Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o censo sanitário do IBGE e da necessidade de uma política nacional de saneamento básico.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA. :
  • Considerações sobre o censo sanitário do IBGE e da necessidade de uma política nacional de saneamento básico.
Aparteantes
Juvêncio da Fonseca, Paulo Hartung, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2002 - Página 5020
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), INFERIORIDADE, QUALIDADE, SANEAMENTO BASICO, COLETA, LIXO, ESGOTO, TRATAMENTO, AGUA, PREJUIZO, SAUDE, MORTE.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DIFICULDADE, GESTÃO, INVESTIMENTO, POLITICA DE SANEAMENTO BASICO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, SERVIÇO, SANEAMENTO BASICO, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, VETO (VET), PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROJETO DE LEI, DISPOSIÇÃO, POLITICA NACIONAL, SANEAMENTO, FAVORECIMENTO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucas semanas tive o prazer de ouvir o nobre Senador Paulo Hartung abordar a temática do saneamento básico no Brasil, de modo específico fazendo uma crítica construtiva, evidentemente, aos dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. É um assunto que merece toda a atenção e a mais absoluta reflexão do Parlamento brasileiro, e, seguramente, comportamento legislativo que corresponda às necessidades do Brasil de hoje.

A dívida é imensa, Sr. Presidente. Estamos no meio de dados e números que envergonham os sanitaristas brasileiros. E, lamentavelmente, a resposta dos gestores das políticas públicas têm sido muito aquém do que é necessário para o País.

Em 313 a.C. já se conceituava claramente a importância do saneamento básico na Roma antiga, quando se dizia que a água era fator fundamental de proteção das populações e até da segurança das cidades. Sextus Julius Frontinus, administrador dos recursos hídricos de Roma, já dizia que a salubridade da água era um componente vital para a defesa da vida e das populações.

Os dados do IBGE são vergonhosos. Se houver uma análise, os números demonstrarão, por si só, o que é a responsabilidade e o tamanho da grande dívida social que temos para refletir.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, há poucas semanas, apresentou o resultado do levantamento nacional sobre os indicadores de saneamento básico. O resultado não é auspicioso, registra-se pequena melhora dos índices ali expressos quando comparados àqueles dos idos de 1989.

Segundo o Instituto, nesse período, o volume de água tratada distribuída cresceu em 52,5%; o volume distribuído aos domicílios e sem tratamento aumentou em 191%, passando de 3,2% para 7,2% do montante de que dispúnhamos. Na região Norte, o problema é muito mais grave, pois o percentual de domicílios que recebem água sem tratamento é de 32,4% de todo o volume. Cabe registrar que o IBGE não diferencia em sua análise quem são os beneficiados e quem são os excluídos da política de saneamento, dificultando a apreensão crítica de dados que informam, como por exemplo, que quase todos os municípios brasileiros oferecem água tratada (97,9%) e recolhem lixo doméstico (99,4%).

Quando analisamos de maneira mais técnica e aberta, observamos que 44% dos domicílios da região Norte somente recebem água tratada, e, no nordeste brasileiro, 52%.

No Brasil, a produção diária de lixo é de 125.281 toneladas, e, dessas, 70% são jogadas a céu aberto, além dos 14,5 milhões de metros cúbicos de esgotos, que têm igual destino.

O fato é que os recursos públicos para investimento nessa área foram praticamente suspensos. As empresas estaduais e municipais foram vitimadas por cortes orçamentários, corrupção, além da indiferença de muitos gestores, o que redundou na falência quase absoluta do já precário sistema de saneamento básico brasileiro.

A noção, atemporalmente pertinente, de que "a água está relacionada não só com a salubridade da população, mas com a própria segurança das cidades" (Sextus Julius Frontinus, Ed. CETESB), foi retomada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que analisou todos os componentes, os agravamentos e vinculações com a dívida do saneamento básico e, ainda, expandiu-lhe o alcance ao afirmar claramente que "saneamento ambiental é o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeito prejudicial ao seu bem-estar físico, mental ou social".

Esse mesmo organismo aponta para a trágica estatística de 3,4 milhões de mortes todos os anos no planeta em função da falta do fornecimento regular de água tratada, asseverando que "para cada um real investido em saneamento, estaremos diante de uma economia de cinco reais em saúde".

Estima-se que 25% de todas as internações hospitalares têm íntima vinculação com a qualidade das águas servidas (esgotos). Somente o Sistema Único de Saúde acolheu 888 mil pacientes internados durante o ano de 2001 por causa de doenças vinculadas à crise de saneamento. No cenário global, a sombria projeção epidemiológica persiste. Estima-se que 20 milhões de crianças perderão suas vidas, nesta década, pelas mesmas razões.

No que diz respeito à coleta de esgoto, verificou-se um tímido crescimento da ordem de apenas 4,9%. Ou seja, em 1989, o percentual era de 47.3% e agora são coletados 52,2%. Essa situação ainda é mais delicada se consideramos que desse percentual somente 35 são devidamente tratados, que o Rio de Janeiro trata somente 50% dos seus resíduos coletados e que diversas capitais, como São Paulo, Rio Branco e São Luís, não dispensam a esses dejetos nenhum tipo de tratamento.

O Governo Federal, ao anunciar na década de 70, a criação do Plano Nacional de Saneamento, o Planasa, fixou a meta de estender os serviços de esgoto no prazo de 10 anos a pelo menos 2/3 da população brasileira.

A Constituição Federal de 88 estabeleceu que participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento era uma das competências do Sistema Único de Saúde (SUS). Naquele momento, foram criadas as condições para a integração das áreas de saneamento e saúde. Vislumbrava-se um horizonte favorável à chamada e tão almejada “Reforma Sanitária”.

Compreendendo como funções básicas da administração pública no campo sanitário: 1 - abastecimento e distribuição de água; 2 - eliminação e tratamento das reservas servidas (esgotos); 3 - coleta e destino final de lixo; 4 - drenagem pluvial e urbana; 5 - controle de doenças de vetores, o Parlamento brasileiro aprovou, em 1994, o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº199, de 1993, da ilustre Deputada Irma Passoni, que disciplinava a matéria.

Lamentavelmente, no dia 4 de janeiro de 1995, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, encaminhou ao Congresso Nacional a Mensagem Presidencial nº 107, comunicando seu veto integral ao projeto que “dispõe sobre a Política Nacional de Saneamento, seus instrumentos e dá outras providências.

Inequivocamente, as razões do veto foram pautadas pelo enfoque econômico. A justificativa apoiava-se em três argumentos: a) “saneamento é atribuição do governo local, cabendo à União instituir as diretrizes para o saneamento básico; b) a criação do Sistema Nacional de Saneamento, do Conselho Nacional de Saneamento e sua Secretaria Executiva, a instituição de planos qüinqüenais e a exigência de elaboração de relatórios anuais sobre a situação de salubridade ambiental no Brasil contribuirão não só para a burocratizar, como para onerar a ação governamental no setor” - afirmava ainda aquele veto presidencial. c) a constituição do Fundo de Saneamento (Fusan), por sua vez, apresenta inconvenientes, tais como: 1 - possibilidade de transferir indiretamente à União gastos próprios dos estados e municípios; 2 - dificuldades operacionais de administração do Fundo, vez que o projeto de lei prevê recursos orçamentários de diferentes esferas (federal, estadual, municipal); 3 - conflito de objetivos com o FGTS e a Seguridade Social, que têm políticas e administrações próprias”.

O veto presidencial na verdade era de outra ordem. O objetivo não declarado, mas embutido nessa decisão do Governo, foi, desde o início, criar um cenário favorável ao processo de privatização do setor, de acordo com o projeto neoliberal adotado então. Como corolário dessa ação governamental, começou a tramitar no Senado Federal o Projeto de Lei nº 266, de 1996, de autoria do Senador José Serra, que “estabelece diretrizes para o exercício do poder concedente e para o inter-relacionamento entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios em matéria de serviços públicos de saneamento, e dá outras providências.” Entretanto, passados tantos anos, a matéria até hoje não finalizou a sua tramitação na Casa, certamente pela dificuldade de serem aceitas as posições ali defendidas.

No ano de 2000, o Deputado Sérgio Novais e a Deputada Maria do Carmo Lara apresentaram, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 2.763, que “dispõe sobre a Política Nacional de Saneamento, seus instrumentos e dá outras providências”, reconhecendo ser a cópia fiel daquele outrora apresentado pela Deputada Irma Passoni. Disseram eles: “é a reapresentação de importante preposição que tramitou alguns anos no Legislativo e acabou sendo vetada pelo Poder Executivo.”

No ano seguinte, o Poder Executivo apresenta o Projeto de Lei nº 4.147, que “institui diretrizes nacionais para o saneamento básico e dá outras providências.” Em síntese, o projeto do Governo propõe que “o Estado deixe a função executora dos serviços de saneamento, passando a ser controlador/ fiscalizador apenas dos serviços prestados pela iniciativa privada”, ação prevista para ser executada pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, como também por um setor do Ministério da Saúde. Confirmavam-se, assim, as reais razões do veto presidencial aposto ao PLC nº 199, de 1993, durante o primeiro ano do Governo Fernando Henrique Cardoso: a prioridade era o projeto liberal.

Na análise das políticas de saneamento dos países da Comunidade Européia, apenas na França e no Reino Unido há prevalência da iniciativa privada na distribuição e no abastecimento de água. Na Espanha, aproxima-se dos 20%, enquanto que na Bélgica, Dinamarca, Grécia, Luxemburgo, Áustria, Portugal e Suécia, essa participação não ultrapassa a 10%.

O Governo esquiva-se de partilhar com a sociedade brasileira a enorme dívida que tem quanto ao setor de infra-estrutura, em especial com o saneamento básico. O viés privatizante adotado na formulação dessa política não é compatível com uma população que espera tanto de seus governantes.

Enquanto estivermos sob a lógica do lucro, a nossa ânsia de mudança dos indicadores sociais não encontrará eco na iniciativa privada. Os diversos exemplos de privatização do setor têm redundado em desvios de função, corrupção e concessões desvantajosas. As grandes empresas do setor sabem tratar-se de uma área onde vigora o princípio da economia de escala, ou seja, dada a pequena margem de lucro, faz-se imperativo o amplo alcance da prestação de serviço. Desse modo, o risco do investimento não se justificaria em outras áreas que não as de grandes concentrações urbanas, quando é sabido que as maiores necessidades não se encontram nessas populações. Segundo muitos analistas econômicos, cidades com mais de 50.000 habitantes seriam atrativas, mas essas correspondem apenas a 316 centros urbanos dos mais de 5.000 municípios brasileiros. No Brasil, pouco mais de 13 cidades têm população com mais de 1 milhão de habitantes.

Enfim, não será com investimentos como os que figuram no Sistema de Informação da Administração Federal (Siaf) - durante o ano de 1999 foram alocados recursos para o sistema de coleta e tratamento dos resíduos sólidos da ordem de R$12.010.672,00, empenhados R$7.076,105,00, mas pagos somente R$596.548,00. O que a população brasileira pode esperar desse tipo de prática de execução orçamentária? Melhor seria que o Governo Federal tivesse cuprido as suas promessas: investir até 2010 um total de R$44 bilhões, o que significaria aplicar apenas 0,4% do PIB ao ano para que se alcançasse a universalidade do benefício a toda a população do País.

Nas suas próprias estimativas esses recursos seriam suficientes para que, naquela data, todos os domicílios brasileiros fossem contemplados com saneamento básico, esgoto pluvial e sanitário, água tratada e distribuída, lixo recolhido e reciclado. Entretanto, a realidade é outra. O Governo está aplicando menos de 0,25% do PIB ao ano. Em se mantenho inalteradas as bases sobre as quais se desenvolve a atual política de saneamento no Brasil, não restam dúvidas de que a dívida social nesse setor continuará crescente, perdurando, pelo menos, até 2020, vale dizer, perderemos quase um quarto de século e milhões de vidas.*

Só posso entender que estamos diante de uma dificuldade de gestão dos governantes brasileiros em relação a essa matéria; não está inserido nesse debate a concepção de cidade que devem ter os gestores brasileiros. Recentemente aprovamos no Congresso o Estatuto das Cidades. Seguramente, quando se observa saneamento básico, reforma sanitária, não está dado o enfoque para o Estatuto das Cidades. O Senador Paulo Hartung contribuiu com o processo legislativo, quando, no ano de 2000, apresentou matéria que passa por apreciação do Congresso neste sentido. O Governo não vê sob o enfoque de um modelo democrático de gestão que imponha o comportamento da mobilização, da educação e informação, quando fala da reforma sanitária, e fica colocada a grande dívida.

O resultado é trágico, Sr. Presidente: são 3,4 milhões de mortes por ano neste planeta pela falta de saneamento. Temos 888 mil internações no Sistema Único de Saúde pela crise desse setor e, infelizmente, as inúmeras doenças continuam a agredir a consciência sanitária brasileira, e a dívida social continua a aumentar.

O Sr. Paulo Hartung (PSB - ES) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo um aparte a quem há poucos dias fez uma brilhante manifestação sobre essa matéria, Senador Paulo Hartung.

O Sr. Paulo Hartung (PSB - ES) - Senador Tião Viana, rapidamente, quero apenas registrar a minha saudação a V. Exª, que traz à tribuna um tema muito importante. V. Exª é da área e eu, na verdade, tento ser um estudioso a respeito da matéria. V. Exª sabe muito bem que cada real que se investe em saneamento gera uma economia brutal em gastos com saúde curativa. Então, esse é um desafio que precisamos vencer. Quando penso a questão do saneamento no País, penso também na vertente maior, que é a reforma urbana. Quer dizer, o País entrou num processo caótico de urbanização e precisamos cuidar. Os efeitos colaterais estão aí - são muitos - na saúde e na qualidade de vida do povo. Acredito que a violência urbana, que grassa em toda parte, que grassa no meu Estado do Espírito Santo - agora mesmo, esta semana, vitimando pessoas - será combatida no momento em que reestruturarmos a vida urbana e dentro disso a questão do saneamento tem um papel que reputo da maior prioridade, e tenho defendido desde que cheguei aqui essa bandeira. Urbanizamos, quando Prefeito de Vitória, um bairro na cidade chamado Grande São Pedro - composto por vários bairros. E no bairro, onde ficava o antigo “lixão” da cidade - como se convencionou chamar o local onde se concentrava toda a pobreza da cidade -, com urbanização e saneamento, a mortalidade infantil, que passava de 40 por mil, Senador Tião Viana, reduziu-se para 13 por mil nascidos, ficando até mesmo um pouco abaixo daquela do conjunto da cidade. Digo isso para reforçar o pronunciamento de V. Exª. A propósito, estou hoje muito satisfeito, porque termina a tramitação de um projeto de minha autoria que cuida do saneamento. O IBGE trouxe os números e o Senado Federal está dizendo presente a esse debate. Terminada a tramitação no Senado - e nenhum recurso foi feito -, o projeto vai para a Câmara dos Deputados para ser apreciado. Creio que a discussão será reforçada na Câmara dos Deputados. Trata-se de projeto simples - e que teve muito apoio do Senador Roberto Requião na Comissão -, que institui a concessão não onerosa para acabar com a privatização selvagem. Quem do mundo privado quiser estar nessa área trocará concessão por novos investimentos, e acabaremos com o mercantilismo em um setor que tudo tem a ver com a qualidade de vida do cidadão. Parabéns a V. Exª. Fico muito feliz de ver esse tema ser tratado aqui. Espero que a política nacional um dia abrace também o debate da reforma urbana.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao Senador Paulo Hartung, que, por ter sido prefeito, trata com tanta ênfase o debate de uma reforma urbana ampla e bem definida, entende e desenha o modelo de cidade para este País e busca sempre conciliar a idéia de cidade com qualidade de vida. Sem dúvida alguma, o aparte de V. Exª traz uma grande contribuição e eu o incorporo com muita alegria.

O Sr. Juvêncio da Fonseca (PMDB - MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Senador Juvêncio da Fonseca, também ex-prefeito, com experiência como gestor de Campo Grande, e atual Senador da República, concedo a palavra a V. Exª.

O Sr. Juvêncio da Fonseca (PMDB - MS) - Senador Tião Viana, V. Exª sempre traz ao conhecimento desta Casa assuntos de extrema importância para o País, como é o caso do saneamento, do qual estamos tão carentes. Eu gostaria de, rapidamente, enfocar o Planasa, uma opção política e administrativa de 30 anos atrás do Governo Federal para investir na distribuição de água potável no País inteiro. Hoje alcançamos um grande resultado. Acima de 95% da população tem água potável em sua casa. Àquela época deixou-se de investir e não houve programa, como não existe até hoje, de saneamento básico voltado para os dejetos das cidades. É importantíssimo que hoje o Governo Federal se lembre do Planasa e ofereça ao País um Planasa diferente, que ataque essa segunda fase do saneamento básico, justamente com a coleta dos dejetos humanos que poluem os nossos rios, os nossos córregos e o ambiente, o que gravemente incide na saúde. Portanto, a contribuição que V. Exª está trazendo é muito importante, como também o é a contribuição do ex-prefeito Paulo Hartung, hoje Senador. Também valiosa é a contribuição do ex-governador Roberto Requião. O Governo Federal precisa fazer um opção realmente objetiva em saneamento básico, já agora na coleta dos dejetos humanos nas cidades. Parabéns pelo seu pronunciamento. V. Exª, como médico, traz essa contribuição muito especial ao povo brasileiro. Muito obrigado.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª, Senador Juvêncio da Fonseca. Concordo com V. Exª que essa dívida existe desde a época do Planasa, em 1970, que apontava para uma resposta até a década de 80. Infelizmente, não contribuímos com nada e nos deparamos com afirmações como a da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

A SBPC afirma que, se assegurarmos água minimamente tratada à população, reduziremos a mortalidade em pelo menos 50% em 4 anos. O Brasil paga a dívida de uma mortalidade infantil tão elevada.

O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Senador Tião Viana, V. Exª me permite um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Senador Roberto Requião, ouço V. Exª com muita honra.

O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Senador Tião Viana, o tema é não só apaixonante mas também de extrema importância. O IBGE nos revelou que 31% da população do Brasil está vivendo abaixo da linha de pobreza. Ou os cidadãos estão desempregados, ou, quando empregados, não ganham R$80 por mês. É evidente que se garantirmos a essa população, gratuitamente, o consumo mínimo de 10 metros cúbicos de água tratada e se garantirmos também - e o que vou expor agora é possível no Paraná, porque lá conseguimos segurar em mãos do Estado a nossa companhia de energia elétrica - 100 quilowatts de energia elétrica por mês a ela, gratuitamente, para manter ligada uma geladeira que preserva alimentos, para aquecer um banho no inverno, nós a estaremos retirando da condição de presa fácil das endemias, epidemias e doenças infecto-contagiosas. Essa, além de ser uma visão solidária, compatível com a opção preferencial pelos pobres, é também uma visão racional, porque a população doente, nos postos de saúde e, depois, nos hospitais, vai custar muito mais caro ao Estado do que o custo de 10 metros cúbicos de água ou de 100 quilowatts de energia. Então, isso é fundamental. A Constituição integrou agora o direito à habitação como um dos direitos fundamentais das pessoas e das famílias no Brasil. O assunto levantado pelo Senador Paulo Hartung também é de extrema pertinência. Eu fui despertado para esse assunto por uma manobra “esperta” do Prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi. Ele anunciou, de uma hora para a outra, que estava inovando na questão das concessões de saneamento básico. Com sua criatividade e inteligência, ele tinha colocado Curitiba na vanguarda do mundo viabilizando uma concessão onerosa do sistema de água e esgoto para a Sanepar, empresa hoje controlada por um grupo francês, embora majoritariamente ainda pertença ao Estado do Paraná. Por meio de um pacto de acionistas, um grupo francês, o Vivendi, controla a Sanepar. O Prefeito vendeu a concessão. Como isso funcionou? Essa venda é uma trapalhada, uma maracutaia, porque ela se transformou, na verdade, numa antecipação de receita. Ele recebeu o dinheiro e o Governador, na véspera da assinatura do acordo, aumentou de 0,80 para 0,85 a tarifa referencial de água. Na verdade, o Prefeito fez uma antecipação de receita, um empréstimo a essa empresa e ela, imediatamente, transferiu o custo para os usuários. E nós temos que acabar com essa prática. Talvez um dia, na reforma urbana, possamos substituir o valor de troca dos terrenos urbanos pelo valor de uso, que garantiria o acesso à habitação à maioria absoluta da população.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao Senador Roberto Requião o aparte, que traz um ponto de vista claro sobre a matéria. Vale ressaltar que a empresa superavitária foi dada uma concessão onerosa - a situação do Paraná é superavitária, graças a gestões anteriores que trataram a questão com muito zelo e com muita responsabilidade. No Paraná e no Rio Grande do Sul estão centros de tratamento de resíduos.

Lamento que se associe a essa tese da concessão onerosa o equívoco da privatização de uma área sagrada da vida do pobre do brasileiro: o acesso à distribuição e ao abastecimento de água. A mensagem orçamentária, Senador Roberto Requião, de 2001/2002, do Sr. Barjas Negri, do Ministério da Saúde, reduziu em R$769 milhões o investimento no controle das endemias e em R$1,2 bilhão o investimento em saneamento básico. Aumentou em quase R$2 bilhões o investimento em hospitais. Isso é uma tragédia. Lamento profundamente que a política pública na área de saneamento não esteja solidária com o pobre brasileiro.

Muito obrigado, Sr. Presidente, era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2002 - Página 5020