Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a incapacidade do governo federal de implementar uma verdadeira reforma agrária.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Considerações sobre a incapacidade do governo federal de implementar uma verdadeira reforma agrária.
Aparteantes
Moreira Mendes.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2002 - Página 4237
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DENUNCIA, NEGLIGENCIA, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, REFORMA AGRARIA, COMENTARIO, INVASÃO, SEM-TERRA, PROPRIEDADE RURAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ILEGALIDADE, GASTOS PUBLICOS, PUBLICIDADE, INEXATIDÃO, ESTATISTICA, ASSENTAMENTO RURAL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, FUNCIONARIOS, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), CRITICA, OMISSÃO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, GOVERNO FEDERAL, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, REGISTRO, DADOS, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.
  • CONVITE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, VISITA, ASSENTAMENTO RURAL, ESTADO DO PARA (PA), APURAÇÃO, PRECARIEDADE, FALTA, INFRAESTRUTURA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO AMAPA (AP), OMISSÃO, POLITICA AGRICOLA, ASSISTENCIA TECNICA, TRABALHADOR RURAL, PREJUIZO, ACESSO, CREDITOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho chamar a atenção do Senado da República e da opinião pública brasileira a respeito da falta de presença do Governo Federal e dos vários Governos Estaduais, no sentido de interferir para atender à necessidade da população brasileira. De um lado, nos centros urbanos, as pessoas lutam por um lote para construir sua casa e deixar de pagar aluguel; de outro lado, nos interiores dos Estados brasileiros, lutam para ter um pedaço de terra, onde possam viver e produzir.

É evidente, é claro, é mais do que transparente que nem o Governo Fernando Henrique, nem os governos que o antecederam compreenderam a importância dessa questão e não fizeram o que era sua obrigação fazer.

Recentemente, quando houve a ocupação da fazenda do Presidente da República do Brasil por integrantes do MST, houve um espanto nacional e manifestações de toda ordem. A maioria indignada pela ousadia do MST; outros, compreendendo a ação e tentando de alguma forma justificá-la.

Creio, Sr. Presidente, que é preciso conhecer a realidade dos fatos. O Governo Fernando Henrique e os Governos Estaduais brasileiros são omissos no cumprimento do seu dever. Eles não atendem à demanda da nossa população. E, logo após o fato ocorrido, a mídia nacional tentou mostrar pontos negativos daquela ocupação, como a utilização das bebidas da adega do Presidente Fernando Henrique, a desarrumação da sua casa e a festa feita na sua propriedade. No entanto, não atacou o fundamental.

E o Presidente da República, por intermédio do ex-Ministro Raul Jungmann, foi para a televisão, por meio de informe publicitário, mostrar ao Brasil que foi o Presidente Fernando Henrique quem fez a maior reforma agrária brasileira. E, no seu informe publicitário, além de um discurso completamente dissociado da realidade, um discurso de quem vive mais em gabinete do que tem efetivamente conhecimento das dificuldades da nossa população, um discurso de um Ministro que sabia conversar muito, mas infelizmente sabia agir muito pouco, ele mostra imagens de assentamentos rurais espalhados por este país; ele mostra a imagem de belos assentamentos - nem sei se algum daqueles assentamentos é real, se existe aquilo que ele mostrou -: o lavrador feliz, com água, com energia na sua casa, produzindo, reencontrando uma forma de felicidade, de iniciar a vida, de ganhar dinheiro, de deixar de ser um excluído da nossa sociedade.

Esse informe publicitário do Ministro Raul Jungmann, no meu entendimento, é completamente ilegal, porque tem custo - segundo o que os jornais publicaram, custou aos cofres do Ministério R$8,5 milhões. E esses R$8,5 milhões dariam para fazer muita estrada vicinal, daria para levar muita energia aos assentamentos agrícolas da reforma agrária no Brasil.

Quero deixar registrado que o informe publicitário do Ministro Raul Jungmann é dissociado da realidade. Para ser mais duro e mais franco: é um informe publicitário mentiroso, enganador, é propaganda enganosa do Governo Fernando Henrique Cardoso, porque é muito distante da realidade. Além disso, foi pago por nós: pagamos para que o Ministro da Reforma Agrária pudesse mentir ao Brasil, dizendo que está fazendo reforma agrária, dizendo que a reforma agrária tem dado um resultado espetacular e, por isso, condenando veementemente a ação dos trabalhadores do MST.

Choca-nos a todos, cidadãos, a forma pela qual aqueles integrantes do MST adentraram a fazenda do Presidente. Todos somos educados para respeitar a coisa dos outros, principalmente a coisa particular. Não foi correta a utilização das bebidas, a festa, não foram corretas certas coisas que lá foram feitas. Mas não poderia condenar, se tivesse sido apenas uma pura e simples ocupação, um ato de protesto político. A sociedade brasileira tem que compreender a dificuldade em que vive essa gente no nosso país.

Sr. Presidente, quero demonstrar, com números e com fatos, a incompetência, a irresponsabilidade, a insensibilidade do Governo Fernando Henrique e do seu ex-Ministro da Reforma Agrária. Antes de fazê-lo, porém, gostaria de ressaltar que valorizo enormemente o comprometimento e o trabalho dos funcionários do Incra, em sua grande maioria espalhados por este País afora. Eles é que passam dificuldades, eles é que assumem compromissos, são eles que preparam e mandam para o Ministro o que o Ministério precisará gastar para atender à necessidade de implantação desses assentamentos no Brasil. Como o Governo Fernando Henrique simplesmente não libera dinheiro, eles, como funcionários do Governo, muitos exercendo cargos de confiança, não podem denunciar esse fato, falar a verdade à população, não podem dizer que o Governo Fernando Henrique é omisso nesse aspecto, nessa questão. Eles engolem calados o desaforo; são obrigados a engolir calados, muitas vezes, a ocupação dos prédios públicos do Incra espalhados em todo território nacional e até a ocupação de agências do Banco do Brasil, espalhadas também por esse país afora, ou dos bancos responsáveis pela transferência de recursos para as mãos dos nossos trabalhadores.

Saúdo o Presidente José Sarney com muita satisfação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o meu apelo é ao povo brasileiro, que tem que ter compreensão dos fatos. Às vezes, a omissão do Governo cria o ódio, o confronto, a luta desnecessária. E ele fica rindo, de braços cruzados, vendo o ódio crescer, um ódio que muitas vezes leva ao assassinato, à prisão, à violência, à tortura. Já tivemos chacinas no Estado de Rondônia, já tivemos chacinas em Eldorado do Carajás, no Pará, mas no dia-a-dia, Srªs. e Srs. Senadores, há um confronto permanente entre os proprietários e aqueles que desejam um pedaço de terra para trabalhar. Esse confronto, evidentemente, só existe por uma única razão: pela omissão do Poder Público, que não atende à demanda de quem precisa da terra para trabalhar e, por outro lado, não protege o direito de quem é legítimo proprietário.

As pessoas que buscam a terra lutam desesperadamente por essa oportunidade e, como não a tem, são obrigadas a se organizar e, muitas vezes, a ocupar, de maneira indevida, uma propriedade legítima, muitas vezes até uma propriedade produtiva. A partir daí, gera-se o confronto, gera-se a violência de parte a parte, e o Governo fica rindo da história e não age para resolver o problema. Isso ocorre tanto no campo quanto na área urbana.

Citei, há poucos dias, o caso da ocupação do Aurá, no Município de Ananideua, no Estado do Pará. Duas mil e quinhentas famílias ocuparam uma área praticamente devoluta de quase 60 hectares, onde o proprietário não desenvolvia nenhuma espécie de trabalho. Nem por isso ele deixa de ser proprietário, mas cabe ao Governo - seja ele Estadual, Federal ou Municipal - buscar as terras que não estão sendo usadas, que não estão sendo aproveitadas, para destiná-las a quem delas precisa para morar ou produzir.

Há hoje um conflito grave instalado no meu Estado: uma nova ameaça de despejo e, portanto, uma nova possibilidade de confronto entre a Polícia e os trabalhadores.

O Estado brasileiro, sejam os Governos Estaduais ou, principalmente, o Governo Federal, somente agem no momento em que o proprietário recorre à Justiça, que manda retirar os trabalhadores. Não percebemos a ação desses Governos no que se refere à busca de um processo de conciliação, de entendimento, que satisfaça à necessidade do proprietário, mas também permita o acesso do trabalhador ou a um lote na cidade para construir a sua casa e poder morar ou a um pedaço de terra no campo para nela poder trabalhar.

            Quero mostrar aqui, Sr. Presidente, os dados que tenho sobre o orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário no país, desde 1995 até o presente ano de 2002. O Governo Fernando Henrique, que tanto se vangloria de ter feito reforma agrária no Brasil, destinou, em 1995, para a reforma agrária, R$1,08 bilhão e liberou apenas R$860 milhões; em 1996, colocou no Orçamento R$972 milhões e liberou R$908 milhões; em 1997, colocou no Orçamento R$1,213 bilhão e liberou R$1,175 bilhão; em 1998, R$1,262 bilhão e liberou apenas R$1,088 bilhão; em 1999, R$1,067 bilhão e liberou apenas R$892 milhões; em 2000, R$1,080 bilhão e liberou apenas R$840 milhões; em 2001, R$1,282 bilhão e liberou apenas R$1,061 bilhão. Em 2002, estão previstos no Orçamento recursos da ordem de R$1,265 bilhão. Estamos no mês de abril, já se passou, portanto, um quarto do ano e até agora o Governo liberou apenas R$14 milhões, ou seja, 1,14% do previsto no Orçamento da União.

O que pode representar para a reforma agrária a liberação de recursos no valor médio de R$976 milhões por ano, durante os sete anos do Governo Fernando Henrique Cardoso? E desses R$976 milhões, 67% foram utilizados nas desapropriações. Imagine V. Exª, Senador, em sete anos o valor médio liberado pelo Governo Fernando Henrique para a reforma agrária foi de R$976 milhões por ano. Desses R$976 milhões, 67% foram utilizados para a desapropriação, inclusive com títulos da dívida agrária. Portanto, não é um dinheiro desembolsado, mas um título que o Governo emite para pagar a terra nua ao longo de 5, 10, 15 ou 20 anos, de acordo com o tipo de desapropriação que foi feita.

E o Governo Federal afirma que assentou 600 mil famílias ao longo desses sete anos. O Brasil, ao que sabemos, precisaria assentar 4 milhões de famílias. Mas em 7 anos, segundo informações do próprio Governo, teria assentado 600 mil famílias. Os dados da CPT, da Contag e do MST indicam um número de 260 mil assentamentos, o que representa menos que a metade do que o Governo diz que fez. Não sei quem está com a razão.

V. Exªs podem imaginar o que significa atender à necessidade de 600 mil assentados - como diz o Presidente Fernando Henrique Cardoso - com estradas, com energia, com escolas, com tudo o que eles precisam, com uma média de recursos anuais da ordem de R$300 milhões? Isso é brincadeira do Governo Fernando Henrique Cardoso.

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Ouço V. Exª com muito prazer, Senador Moreira Mendes.

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Eminente Senador Ademir Andrade, estou ouvindo com atenção o pronunciamento de V. Exª e quero dizer que estou com vários documentos, estou colecionando informações, porque desejo, na próxima semana, fazer um pronunciamento nesta Casa sobre esta questão da Reforma Agrária e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Concordo, em grande parte, com os números que V. Exª está trazendo. Reconheço que o Presidente Fernando Henrique Cardoso tem feito um esforço muito grande no sentido de promover a reforma agrária. Mas penso e tenho quase convicção de que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o conhecido MST, desvirtuou-se muito dos seus objetivos. Esse movimento está tomando um cunho revolucionário, muito distante da sua proposta inicial, que é a de realmente promover ou instar as autoridades a pensar sobre a reforma agrária. Quero falar um pouquinho sobre meu Estado, já que vem mais ou menos ao encontro do que V. Exª está falando. Temos no Estado, hoje, cerca de 127.255 hectares de terras declaradas de utilidade pública para fins de desapropriação. No entanto, o Governo não deu continuidade ao processo, o que é grave, porque cria uma expectativa naqueles que precisam da terra, e o número é grande, muito grande. Informações extra-oficiais dão conta de que há aproximadamente 50 mil produtores rurais esperando a terra que o Governo decretou como de utilidade pública, para fins de desapropriação. E essas terras certamente entram na conta a que V. Exª se referiu, fazendo parte dos registros oficiais como se tivesse havido a reforma agrária. No entanto, ela não se consolidou, não se operou. Essa é a verdade. Temos hoje, a par da informação que passo agora a V. Exª, cerca de 20 liminares da Justiça sem cumprimento, com relação a áreas invadidas, o que é um contra-senso. De um lado, temos a terra desapropriada para que o Incra possa assentar as famílias, de outro lado existem cerca de 20 propriedades invadidas por trabalhadores sem-terra. Há, portanto, uma verdadeira falta de sintonia nessa questão. Acredito que o Presidente da República esteja muito bem intencionado, acredito que o Ministério da Reforma Agrária tenha avançado muito, mas ainda há uma grande distância o que realmente está acontecendo e aquilo que consta do discurso oficial do Ministério da Reforma Agrária. Há uma falta de sintonia entre os órgãos. São regulamentos e portarias que se conflitam. O Incra faz uma coisa, o Ministério da Reforma Agrária faz outra e quem acaba sofrendo é a população que está precisando da terra. Temos casos de trabalhadores em Rondônia que estão há mais de quatro anos ocupando propriedades. Mas nem o Governo estadual tem condições de cumprir a liminar, porque pode acontecer outro desastre, como aquele de Corumbiara, e nem o Incra faz a sua parte, qual seja, pagar a desapropriação e, efetivamente, implementar a reforma agrária. Portanto, concordo em parte com o pronunciamento de V. Exª.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Moreira Mendes.

Os números que apresento são do Orçamento, do Siafi, portanto incontestáveis. V. Exª sabe muito bem que aprovamos, no ano passado, o Orçamento para 2002. Mas o que o Governo exigiu de nós? Aliás, exigiu da sua base política, porque nós, da Oposição, ficamos contrários. O Governo exigiu que aprovássemos um orçamento com um superávit primário de R$46,5 bilhões. O que significa isso? O Governo previu um Orçamento, onde vai arrecadar mais do que vai gastar. E para onde vai esse dinheiro? Vai para a mão dos banqueiros para o pagamento dos juros da nossa dívida. E o pior de tudo é que esses R$46,5 bilhões serão tirados do povo trabalhador brasileiro neste ano de 2002. Ou seja, vamos arrancar R$46,5 bilhões do povo brasileiro e temos que pagar R$140 bilhões. Portanto, essa diferença de R$94 bilhões vai ser somada na conta da nossa dívida e vamos continuar atendendo àqueles que fazem especulação financeira no Brasil, deixando de atender a uma necessidade básica da nossa população, que é o apoio à reforma agrária.

Como um Governo pode ser capaz de liberar, em um ano inteiro de ação política, apenas R$1 bilhão? Na verdade, a média de liberação para que seja feita a reforma agrária no Brasil, como já disse e vou repetir, é de R$976 milhões por ano, sendo que desses R$976 milhões, praticamente R$600 milhões são destinados à desapropriação e apenas R$300 milhões à infra-estrutura. Esse é o mesmo Governo que toma do povo brasileiro R$46,5 bilhões por ano para pagar juros da dívida. Não dá para entender uma atitude como essa do Governo Fernando Henrique Cardoso. Este País, que nunca teve um Governo com visão de desenvolvimento, precisa interiorizar o seu desenvolvimento e levar apoio a quem está no campo, para que nele tenha vontade de permanecer. É impossível morar na terra se não tem estrada para escoar o produto, se não tem energia para o cidadão ligar uma televisão ou ouvir o rádio. Hoje, a civilização exige um mínimo de conforto para a pessoa. Até as aldeias indígenas do Pará estão brigando por energia elétrica para que possam informar-se das coisas que acontecem no mundo, para terem acesso às coisas do mundo. Como o homem do campo pode viver sem estrada, sem transporte, sem energia, sem financiamento, sem assistência técnica? Ele termina recebendo a terra e, depois, abandonando-a.

De forma que lamento profundamente a insensibilidade, a incompetência desse engomadinho que foi o Ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann. É todo engomadinho, todo arrumadinho, nunca foi do campo, não sabe o que é a vida do homem do campo. Gasta R$8 milhões do Governo brasileiro e vai à televisão mostrar os belos assentamentos do Governo Fernando Henrique.

Quero que o novo Ministro da Reforma Agrária, que assumiu ontem, vá ao meu Estado do Pará, no Município de Baião, visitar o assentamento Santa Fé - vizinho a minha propriedade rural -, um assentamento que ajudei a conquistar. Que visite o assentamento Barrageira II e III, que ajudei a desapropriar, também localizado ao lado da minha propriedade.

O assentamento Santa Fé tem mais de seis anos de implantado e tem 70 famílias assentadas. Não existe estrada para se chegar lá. Hoje, nesse período, não há como se chegar no assentamento. Não existe energia e a escola é resultado de um pedido feito por mim ao prefeito de Tucuruí, embora o território fique em Baião. Eu consegui a escola. Para demarcar as terras, dividir os lotes, ajudei aqueles companheiros a angariar recursos para pagar um topógrafo, porque o Incra não entrou com nada. Hoje, há uma escola com dois professores pagos pela prefeitura de Tucuruí, construída com recursos conseguidos por mim na mesma prefeitura. Colocamos na escola uma placa solar a fim de atender a necessidade daqueles alunos.

No assentamento Barrageira II e III, além de não ter estrada não tem escola. Não tem absolutamente nada. O povo está totalmente abandonado.

No assentamento Santa Fé foi dado auxílio-alimentação, auxílio-ferramenta, auxílio-moradia e mais nada. Nenhum técnico da Emater foi lá para dizer o que devem plantar e como devem produzir.

No Barrageira II e III os trabalhadores não receberam nada até agora. Ao lado desse assentamento existe uma área, chamada área do Martinez, onde será criado um assentamento.

Atual Ministro, seja menos engomadinho que o ex-Ministro Raul Jungmann e visite as regiões, porque os pobres dos funcionários do Incra no meu Estado, os dirigentes das unidades do Incra de Tucuruí, Marabá, Conceição do Araguaia e São Geraldo do Araguaia são quem recebem a pressão. São eles que são chamados de mentirosos pelos trabalhadores. São eles que passam a ser odiados pelos trabalhadores rurais, até acusados de coisas indevidas, quando, na verdade, a maioria deles são pessoas sérias e dedicadas. Mas falta a liberação dos recursos. Como é que podemos atender o trabalhador, se o recurso não é devidamente liberado? O Governo é totalmente omisso.

O Pará é o único Estado que tem duas superintendências do Incra. Uma, em Belém, atendendo a região do nordeste paraense e o oeste do Pará; e outra, em Marabá, atendendo a região sul e sudeste do Estado do Pará. E os superintendentes dessas áreas ficam completamente sem condições de agir. Agir de que forma? Como é que se pode agir sem dinheiro, sem técnicos, sem funcionários, sem carros, sem combustível para os carros.

Olhem o caso da fazenda Bamerindus - o antigo Bamerindus que foi vendido ao HSBC - que os trabalhadores ocuparam-na. Lá está havendo uma briga enorme entre posseiros e trabalhadores. Há um conflito pela omissão do Estado, mas nem o trabalhador nem o proprietário são culpados. O culpado é o Governo, que é omisso e não sabe definir prioridades.

A reforma agrária no Brasil mereceria ter aplicados R$5 bilhões ao ano, que deveriam ser retirados desses banqueiros.

            Por outro lado, não há entrosamento entre o Ministério de Desenvolvimento Agrário e os governos estaduais. Os superintendentes do Incra de Marabá e de Belém agem como bem querem e entendem; não há a presença do Governador para orientá-los, que só aparece quando é para mandar a polícia retirar os trabalhadores rurais. E pior do que isto, o nosso Governador - que tem como seu aliado o companheiro que preside a sessão de hoje, meu ilustre companheiro Luiz Otávio - não entende nada de agricultura, de pecuária e de produção rural. S. Exª sepultou a Emater, um órgão que deveria ser um dos mais importantes do Governo do Estado, um órgão de extensão rural que praticamente inexiste por falta de condições, recursos e funcionários. Os nossos estudos revelam que o Pará necessita hoje de três mil técnicos agrícolas espalhados pelos campos para dar as mãos aos nossos trabalhadores, não só para lhes ensinar melhor o que produzir mas também diversificar a sua produção: trabalhar na área da apicultura, da piscicultura, da suinocultura, da avicultura.

            Senador Luiz Otávio, estive esse fim de semana no baixo Amazonas visitando Faro, Terra Santa, Oriximiná, Óbidos e Juruti. V. Exª sabe que nesses Municípios, pelos dados do Governo, existem mais cabeças de gado do que frangos. Creio que é a única região do País que tem mais cabeça de gado do que frango. Conclui-se que não há diversificação na produção. E não há crédito para nossos trabalhadores. Se não tem o técnico da Emater ou da Seplac, não há como o trabalhador ter acesso ao crédito. Não há como o Governo se fazer presente junto aos recursos do FNO, do Banco da Amazônia, para que esses recursos cheguem à mão dos trabalhadores, ou do Pronaf, no Banco do Brasil, que o Estado do Pará recebe menos de 1% quando teria direito, pela proporção da sua população, a 4,5%. Então, são erros muito graves que levam o ódio entre proprietários e trabalhadores, seja no campo ou na cidade.

Embora ainda tenha tempo regimental, concluirei o meu pronunciamento, em atenção a outros Senadores que querem usar a tribuna. Chamo a atenção da sociedade brasileira de que não é possível ter ódio daqueles que ocupam indevidamente áreas urbanas ou rurais para atender a suas necessidades pessoais nem daqueles que, muitas vezes, são usurpados no seu direito.

Creio que a sociedade como um todo deveria buscar um caminho para compreender que nem o proprietário é culpado nem a pessoa que luta por um pedaço de terra. O culpado é um Governo omisso que não sabe definir prioridades, seja o Governo Federal, sejam os diversos Governos estaduais do nosso País.

O Poder Público e a sociedade não podem se indignar ou ter ódio do MST, não podem se indignar ou ter ódio dos posseiros do Aurá, assim como não podem se indignar contra alguém que luta por um direito que é seu.

Deveria haver uma unidade de pensamento entre os proprietários, a classe média, a classe empresarial e a classe trabalhadora no sentido de pressionar aquele que, efetivamente, tem a obrigação e o dever de resolver o problema, atendendo, antes que a ocupação aconteça, à demanda dos nossos trabalhadores rurais e urbanos.

Portanto, o que está faltando no Brasil é Poder Público, é Governo competente e sério, que saiba definir prioridades. Isso é o que está faltando em nosso País, e temos de trabalhar nesse sentido. Então, ocorrendo conflitos, devemos pressionar o Governo. E, nessa pressão, deverão estar juntos proprietários e trabalhadores da cidade, que lutam por um lugar onde morar, assim como os trabalhadores rurais, que lutam pela terra para produzir no campo.

Sr. Presidente, deixo nesta Casa minha manifestação de condenação total e absoluta à falta de competência do Governo Fernando Henrique, que destina poucos e insignificantes recursos à reforma agrária, o que, por conseqüência, gera violências, conflitos, ódios indevidos, assassinatos, mortes e torturas que têm acontecido em nosso grande País.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2002 - Página 4237