Discurso durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA POR MELHOR UTILIZAÇÃO DAS AGUAS SUBTERRANEAS DO NORDESTE COMO SOLUÇÃO PARA A SECA NA REGIÃO, SOBRETUDO NO PIAUI.

Autor
Benício Sampaio (PPB - Partido Progressista Brasileiro/PI)
Nome completo: Benício Parente de Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DEFESA POR MELHOR UTILIZAÇÃO DAS AGUAS SUBTERRANEAS DO NORDESTE COMO SOLUÇÃO PARA A SECA NA REGIÃO, SOBRETUDO NO PIAUI.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2002 - Página 5934
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, FALTA, APROVEITAMENTO, AGUAS SUBTERRANEAS, REGIÃO NORDESTE, INSUCESSO, TENTATIVA, UTILIZAÇÃO, AGUA, EXCESSO, SECA.
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, LEGISLAÇÃO, AGUA, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS (ANA), NECESSIDADE, AUMENTO, APROVEITAMENTO, AGUAS SUBTERRANEAS, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, REGIÃO NORDESTE.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), AUMENTO, APROVEITAMENTO, AGUAS SUBTERRANEAS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EUROPA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, INVESTIMENTO, PROGRAMA, AGUAS SUBTERRANEAS, REGIÃO NORDESTE, AUTORIA, SERVIÇO, GEOLOGIA, BRASIL.
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), REALIZAÇÃO, ESTUDO, HIDROGEOLOGIA, REGIÃO NORDESTE, DEFESA, ATUALIZAÇÃO, PESQUISA, BENEFICIO, APROVEITAMENTO, AGUAS SUBTERRANEAS, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

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O SR. BENÍCIO SAMPAIO (Bloco/PPB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais poucos dias e encerra-se o ciclo das chuvas no Piauí. Incrustado no Nordeste, parte importante no semi-árido, retorna o Piauí a sua realidade climática, para a qual sua análise histórica não prevê solução.

O empobrecimento físico-cultural da população, mais uma vez a frustração da safra, não obstante chuvas normais mas irregulares, prevê a antecipação de grandes tensões sociais para as próximas décadas na região.

Há nítido declínio da atividade agrícola tradicional de subsistência e da cultura do feijão, do milho, do arroz e do algodão - sendo que no caso deste último ainda não há solução definitiva para o problema do bicudo. As sementes de espécies mais resistentes não estão amplamente disponibilizadas.

A pecuária diminui proporcionalmente ao crescimento populacional, muito embora tenha melhorado o padrão racial e genético dos bovinos, ovinos e caprinos. Há pouco menos de dois séculos, era mais pujante que as do Centro-Oeste e da região sul do País.

A atividade econômica no meu Estado e também na região, resultante de ações governamentais emergenciais temporárias e/ou “permanentes” de combate à seca é, por vezes, de maior magnitude que a economia da lavoura e pecuária tradicionais.

Por entender que há que se encontrar um caminho que viabilize solução para a coexistência climática e o processo evolutivo social é que, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, subo nesta tribuna e venho falar de um assunto secular e paradoxal: a seca e as águas subterrâneas no Nordeste. Secular, porquanto o tema remonta ao tempo do nosso Império, encontrando-se todavia sem solução definitiva. Paradoxal, porque, apesar do visível quadro de miséria, é sabido por todos que existem soluções para que o bravo povo nordestino conviva com a seca e que uma dessas soluções encontra-se adormecida debaixo do solo. É a água subterrânea a espera de sua explotação racional em favor do desenvolvimento. No Piauí, ela é de boa qualidade e tem um volume igual ao de várias Baías de Guanabara.

Apesar de restritas águas superficiais, o Nordeste é rico em águas subterrâneas. O Brasil conta com disponibilidade hídrica superficial correspondente a 12% da reserva de água doce mundial, tendo ainda um elevado potencial de água subterrânea. O Nordeste tem 30% da população do País e apenas 3% de água de superfície, já disse aqui o Senador José Alencar, de Minas Gerais. Não obstante, o País enfrenta dois grandes desafios: a escassez e a contaminação da água. Escassez natural no semi-árido nordestino, região que padece dos efeitos dos longos períodos de estiagem; e contaminação no restante do Brasil. Mesmo tendo fartura de água, as regiões Sul e Sudeste já sofrem de escassez não-natural, devido aos níveis críticos de contaminação, que tornam a água indisponível para o uso. Esse tem sido o diagnóstico freqüente dos especialistas da área de recursos hídricos.

A Lei nº 9.433/97, Lei das Águas, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, é um instrumento jurídico dos mais modernos do mundo, contém princípios que contribuem para uma nova ordem no gerenciamento da água no País. Essa nova ordem pressupõe a cooperação, a visão sistêmica, a descentralização e a ação participativa das instituições públicas e privadas e da sociedade civil organizada visando preservar o líquido fundamental à sobrevivência da humanidade.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a aplicação dessa lei por si só não resolverá o problema da escassez e da poluição das águas de nosso País, detentor de enormes diferenças regionais, seja do ponto de vista fisiográfico e ambiental, seja do ponto de vista econômico, cultural ou social. Exige, portanto, um tratamento diferenciado por região na aplicação do modelo de desenvolvimento.

A maior parte da região semi-árida caracteriza-se física e ambientalmente pelo limitado potencial produtivo, com a evapotranspiração elevada, a ocorrências de secas pronunciadas, solos de baixa profundidade, alta salinidade, baixa fertilidade e pouca capacidade de retenção de água. Em conseqüência, vêm a falta de alimentos, a miséria, as doenças de veiculação hídrica, as epidemias e o êxodo rural. As águas subterrâneas, ao contrário das áreas superficiais, não sofrem o ataque do ambiente externo hostil. Uma vez bem administradas, são fontes seguras para sua utilização em prol do desenvolvimento regional.

A crise de energia - 80% de geração por hidroelétricas -, que também afeta o desenvolvimento do País e sobretudo do Nordeste, vem exigindo reflexões profundas no âmbito político, institucional e técnico, pois para debelá-la são necessárias ações coordenadas entre o Governo, a iniciativa privada e a sociedade civil. Aprendemos com ela que também é necessário maior articulação institucional. A crise também permitiu constatar que necessitamos de sistemas preventivos mais eficazes no controle de eventos hidrológicos críticos e revelou que a sociedade está preparada para responder positivamente aos apelos para a racionalização da energia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a retomada do desenvolvimento nordestino exige a adoção de várias soluções a serem executadas simultânea e complementarmente. Entretanto, todas elas devem considerar fortemente a participação das águas subterrâneas.

No plano institucional, foi criada a Agência Nacional de Águas, ANA, com a incumbência de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos. Surgem, no bojo dessa nova ordem, os Comitês de Bacias, e os Estados começam a instituir legislações próprias sobre recursos hídricos. Essa nova estrutura de gestão favorece a colocação das águas subterrâneas em seu merecido lugar de importância. Todavia, esse processo de transformação é lento, pois exige mudanças comportamentais e culturais profundas, bem como o rompimento com velhos paradigmas, tais como centralização, fragmentação de visões e poder da informação.

Um exemplo típico de velho paradigma a ser rompido é a tradição brasileira de supervalorizar a água superficial em detrimento da água subterrânea. Isto está nas mãos dos planejadores de políticas públicas, que, via de regra, buscam soluções para o atendimento das demandas de água no Nordeste a partir de barragens e açudes, apenas. Essa atitude é temerária e limitada, pois sabe-se que a evaporação das superfícies de água no Nordeste é intensa, que a água subterrânea representa 98% de toda a água doce disponível e que esse precioso líquido pode estar no ar, na superfície e no subsolo, ou seja, em permanente e contínuo movimento no ciclo hidrológico.

Praticamente todos os países do mundo utilizam água subterrânea para suprir suas necessidades, seja no abastecimento público, seja na irrigação, produção de energia, indústria, etc. O início dessa utilização perde-se no tempo e o seu crescimento tem acompanhado o desenvolvimento do homem na Terra. Consistia inicialmente no aproveitamento da água em nascentes e em poços rasos, resultantes de escavações rudimentares, que com o tempo evoluíram para cacimbas revestidas de pedra e posteriormente também de tijolo. A Revolução Industrial trouxe novos equipamentos de perfuração, tornando possível a construção de poços de melhor qualidade técnica em tempo cada vez menor e com profundidades cada vez maiores.

A Unesco tem registrado um crescimento acelerado na utilização das águas subterrâneas e, conseqüentemente, problemas decorrentes da má utilização dos aqüíferos em várias partes do planeta. Estima-se em 300 milhões o número de poços perfurados no mundo nas três últimas décadas. A demanda de água subterrânea varia entre os países e, nestes, de região para região, constituindo o abastecimento público, de modo geral, a maior demanda individual. A Europa, por exemplo, tem 75% de sua população atendida com água do subsolo, podendo esse percentual atingir 90% em alguns países, como Suécia, Holanda e Bélgica. Avalia-se que existam no mundo 270 milhões de hectares irrigados com água subterrânea, 13 milhões desses nos Estados Unidos e 31 milhões na Índia.

Em todo o mundo, a partir da década de 50, tem-se atribuído aos reservatórios hídricos subterrâneos um papel de destaque no equacionamento do problema da água em regiões áridas e semi-áridas, como a Austrália, e mesmo desérticas, como a Líbia, onde cidades e grandes projetos de irrigação têm a demanda de água atendida por poços tubulares perfurados em pleno deserto do Saara. No Brasil, esse fato deveria ser considerado principalmente nas ações que visam minimizar a carência de água, como é o caso da região Nordeste.

No Brasil, cerca de 42% do território apresenta uma boa favorabilidade para a captação de água subterrânea, principalmente nas regiões correspondentes às grandes bacias sedimentares, onde a potencialidade hídrica subterrânea é bastante elevada. Entretanto, a utilização desse recurso concentra-se em áreas urbanas, visando o abastecimento humano e industrial. Estima-se que, no Brasil, 50% das cidades utilizam água subterrânea no abastecimento, sendo o Estado de São Paulo o maior usuário, com 70% das cidades e 90% das indústrias utilizando essa forma estratégica de abastecimento. Na região Nordeste, os Estados do Piauí e do Maranhão e algumas capitais e cidades de médio porte, como Maceió, Recife, Natal, João Pessoa, Mossoró e Juazeiro (CE), dentre outras, dependem fundamentalmente da água subterrânea.

Em consonância com essa realidade, o Programa de Água Subterrânea para a Região Nordeste, em desenvolvimento pelo Serviço Geológico do Brasil e alinhado ao PPA, Águas do Brasil, visa basicamente gerar informações e o conhecimento necessários para subsidiar ações que possam promover o desenvolvimento da região utilizando racionalmente as águas subterrâneas disponíveis.

Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse programa, embora extremamente útil e articulado na sua programação, por incrível que pareça continua sem recursos financeiros para sua execução.

No Nordeste, em função dos problemas crônicos de escassez de água, não se pode duvidar da importância do conhecimento hidrogeológico regional. Foi assim que pensou a Sudene, nas décadas de 60 e 70, o que propiciou o primeiro - e, diga-se, o único - estudo hidrogeológico sistemático em escala regional, abrangendo praticamente toda a região semi-árida. Até hoje essa informação é utilizada como referência para o planejamento de captação e gerenciamento da água subterrânea no Nordeste. Embora de valor inestimável, esse trabalho está defasado. Faz-se necessário realizar um estudo hidrogeológico regional atualizado. Primeiro, porque em recursos naturais não existe verdade absoluta, e o conhecimento avança paulatinamente a cada nova informação coletada e interpretada.

Faz 27 anos que a Sudene paralisou os estudos hidrogeológicos no Nordeste, e desde então nenhum novo tijolo foi colocado na construção desse conhecimento. De 1975 para cá, a hidrogeologia avançou de forma exponencial, podendo, com certeza, subsidiar o aproveitamento racional dos recursos hídricos subterrâneos existentes. Esse conhecimento pode revelar, talvez, potenciais ainda desconhecidos que estão adormecidos, aguardando ser despertados para fluir ao encontro de necessidades da população sofrida daquela região.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, permitam-me descrever no atual contexto, de forma especial, o meu Estado do Piauí, um dos mais pobres do País, que, entretanto, é reconhecido como detentor dos maiores potenciais de água subterrânea de boa qualidade do Nordeste. Aí, nenhuma política pública de desenvolvimento deveria ser implementada sem antes considerar a utilização das nossas águas subterrâneas.

Aproximadamente 90% do território piauiense é ocupado pela província hidrogeológica do Parnaíba, caracterizada por excelentes aqüíferos, como as Formações Serra Grande, Cabeças, e o Sistema Poti-Piauí, com capacidade para, além de suprir totalmente as necessidades de abastecimento da população, garantir extensas áreas irrigadas, como as já existentes no vale da Gurguéia. Serra Grande permite vazões de 10 a 300, e Cabeças, de 20 a 500 metros cúbicos por hora.

A riqueza do Piauí, ilustres Parlamentares, encontra-se latente sob os pés de sua população sofrida porém ansiosa por novas oportunidades de desenvolvimento.

Somente na bacia do Parnaíba estimam-se reservas permanentes da ordem de 2 trilhões de metros cúbicos e reservas explotáveis variando em torno de 10 bilhões de metros cúbico ao ano, volumes esses 440 e 2,2 vezes maiores que o previsto para ser armazenado, em sua maior cota, no famoso açude Castanhão, em construção no Ceará.

No entanto, o nível de utilização dessas águas no Piauí é de apenas 1,05%, e o Estado apresenta o menor Índice de Desenvolvimento Humano - IDH. Isso é alarmante e devemos, então, fazer algumas perguntas, para reflexão.

O que leva o Piauí a essa situação de pobreza, se em zonas mais áridas e com menos água subterrânea, como é o caso da Califórnia, nos Estados Unidos, e em Israel, existem verdadeiros oásis com níveis de desenvolvimento surpreendentes?

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como devemos enfrentar os desafios da utilização integrada das águas superficiais e subterrâneas no Nordeste e, em particular, no Estado do Piauí, de modo a proporcionar uma melhoria acentuada nos indicadores sociais e promover o desenvolvimento regional sustentável?

No plano institucional, é fundamental buscar a progressiva integração das políticas públicas, rompendo barreiras institucionais por meio de instrumentos de cooperação e utilização de competências complementares entre órgãos, em que estejam contemplados, de forma integrada, os programas hídricos, ambientais, educacionais e sociais.

No plano técnico, é necessário reconhecer as diferenças regionais e adotar abordagens diferenciadas na gestão dos recursos hídricos. No Nordeste, a escassez natural de água deve ser abordada de forma sistêmica, integrando órgãos e soluções que considerem a gestão tanto da oferta como da demanda de água, bem como o aproveitamento integrado das águas superficiais e subterrâneas.

Especificamente em relação às águas subterrâneas, é necessário implementar o Programa de Água Subterrânea para a Região Nordeste, tal como concebido pelo Serviço Geológico do Brasil, que contempla uma fase inicial de cadastramento das fontes de abastecimento por água subterrânea, proporcionando a implantação de um sistema de informações com mecanismos de atualização permanente que servirá de base para orientar ações efetivas de aproveitamento e gestão dos recursos. Numa segunda fase, seriam feitos os estudos de avaliação da potencialidade dos aqüíferos e, finalmente, o mapeamento hidrogeológico da região. Esse programa, acompanhado de outras ações programáticas relacionadas com o assentamento de infra-estrutura hídrica, permitirá o fortalecimento institucional do Estado e proporcionará uma melhoria da oferta hídrica na região, contribuindo para o seu desenvolvimento socioeconômico.

No Piauí, é fundamental a realização urgente do perfil hidrogeológico do Estado e o imediato cadastro dos poços artesianos existentes - estimam-se mais de 41.000 -, identificando os paralisados, os abandonados, os não instalados e aqueles em uso, de forma a permitir plena e racionalizada utilização.

Poucos são os salobres e os salinos a serem isolados para consumo humano.

Desta ação, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, das atitudes comportamentais conseqüentes e de um amplo programa de apoio cultural e tecnológico certamente resultarão oportunidades ímpares de crescimento e desenvolvimento.

Conclamo, portanto, desta tribuna, a participação dos Ministérios das Minas e Energia, da Integração Nacional, do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente para, em conjunto, articulados com a Agência Nacional de Águas, possam adotar atitudes e viabilizar recursos para tão ampla e importante proposta, que certamente contribuirá para a mudança do perfil socioeconômico e cultural da região.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2002 - Página 5934