Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM PELO COMEMORAÇÃO DO DIA DO INDIO.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA. IGREJA CATOLICA.:
  • HOMENAGEM PELO COMEMORAÇÃO DO DIA DO INDIO.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2002 - Página 5835
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA. IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA, INDIO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, SABA MANCHINERY, COORDENADOR, COORDENAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, INDIO, BACIA AMAZONICA, MELHORIA, POLITICA INDIGENISTA, ESTADO DO ACRE (AC), HOMENAGEM, RECEBIMENTO, TITULO, CIDADÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, FALTA, INTERESSE, MELHORIA, POLITICA INDIGENISTA, DESCUMPRIMENTO, PRAZO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • TRANSCRIÇÃO, TEXTO, AUTORIA, PAOLINO ALOISIO LORSCHEIDER, SACERDOTE, ELOGIO, ATUAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), CAMPANHA DA FRATERNIDADE, HOMENAGEM, INDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            MINHA HOMENAGEM AOS POVOS INDÍGENAS

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Escolhido por sua importância histórica para o indigenismo nas Américas, o dia 19 de abril é emblemático da própria história das lutas travadas pelo movimento indígena nas últimas décadas.

A data reverencia a participação dos índios no I Congresso Interamericano, realizado no México, em 1940.

Convidados a participar do evento, juntamente com representantes de diversos países americanos, os representantes indígenas relutaram em aceitar o convite, devido à desconfiança que nutriam em relação às sociedades não-índias. Após alguns dias, convencidos da importância do Congresso para a causa indígena, concordaram em participar.

No Brasil o registro em nosso calendário data do ano de 1943, por decreto do então Presidente da República Getúlio Vargas.

Passadas mais de seis décadas, as comemorações em torno do Dia do Índio deixaram de limitar-se a uma jornada escolar, simbólica, e ocuparam grandes fóruns, tomando semanas de discussão, às vezes meses, mesmo todo um ano, como foi o caso do movimento Brasil 500 anos. Em 2002, teremos conferências, encontros e debates consagrados, exclusivamente, à discussão da questão indígena em todo o país. Neles, os movimentos indígenas buscam consolidar sua atuação e desenvolver estratégias políticas para garantir sua cidadania, devolvendo-lhes seu lugar de sujeito da história.

Somente no Acre, acontecem essa semana dois eventos: o "III Encontro de Culturas Indígenas", promovido pelo Governo do Estado, UNI e Funai e apoiado por diversas entidades, em Rio Branco; e o encontro "Povos Indígenas do Rio Juruá celebram a idéia de uma terra sem males", que se realiza em Cruzeiro do Sul, e foi organizado pelo Mopij (Movimento dos Povos Indígenas do Rio Juruá) e Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Cabe ressaltar que o movimento indígena no Acre tem sido de grande valia para a política indigenista brasileira, revelando lideranças de peso no cenário nacional. Prova disso é o título de Cidadão Paulistano recebido, ontem, naquela capital, por Sabá Manchinery, Coordenador-Geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA).

Liderança carismática, o homenageado foi distinguido com a mais alta honraria prevista na lei orgânica do município de São Paulo. Após colaborar com importantes organizações indígenas do Acre e do Brasil, foi eleito por aclamação para a Coordenação da COICA, no ano passado, tornando-se o primeiro brasileiro a assumir tal posto.

Lamentavelmente, a despeito de toda a articulação política das organizações indígenas e do apoio de instituições financeiras, ONGs e órgãos governamentais, decorridos mais de 13 anos da promulgação da nossa Carta Magna, suas terras ainda não foram todas demarcadas.

O atual Governo Federal não age diferente, demonstrando total desinteresse em cumprir o mandamento constitucional estampado no art. 67, das Disposições Transitórias, que assim estabelece: "A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição".

O débito do Congresso Nacional não é menor. Em suas gavetas permanecem guardadas matérias absolutamente fundamentais para esses povos, como o Estatuto do Índio e a Convenção 169, a qual tive a honra de relatar perante à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado em 1999.

Como Senador, desde a primeira hora de meu mandato, tenho procurado lutar, junto ao Parlamento e ao Governo Federal, pelo estabelecimento de medidas que garantam o efetivo respeito às diferenças étnicas, à identidade cultural e aos direitos políticos, culturais e econômicos das populações indígenas, sistematicamente ignorados pelas autoridades brasileiras. Tenho ocupado a tribuna por diversas vezes para falar do assunto e apresentado proposições legislativas, como, por exemplo, o Projeto de Lei nº 07, de 2002, que institui mecanismos de ação afirmativa em prol das populações indígenas, que tramita no Senado.

Assim sendo, quero cumprimentar os índios do Acre, através de suas organizações e de suas lideranças, bem como o Governo do Estado e as demais entidades que colaboraram para tornar possível esse grande fórum de debates sobre questões relevantes para o seu destino.

Aproveito para irmanar-me nesse grande esforço coletivo empreendido pelos índios do Brasil e por tantas pessoas que, como nós, almejam ver garantidos seus direitos fundamentais como cidadãos desse país.

Gostaria de encerrar essa breve homenagem com duas mensagens, anexadas na íntegra, uma de D. Aloísio Lorscheider e, a outra, do Padre Paolino, as quais peço-lhes a gentileza de incorporar às minhas palavras, como forma de prestar um tributo à CNBB, que, este ano, elegeu os índios como tema da Campanha da Fraternidade, com o lema: "Fraternidade e povos indígenas - por uma terra sem males."

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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            O NOSSO POVO INDÍGENA

As tribos indígenas de nossa Pátria merecem todo o nosso empenho. São pessoas como nós. Têm os seus direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988. Os dois artigos referentes aos nossos povos indígenas honram os Constituintes que os redigiram e assinaram. Falta ainda a sua regulamentação. Já se passaram tantos anos. De 1988 a 2002 são precisamente catorze anos. Por que ainda não foram regulamentados estes pontos ? A impressão que se cria em quem observa de fora é que este assunto dos nossos indígenas seja um assunto de pouca monta. Na realidade, é bem o contrário. Se há assunto importante e urgente, é precisamente o assunto referente aos nossos indígenas. Eles aqui viveram e construíram civilizações antes de nós. Será que não prejudicamos o nosso belo País, deixando que tantos povos desaparecessem, e os que não desapareceram, vivam como párias ?!

Perderam-se muitas línguas; perderam-se muitas cosmovisões; perderam-se enormes valores culturais. Está na hora de ainda não só preservarmos o que aí está, mas oferecer aos povos indígenas que ainda restam, a possibilidade de um desenvolvimento ulterior, dentro de suas culturas, com respeito à sua organização .

Se eu pudesse apresentar um pedido, então eu pediria que o Estatuto do Índio fosse tomado a sério. Que ele não significasse um retrocesso em relação ao estabelecido constitucionalmente, mas fosse um passo à frente. O que fizermos em prol do nosso povo indígena, nós o fazemos em prol do nosso querido País.

Cordialmente,

Aloísio Cardeal Lorscheider

Arcebispo de Aparecida-SP

Abril/2002

 

Carta enviada ao Senador Tião Viana pelo Padre Paulino

Sena Madureira 16-4-2002

Caríssimo Exmº Senador Tião,

Saudações cordiais.

No dia 19 de abril há muito tempo lembramos os nossos amigos índios. Se faz reuniões, estudos, passeatas folclóricas. Tudo bem porque a nossa sociedade deve se acostumar à pluralidade de culturas e tornar o índio que por muito tempo foi considerado um ser humano inferior, e "acutizado" (sic) de um racismo exagerado que levou aos massacres da última guerra.

Não gosto realmente de lembrar o índio como folclore, mas como realmente ele é, na sua simplicidade, na sua partilha, nas suas danças nas noites de luar, nos altos dos barrancos do rio Purús, enquanto a lua estendia um véu misterioso de prata e tornava aquelas noites em um saber quase místico. O índio, especialmente o Kulina que conheço mais e no meio dele vivi e saboreei a cultura.

Tudo falava de alegria. Os meninos se levantavam de manhã, ajeitavam os seus pequenos arcos e pequenas flechas, se internavam na mata caçando e voltavam à roda de um foguinho, assavam a caça - que muitas vezes era um calango, um rato coró.

Como era bonito escutar a descrição da caça.

As meninas seguiam as mães com um cesto nas costas e iam para o roçado, limpando e ajudando-as com pequenas facas as mães que limpavam estivas, às vezes com a pequenina na tipóia que ficava mamando enquanto a mãe limpava o roçado, e chegando na aldeia, faziam o fogo e assavam macaxeira e bananas, enquanto a menina maiorzinha embalava a criancinha na rede cantando saudosas e suaves melodias. Tudo respirava serenidade.

Não quero dizer com isto que não tivessem defeitos porque todo ser humano tem, mas ... a grande vantagem que mais achava nele é que não tinha ganância. A criança era criada com liberdade e não era nunca açoitada. Um dia, uma criancinha foi tirar um peixinho que assava no fogo no terreiro e se queimou e correu com a mãe, chorando e a mãe não bateu nem repreendeu. Só disse: "Vai buscar de novo". E ela foi e se queimou e chorou de novo e correu até a mãe. A mãe disse: "Vai buscar de novo" mas ele não foi e aprendeu que não devia mexer com fogo.

Infelizmente esta cultura foi deturpada pela ganância que introduziu o álcool, e o gado que tinham e que prosperava bem foi vendido a troco de enxada e de álcool. Um patrão fez um grande campo para o gado com a mão de obra barata dos índios e o pagamento era o álcool porque o índio não valia nada, não sabia nada. Pelo menos agora, entendemos que devemos amar os índios e a cultura dele e o esforço do governo está neste sentido, embora que aprenderam o infeliz caminho da cidade, mas ... reconhecê-los, ajudá-los e amá-los já é muita coisa. Infelizmente pedem o que prejudica mais, mas porque querem imitar o branco e dos brancos assumem os defeitos. Os índios devem ser amados porque no fundo da cultura deles nos dão uma mensagem de esperança. No mundo de um capitalismo selvagem, consumista e individualista, nos dizem que devemos partilhar, que a vida é alegre, devemos vivê-la em abundância.

Os homens iam para as roçadas e cantavam e trabalhavam todos juntos. Tudo era partilhado, era trabalho, era caça, era pesca. Não era uma sociedade competitiva e egoísta. É verdade que nas casas não tinham nada, mas é verdade que todos, desde pequenos, se acostumavam a procurar na floresta e no rio o que comer. Sempre ia nos roçados com eles, mas sempre me colocavam perto de alguma pessoa de confiança, porque não conhecendo a mata podia acontecer alguma coisa e de fato um dia levantando o facão, vi o índio segurar o braço e gritar "cobra, cobra" e era uma perigosa papagaia. Outra vez, dois meninos estavam ao meu lado e com o facão terçado roçavam o mato. A um certo ponto o menino gritou "macá"; não entendendo bem, continuei e os dois seguraram a minha mão e mostraram uma terrível "pico de jaca". Nestes pequenos atos percebia a delicadeza deste povo humilde, simples mas também extremamente brincalhão.

Um dia estavam roçando e havia muita jurubeba. Não sabendo bem a língua, gritavam " parí". Eu pensava que fosse "Padre" e ficava parado e a jurubeba caia em cima de mim com os espinhos e eles riam, mas "parí" queria dizer "cuidado, cuidado!".

Ia caçar com eles mas eu não sabia caçar e tinha ódio por causa da guerra de armas, mas eles defendem a personalidade de cada um e ninguém pode ser desprezado na comunidade e quando chegava na aldeia me davam um quarto de veado para levar para casa. Assim era a pesca, embora não pescasse quase nada, dividiam o peixe e me davam para entrar honradamente na aldeia e não ser humilhado. Na aldeia sempre vi muita criatividade. As mulheres descaroçavam o algodão, fiavam e ao mesmo modo falavam e riam animadamente.

Pe. Paolino de Baldassari


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2002 - Página 5835