Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AS MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO FEDERAL NA MEDIDA PROVISORIA 14, DE 2001, DO SETOR ENERGETICO.

Autor
Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AS MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO FEDERAL NA MEDIDA PROVISORIA 14, DE 2001, DO SETOR ENERGETICO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Moreira Mendes.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2002 - Página 4541
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXCESSO, BENEFICIO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA, COMPENSAÇÃO, RACIONAMENTO, CRESCIMENTO, LUCRO, AUMENTO, TARIFAS, REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, FATURAMENTO, EMPRESA, RESPONSAVEL, CRISE, ENERGIA ELETRICA, PREJUIZO, POPULAÇÃO.
  • DESNECESSIDADE, GASTOS PUBLICOS, EMERGENCIA, CONTRATAÇÃO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA, IRREGULARIDADE, AQUISIÇÃO, GERADOR, PERDA, FAZENDA NACIONAL, POSSIBILIDADE, INVESTIMENTO, USINA TERMOELETRICA.
  • NECESSIDADE, PROVIDENCIA, SENADO, CONTESTAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PRIVILEGIO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA, PREJUIZO, CONSUMIDOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 21 de fevereiro último, tive a oportunidade de expor as agruras do setor elétrico. Hoje, com o fim do racionamento, tenho a convicção de que, longe de se constituir uma vitória do atual Governo, estamos lidando com novos e graves prejuízos para toda a Nação, que podem levar décadas para ser solucionados, enquanto sofreremos as seqüelas do racionamento e da experimentação, de certa forma, irresponsável em que se transformou o novo modelo do setor, que prejudica a competitividade do parque industrial e sacrifica o bolso do brasileiro.

Falávamos, àquela época, que a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica existiu apenas para tentar minimizar uma gravíssima crise, resultante da inadequação do atual modelo energético brasileiro, acrescida de uma certa incompetência pura e simples do Governo, que levou o caos a um setor que funcionava tão bem.

Agora, quando nos debruçamos com maior atenção sobre as medidas tomadas pela Câmara de Gestão implementadas pela Medida Provisória nº 14, votada semana passada na Câmara dos Deputados e que se encontra nesta Casa para apreciação, regulamentada pelas resoluções da Aneel - Resoluções nºs 31 e 71 -, ficamos chocados com a benevolência com que o Governo trata as empresas de energia e, em especial, as distribuidoras e empresas privadas atuantes no setor, em oposição à forma impiedosa e injusta com que trata a população.

Eu gostaria de destacar na minha fala desta tarde, como cidadã, três medidas adotadas pelo Governo:

1.     Recomposição tarifária extraordinária, o chamado “Acordo Geral”;

2.     A contratação da energia emergencial, também conhecida como “seguro apagão”; e

3.     A compra de recebíveis do Mercado Atacadista de Energia - MAE.

A primeira delas, o denominado “Acordo Geral”, serviria para a compensação do racionamento, que, na verdade, converte as vítimas - nós, os consumidores - em culpadas e premia, acintosamente, as concessionárias de energia elétrica, que, por omissão e ação, foram também responsáveis pelo racionamento.

O Governo, ao invés de arbitrar e encaminhar uma solução via judicial, preferiu ceder às pressões - inclusive das embaixadas dos Estados Unidos, da Espanha e da França - e optou por transferir todo o ônus do racionamento aos consumidores de energia elétrica, em um flagrante desrespeito às normas legais e até mesmo ao Estado de Direito.

A própria existência da denominada recomposição tarifária extraordinária significa que todo esforço de redução de consumo de energia pela população, feito por todos nós brasileiros e por setores econômicos durante o período do racionamento, foi inútil do ponto de vista econômico. Somos, agora, apenados com o pagamento da conta pelo que deixamos de consumir, a fim de repor a perda de faturamento dessas empresas.

Enquanto toda a população, a indústria e o comércio sofreram as conseqüências do racionamento, com perda de produção, de mercado e de emprego de muitos trabalhadores, estranhamente, estamos assistindo à evolução, em nossa economia, de um setor privilegiado e totalmente protegido de riscos e de prejuízos, ou seja, as empresas de energia, que têm assegurado o seu faturamento, imune mesmo às conseqüências de um racionamento do qual também foram responsáveis. O Governo não só lhes garante o faturamento, a preços atuais, do montante de energia vendida no ano anterior, como - pasmem os senhores - lhes propicia uma garantia de recebimento de um pretenso crescimento do mercado consumidor projetado para o ano de 2001 em mais de 6%.

Quem paga essa conta? É o Tesouro Nacional, que disponibiliza recursos para o BNDES repassar às empresas de energia equivalente a 90% do que “pretensamente teriam perdido”. O “empréstimo” - caso possa se chamar assim -, na verdade, está sendo feito para que a população brasileira pague a conta, por meio dos aumentos já concedidos em dezembro de 2001, de 2,9% para os consumidores residenciais e de 7,9% para os demais.

Ainda que pudesse ser aceito o argumento dessa injustificável recomposição, deveriam ser considerados os custos e não as pretensas perdas de faturamento, que incluem a margem de remuneração, tributos, encargos e custos que não foram arcados pelas companhias.

Os valores que atingem essa recomposição foram divulgados pelo Governo como sendo de R$7,3 bilhões. Só que agora, os recursos do Tesouro Nacional disponibilizados pelo BNDES já chegam a R$9 bilhões, o que para 100% das perdas deverá corresponderá R$10 bilhões a serem pagos pela população a título de recomposição tarifária.

É importante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, observar que as informações oficias dão conta de que o racionamento significou economia de 26 bilhões de quilowatts/hora, o que, pelos preços da eletricidade praticados no Brasil, representa R$3,2 bilhões, montante bem inferior ao negociado pelo Governo e concessionárias.

Vejamos o que ocorre com o “Seguro Apagão”. O “Seguro Antiapagão” transfere às tarifas pagas pelos consumidores o ônus pela contratação de energia emergencial a partir do fim do racionamento, em 1º de março de 2002, até 31 de dezembro de 2005. Parte desse ônus já está incidindo nas “contas de luz” desde 1º de março de 2002, sob o título de “encargo de capacidade emergencial”. As operações foram conduzidas por uma empresa estatal criada especialmente para esse fim - e, segundo comentaristas de plantão, para outros fins também -, a Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE). As contas já contratadas, segundo extratos publicados no Diário Oficial da União, atingem o valor de até R$16 bilhões, para disponibilizar uma capacidade de 2.153 megawatts. A contratação foi realizada com dispensa de licitação, sob a justificativa do caráter emergencial. Como contrapartida, esperava-se absoluta transparência e ampla divulgação dos contratos. Vale ressaltar que, com metade desse valor, seria possível disponibilizar o dobro da capacidade em megawatts, mais especificamente 5.500 megawatts, ainda que fosse utilizada a termeletricidade, justamente o modelo proposto pelo contrato. Só que teríamos termelétricas ligadas ao sistema definitivamente e não em caráter temporário ou puramente emergencial.

Após a população ter patrioticamente colaborado com o racionamento e ter sido enganada, nada mais ardiloso do que promover a contratação de geradores térmicos poluentes, que servirão como “seguro contra o apagão”. A partir de primeiro de março passado toda a população brasileira está pagando um acréscimo de cerca de 2,3%, que em sua conta de luz vem discriminado como “encargo de capacidade emergencial” e que o Governo tem justificado como “seguro contra o apagão”. Mas trata-se de uma inverdade, já que não estaremos imunes a novos racionamentos e, além disso, geradores térmicos não contribuem para evitar perturbações do sistema.

O Governo ao criar a empresa Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial, a CBEE, para contratar e instalar geradores térmicos a óleo diesel ou óleo combustível dentro das áreas das empresas distribuidoras ou transmissoras de energia, está desperdiçando enorme quantia de dinheiro público.

Inúmeras irregularidades podem ser destacadas. A primeira delas diz respeito às contratações, que estão sendo feitas com dispensa de licitação, respaldada por medida provisória que, entretanto, não caracteriza a situação como de emergência, bastando observar que o edital foi lançado em 03 de setembro de 2001; a contratação, formalizada em 10 de janeiro de 2002, e o prazo para a instalação dos geradores encerra-se em 01 de julho de 2002, ou seja, dez meses após. Foi concedida dispensa de licitação em todos os outros contratos firmados pela nova estatal, tais como locação de veículos, fornecimento de mão-de-obra para a CBEE e reforma de escritórios.

Está clara e nítida a atual desnecessidade desses geradores emergenciais, o que foi comprovado pelo próprio órgão que opera o sistema, o qual divulgou, no dia 20 de fevereiro, no site da Câmara de Gestão da Crise de Energia, a seguinte informação: “Risco de racionamento até 2003 é zero - mostra o estudo do ONS. Simulações realizadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS - indicam que, com base nos níveis atuais dos reservatórios das Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, está descartada a hipótese de ocorrência de racionamento de energia elétrica em 2002 e em 2003, ou seja, mesmo que ocorra a pior seca dos últimos 70 anos, o risco de déficit de energia é zero.” Portanto, como se pode concordar com o comprometimento de R$16 bilhões para a contratação geradores que ficarão desligados para funcionar eventualmente a pretexto de um seguro-apagão?

Os 29 contratos assinados para o emprego de energia dita emergencial, que totalizam 2.153 megawatts, somam R$16 bilhões. Frise-se que tais geradores são de uso temporário, devendo ser devolvidos aos seus donos em 31 de dezembro de 2004 e em 31 de dezembro de 2005. Se esses geradores não forem acionados, os gastos atingirão R$6,7 bilhões, que, havendo reajuste do IGPM e do dólar, deverão alcançar aproximadamente R$8 bilhões. Tal valor é absurdamente alto e não resiste a qualquer estudo de viabilidade técnica, econômica e financeira, pois, com base em parâmetro consagrado, de US$500 por quilowatt instalado para usinas térmicas, é possível se adquirir e instalar definitivamente cerca de 5.500 megawatts em termelétricas, que poderiam servir ao sistema elétrico brasileiro por 20 a 30 anos.

Há ilegalidades flagrantes em diversas cláusulas dos 29 contratos firmados, que afrontam a Constituição Federal e a Lei dos Contratos - como a confidencialidade e a multa rescisória com o pagamento do saldo do contrato; isto é, se o Governo quiser rescindir o contrato, terá que pagar o preço total das parcelas restantes.

Srªs. e Srs. Senadores, vale destacar o fato de o Governo, através da CBEE, estar adquirindo os recebíveis do Mercado Atacadista de Energia - MAE. Por meio do Programa Prioritário de Termelétricas, algumas termelétricas ficaram prontas e começaram a gerar energia e a comercializá-la no mercado de curto prazo do MAE, cujos preços, durante o racionamento, chegaram a atingir R$684,00 por megawatt/hora - e é bom lembrar que as hidrelétricas do País recebem em média R$50,00 pelo megawatt/hora gerado - e esta energia, evidentemente, foi utilizada pelas distribuidoras para atendimento de seu mercado. O MAE, que é um ambiente de empresa privada...

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Concede-me V. Ex.ª um aparte?

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Senadora Maria do Carmo Alves, eu estava ouvindo o discurso de V. Ex.ª e me apressei em chegar ao plenário para revestir o seu aparte da mais profunda solidariedade. V. Ex.ª faz um discurso sério, aponta caminhos tortuosos, demonstra que a sua respeitabilidade está sobretudo no desempenho do seu mandato e o faz com muita propriedade. É por essa razão que V. Exa é respeitada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. E, para que não fique apenas o pronunciamento de V. Ex.ª, chamo-lhe a atenção para um ponto: o discurso denso de V. Ex.ª deveria, se não estiver sendo ouvido por assessores do Governo, ser levado na devida conta. Muito obrigado.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Agradeço ao nobre Senador Bernardo Cabral. Incorporo ao meu discurso o seu aparte.

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - V. Ex.ª me concede um aparte?

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Senadora Maria do Carmo, quero me louvar das palavras do eminente Senador do Amazonas que rapidamente aqui chegou e conseguiu dizer exatamente o que penso e o que eu me propunha a dizer. Tratei também de mais rapidamente caminhar a este plenário exatamente para aparteá-la e registrar a coragem de V. Ex.ª em trazer assunto de tamanha profundidade. Faço uma reflexão: o povo brasileiro foi convocado para fazer a sua parte nessa grande luta que foi o programa de racionalização do consumo da energia no País todo; e, de repente, vê-se obrigado a pagar a conta. Mas muito mais grave do que simplesmente o povo pagar a conta são as notícias que V. Exª traz hoje com absoluta propriedade e, como disse o Senador, com densidade num discurso forte que as autoridades precisam ouvir e tomar as providências devidas. Quero, da mesma forma como fez o Senador Bernardo Cabral, congratular-me com V. Exª por esse brilhante e oportuno pronunciamento.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Agradeço ao nobre Senador Moreira Mendes o seu aparte.

Como estava dizendo, o MAE (mercado atacadista de energia) é um ambiente de empresa privada em que se realizam compras e vendas de energia, não tem fechado as suas contas e desde abril do ano passado está sob intervenção da Aneel. E novamente surge o Governo para resolver a questão e apresentar o cofre público como solução!

Para concluir, Sr. Presidente, com mais cerca de 1 bilhão que essa operação importará ao Governo, somado com 10 bilhões da recomposição tarifária extraordinária e mais 16 bilhões do “seguro contra o apagão”, temos a soma fantástica de R$27 bilhões, sem que tais dispêndios signifiquem um único novo quilowatt de expansão permanente na oferta de energia do País. Para que se tenha uma idéia do que significam R$27 bilhões, essa importância daria para construir duas hidrelétricas Belo Monte, que está sendo construída no Amazonas e que será a segunda maior do País, abaixo apenas de Itaipu. Ou seja, daria para acrescentar ao parque energético brasileiro 22 mil megawatts, isto é, o dobro de toda energia gerada no Nordeste pela Chesf nos últimos cinqüenta anos.

De tudo o que foi dito, fica claro que se produziu no País um volume de subsídios inadmissíveis para liberar as empresas distribuidoras de energia de suas responsabilidades pelo racionamento e pela expansão dos sistemas elétricos, e, mais ainda, lhes permitir ganhos extraordinários, sem base técnica, econômica ou legal, em detrimento da população e do setor produtivo, a pretexto de criar um clima favorável aos investimentos privados nacionais e estrangeiros no País.

Srªs e Srs. Senadores, estou estupefata com o quadro que se apresenta, com a desfaçatez com que os órgãos governamentais procuram camuflar os fatos e com a alienação da grande maioria de nossos meios de comunicação.

Conclamo a todos que reflitam sobre esta terrível situação e que possamos juntos tomar as medidas necessárias para que essa Casa se insurja com altivez contra esse despautério que, consumado, promoverá prejuízos gigantescos para nossa competitividade industrial, além de maciça transferência de recursos da sociedade brasileira para um setor estranhamente privilegiado.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2002 - Página 4541