty enviou às suas embaixadas memorando recomendando gestões em defesa do Embaixador José Maurício Bustani, Diretor-Geral da OPAQ - ontem, os Estados Unidos conseguiram marcar para o dia 21 a conferência da entidade na qual tentarão depor o diplomata. Informa, ainda, que o Ministro Celso Lafer está, hoje, na Costa Rica, onde encontrará chanceleres de dezenove países-membros da OPAQ. Portanto, essa será uma importante oportunidade para que o Ministro Celso Lafer converse com os representantes das demais nações para dar o devido respaldo à posição do Embaixador José Maurício Bustani.

A respeito desse assunto, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães escreveu um artigo: O Brasil, os Estados Unidos, a OPAQ e Bustani, da maior relevância. E para que possamos, todos, estar bem informados sobre o tema é que vou aqui ler o artigo do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, de 1º abril passado, mas que é de extraordinária relevância para o que está por acontecer de hoje até o próximo dia 21.

Diz Samuel Pinheiro Guimarães:

A OPAQ (Organização Para a Proibição de Armas Químicas) é uma organização internacional e independente, afiliada às Nações Unidas, criada em 1997 e sediada na Holanda, com o objetivo de implementar a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Estocagem, Produção e Uso de Armas Químicas e sobre a sua Destruição.

A OPAQ é a única organização na área do desarmamento e da não-proliferação de armas de destruição em massa (nucleares, químicas, bacteriológicas e seus vetores) que é não é assimétrica, i.e., em que os países mais poderosos militarmente têm as mesmas obrigações que os menos poderosos.

Todos os países membros (inclusive os Estados Unidos) assumiram os compromissos de permitir a inspeção pela OPAQ de qualquer instalação que possa produzir armas químicas, inclusive instalações industriais privadas, de destruir, até 2007, todos os arsenais dessas armas e de não produzir armas químicas.

Os demais acordos ou regimes de não-proliferação, como o TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear) e o MTCR (regime de controle de tecnologia de mísseis), atribuem um status privilegiado aos países militarmente poderosos, em especial os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas que podem ter estoques, desenvolver armas nucleares e mísseis e até usá-las. Enquanto isso, países desenvolvidos menores e países da periferia, ex-colônias e desarmados, foram levados a aderir a esses acordos assimétricos por persuasão, cooptação e coerção política e a aceitarem neles uma condição de inferioridade e de capitis diminutio: não podem ter, desenvolver, comercializar e usar essas armas.

A OPAQ adquiriu esta característica de simetria talvez por duas razões principais. O desenvolvimento de armas químicas é mais barato em comparação com as armas atômicas; sua utilização não depende de mísseis; as instalações que podem produzi-las são mais fáceis de dissimular. A segunda razão é que a conclusão da negociação do Tratado ocorreu após a dissolução da União Soviética, do fim do conflito Leste-Oeste e da Guerra do Golfo. O reconhecimento da necessidade de garantir a universalidade da OPAQ - expressa no seu preâmbulo - levou as Grandes Potências a aceitarem abrir-se, pela primeira vez, a inspeções internacionais.

Para evitar a proliferação de armas químicas e sua eventual dissuasória por Estados da periferia ou por organizações terroristas, as Grandes Potências aceitaram a obrigação de eliminar suas armas químicas (pois ainda detêm extraordinária superioridade de armamento convencional sofisticado e de armas nucleares) para poder eliminar as armas químicas nos países da periferia que acaso desafiassem seus desígnios e se opusessem à sua gestão hegemônica condominial. As Grandes Potências, todavia, se recusaram, desafiando a expectativa internacional de que não mais existiriam regimes discriminatórios, a concordar com a criação da Organização para a Proibição de Armas Biológicas, que seria também não discriminatória como a OPAQ.

Por outro lado, apesar de seu desejo oculto de manter sua capacidade de desenvolver e deter armas químicas, as Grandes Potências se submetem às inspeções, inclusive as de “desafio”, isto é, sem aviso prévio, feitas pelos inspetores da OPAQ, cuja isenção e independência em relação às Grandes Potências é essencial para evitar que a organização se torne mais um instrumento de hegemonia. Assim, apesar do incômodo que suas inspeções geram, os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Inglaterra, a França, a Alemanha, o Japão e dezenas de outros países têm tido instalações inspecionadas pela OPAQ.

Todavia, a estratégia de preservação de hegemonia desenvolvida pelos Estados Unidos, em um ambiente mundial cada vez mais violento, instável e imprevisível, transformou-se com o Governo Bush, que mesmo antes de 11 de setembro já demonstrara sua preferência por um estilo arrogante, temerário e unilateral, como demonstrara a sua recusa em ratificar o Protocolo de Kyoto, sobre a redução da emissão de gases-estufa; a proposta de construção de um sistema de defesa antimíssil em violação frontal ao ABM (Anti-Balistic Missile Agreement) e a recusa em participar do Tratado Penal Internacional.

Os atentados de 11 de setembro causaram profundo choque na sociedade americana, que preza a inviolabilidade de seu território, e na elite de política exterior, que de um lado executou ação punitiva-demonstrativa de grande letalidade e, de outro lado, articulou uma nova “visão de mundo” para justificar a política hegemônica em torno da idéia do “eixo do mal” e da luta contra um terrorismo difuso, porém paradoxalmente coordenado, e contra os Estados que alegadamente o apóiam. O mundo, que antes de organizava em torno da disputa capitalismo versus comunismo, agora é induzido a optar entre o Bem e o Mal, entre a cooperação irrestrita com os Estados Unidos e o terrorismo.

Nessa luta, a questão das armas químicas assume especial e reafirmada importância, pois os países que as desenvolvessem ou que forem acusados de as desenvolver seriam de certa forma cúmplices das organizações terroristas e poderiam ser atacados preventivamente pelos Estados Unidos.

O Iraque, devido à permanência no poder de Sadam Hussein, a quem os Estados Unidos haviam firmemente apoiado na guerra contra o Irã e que ousara desafiar os Estados Unidos na Guerra do Golfo, passou a constituir alvo preferencial da estratégia contra o “eixo do mal”, tendo as autoridades americanas declarado sua intenção de derrubar Sadam Hussein e de financiar sua derrubada, o que o mais distraído observador pode verificar ser um atentado flagrante à Carta das Nações Unidas.

Uma das principais alegações contra o Iraque é que este país teria estoques de armas químicas, desenvolveria essa tecnologia e estaria pronto a cedê-la a grupos terroristas que poderiam usá-la contra os Estados Unidos e seus interesses no mundo. Todavia, o Iraque não é o único país-alvo da nova estratégia político-militar americana. Documentos recentes do Pentágono listam sete países como alvos possíveis de ataques nucleares preventivos norte-americanos, quais sejam a Rússia, a China, a Coréia do Norte, o Sudão, a Líbia, o Irã e o Iraque, em clara afronta ao compromisso assumido em 1995 pelos Estados Unidos e demais potências nucleares de não usar armas atômicas contra países não-nucleares. Naturalmente, a divulgação dessa lista gerou enorme preocupação nesses países e em seus vizinhos, mas também na Europa e certamente deu novo impulso à corrida armamentista mundial e regional.

Aí entra agora nesse quadro a OPAQ. O Embaixador José Maurício Bustani foi eleito em 1997 e reeleito em 2000, um ano antes do término do seu primeiro mandato, por aclamação e, portanto, com o voto dos Estados Unidos, Diretor-Geral da OPAQ. O Embaixador Bustani é um dos mais inteligentes, experientes e dedicados funcionários do Itamaraty e goza de excelente reputação na diplomacia mundial.

Na OPAQ, Bustani, através de seus esforços, conseguiu aumentar o número de países membros (e, portanto, sujeitos à inspeção de suas instalações) de 87 para 145. Foram realizadas em sua gestão mais de mil e cem inspeções em mais de 50 países, inclusive o Brasil, e se estima ter sido possível lograr uma redução de 15% do estoque de armas químicas no mundo e, portanto, do risco de sua utilização por Estados ou organizações terroristas. Essa bem-sucedida e competente gestão de um brasileiro foi alcançada apesar da relutância paradoxal dos Estados Unidos em cumprir com suas obrigações financeiras em dia, devendo cerca de US$11 milhões.

O Embaixador Bustani, em estrito cumprimento a decisões, adotadas anualmente, pela Conferência dos Estados-Parte da OPAQ em favor da universalização da Convenção, realizou gestões junto a países não-partes em especial países possuidores ou ex-possuidores de armas químicas. A adesão de países do Oriente Médio, como o Irã, o Sudão, a Arábia Saudita e a Jordânia, foi considerada como um passo importante para o desarmamento regional e para a paz em um região tão conturbada. A possibilidade de o Iraque aderir à OPAQ - o que depende de decisão do regime de Sadam Hussein - desagradou os executores da política exterior americana, que procuram valer-se de pretextos para empreender ataque militar contra o Iraque (que, aliás, é bombardeada regular e ilegalmente pelos Estados Unidos e pela Inglaterra desde o fim da Guerra do Golfo). Um desses pretextos, nunca comprovado, seria a posse de armas químicas e a recusa em continuar sujeitar-se às inspeções extraordinárias da UNSCOM, comissão criada após a Guerra do Golfo, que, como se sabe, eram instrumentalizadas pelos EUA, conforme testemunho amplamente divulgado de um ex-inspetor de nome Scott Ritter.

A adesão à OPAQ sujeitaria o Iraque a inspeções regulares em suas instalações e a inspeções por desafio - do tipo surpresa -, solicitada por outro país quando houvesse suspeita de violação da Convenção. Aliás, graças à ação do Embaixador Bustani, as inspeções da OPAQ têm sido imparciais, não tendo sido possível instrumentalizá-las para fins políticos. Portanto, a eventual adesão do Iraque à OPAQ frustraria o pretexto americano e a articulação para a criação de condições favoráveis, na opinião pública americana e mundial, para justificar uma operação militar maciça contra o Iraque.

Assim, o Governo americano desencadeou uma operação diplomática para forçar a saída do Embaixador Bustani da OPAQ, procurando acusá-lo de “incompetência”, o que contraria frontalmente os dados de sua gestão e o fato de ter sido reeleito por unanimidade em 2000, com o voto americano e nunca ter sido a sua gestão criticada anteriormente.

Nessa operação diplomática, o Governo americano procurou obter o apoio do Executivo brasileiro, através de sugestão para que o Governo brasileiro o convencesse a renunciar, oferecendo inclusive em troca ao Governo brasileiro outro cargo como o de Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos, cuja detentora, Mary Robinson, ex-Presidente da Irlanda, caiu em desgraça e suscitou a ira norte-americana por fazer críticas à situação dos prisioneiros de guerra em Guantanamo.

O Executivo brasileiro, segundo consta nos círculos diplomáticos no Brasil e no exterior, teria aceito a intimação pessoal feita por Colin Powell, que vem exigindo a saída de Bustani, que tem mandato conferido a ele não pelos Estados Unidos ou pelo Brasil, mas por 145 países, até 2005. Assim, se explica o fato de que todos os países da América do Sul, vizinhos do Brasil, ciosos de nossa amizade, tenham simplesmente se abstido na votação da moção de desconfiança apresentada pelos Estados Unidos na reunião do Conselho Executivo da OPAQ. Certamente, se tivesse havido empenho da Chancelaria brasileira na defesa do mandato do Embaixador Bustani, e da isenção e independência da OPAQ, o que é vital para o Brasil, pelo menos algum país vizinho teria votado com o Brasil. Não é possível acreditar que a Argentina, por exemplo, a quem o Brasil tem apoiado em sua crise, não teria apoiado o Brasil, caso o Brasil assim tivesse solicitado.

A questão é de extrema gravidade não pela situação do Embaixador Bustani, mas pelo fato de abrir um precedente que coloca em risco a isenção e a independência de órgãos internacionais, precedente que pode eventualmente se voltar contra o Brasil e seus interesses.

Por esta razão, o Congresso brasileiro e a sociedade civil devem acompanhar a questão e fortalecer a atuação do Itamaraty para que este tenha o respaldo e a vigilância necessária para articular o apoio de todos os países para a defesa da integridade da OPAQ e evitar sua futura utilização em manobras belicistas que colocam em risco a paz mundial.

Assim, Senador Pedro Simon, o artigo do Embaixador Samuel Pinheiro de Guimarães vem em consonância com o requerimento que V. Exª aqui apresentou e que foi de pronto aprovado por unanimidade pelo Senado. É importante que, diante da marcação, para o próximo dia 21, da Conferência da OPAQ, venhamos a reiterar aquilo que foi a palavra de V. Exª quando apresentou o requerimento, no último dia 22 de março, para que o Senado se pronunciasse em solidariedade ao Embaixador José Maurício Bustani, exatamente pelas ações corretas que vem encaminhando.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me concede uma aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Eduardo Suplicy, felicito V. Exª pelo pronunciamento, que é absolutamente oportuno. Entendo que, hoje, exatamente a 10 dias da realização da Reunião Extraordinária da Conferência, o pronunciamento de V. Exª nos alerta para o fato de que a primeira tentativa do Governo americano de derrubar o nosso Embaixador não deu certo, não pelos votos, porque não votaram, como disse V. Exª, a nosso favor, mas porque se abstiveram e, como as abstenções foram imensas, não houve o quorum necessário para que fosse derrubado o nosso Embaixador. Mas, se agora, no dia 21, haverá uma nova conferência, e se o americano, grosseiramente, insiste na tese de derrubar o Embaixador José Maurício Bustani, creio que seria o caso de reafirmarmos, fazendo um novo requerimento e uma nova votação no plenário do Senado Federal, agora com mais tranqüilidade - porque, naquela oportunidade, a votação foi feita praticamente em cima da hora -, votando novamente e manifestando a posição do Senado Federal de solidariedade ao Embaixador José Maurício Bustani e de cobrança do Itamaraty para uma posição. Embora tenha havido um pronunciamento por parte do Governo brasileiro, ele foi tímido e, a essa altura, não estamos assistindo a nada, nem por parte da chancelaria nem por parte de ninguém no sentido da defesa do mandato do Sr. José Maurício Bustani. Seria importante, então, que reafirmássemos a nossa solidariedade ao Embaixador, manifestando o nosso protesto contra a ação e cobrássemos uma atitude melhor do Governo brasileiro. V. Exª foi muito feliz. O artigo que V. Exª apresentou é de grande clareza. O Sr. José Maurício Bustani é um cidadão da humanidade. Ele está agindo, num momento como este, em que estamos vivendo o drama cruel do que está acontecendo no mundo. Aliás, a edição de ontem do Correio Braziliense publica algo que considero sensacional: Bush finge que manda e Sharon nem finge que obedece. Essa é a realidade grosseira do que está acontecendo na humanidade. Numa hora como esta, em que o medo faz com que as pessoas não se manifestem, o Embaixador brasileiro teve uma atitude da maior dignidade. Em primeiro lugar, como disse muito bem V. Exª, ele ampliou de 87 para 145 os membros da OPAQ. Em segundo lugar, o que ele quer? Que se elimine o máximo possível a fabricação de armas químicas. Nesse sentido, o aumento do número de membros já é um significado positivo, porque as pessoas que integram a organização se comprometem a não produzir armas químicas. Em relação às nações árabes, em especial o Iraque, o que ele quer? Quer uma fórmula pacífica determinante de que o Iraque venha participar da OPAQ e, conseqüentemente, permita a fiscalização por parte daquela organização na garantia de que não está produzindo armas químicas. E, com relação aos Estados Unidos, com todo o respeito, eles são um país forte, potente, fantástico, mas não são os donos da verdade. Se existe uma determinação de que a OPAQ deve fiscalizar os países, por que não os Estados Unidos também? Para que os Estados Unidos evitem o protesto e aceitem que também sejam fiscalizados naquilo que estão produzindo. Então, é em cima disso, de uma decisão tão clarividente... É claro que o Sr. José Maurício Bustani está caindo porque quer uma solução pacífica para o caso Iraque. Ele quer que a sua entidade vá lá, fiscalize, determine se há ou se não há armas químicas, e o americano não quer isso. O americano quer abrir, em nível internacional, um bombardeio contra o Iraque, derrubando da maneira que for, matando o seu Presidente e determinando um massacre no Iraque. Então, por causa disso, são inimigos do Sr. José Maurício Bustani, que, então, é tido como um incompetente, incapaz, como uma pessoa que não tem capacidade. Isso é um desrespeito, uma falta de consideração. São os americanos, com toda a sua força, com todo o seu poderio, que não estão respeitando o mínimo da dignidade de um cidadão. O Sr. José Maurício Bustani é uma pessoa de bem, um homem digno e, como diz muito bem V. Exª, é um dos Embaixadores mais competentes e mais capazes que temos. Entregam-lhe um cargo internacional difícil e complexo. É eleito e reeleito por unanimidade, está cumprindo a sua missão e, de repente, os americanos decidiram que ele é um incompetente porque não soube administrar os bens da entidade e não têm nem a coragem de dizer o motivo - pelo menos que dissessem o motivo: “Nós temos o interesse de uma luta armada contra o Iraque”. Ele está querendo uma forma pacífica de contornar o incidente. Por isso, felicito V. Exª por este pronunciamento, que é importante, significativo e oportuno, principalmente. Penso que V. Exª e eu poderíamos fazer aqui - refazer....

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Nobre Senador, permita V. Exª uma sugestão para encaminharmos juntos.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Vamos encaminhar juntos...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Eu vou formulá-la porque, neste instante, eu me dei conta de que temos uma oportunidade....

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - De refazermos...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Se V. Exª me permite, eu vou formulá-la para ter o apoio de V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª já tem o apoio.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Já vou formular.

Hoje, por coincidência, os Senadores Roberto Requião, José Fogaça e Roberto Saturnino estão visitando a Argentina, em uma Comissão do Mercosul, presidida pelo Senador Roberto Requião. S. Exªs, hoje, terão um diálogo com o Congresso argentino e, amanhã, pela manhã, com o Presidente da Argentina, Sr. Eduardo Duhalde.

A sugestão que formulo é que solicitemos à Presidência do Senado que encaminhe as notas taquigráficas do pronunciamento que estamos fazendo à Comissão presidida pelo Senador Roberto Requião, no sentido de que amanhã, no diálogo com o Presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, manifestem nossa preocupação, sugerindo que a Argentina, que estranhamente se absteve naquela votação, possa, agora, dar apoio ao Embaixador José Maurício Bustani. Que essa seja a expressão confirmada do requerimento já aprovado, de iniciativa de V. Exª. Nesta audiência pública, oportunidade em que estarão tratando de diversos interesses comuns ao Brasil e à Argentina, é importante que S. Exªs lembrem deste assunto.

Essa é a sugestão que formulo.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Acho muito feliz e oportuna a sugestão de V. Exª. Os três Senadores tem todas as condições de tratar deste assunto, sendo mais uma manifestação a favor do nosso Embaixador. Solidarizo-me totalmente com V. Exª. O pronunciamento de V. Exª é da maior profundidade, e este é o momento em que o Senado tem a obrigação de manifestar, internacionalmente, a nossa posição.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Em acréscimo, sugiro também ao Presidente da Mesa que encaminhe o pronunciamento que estamos fazendo ao Ministro Celso Lafer, que hoje se encontra na Costa Rica para uma reunião com chanceleres de 19 países membros da Opaq, para que S. Exª lá solicite a solidariedade dos países que se abstiveram e que poderão votar favoravelmente no próximo dia 21.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Sou totalmente favorável a V. Exª. Um item que considero pitoresco é que os países não estão muito interessados em ir à reunião para votar a destituição do Embaixador brasileiro. O que está acontecendo? Pequenas nações, as mais humildes, mais pobres, por causa de seus orçamentos, chegaram à conclusão de que não vão mandar ninguém, para não gastar com passagens. No entanto, os americanos estão pagando e enviando-lhes as passagens, para que possam ir e votar contra o Embaixador brasileiro.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. V. Exª também manifesta sua preocupação com a paz no Oriente Médio.

            Gostaria de aproveitar esta oportunidade para falar da expectativa que há no mundo de que o Secretário de Estado americano, Colin Powell, em vez de insistir na derrubada do Embaixador José Maurício Bustani, seja bem-sucedido em sua ação, uma vez que está chegando hoje ao Oriente Médio. Esperamos que o Secretário de Estado, um negro que honra a população negra dos Estados Unidos, possa lembrar dos ensinamentos de outro negro fantástico da história dos Estados Unidos, Martin Luther king Júnior, e, com esse espírito, convencer o Sr. Ariel Sharon e o Sr. Yasser Arafat, israelenses e palestinos, de que há outros métodos para alcançar objetivos importantíssimos, que não o da violência e da guerra.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, ouço V. Exª.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Eduardo Suplicy, em meu nome e no da Senadora Heloísa Helena, desejo cumprimentá-lo pelo discurso que faz e dividir com V. Exª a oportunidade da manifestação sobre a imagem do Ministério das Relações Exteriores perante os políticos, a sociedade brasileira e, seguramente, a América do Sul e os países membros da Opaq. Estamos diante de uma situação delicada. V. Exª, por meio da carta do Embaixador Samuel Guimarães, aponta claramente os fatos que levaram ao veto do governo americano ao Embaixador José Maurício, numa tentativa de controle efetivo das armas químicas no planeta. Se olharmos um pouco para o lado, constataremos que, com as armas biológicas, o governo americano teve exatamente a mesma condução, não vetando nomes, mas se esquivando de participar do controle efetivo das armas biológicas. O que ocorre na realidade? Cem quilos do Bacillus anthracis, na forma de esporos, lançados sobre Washington podem matar de três a cinco milhões de pessoas. A toxina botulínica, também uma arma biológica, colocada em reservatórios de água, pode matar milhões de pessoas. Quanto às armas químicas, na Primeira Guerra Mundial, houve a utilização do gás mostarda, que causou tragédia à população chinesa e também da Manchúria, e, na Segunda Guerra Mundial, do gás Sarin. Na Guerra do Iraque, a mesma coisa. Na Guerra do Vietnã, foi utilizado o agente laranja. Então, os exemplos mostram que a humanidade pode viver tragédias por causa desse descontrole das armas químicas. O governo americano, sempre querendo afirmar sua hegemonia, seu poderio bélico, insiste em não dar a devida atenção a esta matéria. Gostaria de lembrar as palavras do próprio FBI, segundo as quais, com um milhão de dólares, qualquer país tem condições de montar um laboratório e utilizar o esporo do Antraz como arma biológica pesada. Temos que dar muita atenção a este comportamento. Não é à toa que o governo americano tem uma movimentação de mais de US$800 bilhões pelo uso das armas, de modo geral, e não quer abrir mão do seu acesso às armas químicas e biológicas, embora devesse ter um comportamento não-belicista na entrada do terceiro milênio. Fico preocupado, quando olho para a ONU, organismo criado após a Liga das Nações, que, tendo vindo da Primeira Guerra Mundial, assegurou certa pacificação no planeta por mais ou menos 20 anos. E, depois da ONU, o que Eric Hobsbawn diz? Tivemos mais de 165 guerras, confirmando o século XX como o mais assassino de toda a história da humanidade. Entramos no terceiro milênio com o comportamento bélico do Presidente George Bush e de Ariel Sharon. O DNA do cristianismo, com 2.000 anos de história, que é a Igreja da Natividade, está sendo destruído, e a comunidade internacional está passiva, aparentemente, diante disso, pela força que tem o governo americano no Conselho das Nações Unidas. É uma situação grave. Espero que haja uma reflexão do governo brasileiro. O Brasil precisa assumir a condição de líder, pelo menos na América do Sul, e impor uma personalidade mais elevada em relação a esse tipo de matéria. Fico muito preocupado ao ver os exemplos: a guerra do aço, o comportamento tíbio do Governo brasileiro, enquanto México, Venezuela, Colômbia, Equador, países asiáticos e União Européia estão agindo firmemente com alíquotas; a crise do Mercosul, que ameaça gravemente a economia brasileira, porque, se a moeda se dolarizar, o Brasil cairá junto. Estamos diante de uma política internacional tímida, para não dizer letárgica, em relação a essas matérias. A minha absoluta solidariedade e da Senadora Heloísa Helena a V. Exª em seu pronunciamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Tião Viana. V. Exª enriqueceu meu pronunciamento com seu conhecimento de médico preocupado com a saúde do ser humano, trazendo aqui a história das mais terríveis armas químicas, que proporcionaram massacres inqualificáveis.

É importante que haja o empenho de todos, visando ao término das armas químicas. Nesse sentido, precisamos apoiar o Embaixador José Maurício Bustani.

Gostaria também de aproveitar a energia da sua reflexão, para dizer o quanto estamos solidários aos Parlamentares brasileiros que hoje se encontram em Israel, representando o Congresso Nacional, entre eles os Deputados Milton Temer e Hélio Costa.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Permite-me um aparte, Senador Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente Lindberg Cury, eu agradeceria se a Mesa atendesse à solicitação que fiz no sentido de encaminhar ao Ministro Celso Lafer, que hoje se encontra na Costa Rica, e aos três Senadores que estão visitando a Argentina, o teor deste pronunciamento, com as palavras, inclusive, do Senador Casildo Maldaner, a quem concedo um aparte.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Eduardo Suplicy, refletindo um pouco sobre este quadro que estamos vivendo hoje, gostaria de dizer que concordo com o que V. Exª e os colegas que se manifestaram em aparte a V. Exª disseram. Não sei como ainda há expressões de autoritarismo, de imperialismo desta ordem: “Sabe com quem está falando?” Será que o diálogo não pode existir com mais franqueza e transparência? As guerras químicas, as armas bélicas, os massacres, estão aí. Como não haver uma aproximação? Vamos conversar com franqueza. É um problema de todos. Por que dizer: “Vamos fazer um massacre!”, “Olha com quem está falando!”, “Sai da frente, vamos derrubar tudo”? Sempre o diálogo é melhor. Nunca esqueço, ao governar o meu Estado e enfrentar uma greve, o que alguém me disse: “Baixa o laço; toca a força em cima; manda fazer isso.” Eu acreditava que não era esse o caminho, que devíamos conversar. Há um ditado que diz que é melhor duas horas de diálogo do que cinco minutos de tiroteio. Porque é muito difícil consertar o estrago depois. Então, vamos conversar. Por que não? Vamos aproximar os irmãos de Israel dos palestinos e encontrar um caminho. Há uma comissão representativa do Congresso Nacional com essa intenção; vamos tentar buscar isso. Não é possível tanto investimento em armas bélicas, tantas vidas perdidas! Não entendo por que isso prevalece. Solidarizo-me com V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, apelando para esse caminho, para que busquemos mais diálogo, mais transparência, com mais solidariedade nestes momentos por que o mundo passa. A preocupação de V. Exª merece o apreço de todos nós.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Se já foi possível ao ex-Primeiro-Ministro Shimon Peres, hoje Ministro das Relações Exteriores, e ao Presidente Yasser Arafat chegarem a um entendimento nos acordos de Oslo, na primeira metade dos anos 90, não há por que não acreditar que o diálogo para a construção da paz seja retomado. Espero, Senador Casildo Maldaner, que o Secretário de Estado americano, Colin Powell, seja um catalisador para que haja um imediato cessar-fogo e o restabelecimento das condições para a construção da paz no Oriente Médio.

Obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2002 - Página 4228