Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a atuação da indústria farmacêutica e a exigência da bioequivalência para os genéricos.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre a atuação da indústria farmacêutica e a exigência da bioequivalência para os genéricos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2002 - Página 4303
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, DESENVOLVIMENTO, LUCRO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, MERCADO INTERNACIONAL, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ESTADO, BENEFICIO, SAUDE PUBLICA.
  • COMENTARIO, UTILIZAÇÃO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, BRASIL, APREENSÃO, AMPLIAÇÃO, PREÇO, DENUNCIA, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA).
  • DEFESA, REDUÇÃO, PREÇO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, MANUTENÇÃO, QUALIDADE.

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O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em escala mundial, a indústria farmacêutica é uma das que mais prospera, graças aos maciços investimentos em pesquisa de ponta, com a manutenção de sofisticados laboratórios e a contratação dos melhores e mais talentosos cérebros; e à existência de consumidores cativos sempre em crescimento, que somos todos nós, na precariedade das condições de saúde que genética, meio ambiente e condições socioeconômicas impõem, como decorrência do determinismo ou de fatores conjunturais, a todos e a cada um de nós.

Assim, o mercado mundial de medicamentos transformou-se, sobremodo nas últimas décadas, com o fascinante avanço da ciência ao longo do século XX, em um generoso filão capaz de gerar substanciosos retornos aos investidores em diversas parte do globo, observadas as peculiaridades dos distintos países - ou mercados, que é como o capital, desnacionalizado e sem fronteiras, divide o planeta.

Como o mundo ocidental optou pelo modelo da livre iniciativa, no qual risco, por um lado, e lucro, por outro, são o perigo e a redenção, respectivamente, do empreendedor, não há o que reclamar quando empresas e empresários lutam para reduzir custos e ampliar rendimentos e, desta forma, realizam lucros fenomenais e crescem em tal ritmo e escala que praticamente dominam seus mercados. Isto, evidentemente, dentro de uma perspectiva humanizada e humanizadora, vale para a quase totalidade dos inúmeros ramos da atividade econômica, salvo para aqueles nos quais estão em jogo fatores centrais como a qualidade de vida e, em incontáveis ocasiões, a própria vida dos mais de seis bilhões de homens e mulheres que povoam o planeta.

Enfim, por isso e para isso mantemos o segundo ícone da modernidade: o Estado democrático, que através dos instrumentos legais e de seus vários agentes tem o dever de salvar o cidadão e a sociedade das inevitáveis e sempre astuciosas armadilhas do mercado. É dever categórico do Estado agir, sempre, em favor da sociedade. Não custa lembrar que esta é a sua finalidade precípua, pois no pacto original abre-se mão de graus superlativos de liberdade individual a fim de conquistarmos ganhos coletivos consistentes e perenes.

O Brasil, como todas as demais nações, para o bem ou para o mal, não está imune à ação da indústria farmacêutica mundial e, admita-se, freqüentemente beneficia-se dos valiosos produtos desse segmento. Contudo, esse mercado multibilionário apresenta contradições que não admitem condescendência; ao contrário, reclamam a permanente, atenta e vigilante ação dos agentes governamentais, sob pena de agravarmos ainda mais o frágil e precário estado de saúde de enormes contingentes de brasileiros, privados que são, fundamentalmente por razões de ordem econômica, do acesso aos medicamentos.

Em tese, e em um primeiro momento na prática, a introdução dos medicamentos genéricos em nosso País, no ano 2000, representou significativo avanço no que se refere ao acesso da população aos medicamentos. Mas aparentemente a lua-de-mel durou pouco e, hoje, em inúmeros casos, os genéricos têm um custo final ao consumidor mais elevado do que os similares, subvertendo as boas intenções do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso de garantir à sociedade medicamentos mais baratos.

A despeito da entrada no mercado dos genéricos e da criação da Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária e de todo o aparato decorrente, percebe-se atualmente um incontido, diria que irreprimido avanço de preços dos genéricos, que desta maneira deixam de ser alcançáveis e alcançados exatamente pelos segmentos sociais mais vulneráveis, no aspecto de saúde, e débeis, do ponto de vista econômico. Em recente estudo que encomendei à Consultoria Legislativa do Senado, ficam evidenciadas, em diversos casos, ausência de fiscalização e falta de transparência nas ações da Anvisa, que goza de enorme autonomia, como agência reguladora e fiscalizadora, mas se vem mostrando incapaz de regular e de fiscalizar. É possível que esse modelo de agência, tão popular no final da década passada, mereça um reexame, uma vertical reavaliação por parte do Congresso Nacional.

Sem dúvida, todo o problema de saúde é relevante e merece pronta e plena atenção; entretanto, no caso de doentes crônicos, transplantados e outros, dependentes do Sistema Único de Saúde, a situação se agrava na medida em que a descontinuidade do tratamento coloca sob risco de vida esses pacientes, gerando angústia para eles e seus familiares. Assim, impõe-se uma ação oficial efetiva, no sentido de tornar os medicamentos verdadeiramente acessíveis, no balcão da farmácia ou nos serviços de saúde.

A alegação pontual que fazem os laboratórios a respeito dos custos crescentes dos medicamentos genéricos, quando confrontados com os similares, ancora-se no mandamento legal de que todo remédio genérico, além da equivalência farmacêutica, tenha provada a equivalência clínica, ou bioequivalência, com as drogas de referência, ou seja, produzam efeitos idênticos ao seu paradigma. Essa exigência, da qual estão dispensados os similares, implica elevação de custos para os laboratórios produtores de genéricos, que se vêem, então, constrangidos a repassá-los ao consumidor.

Um raciocínio simplista recomendaria liberalidade na lei dos genéricos, acabando-se com a exigência da bioequivalência; porém, é exatamente aí que está a segurança para o usuário. E dela não podemos abrir mão. Trata-se de uma prova indispensável. Inclusive, prudente e recomendável seria exigir-se igualmente dos similares este teste, o que evitaria graves problemas que podem acometer pacientes consumidores de medicamentos similares, como lamentavelmente ocorreu há pouco tempo com pacientes renais crônicos em Santa Catarina e no Ceará.

É evidente que não se espera mágica em economia, muito menos a angélica abnegação do mercado. Há custos indeclináveis e lucros perseguidos. Contudo, o fim de tudo isso deve ser a garantia de qualidade de vida ao ser humano. Logo, a ação concertada do governo, em seus distintos níveis, da indústria farmacêutica e da própria sociedade desponta como o único caminho viável para assegurar a redução de preços e, assim, o acesso dos brasileiros aos medicamentos.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2002 - Página 4303