Discurso durante a 46ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o destino do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais, Mário Lill, feito prisioneiro de Israel no conflito com os palestinos.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Preocupação com o destino do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais, Mário Lill, feito prisioneiro de Israel no conflito com os palestinos.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2002 - Página 5601
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, GESTÃO, ORADOR, EMBAIXADOR, GOVERNO ESTRANGEIRO, ISRAEL, SOLICITAÇÃO, PROTEÇÃO, LIDER, MOVIMENTO TRABALHISTA, BRASIL, VISITA, SOLIDARIEDADE, YASSER ARAFAT, CHEFE DE ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, PALESTINA, PERIODO, CONFLITO, ORIENTE MEDIO, VITIMA, PRISÃO, EXERCITO ESTRANGEIRO, APREENSÃO, RISCO DE VIDA, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ITAMARATI (MRE).

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de não precisar usar esta tribuna nesta tarde de hoje, mas me leva a fazê-lo essa globalização violenta, que vem no bojo de 344 guerras, entre 1780 e 1940, registradas por Gaston Bouthoul e por René Carrère em seu livro chamado O Desafio das Guerras, pág. 16. No séc. XIX, entre 1840 e 1940, o maior historiador do séc. XX, Erik Hobsbaum, registra 87 guerras mundiais.

O grande empresário Antônio Ermírio de Moraes publica na Folha de S.Paulo um artigo em que pergunta: “O mundo enlouqueceu?”. Essa loucura que alguns chamam de globalização realmente não nos deixa sossegar. Hoje, pela manhã, ela bateu à minha porta muito cedo. Brasília já está esfriando; o vento do cerrado já reduz ainda mais o efeito térmico da queda da temperatura. E, cedo, eu estava lá, aguardando a presença de alguns companheiros na porta da Embaixada de Israel, para onde fomos, preocupados com os acontecimentos que ocorrem na guerra entre aquele país e seus vizinhos, principalmente a Palestina.

Parecia que os fatos encontrariam um fim pacífico, pelo menos uma trégua, quando foi anunciada a retirada das tropas invasoras de Israel dos territórios de Nablus e Ramallah. Encontrava-se ao lado, solidário aos palestinos, um irmão nosso, Mário Lill, que esteve recentemente com José Bové, conhecido camponês francês que participou de movimentos ligados aos interesses dos camponeses brasileiros. Aqui combinaram que iriam os dois emprestar a sua solidariedade a Yasser Arafat e aos grupos que defendiam as minorias desarmadas, inermes, da Palestina.

São tantas as guerras, são tantos os conflitos, são tantas as ameaças, são tantas as vezes em que se ergue a mão daqueles que afirmam possuir a verdade eterna, ser o bem e desempenhar com as suas espadas flamejantes a ação do bem contra o mal. Nós outros somos o mal, e eles são sempre o bem, não importa de que lado estejam, não importa qual a sua missão, não importa qual o grau de destruição de suas tropas.

Quando Mário Lill carregava a bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em solidariedade aos palestinos, irmãos seus foram obrigados a se defender com pedras. Intifada é a guerra das pedras. Desse modo, depois do desespero que leva os pobres palestinos a se defenderem com pedradas diante de tropas bem armadas, municiadas com tanques, com canhões, com obuses, com os instrumentos bélicos mais modernos, é evidente que a nossa tendência é a de aderirmos aos pobres, aos oprimidos, àqueles que estão sendo atacados em suas casas.

            Mário Lill se encontrava no quartel de Yasser Arafat. A imprensa do mundo noticiou, as televisões mundiais multiplicaram a imagem de Yasser Arafat envolvido pela bandeira dos trabalhadores brasileiros sem terra. E foi aí que os ataques israelitas obtiveram êxito, e eles ficaram presos sem água, sem luz, com as condições mais precárias de sobrevivência, em uma pequena sala, em um pequeno espaço daquele local transformado em quartel.

Assim, a nossa solidariedade não poderia faltar. Nossos 73 anos de idade resolveram se rejuvenescer para tentar conversar com as autoridades israelitas de Brasília, e fomos à Embaixada de Israel. Ficamos na rua. Tivemos o prazer de desfrutar daquela brisa livre que percorria, com a chuva delicada, aquele momento da manhã de Brasília. Esperamos pacientemente. Depois de cerca de uma hora, resolveram, afinal, permitir que eu e mais uma pessoa, das cinco que estávamos lá, adentrássemos aquela Embaixada. Apenas adentramos o local, porque ficamos circunscritos a um cubículo de uns 3,5m por 3m, na entrada, na porta.

Um tecnocrata, representante do senhor Embaixador, veio falar conosco, dizendo que ficássemos tranqüilos em relação ao destino de Mário Lill. Apesar de que aquele momento pelo qual ele passara trouxera elevado risco à sua incolumidade pessoal e à sua sobrevida, até então a voz de Israel havia prometido que não eliminaria Yasser Arafat nem os que com ele estavam presos naquele ambiente. Agora, a retirada das tropas de Israel, que deixaram atrás de si o rastro da violência, da destruição, de cadáveres que a Cruz Vermelha não pôde retirar de debaixo dos destroços, trazia grande risco à vida desse nosso simpático brasileiro, que foi à Israel apresentar solidariedade aos pobres daquele país, aos desarmados, àqueles que haviam se convertido em bomba porque não tinham senão pedras para desencadear sua luta defensiva.

Aquela solidariedade, a partir daquele momento, estava acarretando grande risco à existência desse nosso amigo. José Bové, o francês que o havia acompanhado até às terras palestinas para emprestar a mesma solidariedade desarmada, não se encontrava mais naquele lugar. Então, fiz ver esse fato àquele senhor que me recebeu ali, depois de uma hora de espera na rua e na chuva. Ou tentei mostrar esse fato a ele, pois percebi que era uma pessoa que, como grande parte da humanidade, aprendeu a falar, mas não a ouvir - e talvez este seja um dos piores males da humanidade; não quer compreender, não quer saber, já possui verdades pavlovianas incrustadas em sua cabeça, tem respostas para situações que sua visão de mundo torna unilaterais e simplistas. Tentei fazer com que o representante da Embaixada, que compareceu à portaria, lá fora, visse que a situação do companheiro Mário Lill parecia-me, sob diversos aspectos, obscura, estranha e perigosa.

Esse cônsul de Israel me afirmou que não havia risco algum, que a saúde física, a incolumidade física e pessoal de Mário Lill estaria assegurada apesar da retirada das tropas de Israel. Sim, mas como Israel se retira de um território e leva consigo alguém que não era prisioneiro, que era um visitante de Yasser Arafat? Parece-me esdrúxula essa situação. O brasileiro foi preso e, em certo sentido, seqüestrado para outro país, para outro local. Quem garantiria agora a sobrevivência desse nosso companheiro?

Ele me disse que lá havia algumas “medidas provisórias”. Também lá! Naturalmente, são leis de exceção ditadas por Israel sobre os seus adversários, os seus inimigos, nessa guerra desigual e desumana. E o cônsul, diante das minhas indagações, disse que não se lembrava de que eu houvesse protestado sobre aquele atentado num restaurante, onde um palestino, transformado em homem-bomba, fez explodir o restaurante e matou um turista brasileiro que ali se encontrava.

Mas é muito diferente a situação de um turista - que pode cair, sofrer um acidente num trem, num avião, ser atropelado ou ser vítima de um homem-bomba numa terra distante - do caso do nosso companheiro Mário Lill, que se encontrava fazendo uma visita de solidariedade à maior autoridade palestina, Yasser Arafat.

Desse modo, faço o registro desse acontecimento. Gostaria que ele não tivesse havido, mas estou preocupado, sim. Há uma intrincada questão de normas de relações internacionais. Seria muito mais tranqüilo que nosso companheiro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra fosse conduzido ali do local em que se encontrava, ao lado de Yasser Arafat, para o aeroporto, para que fosse recambiado ao Brasil.

Mas isso não ocorreu, ele foi preso, como se soldado fora, como se inimigo fora, como se adversário fora, e não como alguém que estava ali levando uma bandeira desarmada em solidariedade aos povos da Intifada, da pedrada. Santa guerra a guerra das pedras que se levantavam outrora contra os crimes praticados em circunstâncias graves pelos povos antigos. Intifada, uma guerra desatualizada, quando o mundo dispõe da capacidade de destruir 2.500 vezes o globo terrestre, a coetaneidade do não-contemporâneo se apresenta ainda jogando pedra como forma de fazer guerra.

A nossa preocupação foi externada. Diante de uma recepção muito estranhável, o principal, na Embaixada de Israel, em relação a nós, era a segurança, como se um bando armado estivesse ameaçando, ao invés de lá estarmos pedindo, delicadamente, para ser recebidos para tratar de um assunto que se agrava a cada momento.

Não houve solução. Agora, a confirmação da prisão de Mário Lill em território israelense. Ele foi preso perto de Jenin, onde se repetiu o holocausto, o campo de concentração destruído pelas forças de Israel.

Tenho certeza de que as autoridades brasileiras, tanto do Ministério da Justiça quanto da Embaixada brasileira, não cruzarão os braços, não ficarão indiferentes a esses acontecimentos que, do meu modesto ponto de vista, ferem as normas do Direito Internacional, os tratados que presidem inclusive as relações de guerra.

Qual autoridade vai julgar o nosso companheiro lá nas terras agora de Israel? Seqüestrado para Israel. Que autoridade é essa? Ali o sistema é de “medidas provisórias” - expressão do Sr. Cônsul. Medidas provisórias também lá, e em assuntos de alta relevância e de significado internacional inconteste.

Prisioneiros considerados de guerra, aprisionados e seqüestrados, serão julgados. Obviamente, se demonstrarmos a nossa preocupação - e assim eu tenho certeza de que vai acontecer, por exemplo, com o Dr. Sérgio Pinheiro, do Ministério da Justiça, e com autoridades do nosso Itamaraty -, estaremos criando uma possibilidade de proteger a vida desse nosso cidadão brasileiro.

Espero que nada de grave ou de mais grave venha a acontecer. O fato até agora registrado é da máxima gravidade, é da máxima relevância. O Governo brasileiro não pode ficar olhando apenas, de braços cruzados, sem interferir rigorosamente a favor da proteção da vida desse inerme e romântico lutador brasileiro, que foi lá emprestar a sua solidariedade àqueles que tinham em suas mãos pedras para realizar a guerra de defesa contra as tropas invasoras. Desta vez, esperamos que isso o Governo brasileiro tenha a coragem de fazer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2002 - Página 5601