Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagens pelo transcurso do Dia do Exército e do Dia do Índio. Reflexão a respeito da política indigenista brasileira.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Homenagens pelo transcurso do Dia do Exército e do Dia do Índio. Reflexão a respeito da política indigenista brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2002 - Página 5420
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, EXERCITO, IMPORTANCIA, DEFESA, SOBERANIA NACIONAL, INTEGRAÇÃO, BRASIL, ATUAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ELOGIO, CANDIDO MARIANO DA SILVA RONDON, MARECHAL.
  • HOMENAGEM, DIA, INDIO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, BUSCA, AUTONOMIA, NECESSIDADE, POLITICA INDIGENISTA, COMBATE, MANIPULAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INSTITUIÇÃO RELIGIOSA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ABANDONO, ASSISTENCIA, INDIO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, REIVINDICAÇÃO, TRIBO, REVOLUÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AMOSTRAGEM, SANGUE HUMANO, DEBATE, ETICA, PESQUISA CIENTIFICA.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, ASSUNTO, BIODIVERSIDADE, ORGANIZAÇÃO, LIDERANÇA, COMUNIDADE INDIGENA, REIVINDICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, LEGISLATIVO, MIGRAÇÃO, INDIO, CIDADE, SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA.
  • DEFESA, INTEGRAÇÃO, INDIO, SOCIEDADE CIVIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL -- RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje comemora-se uma data muito importante. De um lado, é o Dia do Exército brasileiro, que merece de todos nós, brasileiros, uma homenagem realmente muito especial, porque tem sido responsável não apenas pelas missões puramente constitucionais de defesa da nossa soberania, de defesa do nosso território, mas também tem realizado um trabalho de integração nacional muito importante.

O Exército está presente em todos os rincões desta Pátria, principalmente nos mais distantes, fazendo um trabalho social de grande vulto, fornecendo assistência médica e odontológica aos Municípios e Estados. Até mesmo na área de educação está atuando, contribuindo, em muitos lugares da nossa imensa Amazônia abandonada, de forma a suplementar a falta de professor, de médico, de bioquímico e de odontólogo.

Hoje, quero prestar esta homenagem ao Exército brasileiro e lembrar inclusive a figura do Marechal Rondon, que faz uma interface, uma conexão exatamente com o outro cidadão a quem quero homenagear, que é o índio brasileiro, pelo seu dia. Essa interface do Marechal Rondon é muito importante, porque, justamente com ele - portanto, com a figura do Exército brasileiro -, houve a iniciação do verdadeiro indigenismo positivo no País.

Até quero me valer de alguns tópicos de uma entrevista do indigenista Apoena Meirelles, publicada recentemente num suplemento da revista E&D. Vou ler apenas alguns tópicos, começando pela manchete, Sr. Presidente: “O indigenismo romântico é hipócrita” -- segundo as palavras do nosso Apoena Meirelles. O sertanista diz que “o indígena brasileiro não precisa mais que falem por ele” -- aliás, nem sei quando foi que os indígenas pediram para alguém falar por eles! - “e defende uma política que garanta aos índios um lugar definido dentro da sociedade”.

Sr. Presidente, realmente adoto integralmente essa afirmação do sertanista. E, neste Dia do Índio, quero trazê-la como reflexão, porque existem muitos “procuradores” dos índios, pessoas que falam por eles, mas moram em Ipanema, em São Paulo, enfim, nos grandes centros das Regiões Sul, Sudeste e até no exterior. E o que é pior: colocam prioridades nas bocas dos índios que não foram por eles expressadas.

Apoena Meirelles ainda diz outra frase na sua entrevista: “Vejo as missões religiosas com restrições, porque usam métodos persuasivos para dominar as comunidades onde atuam”. Esse ponto é realmente interessante, Sr. Presidente. As missões religiosas, especialmente as católicas, defendem atualmente uma postura logicamente muito diferente daquelas que defenderam quando chegaram ao Brasil, acompanhando Pedro Álvares Cabral; defendem a postura de isolamento do índio, de afastá-lo da sociedade, de mantê-lo, inclusive, falando a sua língua original, de fazer com que ele, na verdade, não tire documentos, não se torne efetivamente um cidadão brasileiro. Eles estão promovendo um verdadeiro apartheid étnico no País. E, o que é pior, apesar de defenderem essa tese, mudaram o que era uma tradição entre os índios brasileiros, um costume milenar: a sucessão entre os caciques, os tuxauas, enfim, os comandantes das tribos indígenas. Eles tinham um sistema mais ou menos familiar, passavam a chefia de pai para filho e só quebravam essa cadeia quando havia a supremacia física ou bélica de algum outro grupo. O que fez a Igreja Católica? Implantou um sistema, eu diria, parlamentarista nas comunidades indígenas do Brasil, em que as comunidades se reúnem e elegem um tuxaua, que, a qualquer momento, pode ser por elas destituído, dependendo da conveniência não muitas vezes dos índios, mas das entidades que estão por trás, na manipulação dessas comunidades.

Portanto, também quero endossar essa frase do sertanista, quando diz que vê com restrições as missões religiosas atuando nos meios indígenas.

Uma outra frase, também muito importante para a nossa reflexão neste dia, é a seguinte: “Desde Rondon, o Brasil sempre teve um trabalho de atração de grupos indígenas perfeito, mas nunca soubemos o que fazer com eles, depois de contatá-los”.

            Sr. Presidente, no Brasil, as comunidades indígenas, na sua grande maioria, estão realmente abandonadas pelo Poder Público Federal, que tem a responsabilidade constitucional, por meio da Funai, de assisti-las, porque tirou dos Governos estaduais e municipais essa tarefa - o que seria mais lógico, porque os índios estão nos Municípios e nos Estados e não numa figura abstrata como a União ou o Governo Federal. Com isso, a política indigenista do País é, hoje, comandada pelas organizações não-governamentais, que tomaram conta da Fundação Nacional do Índio e preocupam-se apenas com a demarcação das terras indígenas no País. Já temos mais de 11% do território nacional demarcados para reservas, sendo que os índios não chegam a ser sequer 0,5% da população total do Brasil.

Então, é preciso também refletir sobre essa situação. Acho, pessoalmente, que os índios devem, sim, ter terras definidas, para sobreviverem e expandirem a sua população, mas a terra por si só não está resolvendo o seu problema. Pelo contrário, eles estão desassistido no que tange à produção agrícola, à pecuária e à pesca. Não se faz mais nada para, realmente, mudar-se a condição de dignidade humana do índio. Na verdade, estamos assistindo, cada vez mais, a interferências poderosas e que, no mínimo, nos fazem suspeitar de instituições estrangeiras entre os índios.

Em 1967, pesquisadores norte-americanos coletaram sangue entre os índios Yanomamis que habitam uma parte do meu Estado, Roraima, e uma parte do Amazonas, não se sabe exatamente com que objetivo. Possivelmente, para fazerem estudos de DNA ou para pesquisarem algum tipo de medicamento no que tange à parte genética. O Brasil sequer tomou conhecimento do processo ou nele teve qualquer tipo de participação, muito menos a comunidade indígena. Agora, os próprios Yanomamis estão reivindicando a devolução das amostras de sangue coletadas.

Passarei a ler um tópico de uma matéria a respeito do assunto:

Os índios, com suporte em ofício encaminhado pelo Ministério Público no dia 07/03 às universidades onde o material está depositado, apresentarão seu pedido num seminário que será realizado na Universidade de Cornell (EUA) entre 05 e 07/04 (portanto, já deve ter sido realizado). Estarão em debate a ética em pesquisas científicas e a garantia dos direitos indígenas na proteção do seu patrimônio genético.

Ora, Sr. Presidente, quem está fazendo isso? São os índios diretamente. O Brasil, o Governo Federal não toma atitude alguma. A ONG Comissão Pró-Yanomami, CCPY, dirigida pela suíça Cláudia Andujar e pelo italiano Carlos Zaccini, inicialmente, pregou a demarcação das terras indígenas - está até recebendo dinheiro para prestar serviços de saúde indígena nessa região - e está reclamando, com muito direito, a intromissão na coleta clandestina de sangue para pesquisa.

Em seguida, Sr. Presidente, para minha surpresa, recentemente, a Funai proibiu a entrada da alemã Christina Haverkamp na reserva indígena Yanomami. Ela foi detida pela Funai e reclama que a organização não-governamental de que faz parte, a Associação para a Defesa dos Povos Amazônicos, investiu R$110 mil na construção de um posto de saúde para os índios da comunidade Paapiú Novo.

Porém, analisando mais detidamente essa problemática, chamo a atenção para uma matéria publicada em O Estado de S. Paulo, no dia 8 de abril de 2002, sob o título “Biodiversidade: Quanto Valem a Fauna e Flora Brasileiras - 6 mil animais, 15 milhões de insetos, inúmeras plantas: potencial de R$4 trilhões está nessa região.”

Outra matéria nesse sentido também foi publicada no site Panorama Brasil: “Patrimônio de R$2 trilhões aguarda legislação”. Há divergência apenas quanto ao valor, mas já está havendo exploração estrangeira.

Sr. Presidente, também quero fazer o registro do artigo “Lideranças indígenas organizam-se”, a respeito de um importante pronunciamento do líder indígena Jonas Marcolino, do meu Estado, que presidiu e que faz parte da organização não-governamental Sodiur: “Defendendo a manutenção dos não-índios em suas terras, eles também apóiam ações governamentais nas áreas indígenas e querem a presença do índio no Legislativo Estadual.” Não lerei a matéria na íntegra, pois é longa, mas requeiro que também faça parte do meu pronunciamento, pois, repito, quero que sirva para a nossa reflexão e para que possamos, no Dia do Índio, não somente fazer um registro das injustiças que estão sendo cometidas e da falta de avanço nas questões sociais em seu benefício.

Apresentei os PLS n°s 135/00 e 136/00, que dispõem sobre reserva de cotas de vagas para índios em universidades e concursos públicos, respectivamente. Recentemente, o Senador Tião Viana apresentou projeto, até mais abrangente do que os meus, também nesse sentido, e considero, Sr. Presidente, que essas são iniciativas positivas e a favor do índio. Pensarmos que devemos isolar os índios em comunidades é, simplesmente, querer tapar o sol com a peneira.

Já fiz o registro, desta tribuna, de uma longa matéria publicada no Correio Braziliense do dia 10 de março de 2002, sob o título “Os índios invisíveis”:

Moradores das aldeias de todo o País migram para as cidades em busca de emprego e de educação. Misturados na multidão, fazem bicos, trabalham no comércio e muitos conseguem estudar até chegar a um curso superior. Realmente, conheço vários índios que têm curso superior.

A matéria frisa, principalmente, que em São Paulo existem vários índios que estão ocupando um prédio do conjunto Cingapura:

A grande aldeia paulistana: os pernambucanos pankararu são o maior grupo de índios que vivem na maior cidade brasileira, em São Paulo. A metrópole também abriga os guarani, kaingang, krenak, terenas e fulniôs. Moram em favelas, apartamentos, lotes e em uma pequena área de mata (...).

            Há, inclusive, a foto de um índio, Adilson Pankararu, que “saiu de Pernambuco para morar em São Paulo. Hoje, mora num prédio ocupado apenas por índios no conjunto Cingapura e estuda Ciências Contábeis na PUC.”

            Sr. Presidente, é bem verdade que ainda não existem estatísticas confiáveis, mas na minha cidade, Boa Vista, capital do Estado de Roraima, com certeza, deve haver mais índios morando nos bairros de Boa Vista do que nas aldeias indígenas.

Deixo, então, esse ponto para reflexão. No momento em que homenageio o Exército - eu trouxe aqui a figura do Marechal Rondon - e os índios, quero, dentro desse enfoque dos índios invisíveis, lembro o ex-Deputado Juruna, que hoje, paralítico, mora em uma cidade satélite do Distrito Federal, locomove-se numa cadeira de rodas e se sente realmente revoltado com a situação da política indigenista do País.

Sr. Presidente, faço novamente um apelo ao Presidente da República - sei que existe uma comissão interministerial, que, de maneira sigilosa, está estudando a reestruturação da Funai, como se reestruturar a Funai fosse a resolução do problema do índio - para que Sua Excelênica não encerre o seu mandato sem antes nomear para a presidência da Funai um índio, além de permitir a participação efetiva do índio naquela instituição e não apenas a de procuradores de índios, evidentemente sem desmerecer os excelentes funcionários da Funai.

Sr. Presidente, se as entidades que defendem os negros são sempre presididas e comandadas por negros; se as que defendem as mulheres são sempre presididas e comandadas por mulheres, por que a dos índios não deve ser presidida pelos índios? Aliás, o Governo deveria copiar o exemplo do meu Estado, o primeiro a nomear um índio para exercer o cargo de Secretário na Secretaria do índio. Refiro-me ao Sr. Orlando Justino, que vem fazendo, em pouco tempo, um excelente trabalho junto às comunidades, discutindo os seus pleitos e a valorização do índio como pessoa.

Sr. Presidente, ratifico a minha posição de admiração pelo Exército Brasileiro, principalmente pelo trabalho de integração atual e o já realizado pelo Marechal Rondon. Aos índios brasileiros, quero dizer que essa luta deve ser travada não por alguém que se julgue dono da verdade a respeito da tese, mas, sim, em uma discussão ampla, que envolva todos os pontos de vista a respeito.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO

(inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2002 - Página 5420