Discurso durante a Reunião do Senado Federal, no Senado Federal

Preocupação de S.Exa. com a falta de uma política industrial para o setor farmacêutico brasileiro.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • Preocupação de S.Exa. com a falta de uma política industrial para o setor farmacêutico brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 13/04/2002 - Página 4417
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, ABASTECIMENTO, MEDICAMENTOS, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, BRASIL, PREVENÇÃO, SITUAÇÃO, PREJUIZO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, AMBITO NACIONAL.
  • ANALISE, OMISSÃO, POLITICA INDUSTRIAL, INDUSTRIA FARMACEUTICA, APREENSÃO, DESNACIONALIZAÇÃO, AMPLIAÇÃO, IMPORTAÇÃO, COMPONENTE, CANCELAMENTO, INVESTIMENTO, SETOR, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, DINHEIRO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESPECIFICAÇÃO, ERRO, LEGISLAÇÃO, PRODUTO GENERICO, REDUÇÃO, IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, DESEQUILIBRIO, BALANÇA COMERCIAL, AUSENCIA, AUMENTO, ACESSO, MEDICAMENTOS, FALTA, APROVEITAMENTO, BIODIVERSIDADE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meio à profusão das duras imagens relativas à atual crise argentina, uma particularmente chamou-me a atenção. Não me refiro aos confrontos de rua, às ruidosas manifestações das massas, à renúncia de presidentes, aos milhares de nervosos correntistas à porta de bancos, aos homens e mulheres clamando pelo emprego que não há, aos jovens buscando a saída para o exterior, ao ensurdecedor barulho das panelas usadas como arma de pressão política por cidadãos assustados com o caos em que transformaram um outrora rico e opulento país.

Não! Embora todas essas imagens sejam fortes o suficiente para que delas não nos esqueçamos jamais, não foram elas as que mais me impressionaram. O que se gravou de maneira mais nítida em minha memória foi a cena chocante de farmácias rigorosamente desprovidas de medicamentos, inclusive daqueles de uso contínuo, uma das mais perversas formas de manifestação de desabastecimento que se conhece. Em complemento à cena, em si mesma de incontrastável dramaticidade e horror, via-se a chegada de carregamento de insulina brasileira - isso mesmo, de insulina brasileira - para o atendimento emergencial de pacientes argentinos que dela dependem para viver.

Essa cena, Sr. Presidente, mais do que fazer chorar pela Argentina, deve nos alertar para a possibilidade de passarmos por situação semelhante, em futuro não muito distante.

Embora múltiplas, as causas determinantes para o colapso argentino encontram-se, fundamentalmente, na abertura desenfreada do país ao comércio e aos capitais internacionais, sem a adoção de um mínimo de salvaguardas. Especialmente sob Carlos Menem, em seus dez anos de governo, a Argentina, na ânsia desvairada por uma pretensa modernidade que tinha na economia globalizada seu símbolo incontestável, perdeu-se no caminho e se viu enredada no mais completo processo de desnacionalização econômica de que se tem notícia: dos laboratórios farmacêuticos aos bancos, todos os setores mais importantes da economia passaram ao comando de grupos internacionais. A primeira e mais óbvia conseqüência desse desatino todos sabemos: o país tornou-se mais e mais vulnerável a crises e, desguarnecido, viu-se sem forças para reagir a um quadro de desestabilização financeira.

A cada dia mais me convenço, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, de que o nosso Brasil, desgraçadamente, em termos de indústria farmacêutica, dá mostras de seguir a malfadada trilha percorrida pela infeliz Argentina. A propósito disso, tive a oportunidade de ler, há pouco, matéria séria, grave, contundente, publicada pela revista Dinheiro, em sua edição de número 236, com data de 6 de março último. Dela retirei alguns dados e citações, os quais utilizarei neste pronunciamento.

Partindo da premissa de que a abertura descontrolada transformou o País numa espécie de “zona franca farmacêutica”, que jogou na lona a indústria local - reparem, por favor, que estamos falando de indústria local, não necessariamente nacional -, a revista informa: “Em dez anos, a importação saltou de US$ 50 milhões para US$ 2,5 bilhões”; “A participação dos estrangeiros pulou de 1% para 30% do mercado nacional”; “Genéricos viram porta de entrada de componentes com alíquota zero”; “Laboratórios nacionais são aniquilados pela concorrência”; e, por fim, o fecho absolutamente previsível, dando conta de que “Dos 19 projetos de investimento no País, 12 foram cancelados”. 

Há uma questão de fundo a ser abordada: a mais absoluta inexistência de uma política industrial para o setor farmacêutico, de que decorrem, no mínimo, dois desastrosos efeitos colaterais - a abertura comercial inconseqüente e o equivocado modelo de controle de preços. As autoridades públicas da área contestam o diagnóstico, mas o fazem apegando-se à implacável lógica de mercado, como se nisso - e tão somente nisso - residisse todo o problema.

A ausência de uma consistente e inteligente política industrial para o setor responde, em última análise, pelo quadro infeccioso, a inspirar o máximo de cuidado, de nossa indústria farmacêutica. Por certo que medidas foram tomadas, algumas das quais bem-intencionadas e passíveis de êxito. Todavia, em torno delas foram cometidos erros crassos, que acabam ou por inviabilizá-las por completo ou, pelo menos, impedem que obtenham o êxito desejável e possível.

Veja-se, por exemplo, o caso dos genéricos. Criados a partir do diagnóstico correto, pelo qual preços mais baixos poderiam atrair para o mercado cerca de 55 milhões de brasileiros sem condições de fazer compras em farmácias, o projeto sofre os efeitos de um terrível erro na dosagem ministrada. Como bem lembrou a matéria publicada pela Dinheiro, “num país que tem como grande desafio equilibrar o déficit externo, o governo praticamente zerou as alíquotas de importação de remédios e insumos, permitindo a entrada de US$ 2,5 bilhões em medicamentos por ano. Os genéricos, de fato, beneficiaram o consumidor, mas como não havia na receita nenhuma indicação de que deveriam ser produzidos no Brasil, também contribuíram para aumentar o rombo na balança comercial”.

Que política industrial é essa, que o Ministério da Saúde afirma existir no Brasil, que permite tamanha insensatez? Ao transformar o País numa imensa “zona franca para importação de remédios”, condena ao aniquilamento a indústria nacional. O Brasil, que tinha todas as condições de aqui produzir todos os genéricos, assiste à entrada dos importados prontos, direto das matrizes dos grandes laboratórios internacionais, sem qualquer tipo de controle.

Que política industrial é essa, que o marketing político governamental busca sustentar, que não consegue imaginar para o Brasil um modelo de reembolso dos medicamentos vendidos nas farmácias à população carente? Países avançados, como França e Alemanha, por exemplo, o praticam com pleno êxito. Aqui, não! Em vez de o Governo promover a compra em grande quantidade de remédios, via pregões públicos, para colocá-los à disposição da população, o máximo que se fez foi extinguir a Central de Medicamentos, a Ceme, acusada de praticar ilícitos. É o exemplo clássico de se jogar fora a criança junto com a água do banho...

Dirigentes de laboratórios que atuam no País, não importa se de capitais nacionais ou estrangeiros, são unânimes em afirmar que a eliminação das alíquotas de importação, tal como tem ocorrido, sem qualquer critério e sem a exigência de qualquer tipo de contrapartida, nada mais é que instrumento apto a atender a bandeiras de campanha eleitoral. Não sou eu quem o diz, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, mas os próprios empresários do setor.

Volto à revista Dinheiro e à sua irrespondível conclusão: “O projeto do ex-ministro e hoje candidato José Serra era disseminar os genéricos e reduzir os preços, o que de fato ocorreu. Porém para os representantes da indústria, os objetivos não foram plenamente atingidos. A Abifarma constata que houve apenas a transferência de consumo de produtos de marca para os genéricos, mas os consumidores que não tinham acesso aos remédios continuaram fora do mercado”.

Esse tipo de política, Sr. Presidente, cria um clima de desânimo e desalento em quem tem condições e projetos para investir. Para os grandes laboratórios estrangeiros, é muito mais cômodo e vantajoso importar de suas matrizes. Para os nacionais, resta a opção de fechar as portas, engolidos pelos mecanismos oficiais que estimulam a concorrência predatória.

O mais dramático, o mais surreal em toda essa situação é que o Brasil dispõe de inúmeras vantagens comparativas para desenvolver sua produção local de remédios. Para começar, que outro País possui uma biodiversidade maior do que a nossa? Nenhum, claro! Além disso, dispomos de vigorosa estrutura acadêmica para apoiar a indústria farmacêutica: em nossas universidades, atuam nada menos que 30 mil especialistas na área de saúde, sobretudo nos campos químico e farmacológico. São mestres e doutores bem preparados, à espera de chances concretas de oferecer seu conhecimento ao avanço da ciência em nosso País.

Por fim, faço minhas as palavras de José Eduardo Bandeira de Mello, presidente do poderoso laboratório Aché, que acaba de suspender investimentos de US$150 milhões que seriam feitos em uma nova fábrica em Guarulhos, no Estado de São Paulo. Disse o executivo, coberto de razão: “Não haverá solução enquanto a indústria farmacêutica continuar sendo tratada de forma demagógica e populista”. Chega! Como bem lembrou José Fernando Magalhães, da Associação dos Laboratórios Nacionais, a Alanac, “está na hora de começar a virar esse jogo”.

Se não o fizermos agora, já, amanhã poderá ser tarde demais. O espectro da Argentina nos ronda e emite incessantes sinais. Por falar em Argentina, volto ao ponto de partida deste pronunciamento. Lembram-se de que lhes falei da insulina brasileira levada às pressas ao nosso vizinho? Pois bem: a grande produtora brasileira de insulina, a mineira Biobrás, sediada em Montes Claros, é o mais recente exemplo do processo em marcha de desnacionalização de nossa indústria farmacêutica - ela acaba de ser vendida para uma multinacional de origem dinamarquesa.

Meditemos bem sobre tudo isso. Antes que seja tarde.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/04/2002 - Página 4417